TAC da Carne: Governos estaduais são entrave na análise da regularidade
da cadeia
O Ministério Público Federal divulgou, na tarde
desta quinta-feira (26), os resultados do primeiro ciclo unificado de
auditorias na cadeia da pecuária na Amazônia Legal. Ao contrário das análises
anteriores, que consideravam somente os frigoríficos do Pará, desta vez também
foram analisadas empresas do Amazonas, Acre, Mato Grosso e Rondônia. A falta de
colaboração dos governos estaduais, no entanto, prejudicou a realização de uma
análise mais efetiva da legalidade do setor.
Dos cinco estados da Amazônia Legal signatários do
acordo com o Ministério Público Federal que proíbe a compra de gado de fazendas
com desmatamento ilegal, apenas três disponibilizaram os dados necessários para
a auditoria realizada pelo órgão.
Para checar a origem do gado que vai parar nos
frigoríficos da Amazônia Legal, o MPF precisava de dois documentos essenciais
dos órgãos sanitário e ambiental dos estados: a Guia de Trânsito Animal (GTA) e
o Cadastro Ambiental Rural (CAR), respectivamente.
Durante o processo de auditoria, apenas Pará,
Amazonas e Acre disponibilizaram tais informações. Em Mato Grosso, estado com o
maior rebanho bovino do país (34 milhões de cabeças), e em Rondônia (17 milhões
de cabeças), os órgãos públicos decidiram por não abrir os seus dados.
Segundo Lisandro Inakake, gerente de projetos do
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), organização
parceira do MPF na realização das auditorias, isso impossibilitou uma análise
mais acurada da origem do gado.
“Nesses estados, as auditorias foram feitas com
base apenas nas compras das empresas, o que perde um pouco a qualidade. Esse é
um ponto de fragilidade desse ciclo unificado”, explica Inakake.
De acordo com ele, a negativa dos estados que não
abriram os dados foi justificada por um alegado enfraquecimento do mecanismo de
controle sanitário.
Segundo apurou ((o))eco, ao longo do processo de
auditoria, também apareceram como justificativa o cumprimento da Lei Geral de
Proteção de Dados Pessoais – argumento rechaçado por juristas – e uma alegada
quebra na lógica da livre concorrência.
“Acho que tem um aspecto aí que é a insegurança por
parte dos responsáveis pelas agências [ambiental e sanitária] em disponibilizar
tais informações e, digamos assim, assumir o risco. Acredito até que eles
preferiam que tivesse alguém para compartilhar essa responsabilidade, como o
próprio Ministério Público em uma ação, por exemplo”, diz Inakake.
• Ciclo
unificado
O Termo de Ajustamento de Conduta da Carne – TAC da
Carne, como é conhecido – foi lançado em 2009 e, desde então, apenas os
frigoríficos do Pará passaram por auditorias.
“Nos outros ciclos, uma questão que era sempre
levantada pelo setor produtivo, com muita propriedade, era: por que só as
empresas do Pará que se submetiam a esse processo de transparência, de abrir os
seus arquivos, de mostrar para a sociedade
brasileira como um todo se comprava ou não de área desmatada, terras indígenas
ou unidades de conservação”, disse o Procurador da República, Daniel Azeredo,
durante apresentação dos resultados.
Azeredo, que é um dos precursores dos acordos da
carne na Amazônia, disse que o ciclo unificado é uma forma de corrigir uma
assimetria nos resultados das análises e trazer, por meio do engajamento e
participação, todas as grandes e médias empresas instaladas na floresta
tropical.
“Ainda há muito o que fazer, há muito o que se
avançar, não está ainda no nível que a gente gostaria que estivesse o processo
como um todo, mas ele precisa começar, né, e ele está começando”, complementou.
No ciclo unificado, as empresas estão divididas em
dois grandes grupos: o primeiro é o dos frigoríficos que voluntariamente
assinaram o TAC da Carne, abriram seus dados e contrataram uma auditoria para
analisá-los.
O segundo grupo é o das empresas que não assinaram
o acordo e tiveram as auditorias realizadas à “revelia” pelo MPF, utilizando
dados de GTA e CAR – nos casos de Pará, Amazonas e Acre – ou a lista de compras
– no caso do MT e RO, cujos governos não abriram os dados, como explicado
acima.
“A ideia é que ninguém se esconda. E essa é uma
demanda das próprias empresas que participam desse processo, senão a gente tem
um caso típico de concorrência desleal”, disse Azeredo.
• Resultados
do 1º Ciclo Unificado
O primeiro ciclo unificado considerou as transações
realizadas entre julho de 2020 e dezembro de 2021. No total, 66 frigoríficos
nos cinco estados analisados foram convocados a participar das auditorias.
Trinta em uma plantas frigoríficas realizaram suas
próprias auditorias. Grandes frigoríficos, como JBS, Marfrig e Minerva, possuem
plantas em mais de um estado. Nesses casos, as plantas foram auditadas
separadamente.
Das empresas que se comprometeram a participar, no
entanto, 12 ainda não apresentaram os dados a tempo da divulgação. A elas, foi dado o prazo de janeiro de 2024
para assim o fazer.
Outros 35 frigoríficos não realizaram suas próprias
auditorias e foram analisadas automaticamente pelo Ministério Público Federal.
# Acre
No Acre, três empresas foram convocadas a
participar, entre elas a JBS. A gigante da carne foi a única a fazer sua
própria auditoria e apresentou 10% de inconformidade. Isto é, cerca de 4 mil
cabeças de gado estavam inconformes – em área de desmatamento ilegal, Terra
Indígena, Unidade de Conservação ou com trabalho análogo à escravidão.
As outras duas empresas – Fricarnes e Modelo –
foram auditadas pelo MPF e apresentaram, juntas, 5,5% de irregularidades (2.165
cabeças de gado inconformes).
# Amazonas
No Amazonas, 10 empresas foram convocadas. Destas,
quatro contrataram auditoria, mas até o momento não apresentaram resultados. As
outras seis foram auditadas pelo MPF e apresentaram, juntas, 7,4% de
inconformidade (16.339 cabeças de gado inconformes).
# Mato Grosso
Em Mato Grosso, 17 frigoríficos foram convocados,
sendo que 13 se comprometeram a apresentar suas auditorias. Desses 13, no
entanto, apenas três – JBS, Marfrig e Minerva – apresentaram seus resultados.
Outros quatro frigoríficos foram auditados pelo MFP.
Neste estado, a planta da JBS apresentou 2% de
inconformidade (5.142 cabeças de gado). Marfrig e Minerva não apresentaram
inconformidades.
# Rondônia
Em Rondônia, dois frigoríficos foram convocados –
JBS e Minerva – e os dois fizeram suas auditorias. A JBS neste estado comprou
quase 21 mil cabeças de gado de áreas irregulares, o que representou 12% das
transações. Minerva não apresentou inconformidade.
# Pará
O Pará sempre recebeu uma atenção especial no
âmbito da TAC da Carne, tanto pelo número de frigoríficos instalados quanto
pelo volume de gado abatido. Antes do ciclo unificado, o estado passou por
outros quatro ciclos de auditorias.
De julho de julho de 2020 a dezembro de 2021 – período
considerado neste último ciclo – o estado abateu 3,5 milhões de cabeças de
gado. A amostra analisada nas auditorias deste ano englobaram cerca de 330 mil
cabeças. O total de inconformidade ficou em 4,81% (16 mil cabeças).
Este foi considerado um bom resultado, já que o
índice de irregularidade veio caindo desde que o primeiro ciclo foi realizado
(10,4% de inconformidade na ocasião).
Considerando os resultados de todos os estados, o
procurador Daniel Azeredo admite que o resultado ideal ainda está longe de ser
alcançado, mas que este é um começo.
“Quando o MPF vai poder gastar nossa energia com
outro tema e deixar a pecuária na questão ambiental caminhar livremente? Quando
a gente tiver uma certeza próxima de 100 % de que o gado que entra em uma
empresa frigorífica não venha de desmatamento legal. Nós estamos perto de
alcançar isso? Infelizmente, não. Mas é para isso que estamos trabalhando”,
disse.
O TAC da Carne foi lançado em 2009 e já tem 14 anos
de vigência.
Ø Conselho recomenda que STF rejeite proposições pela redução ou isenção
fiscal a agrotóxicos
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou, nesta
quinta (26/10) uma recomendação para que os ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) rejeitem qualquer proposição que permita a redução ou isenção fiscal
e tributárias a agrotóxicos no Brasil. O julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 5553 está previsto para se encerrar na sexta
(27/10).
A recomendação foi proposta pela Comissão
Intersetorial de Alimentação e Nutrição (Cian) do CNS que destaca os altos
riscos à saúde pública e ao meio ambiente que a ampliação do uso de agrotóxicos
pode representar, entre eles o potencial de causarem câncer e desregulação
endócrina, interferindo na produção, secreção, transporte, ligação, ação ou
eliminação de hormônios, substâncias responsáveis por funções como
desenvolvimento, reprodução, funcionamento do metabolismo e comportamento dos
organismos.
O documento do CNS ainda destaca que “os grandes
latifúndios não cultivam comida, mas commodities, ou seja, que a maior
dependência do uso de agrotóxicos está nas culturas destinadas aos insumos
industriais, produção de ração animal, biocombustíveis e outras finalidades,
que não dizem respeito à alimentação da sociedade”. A soja, commodity mais
cultivada no país, é a que mais emprega agrotóxicos, 63% do total utilizado no
país, ao qual se segue o milho (13%) e a cana-de-açúcar (5%).
Fonte: ((o))eco/CNS
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