quarta-feira, 25 de outubro de 2023

ONU recomenda ações específicas de Educação em Direitos Humanos pela primeira vez ao Brasil

A Organização das Nações Unidas (ONU) publicou documento de observações finais sobre o Brasil após revisão detalhada de suas políticas e práticas em Direitos Humanos, realizada durante a 74ª Sessão do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Pela primeira vez nas recomendações aparecem ações específicas de Educação em Direitos Humanos (EDH), pauta defendida pelas organizações brasileiras IDDH e Instituto Aurora.

As duas organizações, em conjunto, elaboraram um relatório que foi submetido e aceito pelo Comitê, e também foram as únicas a mencionar a EDH de forma específica, durante a 74ª Sessão. Michele Bravos, diretora-executiva do Instituto Aurora, representou as duas organizações, dialogando com peritos do Comitê, apresentando sugestões de perguntas e recomendações que poderiam fazer à delegação brasileira nos dias de diálogos.

“Além das perguntas e recomendações, apontamos sobre a importância de compreender a Educação em Direitos Humanos como um caminho para prevenir e combater a violência nas escolas”, comenta Michele Bravos.

No último dia da revisão do Brasil, as intervenções feitas pelas organizações brasileiras apareceram: a EDH fez parte das perguntas de dois peritos, provocando representantes do país a dar respostas e atenção ao tema. E, agora, a Educação em Direitos Humanos também faz parte das recomendações do Comitê ao Brasil, na área de educação:

“O Comitê recomenda que o Estado-membro [...] continue com os seus esforços para garantir a Educação em Direitos Humanos nos currículos escolares, nomeadamente no âmbito do Programa de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, com vista a reforçar o respeito pelos direitos econômicos, sociais e culturais”.

•        Mais ações pela Educação em Direitos Humanos no Brasil

Além da recomendação que aparece nas considerações finais do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Instituto Aurora e o IDDH apontam para outras questões importantes que envolvem a EDH no Brasil, como revisão do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e uma ação conjunta entre Estado e Sociedade Civil para o monitoramento da implementação da EDH de forma efetiva.

“Como o IDDH acompanha de perto as recomendações sobre EDH nos mecanismos da ONU, temos ciência que é importante quando um novo órgão reconhece a relevância dessa agenda no Brasil. Esperamos agora que o Estado Brasileiro cumpra de fato com suas obrigações internacionais em EDH e monitore a implementação desta e de outras recomendações internacionais de Direitos Humanos”, afirma Fernanda Brandão Lapa, diretora-executiva do IDDH.

O Instituto Aurora atua com projetos de promoção e defesa da EDH e, nos últimos três anos, realizou a pesquisa “Panorama da Educação em Direitos Humanos no Brasil”, que avalia a institucionalização da área em nível estadual e federal. Os materiais estão disponíveis para download gratuito no site da organização.

O IDDH, com status consultivo ECOSOC, coordena processos de incidência nacional e internacional sobre os direitos humanos em parceria com organizações da sociedade civil e movimentos sociais e, há quase 20 anos, monitora as políticas de EDH no Brasil.

 

       Mulheres concentram 60% de casos de racismo pela internet no Brasil

 

O racismo dói e tem viés de gênero. As mulheres concentram 60% dos casos de racismo e de injúria racial em redes sociais julgados no Brasil nos últimos 12 anos. A conclusão é de pesquisa inédita da Faculdade Baiana de Direito, do portal jurídico Jus Brasil e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O levantamento analisou 107 acórdãos judiciais (decisões colegiadas) de segunda instância entre julho de 2010 e outubro de 2022, em ações penais, cíveis e trabalhistas que envolveram os dois tipos de crime.

De acordo com a pesquisa, os casos com homens como vítima corresponderam apenas a 18,29%. Em 23,17% das ações, não houve gênero identificado. Isso porque esses casos se referiam a episódios de racismo, em que todo um grupo é ofendido, sem que se possa determinar o gênero. O levantamento analisou ofensas contras pessoas negras em redes sociais.

Enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém por meio de referências à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de racismo atinge uma coletividade de indivíduos, discriminando toda uma raça. Até o início deste ano, a injúria racial tinha penas mais brandas, mas a Lei 14.532, de 12 de janeiro de 2023, equiparou a injúria ao racismo. Agora, os dois crimes são inafiançáveis e imprescritíveis.

Divulgado no seminário Desafios do Racismo nas Redes, promovido pelo Ministério da Igualdade Racial e pelo PNUD, o relatório pretende contribuir para o debate sobre o combate ao racismo praticado nas redes sociais no Brasil. A pesquisa, informaram o ministério e o programa das Nações Unidas, pretende fornecer informações relevantes para que as instituições e a sociedade civil atuem de maneira mais efetiva no enfrentamento ao fenômeno.

O principal tipo de agressão aos negros na internet, apontou o levantamento, ocorre por meio de xingamentos, nomes pejorativos e animalização, tanto contra homens quanto contra mulheres. Em relação aos autores dos crimes, 55,56% eram do gênero masculino, 40,74% do gênero feminino e 3,7% de gênero não identificado. O relatório destaca que a presença de mulheres entre os agressores é muito superior ao que se costuma encontrar em pesquisas sobre outros tipos de criminalidade.

•        Condenações

A pesquisa identificou 82 apelações (recursos à segunda instância) nos tribunais de Justiça e nos tribunais regionais federais. A maior parte, 61 apelações, são de natureza penal. Entre as apelações penais, 51 resultaram em condenação dos agressores. Isso equivale a 83,6% de condenações, seja confirmando decisão anterior ou revertendo decisão de primeira instância que havia considerado o agressor inocente.

Em relação aos tipos de pena aplicada, houve maior frequência de aplicação de penas privativas de liberdade para os condenados por injúria (25%) do que por discriminação (11,11%). Nas demais condenações, os acórdãos judiciais optaram pela restrição de direitos. Segundo o estudo, a maior proporção de condenações a prisão, nos casos de injúria racial, se deve basicamente à reincidência específica dos agressores, fenômeno observado na leitura dos casos em que a prisão não foi substituída por outro tipo de punição.

O levantamento catalogou três principais tipos de provas presentes em casos de condenação por racismo e injuria racial nas redes. Os prints, capturas de tela com natureza de prova documental, foram as provas mais frequentemente mencionadas nos acórdãos (44), seguidas pelos boletins de ocorrência (26) e pelos depoimentos de testemunhas (17).

Nenhum réu foi condenado a pena em regime fechado. De 54 condenações analisadas, 49 têm regime aberto, três, regime semiaberto, e duas não têm informações. A duração média da pena pelo crime de injúria racial ficou em 16,4 meses (pouco mais de um terço além da pena mínima). Segundo os autores da pesquisa, isso revela que cultura judicial de aplicação da pena mínima no Brasil se repete nos crimes raciais.

•        Avanços e preocupações

Apesar das penas baixas na comparação com a pena mínima, o relatório considera ter havido progresso nos últimos anos em relação às ações judiciais de casos de racismo e de injúria racial na internet. Os autores do estudo, no entanto, ainda consideram que há necessidade de avanços em outras questões.

“A maioria dos casos analisados resultou em condenações, o que indica avanço no tratamento dessas questões no âmbito jurídico. Todavia, é preocupante observar que há significativa quantidade de casos em que as vítimas não tiveram os direitos garantidos, seja pela ausência de sanções ou pela falta de clareza na definição das condutas discriminatórias”, advertiu o relatório.

 

       Racismo torna mulheres negras e indígenas mais suscetíveis a problemas de saúde na gestação, diz Ministério da Saúde

 

Dados divulgados pelo Ministério da Saúde nesta segunda-feira (23) mostram que mulheres negras e indígenas estão mais suscetíveis a problemas durante a gestação e no pós-parto no Brasil. Esses grupos têm menos acesso ao pré-natal e concentram a maior parte dos casos de bebês abaixo do peso ideal e das mortes por hipertensão, por exemplo.

As informações estão no Boletim Epidemiológico Saúde da População Negra e revelam como o racismo traz consequências consideráveis à garantia de um dos direitos essenciais previstos na Constituição. O grupo de mulheres pretas foi o único que apresentou aumento na mortalidade materna por hipertensão entre 2010 e 2020, cenário que está diretamente relacionado ao não tratamento e à desigualdade.

Segundo o dossiê, nesse mesmo período, o Brasil conseguiu diminuir a morte materna entre mulheres brancas, indígenas e pardas. O maior declínio foi observado entre as indígenas que tiveram queda de 30%. Entre as mulheres brancas, o índice decresceu 6%. E, entre as pardas, foi de 1,6%.

Embora as mulheres negras sejam as que mais aumentaram o acompanhamento pré-natal na década analisada, a pesquisa mostra que a população branca ainda tem mais facilidade de acesso. Os dados alertam também para um resultado preocupante entre as populações indígenas.

O total de mães que disseram realizar sete ou mais consultas saiu de 60,6% para 70%. No caso das mulheres indígenas, o índice é de 39%. Entre as mulheres negras, ele é inferior a 70%. Já as mulheres autodeclaradas brancas apresentaram cobertura de 80,9%.  Esse último grupo apresentou estabilidade em outro dado relevante para a análise da qualidade do acesso à saúde: o peso dos recém-nascidos. O percentual variou de 8,4% para 8,6%. Já entre as mães indígenas, pretas e pardas, a proporção de crianças nascidas vivas com peso menor que 2,5kg aumentou. O maior salto ocorreu entre as pretas: de 8% para 10,1%.

O estudo também observou uma alta considerável nos índices de crianças pretas e pardas que nasceram com malformações congênitas. No primeiro grupo, o resultado saiu de 16,7% em 2010 para 19,1% em 2020 e, no segundo, de 16,1% para 20,3%. Desde 2015, essa se tornou a principal causa da mortalidade de bebês na população negra.

Durante a pandemia da covid-19, o impacto do racismo na saúde das gestantes negras também ficou exposto em números. Mais de 63% do total dos óbitos registrados entre mulheres grávidas ocorreu entre pretas e pardas.

•        Doenças socialmente determinadas

Ainda de acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Saúde, as mulheres negras também estão mais expostas às chamadas doenças socialmente determinadas, que acometem mais as populações sob maior vulnerabilidade social. 

De 2011 a 2021, o número de casos de HIV detectados entre gestantes pardas e pretas subiu de 62,4% em 2011 para 67,7% em 2021. Quase 70% dos casos foram observados na faixa etária dos 15 aos 29 anos. Também houve alta na população negra em geral, de 50,3% para 62,3%. As mortes por aids nesse grupo subiram de 52,6% para 60,5% em 2021.   

A proporção de casos de sífilis adquirida também é maior para pessoas pretas e pardas em todas as faixas etárias. No caso das grávidas, mais de 60% dos diagnósticos ocorreram entre mulheres negras. O índice se repete nas notificações por tuberculose em território nacional.

•        Medidas

Os dados devem ser usados para embasar a criação e a adequação de políticas públicas. Segundo o Ministério da Saúde, já há ações em andamento ou em processo de retomada. A pasta destacou investimentos de R$ 27 milhões em novas tecnologias de testagem para sífilis e HIV e incorporação de um tratamento mais rápido para a tuberculose resistente.

O ministério também citou a volta do programa Mais Médicos e os aportes para reconstrução da estrutura de saúde primária, a porta de entrada do Sistema Único de Saúde. Ainda assim, é preciso superar os desafios para aumentar a acessibilidade de pessoas negras a essas políticas.

No evento de lançamento do dossiê, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou que as questões raciais devem permear todas as ações da pasta de maneira transversal e inclusiva. “Essa pauta deve ser uma perspectiva e não um tema isolado, para que todas as ações do Ministério da Saúde, do Mais Médicos ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde, a dimensão étnico-racial seja, de fato, vista como determinante social da saúde.”

 

Fonte: Instituto Aurora/Agencia Brasil

 

Nenhum comentário: