ONU recomenda ações específicas de Educação em
Direitos Humanos pela primeira vez ao Brasil
A Organização das Nações
Unidas (ONU) publicou documento de observações finais sobre o Brasil após
revisão detalhada de suas políticas e práticas em Direitos Humanos, realizada
durante a 74ª Sessão do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Pela primeira vez nas recomendações aparecem ações específicas de Educação em
Direitos Humanos (EDH), pauta defendida pelas organizações brasileiras IDDH e
Instituto Aurora.
As duas organizações, em
conjunto, elaboraram um relatório que foi submetido e aceito pelo Comitê, e
também foram as únicas a mencionar a EDH de forma específica, durante a 74ª
Sessão. Michele Bravos, diretora-executiva do Instituto Aurora, representou as
duas organizações, dialogando com peritos do Comitê, apresentando sugestões de
perguntas e recomendações que poderiam fazer à delegação brasileira nos dias de
diálogos.
“Além das perguntas e
recomendações, apontamos sobre a importância de compreender a Educação em
Direitos Humanos como um caminho para prevenir e combater a violência nas
escolas”, comenta Michele Bravos.
No último dia da revisão
do Brasil, as intervenções feitas pelas organizações brasileiras apareceram: a
EDH fez parte das perguntas de dois peritos, provocando representantes do país
a dar respostas e atenção ao tema. E, agora, a Educação em Direitos Humanos
também faz parte das recomendações do Comitê ao Brasil, na área de educação:
“O Comitê recomenda que o
Estado-membro [...] continue com os seus esforços para garantir a Educação em
Direitos Humanos nos currículos escolares, nomeadamente no âmbito do Programa
de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, com vista a reforçar o respeito
pelos direitos econômicos, sociais e culturais”.
• Mais ações pela Educação em Direitos Humanos no Brasil
Além da recomendação que
aparece nas considerações finais do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, o Instituto Aurora e o IDDH apontam para outras questões importantes
que envolvem a EDH no Brasil, como revisão do Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos e uma ação conjunta entre Estado e Sociedade Civil para o monitoramento
da implementação da EDH de forma efetiva.
“Como o IDDH acompanha de
perto as recomendações sobre EDH nos mecanismos da ONU, temos ciência que é
importante quando um novo órgão reconhece a relevância dessa agenda no Brasil.
Esperamos agora que o Estado Brasileiro cumpra de fato com suas obrigações
internacionais em EDH e monitore a implementação desta e de outras
recomendações internacionais de Direitos Humanos”, afirma Fernanda Brandão
Lapa, diretora-executiva do IDDH.
O Instituto Aurora atua
com projetos de promoção e defesa da EDH e, nos últimos três anos, realizou a
pesquisa “Panorama da Educação em Direitos Humanos no Brasil”, que avalia a
institucionalização da área em nível estadual e federal. Os materiais estão
disponíveis para download gratuito no site da organização.
O IDDH, com status
consultivo ECOSOC, coordena processos de incidência nacional e internacional
sobre os direitos humanos em parceria com organizações da sociedade civil e
movimentos sociais e, há quase 20 anos, monitora as políticas de EDH no Brasil.
Mulheres concentram 60% de casos de racismo pela internet no
Brasil
O racismo dói e tem viés
de gênero. As mulheres concentram 60% dos casos de racismo e de injúria racial
em redes sociais julgados no Brasil nos últimos 12 anos. A conclusão é de
pesquisa inédita da Faculdade Baiana de Direito, do portal jurídico Jus Brasil
e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O levantamento
analisou 107 acórdãos judiciais (decisões colegiadas) de segunda instância
entre julho de 2010 e outubro de 2022, em ações penais, cíveis e trabalhistas
que envolveram os dois tipos de crime.
De acordo com a pesquisa,
os casos com homens como vítima corresponderam apenas a 18,29%. Em 23,17% das
ações, não houve gênero identificado. Isso porque esses casos se referiam a
episódios de racismo, em que todo um grupo é ofendido, sem que se possa
determinar o gênero. O levantamento analisou ofensas contras pessoas negras em
redes sociais.
Enquanto a injúria racial
consiste em ofender a honra de alguém por meio de referências à raça, cor,
etnia, religião ou origem, o crime de racismo atinge uma coletividade de
indivíduos, discriminando toda uma raça. Até o início deste ano, a injúria
racial tinha penas mais brandas, mas a Lei 14.532, de 12 de janeiro de 2023,
equiparou a injúria ao racismo. Agora, os dois crimes são inafiançáveis e
imprescritíveis.
Divulgado no seminário
Desafios do Racismo nas Redes, promovido pelo Ministério da Igualdade Racial e
pelo PNUD, o relatório pretende contribuir para o debate sobre o combate ao
racismo praticado nas redes sociais no Brasil. A pesquisa, informaram o
ministério e o programa das Nações Unidas, pretende fornecer informações
relevantes para que as instituições e a sociedade civil atuem de maneira mais
efetiva no enfrentamento ao fenômeno.
O principal tipo de
agressão aos negros na internet, apontou o levantamento, ocorre por meio de
xingamentos, nomes pejorativos e animalização, tanto contra homens quanto
contra mulheres. Em relação aos autores dos crimes, 55,56% eram do gênero masculino,
40,74% do gênero feminino e 3,7% de gênero não identificado. O relatório
destaca que a presença de mulheres entre os agressores é muito superior ao que
se costuma encontrar em pesquisas sobre outros tipos de criminalidade.
• Condenações
A pesquisa identificou 82
apelações (recursos à segunda instância) nos tribunais de Justiça e nos
tribunais regionais federais. A maior parte, 61 apelações, são de natureza
penal. Entre as apelações penais, 51 resultaram em condenação dos agressores.
Isso equivale a 83,6% de condenações, seja confirmando decisão anterior ou
revertendo decisão de primeira instância que havia considerado o agressor
inocente.
Em relação aos tipos de
pena aplicada, houve maior frequência de aplicação de penas privativas de
liberdade para os condenados por injúria (25%) do que por discriminação
(11,11%). Nas demais condenações, os acórdãos judiciais optaram pela restrição
de direitos. Segundo o estudo, a maior proporção de condenações a prisão, nos
casos de injúria racial, se deve basicamente à reincidência específica dos
agressores, fenômeno observado na leitura dos casos em que a prisão não foi
substituída por outro tipo de punição.
O levantamento catalogou
três principais tipos de provas presentes em casos de condenação por racismo e
injuria racial nas redes. Os prints, capturas de tela com natureza de prova
documental, foram as provas mais frequentemente mencionadas nos acórdãos (44),
seguidas pelos boletins de ocorrência (26) e pelos depoimentos de testemunhas
(17).
Nenhum réu foi condenado
a pena em regime fechado. De 54 condenações analisadas, 49 têm regime aberto,
três, regime semiaberto, e duas não têm informações. A duração média da pena
pelo crime de injúria racial ficou em 16,4 meses (pouco mais de um terço além
da pena mínima). Segundo os autores da pesquisa, isso revela que cultura
judicial de aplicação da pena mínima no Brasil se repete nos crimes raciais.
• Avanços e preocupações
Apesar das penas baixas
na comparação com a pena mínima, o relatório considera ter havido progresso nos
últimos anos em relação às ações judiciais de casos de racismo e de injúria
racial na internet. Os autores do estudo, no entanto, ainda consideram que há
necessidade de avanços em outras questões.
“A maioria dos casos
analisados resultou em condenações, o que indica avanço no tratamento dessas
questões no âmbito jurídico. Todavia, é preocupante observar que há
significativa quantidade de casos em que as vítimas não tiveram os direitos
garantidos, seja pela ausência de sanções ou pela falta de clareza na definição
das condutas discriminatórias”, advertiu o relatório.
Racismo torna mulheres negras e indígenas mais suscetíveis a
problemas de saúde na gestação, diz Ministério da Saúde
Dados divulgados pelo
Ministério da Saúde nesta segunda-feira (23) mostram que mulheres negras e
indígenas estão mais suscetíveis a problemas durante a gestação e no pós-parto
no Brasil. Esses grupos têm menos acesso ao pré-natal e concentram a maior
parte dos casos de bebês abaixo do peso ideal e das mortes por hipertensão, por
exemplo.
As informações estão no
Boletim Epidemiológico Saúde da População Negra e revelam como o racismo traz
consequências consideráveis à garantia de um dos direitos essenciais previstos
na Constituição. O grupo de mulheres pretas foi o único que apresentou aumento
na mortalidade materna por hipertensão entre 2010 e 2020, cenário que está
diretamente relacionado ao não tratamento e à desigualdade.
Segundo o dossiê, nesse
mesmo período, o Brasil conseguiu diminuir a morte materna entre mulheres
brancas, indígenas e pardas. O maior declínio foi observado entre as indígenas
que tiveram queda de 30%. Entre as mulheres brancas, o índice decresceu 6%. E,
entre as pardas, foi de 1,6%.
Embora as mulheres negras
sejam as que mais aumentaram o acompanhamento pré-natal na década analisada, a
pesquisa mostra que a população branca ainda tem mais facilidade de acesso. Os
dados alertam também para um resultado preocupante entre as populações
indígenas.
O total de mães que
disseram realizar sete ou mais consultas saiu de 60,6% para 70%. No caso das
mulheres indígenas, o índice é de 39%. Entre as mulheres negras, ele é inferior
a 70%. Já as mulheres autodeclaradas brancas apresentaram cobertura de
80,9%. Esse último grupo apresentou
estabilidade em outro dado relevante para a análise da qualidade do acesso à
saúde: o peso dos recém-nascidos. O percentual variou de 8,4% para 8,6%. Já
entre as mães indígenas, pretas e pardas, a proporção de crianças nascidas
vivas com peso menor que 2,5kg aumentou. O maior salto ocorreu entre as pretas:
de 8% para 10,1%.
O estudo também observou
uma alta considerável nos índices de crianças pretas e pardas que nasceram com
malformações congênitas. No primeiro grupo, o resultado saiu de 16,7% em 2010
para 19,1% em 2020 e, no segundo, de 16,1% para 20,3%. Desde 2015, essa se
tornou a principal causa da mortalidade de bebês na população negra.
Durante a pandemia da
covid-19, o impacto do racismo na saúde das gestantes negras também ficou
exposto em números. Mais de 63% do total dos óbitos registrados entre mulheres
grávidas ocorreu entre pretas e pardas.
• Doenças socialmente determinadas
Ainda de acordo com os
dados divulgados pelo Ministério da Saúde, as mulheres negras também estão mais
expostas às chamadas doenças socialmente determinadas, que acometem mais as
populações sob maior vulnerabilidade social.
De 2011 a 2021, o número
de casos de HIV detectados entre gestantes pardas e pretas subiu de 62,4% em
2011 para 67,7% em 2021. Quase 70% dos casos foram observados na faixa etária
dos 15 aos 29 anos. Também houve alta na população negra em geral, de 50,3%
para 62,3%. As mortes por aids nesse grupo subiram de 52,6% para 60,5% em
2021.
A proporção de casos de
sífilis adquirida também é maior para pessoas pretas e pardas em todas as
faixas etárias. No caso das grávidas, mais de 60% dos diagnósticos ocorreram
entre mulheres negras. O índice se repete nas notificações por tuberculose em
território nacional.
• Medidas
Os dados devem ser usados
para embasar a criação e a adequação de políticas públicas. Segundo o
Ministério da Saúde, já há ações em andamento ou em processo de retomada. A
pasta destacou investimentos de R$ 27 milhões em novas tecnologias de testagem
para sífilis e HIV e incorporação de um tratamento mais rápido para a
tuberculose resistente.
O ministério também citou
a volta do programa Mais Médicos e os aportes para reconstrução da estrutura de
saúde primária, a porta de entrada do Sistema Único de Saúde. Ainda assim, é
preciso superar os desafios para aumentar a acessibilidade de pessoas negras a
essas políticas.
No evento de lançamento
do dossiê, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou que as questões raciais
devem permear todas as ações da pasta de maneira transversal e inclusiva. “Essa
pauta deve ser uma perspectiva e não um tema isolado, para que todas as ações
do Ministério da Saúde, do Mais Médicos ao Complexo Econômico-Industrial da
Saúde, a dimensão étnico-racial seja, de fato, vista como determinante social
da saúde.”
Fonte: Instituto
Aurora/Agencia Brasil
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