ONU muda ações no Haiti após falhas em missão liderada pelo Brasil
O Conselho de Segurança da ONU aprovou,
nesta segunda-feira (2) o envio de uma missão de segurança ao Haiti. A ideia é ajudar o país a combater as gangues que tomaram o controle
da capital, Porto Príncipe.
A ONU está mandando o Grupo de Apoio de Segurança
Multinacional (MSS, na sigla em inglês), uma força internacional.
Diferentes países discutem o envio de policiais,
entre os quais:
- Quênia,
- Bahamas,
- Jamaica,
- Antigua e Barbuda
A ONU pede contribuições de pessoal, equipamento e
fundos.
O governo dos EUA não mandou tropas, mas afirmou
que vai dar apoio com assistência logística, comunicações, operações aéreas e
médicas. Os americanos estimam que vão gastar US$ 100 milhões com a operação.
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Minustah: cólera e abusos
sexuais
Os outros países foram cautelosos ao enviar apoio.
O líder do Haiti é o primeiro-ministro Ariel Henry, que assumiu depois do
assassinato do presidente Jovenel Moise, em 2021.
Para muitos haitianos, o governo de Henry é corrupto.
A última missão internacional de apoio ao Haiti, a
Minustah, coordenada pelo Brasil, terminou com problemas graves.
"Muitas pessoas estão com suspeita de
cólera", diz enfermeira brasileira no Haiti
- Não havia cólera no país, e soldados da Minustah introduziram a
bactéria da doença no Haiti: 9 mil pessoas morreram.
- Houve denúncias de abuso sexual.
Essa missão será a primeira desde a Minustah.
A resolução da ONU determinou que haverá
investigações rápidas quando surgirem denúncias de má-conduta, especialmente de
abuso sexual de meninas e mulheres.
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Por que isso está
acontecendo?
O governo do Haiti pediu ajuda de outros países
para combater as gangues há um ano. Naquela ocasião, um grupo chamado G9 tomou
o controle de um terminal inteiro com tanques de combustíveis.
Estima-se que mais de 200 mil pessoas tenham sido
obrigadas a deixar suas casas por causa da violência.
Chefe de gangue pede uma coalizão de criminosos
para derrubar o governo
O líder do G9, Jimmy Cherizier, um ex-policial, é o
único haitiano que recebeu sanções da ONU.
No mês passado, ele conversou com outros líderes de
gangues para acertar uma trégua entre elas para que, juntas, possam derrubar o
governo do Haiti.
De acordo com grupos de ajuda humanitária, nas
partes da cidade controladas por gangues a criminalidade é altíssima: há muitos
sequestros, assassinatos e estupros.
A ONU estima que cerca de metade dos haitianos
passa fome. Os grupos de ajuda comunitária têm tido dificuldade para trabalhar.
Países da região reforçaram o policiamento na fronteira
–a República Dominicana, que tem fronteira por terra, impediu a passagem.
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E agora?
O Parlamento do Quênia ainda vai votar se vai
empregar as forças e coordenar a missão.
A autorização inicial é para que o grupo da ONU
fique durante um ano. Deve haver uma análise do emprego das forças após 9
meses.
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ONU autoriza e Brasil se prepara para treinar
policiais do Haiti
Seis anos depois do fim oficial da Minustah, a
operação militar de paz liderada pelo Brasil no Haiti, brasileiros devem voltar
a atuar na área de segurança do país caribenho, que vive um colapso das
instituições, com grande parte da capital, Porto Príncipe, sob controle de
cerca de 160 gangues.
Dessa vez, porém, o Brasil não pretende mandar
tropas das Forças Armadas Brasileiras para atuarem sob o manto dos conhecidos
capacetes azuis, marca das missões de paz da Organização das Nações Unidas
(ONU).
Segundo ao menos cinco embaixadores brasileiros
ouvidos pela BBC News Brasil, o governo brasileiro está decidido a fornecer
treinamento à Polícia Nacional do Haiti (PNH).
"Há, de fato, o comprometimento do governo
brasileiro como um todo em apoiar a capacitação das forças de segurança do
Haiti. É uma iniciativa que vem sendo coordenada pelo Ministério de Relações
Exteriores em conjunto com a Agência Brasileira de Cooperação e com a Polícia
Federal (PF)", afirmou à BBC News Brasil o delegado Valdecy Urquiza,
diretor de Cooperação Internacional da Polícia Federal (PF).
O último passo que faltava para que o plano fosse
colocado em marcha foi dado nesta segunda, 2/10: o Conselho de Segurança da ONU
aprovou o envio de uma força policial internacional ao país, liderada pelo
Quênia. Embora não se trate de uma missão de paz da ONU, o aval da organização
era considerado imprescindível para trazer segurança jurídica às nações que
atuarão no esforço - inclusive o Brasil.
O Brasil votou a favor da medida e, por meio de seu
embaixador Sérgio Danese, disse estar "pronto para continuar suas
atividades de cooperação e examinar formas de contribuir com a Missão
Multinacional de Apoio à Segurança do Haiti".
A expectativa é que uma equipe da Polícia Federal
visite Porto Príncipe na segunda quinzena de outubro pra definir o escopo do
trabalho.
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Negociação de meses
Discutida há meses em Brasília, a disposição teria
sido comunicada ao primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, pelo próprio
presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante uma conversa
entre os dois líderes no dia 22 de junho, em Paris, na França, segundo fontes
ouvidas pela BBC News Brasil.
A cooperação entre as polícias seria o modo pelo
qual o Brasil estaria disposto a apoiar o Haiti no combate à onda de violência
que gerou ao menos dois mil homicídios e mil sequestros apenas no primeiro
semestre de 2023, segundo estimativas da ONU.
O treinamento será responsabilidade de uma equipe
da Academia Nacional da Polícia Federal, que concluirá em outubro um
diagnóstico sobre as principais necessidades das forças policiais do país.
Segundo disse Urquiza, em agosto, a ideia é que ao menos uma primeira turma de
policiais haitianos, com algo entre 80 e 100 alunos, já estivessem
completamente treinados ainda este ano, em Brasília, e possivelmente outras
centenas submetidos a treinamentos em território haitiano.
Em vez de se lançar ao combate à criminalidade
local, como o Exército Brasileiro fez durante 13 anos na área - de 2004 a 2017
- , Urquiza diz que o Brasil quer ver reduções da criminalidade local operada
pelo policiamento haitiano treinado pelo Brasil. A participação das Forças
Armadas brasileiras na nova atuação está descartada.
"Nós queremos apoiar as forças de segurança do
Haiti para que eles tenham condições de manter a atividade de segurança pública
no país. Esse é o compromisso do governo brasileiro, da Polícia Federal, para
que eles sejam autossuficientes em relação à segurança pública", diz
Urquiza.
"Então, (queremos ) formar policiais que sejam
multiplicadores, para que rapidamente isso alcance o maior número possível de
policiais haitianos, com o objetivo de ver os índices de criminalidade no país
reduzidos pela ação da própria força de segurança local."
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Força Multinacional
A concretização da cooperação atrasou em relação à
expectativa do Brasil, já que dependia hjustamente da aprovação pelo Conselho
de Segurança da ONU. Diplomatas brasileiros e estrangeiros esperavam que o
assunto estivesse resolvido anes da Assembleia Geral da ONU, que aconteceu em
Nova York, em 18 de setembro.
Em carta ao Conselho, no último dia 15 de agosto, o
Secretário-Geral da ONU, António Guterres, exortou os membros do Conselho (do
qual o Brasil faz parte como integrante temporário) a chancelar "uma força
policial multinacional especializada e capaz, habilitada por meios militares,
coordenada com a polícia nacional (haitiana)".
A Força Multinacional era a alternativa viável às
tradicionais missões de paz da ONU, cuja imagem ficou manchada após
investigações jornalísticas mostrarem, entre outras falhas e desvios, centenas
de casos de abusos sexuais por militares das forças de paz no próprio Haiti, no
Congo e na República Centro Africana. No Haiti, a missão de paz também
introduziu a cólera ao país, que já gerou epidemias locais.
Em seu discurso na abertura do evento, o presidente
Lula chegou a citar a "crise humanitária no Haiti" e em conversa com
o presidente americano Joe Biden ouviu um pedido para que o Brasil usasse suas
boas relações com Pequim e Moscou para tentar facilitar o trânsito da medida no
Conselho.
Rússia e China, que costumam barrar propostas que
lhes soem como intervenção estrangeira em territórios alheios, estariam desencorajadas
de votar contra já que, desde outubro de 2022, as autoridades haitianas têm
explicitamente apelado pelo envio de uma força multinacional em socorro ao
país.
“Mesmo em um conselho bastante conflagrado como o
atual, com China e Rússia em tensão com EUA e europeus, a expectativa é que a
força seja aprovada porque há um pedido dos próprios haitianos pelo envio da
força”, diz um diplomata que atua no conselho de segurança da ONU.
Em maio, uma pesquisa telefônica feita com 5 mil
pessoas no Haiti pela Alliance for Risk Management and Business Continuity
(Agerca) mostrou que 71% dos respondentes não acreditavam que a Polícia do
Haiti teria condições de repor segurança ao país e 69% se diziam favoráveis ao
envio de uma força policial internacional para ajudar a pacificar o país.
O Quênia se comprometeu a enviar mil policiais ao
país e já remeteu uma delegação ao Haiti no fim de agosto, mesmo sem a
aprovação no conselho. A força multinacional também deve contar com missões
ostensivas de outros países caribenhos de língua inglesa, como Jamaica e
Bahamas.
Se patrulharão o país armados ou se farão uma
espécie de segurança estática de pontos-chave do país, como portos e
aeroportos, é algo ainda em discussão pela comunidade internacional. Outros
países, como EUA e Canadá, estariam dispostos a financiar ao menos em parte o
trabalho.
A participação brasileira ficaria, por ora,
restrita ao treinamento policial - e autoridades brasileiras descartam, por
enquanto, que policiais brasileiros atuem ostensivamente na segurança do
território haitiano. “
"Não posso falar pelos arranjos bilaterais que
o Brasil e o Haiti possam ter. O que posso dizer, porém, é que qualquer ajuda
para fortalecer a Polícia Nacional do Haiti é boa, e isso inclui
treinamento", afirmou à BBC News Brasil María Isabel Salvador,
Representante Especial da Secretaria-Geral e Chefe do Escritório Integrado das
Nações Unidas no Haiti (BINUH), que esteve em Brasília no começo de setembro.
Salvador também foi ao México e ao Chile, em um esforço para sensibilizar
países da região sobre a urgência do auxílio aos haitianos.
Na visita que farão nas próximas semanas ao Haiti,
os agentes da Polícia Federal pretendem terminar um diagnóstico sobre os tipos
de treinamento policial mais urgentes para os haitianos.
Uma das propostas à mesa é a de que os brasileiros
ajudem os haitianos a criar um serviço de inteligência para investigações -
capacidade de que a Polícia Nacional do Haiti hoje não dispõe - e que explica,
por exemplo, como gangues haitianas pedem dezenas de resgates de sequestros
usando um único número de telefone celular.
Os haitianos teriam aulas sobre como investigar
objetos apreendidos, periciar materiais e usá-los como prova em investigação.
A segunda proposta é a de oferecer treinamento para
combate a guerrilhas urbanas em territórios conflagrados.
Segundo o delegado Urquiza, a Polícia Federal teria
condição de oferecer capacitação para grupos táticos de pronta intervenção, mas
só será possível saber se essas ferramentas são suficientes ou se seria necessário
parcerias com polícias militares ao final do diagnóstico a ser feito em
setembro.
Caso se mostre necessário envolver as polícias
militares, de acordo com três diplomatas com conhecimento das negociações que
falaram sob anonimato à BBC News Brasil pela sensibilidade do tema e pela
indefinição, a tendência é de que o Brasil ofereça aos haitianos parceria com
destacamentos de elite das polícias que atuem em áreas brasileiras com desafios
similares e que já tenham antes atuado no Haiti, como o Batalhão de Operações
Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (Bope).
Além disso, o mais provável é que o Brasil traga
alguns policiais haitianos para serem treinados no Brasil mas também envie
instrutores a Porto Príncipe, para maximizar o número de agentes capacitados.
O governo Lula trata o assunto com discrição, tanto
pela indefinição dos detalhes operacionais quanto pelo potencial polêmico do
assunto. Oficialmente, o Planalto não comentou.
"Os abusos cometidos pelas polícias
brasileiras são um dos problemas mais urgentes e crônicos de direitos humanos
no país, que afetam desproporcionalmente a população negra", disse à BBC
News Brasil César Muñoz, diretor adjunto para as Américas da ONG Human Rights
Watch, que monitora a situação haitiana.
"Se policiais brasileiros forem enviados ao
Haiti para treinar a polícia local é fundamental que as unidades e os agentes
selecionados, inclusive os comandantes, sejam avaliados minuciosamente para
garantir que não estejam envolvidos em violações de direitos humanos ou má conduta."
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Pressão sobre o Brasil e
caos no Haiti
Desde seu início, o governo Lula enfrentou intensa
pressão, especialmente dos Estados Unidos, para voltar a liderar algum tipo de
ação militar no país.
Ao menos desde o assassinato do presidente Jovenel
Moïse, em julho de 2021, o país vive uma situação de colapso. Os últimos
mandatos de deputados e senadores expiraram no começo de 2023 e não há
representantes eleitos nem para o Congresso, nem para a Presidência.
O governo provisório do primeiro-ministro Henry não
vê condições de fazer eleições, dada a falta de segurança. O país possui cerca
de dez mil policiais - para uma população de quase 12 milhões de pessoas (em
comparação, o Estado de São Paulo, com 44,5 milhões de habitantes, possui 80
mil policiais militares). Além disso, no Haiti, quase 5 milhões passam fome
atualmente.
As condições de desabastecimento da população são
agravadas pela atuação das gangues, que dificultam o escoamento da produção
agrícola de uma região à outra do Haiti.
No ano passado, uma das facções tomou o controle do
principal terminal portuário haitiano, e passou a impedir a chegada de
combustível e até mesmo de água potável ao Haiti, que naquele momento
enfrentava uma epidemia de cólera.
Diante da situação, boa parte da população tenta
deixar o país - e o destino preferencial são os EUA. Entre outubro de 2020 e
maio de 2023, agentes de migração americana encontraram haitianos tentando
cruzar a fronteira entre EUA e México ao menos 146 mil vezes. E até maio, havia
580 mil pedidos de acolhida humanitária para haitianos no país. Isso explica,
em parte, a urgência dos americanos em ver algum tipo de solução para o
problema.
"Tanto os Estados Unidos quanto o Brasil estão
profundamente preocupados com a situação no Haiti. Durante sua visita ao Brasil
em maio, o secretário adjunto (Brian) Nichols conversou com os líderes
brasileiros sobre as opções para abordar a questão e (eles) se comprometeram a
trabalhar juntos para abordá-la de forma mais direta, principalmente no
Conselho de Segurança.
Estamos envolvendo o Congresso enquanto trabalhamos
para garantir recursos para apoiar uma Força Multinacional (policial) no Haiti
e com a comunidade internacional para fornecer financiamento, equipamento,
treinamento e pessoal", afirmou um porta-voz do Departamento de Estado dos
EUA após ser questionado pela BBC News Brasil sobre a intenção do Brasil de
oferecer treinamento policial ao Haiti.
Aos americanos, o governo Lula descartou por
completo liderar uma nova missão no país. A avaliação do governo brasileiro é a
de que, depois de 13 anos de atuação do Brasil, o Haiti está hoje pior do que
antes. Os resultados da Minustah são, no mínimo, ambíguas: drenaram recursos
financeiros, custaram vidas haitianas e brasileiras e, depois de mais de uma
década, não produziram estabilidade ou avanços institucionais duradouros para o
Haiti.
Na perspectiva do Brasil, portanto, a atuação
militar ou policial simplesmente não é capaz de oferecer saídas para os
haitianos. “Não é só segurança. Segurança pública é o primeiro passo para que
outros atores internacionais, de ajuda humanitária, de apoio técnico e de
desenvolvimento econômico e democrático também possam atuar”, diz um embaixador
com conhecimento direto da situação no Haiti.
O trabalho de treinamento dos policiais brasileiros,
de acordo com integrantes do Executivo, deve ser seguido da atuação de
organizações com fins de promoção aos direitos humanos, como a Viva Rio e o
Instituto Igarapé - que atuam ou já atuaram antes no país caribenho.
“O Haiti precisa de uma resposta multidimensional
baseada em direitos humanos para lidar com a gravíssima crise atual",
afirma Muñoz, da Human Rights Watch.
Para ele, embora melhorar o desempenho da polícia
haitiana seja muito importante, essa resposta multidimensional também precisa
abordar outras questões-chave, como ajudar o Haiti a "retomar o caminho da
real governança democrática, restabelecer o Estado de direito, abordar a
disfuncionalidade do sistema judiciário, fortalecer o respeito aos direitos
humanos e fornecer ajuda humanitária e outros serviços básicos às pessoas em
situação de vulnerabilidade".
Consultado oficialmente, o Itamaraty afirmou por
meio de nota que "o governo brasileiro continua atento à crise
multidimensional no Haiti e estuda as melhores formas de auxiliar aquele país,
tanto bilateralmente quando por meio de iniciativas multilaterais” e relembra
que "até o momento, nenhuma proposta concreta foi apresentada ao Conselho
de Segurança das Nações Unidas” e que “eventual envolvimento do Brasil
dependerá de uma série de fatores, inclusive o mandato e o formato que eventual
força multinacional venha a ter”.
Fonte: g1/BBC News Brasil
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