O escandaloso caso Greenfield x J&F, onde os beneficiários ocultos
seguem intocados
Enquanto esteve em seu apogeu, a Lava Jato
contaminou com seus métodos heterodoxos muitas operações da Polícia Federal e
do Ministério Público Federal. É o caso da Operação Greenfield, que mirou no Grupo J&F. Assim como o capítulo da Odebrecht na Lava
Jato vem sendo passado a limpo a partir de decisões
do Supremo Tribunal Federal (STF), o caso J&F
também é merecedor de uma revisão histórica.
No acordo de leniência da J&F teve lobby
da Transparência Internacional para
separação de dinheiro (R$ 2,3 bilhões) para “projetos sociais”. A parceria
entre a TI e os procuradores do Distrito Federal, à época liderados por Anselmo
Lopes, inspirou a equipe de Deltan Dallagnol, em Curitiba, a criar a “fundação
Lava Jato” com dinheiro da Petrobras. O esquema era o mesmo, com a
Transparência Internacional Brasil desenhando o sistema de governança das
fundações.
O Supremo Tribunal Federal jogou vinagre nos planos
de Deltan. Mas no caso J&F, a reportagem apurou que o acordo global segue
vigente e o montante para “projetos sociais” só não está sendo executado porque
a Greenfield não aceita os projetos selecionados pela J&F fora do escopo
proposto pela Transparência.
Há algumas semanas, o procurador-geral da República,
Augusto Aras, demandou do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) uma
investigação sobre eventuais irregularidades cometidas por procuradores no
acordo de leniência da J&F.
A penetração da Transparência Internacional no MPF
(embora não tenha sido beneficiária direta do acordo da J&F) merece um
capítulo à parte. E se a Corregedoria puxar um pouco mais o fio, chegará ao
momento em que ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot abriu as portas
não apenas à Transparência Internacional, mas também à Amarribo, do lobista Josmar Verillo.
Verillo está em duas pontas desse jogo: como
primeiro contato da TI no Brasil (a ONG que desenhou a governança dos R$ 2,3
bilhões da J&F) e como executivo da Paper Excellence (a empresa que comprou a Eldorado Celulose da J&F por
R$ 15 bilhões, sem ter recursos para finalizar a transferência).
Para entender o caso J&F:
# 1 - Possíveis
irregularidades no acordo
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Relevância
Para começar, contra a J&F a extinta
força-tarefa da Greenfield ostenta simplesmente o maior acordo de leniência da
história. Se somarmos os valores cobrados de Odebrecht, Camargo Corrêa,
Braskem, Andrade Gutierrez e outras gigantes que caíram nas mãos da Lava Jato,
o total em multas não chegará aos R$ 10 bilhões que a Procuradoria do Distrito
Federal aplicou à J&F em 2017.
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Superpoderes
Amparado pela Lei Anticorrupção de 2013, o MPF usou
e abusou de seu protagonismo nos acordos de leniência. Somente em
2020 um novo entendimento entre STF,
Advocacia-Geral da União (AGU) e Controladoria-Geral da União (CGU) passou a
colocar em xeque os superpoderes do MPF.
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Redução da multa
A discussão não envolve apenas quem, mas como foi feito o acordo de
leniência. Recentemente, a J&F buscou na 5ª Câmara
de Coordenação e Revisão (5CCR) a redução
do valor global da multa, alegando problemas na metodologia de cálculo aplicada
pela Procuradoria para se chegar ao montante estratosférico. A J&F chegou a
ter uma decisão favorável reduzindo a multa para pouco mais de R$ 3 bilhões,
mas a decisão foi cassada e o subprocurador autor da medida, Ronaldo
Albo, virou alvo da Corregedoria do MPF. Procurado
pelo GGN, o MPF não se
manifestou sobre o caso J&F.
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Absurdo contábil
A J&F fala em “absurdo contábil” praticado pelo
MPF, que considerou o faturamento mundial para fazer o cálculo da multa, mesmo
só tendo jurisdição no Brasil. Assim, não ofereceu contrapartidas nem
considerou implicações legais em outros países onde a empresa tem presença,
como Austrália, Bélgica, China. Fora que tratou como se J&F tivesse 100% de
participação em todas as suas empresas, o que não é verdadeiro.
# 2 – A Transparência
Internacional Brasil (TIBR)
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O clone da fundação Lava
Jato
Além de quem e de como o
acordo foi feito, é preciso lançar luzes sobre onde se
pretende gastar o dinheiro da leniência. O ponto de tensão é a bagatela de R$
2,3 bilhões destinada pelo MPF para “projetos sociais”. A Transparência
Internacional Brasil tentou influenciar na divisão do bolo, segundo documentos
obtidos pelo GGN. A
iniciativa de criar uma “fundação” ou fundo de investimentos para concentrar os bilhões da J&F
inspirou Deltan
Dallagnol a criar uma fundação similar, mas com recursos da Petrobras.
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Fora de controle
Em ambos os casos – J&F e Petrobras – há uma
parceria nebulosa com a Transparência Internacional Brasil, uma organização
privada internacional interessada em determinar como os “recursos compensatórios”
dos acordos de leniência seriam administrados, “sem
que tal atuação se submetesse aos órgãos de fiscalização e controle”, conforme denunciado ao Superior Tribunal de Justiça por advogados
do Grupo Prerrogativas.
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Nada feito
A famigerada “fundação Lava Jato” com dinheiro da
Petrobras foi abortada pelo Supremo. Mas no caso J&F, a reportagem apurou
que o acordo global segue vigente e o montante para “projetos sociais” só não
começou a ser executado a contento porque J&F e MPF não chegaram a um
“acordo entre as partes” sobre como gastar os R$ 2,3 bilhões.
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Interesses conflitantes
Avessa à ideia de injetar bilhões em um simulacro
de “fundação Lava Jato”, a J&F quer executar projetos sociais dentro de uma
estratégia para recuperar sua reputação. O MPF, por outro lado, não tem
aprovado os projetos sociais selecionados pela empresa. A negativa reiterada é
vista como uma espécie de retaliação pelo fato de a J&F não ter aderido ao
plano de governança traçado pela Transparência Internacional Brasil (TIBR).
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Transparência
Internacional
Embora tenha participado de pelo menos oito
encontros com a J&F e MPF, a Transparência Internacional Brasil (TIBR)
afirmou à reportagem que “não participou das tratativas para o
estabelecimento do acordo de leniência entre o Ministério Público e a J&F”.
Conversas da Vaza Jato divulgadas pelo Conjur, no entanto, mostram envolvimento
da TIBR na
definição dos recursos para projetos sociais. Bruno
Brandão era o representante da TIBR nas conversas do caso J&F e trocou
correspondência com a 5CCR. José Ugaz, da TI, trocou cartas com Rodrigo Janot
sobre a leniência da J&F.
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Transparência
Internacional II
A TIBR ressaltou na mensagem ao GGN que estava impedida de
receber recursos da leniência da J&F, segundo cláusulas do memorando de
entendimento firmado entre TIBR, MPF e J&F para elaboração do sistema de
governança dos R$ 2,3 bilhões. Por outro lado, a TIBR não estava proibida de
indicar os beneficiários finais dos recursos, ainda que informalmente. Além
disso, foi a responsável por desenhar a estrutura de gestão, com cargos e
“plano de custeio” para “equilibrar” as doações para projetos sociais e a
“manutenção da própria entidade”. Ou seja, tinha o poder de caneta na mão.
Parceria – A megalomania da Greenfield escorre nas linhas do memorando com
TIBR e J&F para criar a fundação com os R$ 2,3 bilhões da multa. Os procuradores
queriam que o modelo ali desenhado servisse eventualmente de exemplo para todo
o País, institucionalizando a prática de usar recursos de acordos de leniência
para criar fundos privados de investimento social. Reconhecendo que o
ineditismo da ideia impunha certos “desafios técnicos e jurídicos”,
eles buscaram criar o sistema de governança inserindo a Transparência
Internacional na jogada.
# 3 – Josmar Verillo
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Josmar Verillo
Salta aos olhos que na raiz da Transparência
Internacional Brasil esteja a figura de Josmar Verillo. A abertura que ambos –
Verillo e Transparência – tiveram junto ao Ministério Público Federal sob
Rodrigo Janot está na raiza da parceria Lava Jato-TI. Verillo, nas palavras da
própria TIBR, é “membro da AMARRIBO Brasil, organização que foi contato
nacional da Transparency International (TI) no país até 2015. Em 2016, a TI
reestabeleceu seu capítulo brasileiro através de uma nova organização, a
Transparência Internacional – Brasil, sem relação com a AMARRIBO ou Verillo”.
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Paper Excellence
Ocorre que, na esteira dos acordos da J&F com a
Greenfield, o grupo teve de vender a Eldorado Celulose. E a empresa compradora,
por R$ 15 bilhões, foi a asiática Paper Excellence, que até pouco tempo atrás
ostentava em seu quadro de colaboradores justamente o primeiro representante da
Transparência no Brasil, Josmar Verillo.
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Expansão
A Paper arrematou a Eldorado Celulose sem sequer
ter dinheiro para concluir o processo de compra, o que foi motivo de arbitragem
posterior, vencida pela Paper. Embora tente se descolar de Verillo agora, no
blog da Paper, é Verillo quem aparece várias vezes falando dos planos de
expansão da empresa pelo País, alicerçado em fusões e aquisições. Ironicamente,
a Paper contratou como consultor
jurídico o ex-presidente Michel Temer, alvo da
delação premiada de Joesley Batista, da J&F.
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Amarribo
Talvez o MPF não pudesse adivinhar que, em 2017, a
Paper Excellence fosse faturar com a derrocada da J&F por força da Operação
Greenfield. Mas o MPF também não pode esconder que, em 2014, assinou um
memorando de entendimento com a ONG de Josmar Verillo, a Amarribo, e a
Transparency Internacional.
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O embrião
Este memorando de 2014, assinado pelo ex-PGR
Rodrigo Janot, precede as tentativas da TIBR e dos procuradores de criar as
fundações com dinheiro da J&F e Petrobras. Só que em vez de Josmar Verillo,
que hoje aparece como presidente do Conselho de Administração da Amarribo, quem
assina o termo com o MPF em 2014 é o presidente da Amarribo Leo
Roberto Galdino Torresan, hoje vice-presidente do
Conselho. O MPF formalizou e documentou a parceria com a Amarribo e a TI, que
viria a ser o embrião da fundação Lava Jato/Greenfield.
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Bolsonarista
Poucos dias
após Veja publicar uma nota sobre a ordem do PGR Augusto Aras para apurar as
condições do acordo de leniência da J&F, a coluna Mercado informou
que Verillo “saiu à
francesa” da Paper Excellence”, em meio à briga com a J&F pelo controle da
Eldorado. Seu depoimento é aguardado na CPMI do 8 de
Janeiro, como testemunha. Membros da CPMI querem saber se ele tem envolvimento
com o financiamento dos atos terroristas.
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Espionagem
Verillo
chegou a ser indiciado pela Polícia, em setembro de 2022, por espionagem contra
o grupo J&F, mas o Ministério Público de São Paulo arquivou o
inquérito. O GGN apurou
que a investigação apontou que Verillo foi abastecido com informações
privilegiadas sobre os acordos da J&F.
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Verillo x Google
O lobista teria tido acesso, por exemplo, a um
aditamento do acordo de leniência antes de ser homologado e divulgado. Teria,
inclusive, enviado o documento a um jornalista. Confrontado pelas autoridades,
Josmar Verillo teria dito que que encontrou o documento no Google, mas a
gigante de tecnologia juntou aos autos evidências que apontam que Verillo já
estava em posse do documento antes mesmo de ter sido divulgado oficialmente
pelo MPF e indexado pela primeira vez nos buscadores.
Fonte: Jornal GGN
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