O brutal impacto do conflito entre Israel e Hamas
nas crianças de Gaza
Crianças da Faixa de Gaza
têm sido as principais vítimas do conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas.
Segundo informações do
ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlado pelo Hamas, desde o início dos
bombardeios de retaliação de Israel após os ataques brutais perpetrados pelo
Hamas em 7 de outubro, 2.704 crianças morreram e mais de 5,3 mil ficaram
feridas na Faixa de Gaza, ou seja, 400 mortas ou feridas por dia.
As crianças são cerca de
35% do total de mortos no território, que atingiu de 6.546 na quarta-feira
(25/10), de acordo com o ministério da Saúde de Gaza.
Além disso, mais de 30
crianças israelenses foram mortas pelo Hamas, e dezenas permanecem em cativeiro
na Faixa de Gaza.
É a escalada mais
mortífera na Faixa de Gaza e em Israel que a ONU testemunhou desde 2006. A
Unicef (braço da ONU para proteção das crianças) classificou a situação de
"mancha crescente nas nossas consciências" e pediu, em um comunicado,
um cessar-fogo imediato.
O embaixador de Israel na
ONU, Gilad Erdan, afirmou que agências das Nações Unidas criaram uma
"imagem falsa" da situação em Gaza ao aceitar alegações de autoridades
palestinas controladas pelo Hamas.
A tensão entre Israel e a
ONU atingiu um novo patamar na terça-feira, quando o governo israelense
anunciou que vai recusar vistos de entrada a funcionários da organização.
"Quase todas as
crianças na Faixa de Gaza foram expostas a acontecimentos e traumas
profundamente angustiantes, marcados por destruição generalizada, ataques
implacáveis, deslocamentos e grave escassez de bens de primeira necessidade,
como alimentos, água e medicamentos", disse em comunicado o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Para Adele Khodr,
diretora regional da Unicef para o Oriente Médio e Norte de África, "o
assassinato e a mutilação de crianças, o sequestro de crianças, os ataques a
hospitais e escolas e a negação do acesso humanitário constituem graves
violações dos direitos das crianças".
"A Unicef apela
urgentemente a todas as partes para que concordem com um cessar-fogo, permitam
o acesso humanitário e libertem todos os reféns. Até as guerras têm regras. Os
civis devem ser protegidos — especialmente as crianças — e todos os esforços
devem ser feitos para poupá-las em todas as circunstâncias", acrescentou.
Na terça-feira, médicos
de um hospital de Gaza conseguiram salvar um feto mediante uma cesariana de
emergência — depois da sua mãe ter sido morta durante um ataque aéreo
israelense.
Segundo o correspondente
da BBC em Gaza, Rushdi Abualouf, a mãe ficou gravemente ferida durante um
bombardeio à cidade de Khan Younis, no sul do território, área para onde, há
dez dias, as autoridades israelenses aconselharam os palestinos a se deslocarem
"por segurança".
O pai do bebê foi morto
durante os ataques, enquanto a mãe grávida foi levada ao hospital, segundo
Abualouf.
Naquela altura, a mãe
ainda estava viva — "lutando pela sua vida e pela do seu filho",
acrescentou o jornalista.
Em entrevista à emissora
americana CNN, Abdul Rahman Al Masri, chefe do departamento de emergência do
Hospital dos Mártires de Al-Aqsa, em Gaza, afirmou que "recebemos alguns
casos em que os pais escreveram os nomes dos filhos nas pernas e no
abdômen".
Ele disse que os pais
estavam preocupados que "tudo pudesse acontecer" e ninguém seria
capaz de identificar seus filhos.
Segundo a Unicef, a
Cisjordânia também registra um aumento alarmante no número de vítimas, com quase
100 palestinos mortos, incluindo 28 crianças — e pelo menos 160 menores
supostamente feridas.
"Mesmo antes dos
trágicos acontecimentos de 7 de outubro de 2023, as crianças na Cisjordânia já
enfrentavam os níveis mais elevados de violência relacionada com o conflito em
duas décadas, resultando na morte de 41 crianças palestinas e de seis crianças
israelenses até agora este ano", informou o comunicado da Unicef.
Segundo Khodr, "a
situação na Faixa de Gaza é uma mancha crescente na nossa consciência coletiva.
A taxa de mortalidade e ferimentos de crianças é simplesmente
impressionante".
"Ainda mais
assustador é o fato de que, a menos que as tensões sejam aliviadas, e a menos
que a ajuda humanitária seja permitida, incluindo alimentos, água, suprimentos
médicos e combustível, o número diário de mortes continuará a aumentar."
O combustível é de suma
importância para o funcionamento de instalações essenciais, como hospitais,
usinas de dessalinização e estações de bombeamento de água.
Enquanto diversas
agências humanitárias afirmam que Gaza precisa desesperadamente de combustível,
Israel acusou o Hamas de ter estocado centenas de milhares de litros em suas
reservas.
As unidades de terapia
intensiva (UTI) neonatal abrigam mais de 100 recém-nascidos, alguns dos quais
estão em incubadoras e dependem de ventilação mecânica, tornando o fornecimento
ininterrupto de energia uma questão de vida ou morte. Alguns hospitais já
estariam inclusive sendo obrigados a fechar as portas.
Segundo a ONU, toda a
população da Faixa de Gaza, composta por quase 2,3 milhões de pessoas, enfrenta
uma terrível e premente falta de água, que acarreta graves consequências para
as crianças, cerca de 50% da população.
A maioria dos sistemas de
água foi gravemente afetada ou tornou-se inoperacional devido a uma combinação
de fatores, incluindo escassez de combustível e danos em infraestruturas vitais
de produção, tratamento e distribuição.
"As imagens de
crianças a serem resgatadas dos escombros, feridas e em perigo, enquanto tremem
nos hospitais à espera de tratamento, retratam o imenso horror que estas
crianças estão suportando. Mas sem acesso humanitário, as mortes causadas por
ataques podem ser a ponta do iceberg", disse Khodr.
Segundo ela, "o
número de mortes aumentará exponencialmente se as incubadoras começarem a
falhar, se os hospitais fecharem, se as crianças continuarem a beber água
imprópria e não tiverem acesso a medicamentos quando ficarem doentes".
·
'Violência de décadas'
Num relatório apresentado
à Assembleia-Geral da ONU nesta terça-feira, Francesca Albanese, relatora
especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos nos
territórios palestinos ocupados desde 1967 (Cisjordânia e Faixa de Gaza),
afirmou que "as forças de ocupação israelenses matam, mutilam, deixam órfãs
e detêm centenas de crianças no território palestino ocupado todos os
anos".
Segundo ela, essa
situação se agravou nas últimas semanas.
"A opressão e o
trauma sofridos pelas crianças palestinas, metade da população palestina sob o
domínio israelense, são uma mancha única na comunidade internacional",
disse Albanese.
O relatório não cobre os
acontecimentos de 7 de outubro e as suas consequências.
Albanese concluiu que
Israel, apesar das suas obrigações "como potência ocupante", priva os
palestinos e os seus filhos "dos seus direitos humanos básicos" como
parte dos seus esforços para "impedir o desenvolvimento da sociedade
palestina e para frustrar permanentemente o direito dos palestinianos à
autodeterminação".
Segundo a ONU, de 2008
até 6 de outubro de 2023, 1.434 crianças palestinas foram mortas, e mais de
32.175 ficaram feridas, devido sobretudo à ocupação israelense.
Desse total, 1.025 foram
mortas só em Gaza, desde que o bloqueio ilegal começou em 2007.
Durante o mesmo período,
25 crianças israelenses foram mortas, a maioria por agressores palestinos, e
524 ficaram feridas.
Entre 2019 e 2022, 1.679
crianças palestinas e 15 crianças israelenses sofreram lesões físicas
duradouras, o que deixou muitas delas permanentemente incapacitadas.
Segundo a ONU, uma média de
500 a 700 crianças palestinas são detidas pelas forças de ocupação israelenses
todos os anos — estima-se que 13 mil, na sua maioria, tenham sido detidas
arbitrariamente, interrogadas, julgadas em tribunais militares e presas desde
2000.
"O enquadramento de
Israel das crianças palestinas como 'escudos humanos' ou 'terroristas' para
justificar a violência contra elas e os seus pais é profundamente
desumanizante", disse Albanese.
"O inferno de hoje
não pode obscurecer a violência das últimas décadas", acrescentou.
"Para enfrentar a
crise, é fundamental compreender o que levou a ela. Isto não significa
justificar ou minimizar os crimes hediondos cometidos contra civis israelenses
em 7 de outubro; pelo contrário, obriga-nos a enfrentar esse horror no contexto
daquilo que o precedeu."
"Devemos compreender
o impacto devastador da ocupação de Israel e da presença colonial em constante
expansão sobre gerações de crianças palestinas", acrescentou.
O relatório detalha as
experiências diárias de violência das crianças por meio do confisco de terras
familiares e expropriação de recursos, separação de comunidades, destruição de
casas e meios de subsistência e ataques à sua educação.
"Gerações de
crianças palestinas, quer na sitiada Faixa de Gaza, nos enclaves da Cisjordânia
ou na Jerusalém Oriental anexada, viram as suas vidas reduzidas ao mínimo e,
com demasiada frequência, interrompidas como dispensáveis", disse
Albanese.
"Isso é
profundamente "não-infantil": tira a leveza da infância e rouba o
futuro das crianças", completou.
A relatora especial
instou a comunidade internacional "a pôr fim imediatamente à ocupação
ilegal de Israel, sancionar os seus atos internacionalmente ilícitos, processar
todos os crimes internacionais cometidos por todos os envolvidos no território
palestiniano ocupado e criar um grupo de trabalho para desmantelar a ocupação
colonial como condição prévia para a paz na região".
·
Saúde Mental
Estudos realizados após
conflitos anteriores entre o Hamas e Israel mostraram que a maioria das
crianças em Gaza apresentava sintomas de transtorno de estresse pós-traumático
(TEPT).
Após a Operação Pilar de
Defesa em 2012, um relatório da Unicef mostrou que 82% das crianças tinham medo
contínuo ou habitual da morte iminente.
Além disso, 91% das
crianças relataram distúrbios do sono durante o conflito; 94% disseram que
dormiram com os pais; 85% relataram alterações no apetite; 82% sentiram raiva;
97% sentiram-se inseguras; 38% sentiram-se culpadas; 47% roíam as unhas; 76%
relataram coceira ou mal-estar.
Após a Operação Chumbo
Fundido, a guerra de três semanas em 2008-09, um estudo realizado pelo programa
comunitário de saúde mental de Gaza (GCMHP) constatou que 75% das crianças com
mais de seis anos sofriam de um ou mais sintomas de stress pós-traumático: com
uma em cada dez apresentando todos os sintomas.
Na ocasião, Hasan Zeyada,
psicólogo do GCMHP, disse ao jornal britânico Guardian : “"A maioria das
crianças sofre muitas consequências psicológicas e sociais. A insegurança e os
sentimentos de desamparo e impotência são avassaladores".
"Observamos crianças
ficando mais ansiosas — distúrbios do sono, pesadelos, terror noturno,
comportamentos regressivos como agarrar-se aos pais, fazer xixi na cama, ficar
mais inquietas e hiperativas, recusar-se a dormir sozinhas, querer estar o
tempo todo com os pais, oprimidas por medos e preocupações. Algumas começam a
ser mais agressivas."
Os especialistas também
notaram um aumento nos sintomas psicossomáticos, como febre alta sem razão
biológica ou erupção na pele pelo corpo.
Um relatório do ano
passado da ONG Save the Children sobre o impacto do bloqueio de 15 anos de
Israel e os repetidos conflitos na saúde mental das crianças em Gaza concluiu
que o seu bem-estar psicossocial tinha "diminuído dramaticamente para
níveis alarmantes".
As crianças ouvidas pela
agência humanitária "falaram de medo, nervosismo, ansiedade, stress e
raiva, e listaram problemas familiares, violência, morte, pesadelos, pobreza,
guerra e a ocupação, incluindo o bloqueio, como as coisas de que menos gostaram
nas suas vidas".
Fonte: BBC News Brasil
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