"Nossas cidades são insustentáveis", afirma pesquisadora
Historicamente, os investimentos destinados à
habitação favoreceram o financiamento da casa própria para a classe média,
acentuando a desigualdade social e favorecendo o crescimento urbano de baixa
qualidade. Na avaliação da arquiteta e urbanista Luciana Ferrara, essa situação
gera uma contradição: "Quando se melhora um espaço, ele se valoriza,
promovendo um ciclo de expulsão das famílias mais pobres em direção as bordas. (...)
Compete, nessa disputa por espaço urbano entre áreas valorizadas e
infraestruturadas, um mercado imobiliário atuante, um setor que consegue
adquirir e transformar esse espaço numa velocidade assustadora".
A discussão da sustentabilidade e da qualidade
urbana e ambiental das cidades é também, na avaliação de Luciana, uma discussão
de justiça social urgente em um contexto de mudanças climáticas. "A ideia
de cidade sustentável não pode incentivar a implantação de alternativas
inteligentes e interessantes concentrada em centros infraestruturados, onde já
existe qualidade urbana para uma determinada parcela da população. E não deve
basear-se na crença de que somente a inovação tecnológica pode nos
"salvar’ dos desastres ecológicos, ou que um capitalismo limpo e verde é a
solução. Considero que pensar a cidade sustentável passa por uma crítica
radical de como a cidade está sendo produzida hoje".
Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao
Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Luciana comenta as políticas públicas
brasileiras destinadas à habitação, especialmente o programa Minha Casa, Minha
Vida. "Apesar de se tratar de avanço importante em termos de
financiamento, não temos visto uma melhoria na qualidade urbanística desses
empreendimentos. E as empresas de construção visam o lucro, acima de qualquer
coisa. Estão sendo construídos conjuntos habitacionais em áreas
periféricas"
>>>> Confira a entrevista.
• Como
vê o planejamento urbano no Brasil ao longo da história do país? Quais foram os
grandes impasses na área da habitação e quais são os desafios para os próximos
anos?
Luciana Ferrara – Entendo o planejamento urbano
como discurso e atuação prática do Estado, e essa forma de atuação se
transformou ao longo da história. Mas uma das características que permanece até
hoje é que a ação do Estado via planos, leis e investimentos favorece em grande
medida grupos de maior poder econômico e político, e não a população em geral,
de baixa renda, que tem dificuldade de acesso à moradia e aos serviços e
equipamentos urbanos. Alterar as prioridades de ação do Estado sempre foi uma
disputa política entre os diferentes agentes que atuam na produção do espaço
urbano. Combater a desigualdade socioeconômica, que gera uma cidade
segregadora, está para além da atividade do planejamento. Mas, se o
planejamento urbano não compreender e não enfrentar essa questão de base, será
difícil visualizar um melhor futuro para as cidades e para as pessoas. Em
termos de elaboração de planos, houve avanços nesse campo, embora ainda haja
pouca transformação na prática.
Muitos autores que estudam o urbano identificam que
um marco histórico nesse sentido é a Lei de Terras, de 1850, que definiu que a
forma de acesso a terra se daria por meio de compra e venda. Então,
estabeleceu-se um mercado de terras que excluiu, por exemplo, os escravos
libertos. A propriedade privada da terra tornou-se a medida da riqueza, que
antes era a posse de escravos. É importante frisar que, quando foi promulgada
essa lei, muitos latifúndios já tinham sido formados. Temos aí uma das origens
da segregação socioespacial.
A partir do século XIX, com a Proclamação da
República, a migração, a substituição do trabalho escravo, a industrialização
incipiente constitui-se também uma elite cafeeira. Nesse momento, as
intervenções urbanas tiveram forte influência de urbanistas estrangeiros e a
tônica predominante era o embelezamento das cidades sob o ideário da cidade
moderna. Para implementar esse tipo de intervenção, era preciso retirar os
pobres dos espaços centrais. Por exemplo, o código de posturas de São Paulo (de
1886) e do Rio de Janeiro (de 1889) tinham uma postura moralizante e não
aceitavam a permanência de cortiços em áreas centrais sob o argumento de que
era preciso sanear e limpar a cidade.
Além disso, com o crescimento urbano acelerado, o
saneamento tornou-se de fato um problema a ser enfrentado e tratado na escala
urbana. Surgem grandes planos de saneamento encabeçados pelo engenheiro
Saturnino de Brito em várias cidades do Brasil, como São Paulo, Santos, Recife.
<<< Investimentos do século XX
Em outro contexto econômico e político, já no
século XX, os problemas urbanos passaram a ser tratados a partir do ponto de
vista técnico. Essa visão tem seu apogeu na década de 1960 e 1970, com os
grandes planos, baseados numa visão de pesquisa científica sobre as cidades.
Esses planos foram financiados pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e
envolviam importantes profissionais. Entretanto, a aplicação não aconteceu,
como mostrou o professor Flavio Villaça. Em função do contexto político do
regime militar, muito do que era feito nas cidades passava por decisões
centralizadas e voltadas para a realização de grandes obras. O país queria se
constituir como uma força econômica. Então, os investimentos foram canalizados
para isso.
Ainda nesse período, foi criado o Banco Nacional de
Habitação – BNH e o Sistema Financeiro de Habitação – SFH, que conduziram a
política habitacional e de saneamento de grandes obras em nível nacional. Em
termos de política habitacional, o BNH foi um marco, apesar de que algumas
experiências anteriores já terem trabalhando com a produção de conjuntos
habitacionais. A crítica central ao BNH, já trabalhada por diversas pesquisas,
mostra que quem usufruía do financiamento era a classe média, e não as classes
populares, que precisavam de mais subsídios. Quando se construía para baixa
renda, era em grandes conjuntos monofuncionais e periféricos.
<<< Luta pela habitação
Com a abertura política e o fim da ditadura,
emergiram vários movimentos sociais, movimentos pela reforma urbana lutando
pelas demandas populares, que foram incorporadas na Constituição e somente
foram regulamentadas em 2001, como o Estatuto da Cidade. Durante os anos 1980 e
1990, esses movimentos reivindicaram urbanizações de favelas, construção por
mutirão, novas moradias, regularização fundiária.
Em 2003, foi criado o Ministério das Cidades, dando
início a outro marco importante. Isto porque, desde o fim do BNH até a criação
do Ministério das Cidades, os investimentos habitacionais eram feitos pelos
estados e municípios. Com a criação do Ministério das Cidades, retomou-se a
intenção de que o governo federal poderia viabilizar financiamento para os
estados e municípios, e também dar as diretrizes gerais das políticas urbanas
setoriais. Em seguida, esse ministério promoveu uma campanha para a elaboração
de planos diretores participativos em municípios com população acima de 20 mil
habitantes, inclusive com financiamento. A crítica do "plano de
gaveta" estava consolidada e contava-se que a participação da sociedade
poderia promover processos mais democráticos de planejamento.
Hoje está em processo de avaliação os 10 anos de
aplicação do Estatuto da Cidade. Há três anos foi feita uma pesquisa nacional
sobre os planos diretores, promovida pelo Ministério das Cidades. Percebemos
que, de um modo geral, nas cidades em que se conseguiu avançar na discussão
pública dos seus planos, a população tem mais informação e, portanto, mais
possibilidade de reivindicar seus direitos e projetos. Por exemplo, no processo
de revisão do Plano Diretor, a prefeitura de São Paulo tentou tirar várias
áreas que haviam sido delimitadas como Zonas Especiais de Interesse Social –
ZEIS, as quais visam garantir habitação social em áreas delimitadas, na
primeira versão do Plano Diretor participativo. Isso gerou um conflito muito
grande, pois setores populares e técnicos se mobilizaram para impedir a
mudança.
Por outro lado, mais uma vez, ainda que em outro
contexto, percebemos avanços técnicos e poucos avanços em termos de aplicação.
O Estatuto das Cidades é uma lei conhecida até no exterior, mas a
aplicabilidade dela e do Plano Diretor é muito conflituosa, por uma série de
motivos. Um deles é encarar a disputa pelo espaço urbano. Essa disputa envolve
os diferentes interesses econômicos, como o capital imobiliário, e uma demanda
social gigantesca. Isso transparece na elaboração do plano, nas decisões que
ele contém. Para se implementar instrumentos de controle do uso especulativo da
terra, por exemplo, há que se enfrentar essa disputa, e muitas vezes isso não é
feito.
Um problema de outra natureza se refere à
apropriação dessa ferramenta pelas próprias prefeituras. Muitas vezes, o corpo
técnico do poder público fica refém dos interesses políticos locais e não
consegue transpô-los. O plano diretor também pode ser entendido como uma esfera
de disputa política, mas ainda mais é uma disputa fazê-lo valer. É uma disputa
por visões de cidade, pelo uso dos espaços da cidade. Por isso a importância
dos movimentos organizados, populares, nesses processos.
• Quais
são as razões e as consequências do crescimento desordenado das cidades
brasileiras e da ausência de alternativa habitacional para parte da população
de baixa renda?
Luciana Ferrara – Todo mundo fala de crescimento
desordenado porque a cidade aparenta ser caótica e sem controle. Mas, na
verdade, essa aparente desordem é como ela se organiza, se configura de fato. Dizer
que a cidade é desordenada é uma ideologia, porque não é à toa que o
crescimento de favelas e da autoconstrução, frente à insuficiente política
habitacional pública estatal, tornou-se a solução de moradia da maioria da
população. Essa insuficiente política é a própria política, e quem não é
contemplado por ela se vira como pode.
Uma das consequências do crescimento urbano é a
desigualdade de qualidade e oportunidades em áreas valorizadas em processo de
valorização ou não da cidade. Entre 1990 e 2000, as maiores taxas de
crescimento populacional ocorreram no limite da mancha urbanizada, nas áreas
que são mais sensíveis do ponto de vista ambiental, em alguns municípios com
menos recursos para lidar com esse crescimento. Compete, nessa disputa por
espaço urbano entre áreas valorizadas e infraestruturadas, um mercado
imobiliário atuante, um setor que consegue adquirir e transformar esse espaço
numa velocidade assustadora – a verticalização da cidade de São Paulo mostra
isso.
Os espaços ocupados pela população de baixa renda,
em geral, têm uma qualidade muito ruim, tanto os periféricos como os centrais.
A contradição maior é que, quando se melhora um espaço, ele se valoriza,
promovendo um ciclo de expulsão das famílias mais pobres em direção às bordas.
Os terrenos que estão na periferia, com preços mais acessíveis se comparado as
áreas centrais, não têm infraestrutura. A população ocupa áreas de fragilidade
ambiental, como margem de córregos, topos de morro, porque não tem recursos
para comprar ou alugar locais melhores. Depois de ocupados, cria-se um mercado
informal de aluguel e venda dentro das favelas e loteamentos informais. Então
há diferentes valores dependendo da localização da favela, por exemplo. O
espaço urbano é uma mercadoria lucrativa, em contextos formais e informais.
Após muitos anos, as áreas se consolidam e o poder público precisa então
investir em urbanização e regularização fundiária.
• Teria
como adequar toda a população em áreas habitáveis e não perigosas?
Luciana Ferrara – Existem várias alternativas
habitacionais que precisam ser implantadas em conjunto, formando uma política
habitacional. Enquanto se produz um centro valorizado, produz-se, ao mesmo
tempo, uma periferia precária. Uma das formas de lidar com isso é reivindicar
habitação em áreas centrais, o que o movimento de moradia faz há anos, sob
muita repressão. O Brasil tem um déficit habitacional tanto de demanda por
novas unidades como por inadequação habitacional, ou seja, habitações que
precisam de melhorias. Ao mesmo tempo, o país dispõe de uma grande quantidade
de domicílios vazios. Portanto, é preciso trabalhar em diversas frentes
simultaneamente; não há uma única solução. Além da construção de novos
conjuntos e urbanização de favelas, existem a locação social, a recuperação de edifícios
abandonados (e com dívida, que a prefeitura pode negociar), a reabilitação de
cortiços, o uso misto em edifícios e exigência de construção de HIS como
contrapartida de grandes empreendimentos. Enfim, existem várias formas de
trabalhar dentro do tecido urbano.
• Quais
são os principais desafios em relação à moradia e ao planejamento urbano em uma
época de mudanças climáticas e preocupações ambientais? Em que consistiria um
projeto de habitação adequado, considerando-se a conjuntura atual de mudanças climáticas?
Luciana Ferrara – Essa questão atinge várias
escalas. As mudanças climáticas tendem a aumentar os eventos extremos, o que no
caso do Brasil poderá intensificar problemas que já existem há muito tempo. Na
escala das cidades, das metrópoles, as chuvas intensas, por exemplo, irão
afetar em maior grau as ocupações de áreas de risco ambiental, de inundação ou
deslizamento, ou seja, a população que vive em áreas vulneráveis. Por isso
essas ocupações demandam maior atenção do poder público, que precisa remover
famílias e destiná-las a um adequado atendimento habitacional.
Esse tratamento também deve abranger a expansão da
ocupação sobre áreas de proteção ambiental, como as áreas de proteção aos
mananciais, que precisam ser tratadas de forma abrangente integrando, de um
lado, moradia e recuperação ambiental nas áreas ocupadas e, de outro,
promovendo usos compatíveis com a manutenção da vegetação nas áreas ainda não
ocupadas.
Nós vivemos em uma sociedade de consumo exacerbado
e isso se relaciona com modelos urbanos que nós adotamos. Se pensarmos na
emissão de poluentes nas cidades, além das indústrias e do desmatamento, temos
que enfrentar o modelo do transporte individual. O modelo rodoviarista é
totalmente prejudicial, porque ele aumenta a poluição do ar, além do trânsito
que interfere na mobilidade das pessoas e gera uma vida urbana bastante penosa.
Outros problemas são as formas como o solo tem sido
utilizado e impermeabilizado; o mau gerenciamento da drenagem urbana; o não
tratamento integral dos esgotos que geramos, fazendo com que os rios sejam
canais de condução de esgotos e não espaços de fruição e de lazer para a
população. Essas são questões a serem enfrentadas pela discussão da qualidade
urbana e ambiental nas cidades. Elas estão na ordem do dia, e o debate sobre as
mudanças climáticas faz com que a atenção à questão ambiental se intensifique.
Porém, no contexto das cidades brasileiras, todas essas questões são, antes,
questões sociais e precisam ser tratadas, considerando-se a noção de justiça social.
• É
possível pensar no planejamento de cidades sustentáveis? Que aspectos seriam
fundamentais na elaboração desse projeto?
Luciana Ferrara – Nossas cidades são insustentáveis
por causa de todos esses problemas que mencionei anteriormente. Portanto, pensar
no planejamento de cidades sustentáveis não consiste em reivindicar projetos
pontuais, por mais que reivindicar ciclovias, buscar minimizar impactos do
trânsito e da poluição, etc., sejam importantes. Temos de promover uma
distribuição e uso do solo urbano que seja menos predatória, ou seja, ter
possibilidades de associar, nos projetos habitacionais, uma maior qualidade
ambiental, em vez de fazer grandes conjuntos isolados na periferia. Além disso,
os conjuntos habitacionais precisam ter qualidade ambiental, precisam ter
praça, parque, equipamentos, precisam estar conectados de uma forma eficiente
com meios de transporte para os centros urbanos, com os locais de trabalho das
pessoas. A ideia de cidade sustentável não pode incentivar a implantação de alternativas
inteligentes e interessantes concentrada em centros infraestruturados, onde já
existe qualidade urbana para uma determinada parcela da população. E não deve
basear-se na crença de que somente a inovação tecnológica pode nos
"salvar" dos desastres ecológicos, ou que um capitalismo limpo e
verde é a solução. Considero que pensar a cidade sustentável passa por uma
crítica radical de como a cidade está sendo produzida hoje.
• Existem
algumas pesquisas da USP que propõem que o planejamento urbano das cidades seja
feito a partir das bacias hidrográficas para recuperar as águas dos córregos.
Você participou de algum projeto com esse viés? Pode nos falar sobre ele? Em
que consiste e quais suas vantagens?
Luciana Ferrara – Sim. A bacia hidrográfica como unidade
de planejamento, gestão, principalmente de recursos hídricos, é um elemento
presente na legislação brasileira que trata do assunto. A pesquisa que
participei foi coordenada pela professora Maria Lúcia Refinetti, da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da USP, e desenvolvida no Laboratório de Habitação.
Envolveu várias prefeituras situadas em áreas de proteção aos mananciais e o
Ministério Público. Nós trabalhamos com municípios ao sul da Região
Metropolitana de São Paulo, que enfrentavam o problema da irregularidade
urbanística e fundiária de loteamentos populares irregulares e favelas nas
bacias das represas Guarapiranga e Billings, que servem de abastecimento
público de água e onde hoje moram 1 milhão e 600 mil pessoas.
Nós trabalhamos com a questão de articular soluções
habitacionais, de infraestrutura e regularização fundiária, visando melhorar a
qualidade habitacional das pessoas que já estão lá e, ao mesmo tempo, reduzir o
impacto da ocupação na qualidade da água.
São Paulo teve um programa de urbanização inaugural
nesse sentido, formulado em 1989 e iniciado em 1992, que é o programa
Guarapiranga. Ele existe até hoje e abrange também as ocupações na Billings.
Esse programa visava a urbanização de favelas para melhorar a qualidade de vida
dos assentamentos precários e reduzir os esgotos jogados diretamente nas
represas. A partir de uma leitura crítica dessa experiência, vimos que a
realização de obras de urbanização foram fragmentadas e não geravam as
melhorias pretendidas em termos de qualidade da água. Por isso seria mais
proveitoso adotar como unidade de projeto e de intervenção a microbacia
hidrográfica, que corresponde à área de drenagem de um córrego ou de um
conjunto pequeno de córregos. Com essa unidade de planejamento, conseguir-se-ia
aferir a qualidade da água e ter um controle ambiental do resultado das obras
de urbanização. E foi nesse sentido que a pesquisa do LabHab trabalhou. Em
seguida, a experiência foi sistematizada no livro de autoria da professora
Maria Lúcia Refinetti, que se chama Moradia e Mananciais: tensão de diálogo na
metrópole, o qual está disponível na internet no site do laboratório.
• Como
é possível enfrentar a precarização habitacional no Brasil? Que políticas
públicas seriam necessárias?
Luciana Ferrara – Existe, em nível nacional, o
Plano Nacional de Habitação, a estruturação de um Sistema Nacional de Habitação
e de um Fundo Nacional de Habitação do qual podem participar os estados e
municípios, desde que tenham seus planos de habitação. Os municípios precisam
estruturar sua política habitacional para que ela perdure. Se há um sistema de
gestão, de planejamento e de financiamento, as possibilidades de se ter uma
política habitacional contínua é maior, ficando assim menos frágil às mudanças
de orientação política das gestões.
A política municipal de habitação define programas,
formas de gestão e financiamento. Para enfrentar a heterogeneidade dos
problemas habitacionais, é preciso ter uma variedade de alternativas e
programas para situações urbanas diferenciadas. No centro, por exemplo, existem
situações de cortiço, favelas, edifícios vazios que podem ser recuperados e
transformados em habitação popular; na periferia há áreas sem infraestrutura,
áreas com infraestrutura que precisam ser melhoradas, etc. Há a possibilidade de
se fazer locação social financiada pela prefeitura para viabilizar que as
famílias habitem próximo aos seus lugares de trabalho. Ou seja, é preciso um
"cardápio" de alternativas e soluções que precisam ser implementadas
simultaneamente, dependendo das necessidades sociais e habitacionais de cada
município.
• Em
relação à moradia social, o governo brasileiro investe em programas como Minha
Casa, Minha Vida. Como vê essas políticas públicas de assistência à moradia
social? Elas garantem o acesso a uma habitação adequada?
Luciana Ferrara – Em paralelo à formulação do Plano
Nacional de Habitação e da estruturação do Sistema Nacional de Habitação, o
governo lançou o programa de financiamento Minha Casa, Minha Vida, anunciado
como uma medida de duplo objetivo: medida anticrise econômica e medida social.
O financiamento do MCMV se estrutura por faixas de
renda e contém uma novidade importante que é o subsídio para famílias que têm
uma renda entre zero e três salários mínimos. Acima de três salários mínimos o financiamento
é voltado para a habitação de mercado, ou seja, muitas empresas que antes não
trabalhavam com a provisão de habitação de baixa renda, hoje estão produzindo
com o financiamento do Estado.
Do ponto de vista urbanístico, o foco da crítica
recai sobre o modelo de ocupação do que está sendo construído. Em São Paulo,
por exemplo, praticamente não existem mais grandes terrenos nos bairros
centrais e onde o preço é muito mais alto. Por isso as empresas têm adquirido
grandes terrenos muito distantes ou pouco conectados com a malha urbanizada. Ou
seja, estamos reproduzindo o modelo dos grandes conjuntos monofuncionais
criticados desde o BNH. Apesar de se tratar de avanço importante em termos de
financiamento, não temos visto uma melhoria na qualidade urbanística desses
empreendimentos. E as empresas de construção visam o lucro, acima de qualquer
coisa. Estão sendo construídos conjuntos habitacionais em áreas periféricas,
inclusive em cidades em que ainda há terrenos propícios de serem edificados
próximos ao centro, mas isso não está sendo feito. Recentemente, as normas que
regem o MCMV têm admitido novas possibilidades, como a construção de edifícios
mistos (com comércio no térreo). Mas ainda não se vê uma mudança qualitativa na
produção, e isso vale para o país inteiro.
Fonte: Entrevista especial com Luciana Ferrara,
para IHU OnLine
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