terça-feira, 3 de outubro de 2023

Mudanças climáticas: Por que clima extremo está causando aumento dos casamentos infantis no mundo

As mudanças climáticas têm uma variedade de consequências no planeta: tempestades devastadorassecastemperaturas recordes, derretimento de geleiras, perda de ecossistemas.

Tudo isso tem impacto em diferentes comunidades que têm de enfrentar a devastação do aquecimento global, resultado inclusive em mortos e feridos.

Mas à medida que este fenômeno global avança, os efeitos colaterais também começam a ser observados na sociedade.

Por exemplo, uma pesquisa acende um alerta de que as mudanças climáticas têm um sério impacto no aumento dos casamentos infantis no mundo.

O trabalho dos pesquisadores conseguiu estabelecer que as condições climáticas extremas agravam problemas que causam a proliferação de casamentos infantis forçados em ao menos 20 países.

Por exemplo, em Bangladesh, onde ocorrem há vários anos ondas de calor extremo com duração superior a 30 dias, foi registrado um aumento de 50% nos casamentos forçados de meninas entre 11 e 14 anos.

Secas e inundações foram os desastres mais comuns relacionados na pesquisa, mas outros estudos analisaram o impacto de ciclones e altas temperaturas, entre outros fenômenos meteorológicos.

"Não são fenômenos isolados devido a uma onda de calor ou inundações específicas: é um efeito colateral de condições climáticas extremas", diz Smitha Rao, professora de Sociologia da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

Rao, que liderou a pesquisa através da análise de quase 20 estudos independentes sobre as alterações climáticas e seus efeitos sociais, salienta que as principais razões para este aumento têm a ver com o sustento familiar.

"O casamento infantil é muitas vezes considerado uma estratégia para reduzir a vulnerabilidade econômica e a insegurança alimentar que uma família enfrenta devido a uma catástrofe", observa a pesquisadora.

Ela destaca que o problema dos casamentos forçados não é exclusivo de áreas vulneráveis, mas ocorre em todos os níveis da sociedade e em todas as partes do mundo.

Por exemplo, na América Latina, de acordo com um relatório das Nações Unidas, uma em cada quatro meninas se casa ou entra numa união precoce antes dos 18 anos.

O Brasil ocupa a sexta posição (atrás de Índia, Bangladesh, China, Indonésia e Nigéria) em número absoluto de casamentos infantis no mundo – 21,6 milhões, segundo dados da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

Na região, o casamento infantil é proibido atualmente na Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Porto Rico e República.

Já na Bolívia, Brasil, Chile, Nicarágua, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, o casamento é permitido a partir de 16 anos com autorização dos pais, representantes legais ou de um juiz.

·         O estudo

Rao e outros especialistas em questões ambientais começaram a detectar uma relação entre os casamentos forçados infantis e as condições extremas criadas pelas alterações climáticas.

Uma das pesquisadora que acompanhou a pesquisa foi Fiona Doherty, socióloga da Universidade de Ohio.

Ela conta que a investigação começou quando ficou evidente que os desastres naturais têm como consequência o aumento dos casos de violência de gênero.

"Existe um conjunto substancial de evidências que explicita a conexão entre os desastres e a violência de gênero. A partir daí, vimos casos de casamentos infantis forçados que estavam conectados com casos de deslocamento ambiental”, destaca.

Doherty indica que a maior parte da literatura sobre este fenômeno, cerca de 20 estudos, está focada na Ásia e na África, onde a prática do casamento infantil é prevalente.

"Segundo os pesquisadores, esses casamentos são em grande medida uma questão econômica. As famílias às vezes estão submetidas a um estresse porque não podem sustentar suas filhas e procuram casá-las”, escreveu Doherty.

Tanto Rao quanto Doherty ressaltam que os fenômenos também dependem dos costumes de cada país.

"Por exemplo, no Vietnã vimos uma relação dos casamentos infantis com as inundações, que cada vez são mais graves. Lá, é costume que a família do noivo pague um dote à família da noiva", observa Rao.

"Na Índia, onde o costume é o contrário, não vemos essa tendência. Não há um anseio por casar as mulheres, porque é a família delas quem tem que pagar”, acrescenta a pesquisadora.

Doherty, por sua vez, destaca que este é um efeito indireto da mudança climática.

"O que esses desastres fazem é exacerbar os problemas existentes de desigualdade de gênero e pobreza que levam às famílias ao matrimônio infantil como mecanismo de sobrevivência", pondera.

·         Problemas a mitigar

Mas o relatório também é claro em assinalar que não se trata apenas de questões econômicas.

Segundo Rao, outro fenômeno encontrado nos documentos estudados, que vão de 1999 a 2021, é que o deslocamento causado por desastres naturais conduz famílias a campos de refugiados onde as meninas menores de idade são abusadas sexualmente.

"Nestas situações, as famílias optam às vezes por casar suas filhas pequenas para protegê-las do abuso e da violência sexual", diz Rao.

Para as pesquisadoras, a melhor maneira de mitigar essa situação é melhorar as condições que geram a desigualdade em todas as sociedades.

"Em nosso artigo, destacamos a importância de abordar as causas profundas da pobreza e da desigualdade de gênero. Isso inclui investir na educação das crianças e incluir as vozes das mulheres e das meninas na tomada de decisão", diz Doherty.

Mas especificamente sobre os efeitos colaterais da mudança climática, neste tema, as especialistas recomendam uma ação direta com as comunidades.

"É preciso estabelecer uma série de práticas comunitárias baseadas em pesquisas antes e depois dos desastres para priorizar as necessidades das mulheres e das crianças quando se atende a uma emergência ambiental", conclui a pesquisadora.

 

Ø  Como mudança climática mudou comportamento dos elefantes na África

 

Em uma tarde sufocante na pequena aldeia queniana de Njoro Mata, uma agricultora inspeciona desesperadamente os danos causados por elefantes à sua pequena propriedade.

Esses animais, um símbolo do Quênia, vêm invadindo as terras de Monicah Muthike Moki no sul do país, perto do monte Kilimanjaro.

A mulher de 48 anos é mãe solo de três filhos cujo sustento depende de seu trabalho árduo plantando mandioca, milho, banana, cana-de-açúcar e manga.

Sua colheita aumentou após empregar novos métodos agrícolas introduzidos com a ajuda da Cruz Vermelha do Quênia, mas, nos últimos meses, tudo foi destruído por elefantes.

Moki diz que os animais vêm todos os dias do parque nacional de Tsavo, um dos maiores santuários do mundo, lar de cerca de 15 mil elefantes.

No local, vive cerca de 40% de toda a população de elefantes do Quênia.

Segundo ela, pecuaristas cortaram a cerca do parque para que seus bois acessassem as pastagens ali dentro, mas os elefantes atravessam na outra direção.

Em meio a anos consecutivos de chuvas fracas, os pecuaristas estão desesperados para alimentar seus animais, enquanto os elefantes começaram a vagar mais longe em busca de sustento.

Os novos padrões de comportamento dos animais são impulsionados pela escalada da crise climática e da seca no Quênia, fazendo conflitos entre animais e humanos se tornem cada vez mais frequentes.

Para Moki, o ataque de elefantes às plantações é "muito doloroso" de se ver.

Ela diz que os elefantes são "ousados" e "não têm medo". Os animais, segundo Moki, podem vir a qualquer hora, mas geralmente ao entardecer, e atacam em grupos, em pares ou às vezes individualmente com seus filhotes.

Os elefantes comeram recentemente toda sua safra de milho, banana e mandioca.

·         Abrigo temporário

Se não fossem os elefantes, Moki deveria estar colhendo de cinco a seis sacos de milho de 90 kg que venderia no mercado local na cidade vizinha de Taveta por 6,5 mil xelins quenianos (R$ 236).

Mas, sem sua colheita, ela não pode alimentar sua família ou vender seus produtos para pagar a escola de sua filha de dez anos.

Os agricultores da sua aldeia também usam os sacos de milho que colhem como caução ou pagamento de taxas escolares para os seus filhos frequentarem a escola primária local.

Por sua vez, as escolas utilizam o milho para fazer as refeições das crianças.

Agora, crianças de até quatro anos são forçadas a caminhar até quatro quilômetros para almoçar antes de caminhar a mesma distância na direção oposta à tarde.

Os elefantes, os maiores animais terrestres do mundo, podem consumir 150 kg de comida por dia, e gastam até três quartos do dia comendo.

Moki explica que muitas vezes eles não deixam "nada para trás".

Também bebem 100 litros de água por dia — inclusive em reservatórios com água que moradores recebem das autoridades locais para usar na irrigação.

·         Sistema de alarme caseiro

É um ciclo vicioso que, segundo Moki, só piora.

Ela tenta deter os elefantes com luzes brilhantes e ruídos altos. Também desenvolveu várias técnicas improvisadas para impedi-los de invadir suas plantações.

Moki usa garrafas velhas de água e óleo ao redor da fazenda conectadas com um fio para servir de alerta para ela se levantar e reagir, se os elefantes baterem nelas.

"Subo numa escada, aponto minha lanterna para eles e faço barulho porque você não pode se aproximar dos elefantes", diz.

Todas as noites, ela dorme longe de sua família sozinha na fazenda, agoniada pelo farfalhar dos galões ou o latido de cachorros.

Infelizmente, suas invenções não detêm os elefantes, mas pelo menos a alertam de sua presença.

Esses animais podem ser extremamente perigosos.

"Se um elefante me ferir ou matar, minha família vai sofrer", diz Moki.

·         Experiência de 'quase morte'

Seu vizinho, Jonathan Mulinge, agricultor e pai de quatro filhos pequenos, diz que teve uma experiência recente de quase morte com um elefante.

Ele tentou impedir que um destruísse suas plantações, mas o animal se virou e o atacou.

"A única coisa que salvou minha vida foi que consegui correr mais rápido que o elefante e me refugiar em casa", diz ele.

Mulinge diz que esse é "um conflito entre nós, os humanos, e o elefante", no qual agricultores como ele pagam o preço mais alto.

"Você planta suas colheitas para que possa se beneficiar delas, e então os elefantes vêm e as destroem, e os agricultores voltam à estaca zero."

A comunidade se sente impotente e culpa o Kenya Wildlife Service (KWS), órgão ambiental vinculado ao governo queniano, de não fazer o suficiente para ajudá-los.

A BBC entrou em contato com o KWS, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem.

Moki diz que a situação está ficando insustentável.

Também alega que suas preocupações foram ignoradas pelas autoridades.

Joram Oranga, da Cruz Vermelha do Quênia, argumenta que as condições áridas, a falta de chuva e os padrões climáticos extremos causados pelas mudanças climáticas impulsionam o conflito entre humanos e elefantes devido à diminuição dos recursos hídricos e terrestres, algo que, segundo ele, só vai "piorar" no futuro.

Para Moki, esse conflito está prejudicando sua saúde mental, agravada por sua extrema falta de sono.

Ela sofre de ansiedade e ataques de pânico e teme pelo futuro de seus filhos se um elefante a matar.

"Estou com medo porque, se eu for embora", diz ela, "quem vai cuidar deles?"

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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