Moisés Mendes: Uma família pode buscar a trégua com
as milícias do Rio
Setores da política com
vínculos ou com conhecimento sobre o funcionamento das facções milicianas do
Rio têm um desafio que devem enfrentar, como parte dos esforços para pacificar
a cidade.
Líderes políticos, com ou
sem mandato, podem convocar uma reunião de cúpula dos chefes do crime, como os
mafiosos faziam em Chicago. É só querer agir em nome do fim da guerra.
Parece, mas não é ironia.
Nessa terça-feira, na entrevista ao Roda Viva, o ministro Paulo Pimenta, da
Secretaria de Comunicação do governo, lembrou das conexões da família Bolsonaro
com milicianos.
“São notórias as
investigações que demonstram a relação histórica do Bolsonaro e dos familiares
com o crime organizado e com a milícia no Rio de Janeiro”, disse Pimenta.
Há fatos e farta
documentação sobre esses vínculos. A família Bolsonaro pode não ter mais o
poder que chegou a ter, mas detém reservas de influência numa área que está no
lastro político de muita gente no Rio.
Os Bolsonaros já não têm
mais condições de manobrar com a estrutura militar. Não têm o que oferecer ao
centrão. Daqui a pouco não terão o que retribuir ao PL. Mas ainda podem ter
pontos de contato com as milícias.
A família Bolsonaro já
homenageou milicianos. Bolsonaro visitava na cadeia o miliciano Adriano da
Nóbrega, executado na Bahia. Há exemplos de negociações dos Bolsonaros com
criminosos.
A jornalista Juliana Dal
Piva contou no UOL no ano passado que em 2004 Bolsonaro e o filho Flavio
negociaram com policiais criminosos presos amotinados no Rio.
Adriano era um dos
participantes do motim e depois iria virar miliciano. O sociólogo Paulo Baía,
que havia sido subsecretário de Direitos Humanos do Rio, foi chamado pelo então
deputado estadual Flavio Bolsonaro para as negociações.
“O principal interlocutor
do Flavio era o Adriano”, contou o sociólogo a Juliana Dal Piva. Segundo Baía,
o motim teria sido uma farsa para que o filho de Bolsonaro brilhasse como
negociador com policiais que agiam como bandidos. ”Um circo armado para
projetar Flávio Bolsonaro”, disse o sociólogo.
Os Bolsonaros entendem do
assunto, têm expertise. A origem das milícias está nas polícias que eles
conhecem bem há muito tempo.
Podem estar
desatualizados, pela concentração de atividades em Brasília a partir de 2018,
mas sabem como funciona a partilha de territórios em guerras internas e em
conflito permanente com o Estado.
A extrema direita
brasileira, e não só os Bolsonaros, têm desqualificado as tentativas de Lula de
fazer a intermediação da paz na ONU para conter a matança em Gaza.
Os líderes dessa extrema
direita têm a chance de chamar uma reunião de cúpula das milícias e apresentar
resoluções pela paz no Rio.
Líderes respeitados pelos
milicianos podem oferecer sua contribuição para conter o terror na cidade. Que
chamem os chefes e negociem. Que cada um cuide da ONU que lhe cabe.
Abin: disputa entre CV e PCC aumentou após morte de traficante
Uma investigação da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) aponta que a disputa de território
entre Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) aumentou após a
morte do traficante Marcelo Gomes de Oliveira.
Até então apontado como o
maior traficante de Goiás, Zóio Verde, como era conhecido, atuava de forma
independente, sem vinculação com as duas facções.
Segundo a Abin, a
execução de Zóio Verde “abriu espaço” para CV, oriundo do Rio de Janeiro, e
PCC, de São Paulo, disputarem territórios no Centro-Oeste.
“O estado de Goiás tem grande relevância
logística para o tráfico de drogas em função de sua conexão viária com estados
das regiões Centro-Oeste, Norte, Sudeste e Nordeste”, destacou a agência.
Zóio Verde foi executado
em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em 2017, após uma perseguição de carro.
Brasil tem 53 facções
O Brasil tem 53 facções
em atuação. Cada estado e o Distrito Federal amargam a presença de ao menos um
grupo criminoso.
Organizações como PCC e
CV se rivalizam na disputa por territórios e têm atuação nacional.
A facção com origem em
São Paulo se faz presente no Distrito Federal e em outras 24 unidades da
Federação. Já o grupo criado no Rio de Janeiro atua em 13 estados e, também, no
DF.
Para a Polícia Federal, a
expansão do CV causa especial preocupação, uma vez que o modus operandi da
fação seria ainda mais “sanguinário” que o das demais organizações criminosas.
Ataques no Rio podem ter sido cortina de fumaça para fuga de
miliciano Zinho
Membros da cúpula do
Governo do Rio de Janeiro atribuem a magnitude da reação de criminosos nesta
segunda-feira (23) à inesperada proximidade do líder máximo da maior milícia do
Estado, Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, do local em que ocorria a
operação policial.
Agentes ouviram no rádio
apreendido com Matheus da Silva Rezende, também conhecido como Faustão ou
Teteu, o alerta para que o "01" fosse protegido. Para o Palácio
Guanabara, a extensão dos ataques pela zona oeste teve como objetivo dispersar
as ações policiais para garantir a fuga de Zinho.
Criminosos incendiaram 35
ônibus, um trem e veículos de passeio após Faustão ser morto pela polícia numa
operação na comunidade Três Pontes. Ele era apontado como o número 2 na
hierarquia e sobrinho do líder do chamado Bonde do Zinho. Em um dos fuzis
apreendidos havia a inscrição 'Tropa do Mais Novo', como era chamado o grupo
controlado por Faustão, segundo a polícia.
Os incêndios foram
provocados tanto em Santa Cruz como na Barra da Tijuca, bairros da zona oeste
distantes cerca de 50 km.
A cúpula de segurança
esperava uma reação à prisão, mas não com a proporção tomada. Principalmente
porque o objetivo da operação era a prisão de Faustão e não se sabia da
proximidade de Zinho no local.
Por essa razão o
governador Cláudio Castro (PL) se manifestou em suas redes sociais
parabenizando a Polícia Civil pela prisão de Faustão, antes da confirmação de
sua morte no hospital e reação dos comparsas.
"O crime organizado
que não ouse desafiar o poder do estado", escreveu o governador antes de o
caos se instalar na zona oeste.
Castro estava no Palácio
Guanabara em reunião com o secretário da Casa Civil, Nicola Miccione, e o
controlador-geral do Estado, Demetrio Farah Neto, quando soube dos distúrbios.
Fontes da polícia afirmam
que, pelo rádio, foi possível ouvir milicianos oferecerem R$ 500 para quem
pudesse incendiar ônibus por toda a região. A orientação era que a ação fosse
filmada para que a quantia fosse recebida. Um delegado que participou da ação
disse que acredita que a ordem com o pagamento foi repassada sem critério, o
que teria intensificado a reação.
Para a cúpula do governo,
reforça a suspeita de que a reação tinha como objetivo permitir a fuga de Zinho
o fato de a morte de Wellington da Silva Braga, o Ecko, antigo líder do grupo,
não ter gerado distúrbio semelhante.
Ecko, irmão de Zinho, foi
morto em junho de 2021 após ser preso em casa e baleado pela segunda vez dentro
da van da Polícia Civil. Agentes envolvidos na ação dizem que ele tentou tirar
o fuzil de uma policial no veículo.
O caso foi arquivado pela
Justiça, apesar de contradições em depoimentos dos policiais envolvidos na
prisão e na morte de Ecko.
A advogada da família
Braga, Leonella Vieira, afirmou que "o Estado precisa ser competente para
prender e não covarde para executar com tiros nas costas, como rotineiramente
vem acontecendo".
"A sociedade precisa
se questionar porque quando se trata de integrantes da família Braga, o alto
escalão da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro não efetua prisões, apenas
execuções", disse ela.
Faustão é o terceiro da
família Braga a ser morto em ação da Polícia Civil. Além de Ecko, Carlos
Alexandre da Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes, chefiava o grupo criminoso
até 2017, quando foi morto por agentes numa ação para prendê-lo.
QUEM É FAUSTÃO, MORTO
NESTA SEGUNDA
O incêndios começaram
após a morte de Faustão, apontado pela Promotoria e pela polícia como o número
dois da maior milícia do Rio, hoje conhecida como Milícia do CL. O grupo é
comandado por Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, tio de Faustão.
Segundo a polícia,
Faustão foi atingido por tiros durante um confronto entre milicianos e agentes
da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) e do DGPE (Departamento Geral de
Polícia Especializada) em Três Pontes, também na zona oeste da cidade.
O suspeito chegou a ser
levado para o Hospital Pedro 2º, mas não sobreviveu, de acordo com a
prefeitura.
Outros dois suspeitos
foram presos na ação. Com o trio foram apreendidos dois fuzis, uma pistola, 15
telefones, 16 carregadores de fuzil, cinco coletes, munições e rádios
comunicadores, segundo a polícia.
Em setembro, Faustão foi
denunciado por ser um dos atiradores que mataram o ex-vereador Jerônimo
Guimarães Filho, o Jerominho. Este, por sua vez, fundou nos anos 2000 a Liga da
Justiça, grupo que deu origem à atual milícia comandada por Zinho.
Clara ameaça à autoridade do Estado, diz Cappelli sobre
ataques no Rio
O secretário-executivo do
Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, classificou nesta
3ª feira (24.out.2023) a situação no Rio de Janeiro como “muito grave”. Segundo
ele, trata-se de “uma clara ameaça à autoridade do Estado, uma situação
inaceitável”.
Na 2ª feira (23.out),
foram queimados 35 ônibus e a cabine de um trem, que partia de Santa Cruz, foi
incendiada. Seis estações chegaram a ser fechadas. Para a polícia do Estado, os
atos violentos foram em represália à morte, durante uma operação policial, do
miliciano Matheus da Silva Rezende, o Faustão, considerado pelas forças de
segurança o número 2 de um desses grupos da capital.
A declaração de Cappelli
foi dada depois de ele participar do 17º Encontro Nacional de Repressão a
Drogas, Armas, Crimes contra o Patrimônio e Facções Criminosas (Siren), no
Hotel Vila Galé, no centro do Rio. O encontro reunirá até 6ª feira (27.out)
policiais federais de todo o país, representantes das Forças Armadas e do setor
de segurança de embaixadas.
AVALIAÇÃO
Segundo Cappelli, mesmo
com os ataques de 2ª feira, ainda é cedo para reformular o planejamento feito
para a atuação de forças federais no Estado.
“A gente está completando
uma semana do início do nosso reforço no Rio de Janeiro, então é cedo para
rever um planejamento que ainda está em curso. A gente vai fazer a 1ª reunião
de monitoramento. Esta semana acabam de chegar os homens da Polícia Federal com
tecnologia e equipamentos. Está cedo ainda. Não tem uma semana. Claro que o que
aconteceu ontem é gravíssimo, e isso a gente leva em conta no planejamento que
está construindo e que vai avaliar hoje”, disse.
O secretário informou que
já está sendo reforçado o sistema de inteligência da PF (Polícia Federal) no
Rio para que, em conjunto com as forças de segurança do Estado, possa ser
desvendada a atuação do crime organizado.
“Alguns homens já foram
deslocados na semana passada, outros vão chegar nesta semana. Nós estamos
buscando analistas da Polícia Federal de larga experiência e trabalhos exitosos
já realizados aqui para o Rio de Janeiro, com equipamentos e tecnologia para
que se possa desbaratar e enfrentar o crime organizado no Rio de Janeiro”,
afirmou.
Para Cappelli, o reforço
na inteligência da Polícia Federal poderá contribuir para a prisão dos 3 chefes
das maiores milícias do Rio, conforme tem sido defendido pelo governador do Estado,
Cláudio Castro (PL), como forma de dar um golpe no crime organizado.
“A Polícia Federal tem
muitas informações sobre as organizações criminosas do Brasil e em especial do
Rio de Janeiro. Ela tem atuado junto com a Polícia Civil, e tenho certeza de que
essas informações podem ajudar a chegar nessas lideranças”, disse.
A transferência de presos
envolvidos em atos violentos no Rio para presídios federais já está acertada
entre o Executivo fluminense e o Ministério da Justiça. “Não há limite da parte
do governo federal quanto à transferência de presos. [Para] todos os presos que
o governo do Estado solicitar transferência para presídios federais, [os
pedidos] serão atendidos”, afirmou.
INTERVENÇÃO DESCARTADA
De acordo com o
secretário, não está na pauta uma intervenção federal na segurança pública do
Rio de Janeiro. “Nesse momento, apostamos no Susp [Sistema Único de Segurança
Pública]. Apostamos no fortalecimento das relações interfederativas. Cada
Estado tem o seu papel. O policiamento ostensivo é responsabilidade do Estado”,
disse.
Se o efetivo da Polícia
Federal e o da Polícia Rodoviária Federal forem somados com a Força Nacional, o
resultado daria praticamente a metade dos homens só da Polícia Militar do Rio
de Janeiro.
“Então, por isso, cabe
aos Estados o policiamento ostensivo. É assim que preconiza a Constituição, e a
nossa aposta é no fortalecimento da relação interfederativa. O Estado faz a sua
parte, e o governo federal cuida das questões que lhe dizem respeito,
principalmente a inteligência, o planejamento e a investigação da Polícia
Federal, e a presença da Polícia Rodoviária Federal com apoio da Força Nacional
nas rodovias”, disse Cappelli.
Há também um reforço no
trabalho ostensivo com a ida para o Rio de 250 agentes da Polícia Rodoviária
Federal e 300 homens da Força Nacional, 86 viaturas no apoio das ações da PRF
(Polícia Rodoviária Federal). “Como sempre disse, não tem solução mágica, não
tem bala de prata. É trabalho, trabalho e trabalho. É planejamento e
inteligência com o trabalho liderado pela Polícia Federal”, afirmou o
secretário.
Para ele, a
responsabilidade pelo policiamento ostensivo é do governo do Estado do Rio de
Janeiro, que tem absoluta autonomia para tomar iniciativas referentes às
polícias Civil e Militar. Afirmou que é possível atuar de forma integrada, mas
ressaltou que existem operações próprias da Polícia Federal, assim como tem as
polícias do Estado, o que é natural.
Cappelli disse ser
irrelevante questionar se a Polícia Federal soube com antecedência da operação
que resultou na morte do miliciano e nos atos violentos na cidade. “Não existe
subordinação entre o governo federal e o governo do Estado. Assim como a
Polícia Federal faz operações próprias aqui no Estado do Rio sem avisar às
forças estaduais de segurança, é absolutamente natural que as forças estaduais
façam também operações próprias”, disse.
Sobre a possibilidade de
haver instabilidade política depois da troca de secretários na Polícia Civil e
se isso atrapalharia a comunicação entre as instituições para o sucesso do
combate ao crime organizado, Cappelli disse que a nomeação de qualquer
secretário cabe só ao governador. “Não cabe ao governo federal tecer qualquer
comentário sobre isso.”
Depois de participar do
17º Siren, Cappelli visitou a empresa de armas Condor, em Nova Iguaçu, na
Baixada Fluminense, para verificar o sistema de chips instalado nos
equipamentos fabricados pela companhia.
“Todas as armas deles têm
chips e ficam rastreadas por 5 anos. Quero ver como isso funciona porque pode
servir para a gente fazer um debate de colocar isso em todas as armas, não só
nas não letais. A gente evita o desvio de armas. Vamos conhecer 1º a tecnologia
e ver como funciona e depois vamos discutir se o governo adota para si”,
informou.
Fonte:
DCM/FolhaPress/Poder 360
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