Mito ou verdade? Beber dá vontade de fumar? Saiba se o álcool é gatilho
para o cigarro
Mito ou verdade: o consumo de bebida alcoólica pode
despertar a vontade de fumar em tabagistas ou ex-fumantes? Especialistas
ouvidos pelo g1 dizem que sim, e que, apesar de haver uma explicação química
para a relação, este desejo é baseado, em parte, em uma “ilusão”.
“Essa é uma sensação que existe, mas é uma ilusão,
uma fantasia. É possível contornar. O paciente acaba associando as sensações de
prazer com algumas situações da vida: como fumar enquanto consome bebida
alcoólica, fumar no intervalo do trabalho, depois do almoço, enquanto está
dirigindo, depois de tomar café e etc”, afirmou a cardiologista Jaqueline
Scholz, que é diretora do Programa de Tratamento de Tabagismo do Hospital
Encore.
Basicamente, segundo especialistas, existem duas
explicações para o consumo de uma droga “aumentar o desejo pela outra”. A
primeira é o “hábito associativo”, onde o fumante cria uma relação entre o
tabaco e o álcool. A outra química, já que o álcool potencializa a
metabolização da nicotina.
“Existe a explicação de associação de estímulos,
onde sinais ligados ao uso de uma droga podem desencadear o desejo pela outra,
especialmente se ambas foram consumidas simultaneamente em situações
semelhantes no passado. Além disso, o álcool e a nicotina potencializam os efeitos
reforçadores um do outro”, afirmou Felipe Ornell, pesquisador do Centro de
Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas De Porto Alegre.
• Álcool
pode ser obstáculo
O consumo de álcool pode ser ainda um obstáculo
para quem está no processo de interromper o hábito de fumar.
“O álcool pode dificultar a tentativa de parar de
fumar, aumentando a vontade e tornando mais complicado resistir ao desejo de
fumar. Isso é especialmente importante para quem está em processo de
abstinência, interrompendo o consumo. É conhecido que o álcool interfere em
processos psicológicos fundamentais, afetando o julgamento crítico e a
capacidade de controlar impulsos”, disse Ornell.
• 'Hormônio
da felicidade'
O álcool e a nicotina atuam na área do cérebro
responsável pelo prazer. Ao serem consumidas, essas drogas produzem dopamina,
um neurotransmissor conhecido popularmente como “hormônio da felicidade”.
“O indivíduo acha que ele precisa fumar porque está
bebendo. Isso é uma mentira. O paciente tem que passar pelo processo de
descondicionamento. Ele tem que entender que o fato de consumir bebida
alcoólica não deve ser associado ao consumo cigarro”, disse Scholz.
“Uma boa resposta ao tratamento envolve aprender a
identificar gatilhos, e manejar os sintomas quando surgem, mudar o estilo de
vida e se proteger contra recaídas. Isso pode incluir terapias, como a Terapia
Cognitivo-Comportamental (TCC), medicamentos, técnicas de mindfulness (atenção
plena) e participar de grupos de apoio, entre outras estratégias”, completou
Felipe Ornell.
Pesquisa
mostra comportamentos que podem ser gatilhos dos vícios
Algumas pequenas atitudes, para pessoas que têm
tendência a vícios, podem servir como irresistíveis estopins para maus hábitos.
Uma inocente xícara de café, por exemplo, é o suficiente para despertar a
vontade quase irresistível de acender um cigarro em fumantes. O mesmo ocorre
com bebida alcoólica, dupla quase inseparável do cigarro. De acordo com um
estudo publicado no British Medical Journal e feito pela Universidade de
Oregon, nos Estados Unidos, alguns comportamentos podem, até mesmo, provocar o
surgimento de vícios. Adolescentes que costumam assistir a filmes em que os
atores consomem álcool, segundo os pesquisadores, têm duas vezes mais chances
de começar a beber que jovens que não o fazem – e apresentam 63% mais chances
de evoluir para o binge drinking, termo usado para designar consumidores
excessivos de álcool.
Durante dois anos, cerca de 6,5 mil crianças e
adolescentes de 10 a 14 anos foram entrevistados sobre o consumo de álcool (se
já haviam bebido ou não) e fatores que influenciariam o surgimento do vício,
como ambiente doméstico com fácil acesso à bebida, comportamento dos pais em
relação ao álcool e rebeldia pessoal. As cobaias assistiram a 532 filmes e
foram orientadas a selecionar 50. Os pesquisadores mediram o tempo das cenas
com consumo de álcool, bem como as imagens em que apenas a marca das bebidas
foi mostrada.
Ao todo, os adolescentes ficaram expostos a uma
média de quatro horas e meia a cenas que mostravam o uso de álcool. Em alguns
casos, dependendo dos filmes selecionados, esse número dobrou. Os
pesquisadores, então, descobriram por meio de questionários posteriores que os
jovens que selecionaram filmes em que os personagens eram alcoolistas foram
aqueles que estavam duas vezes mais propensos a beber também. Além disso, 28%
dos que passaram a ingerir álcool admitiram que se espelharam nos astros.
Ao longo dos 24 meses de estudo, a proporção de
adolescentes que começou a beber dobrou: o índice dos que afirmaram já ter experimentado
álcool passou de 11% para 25%. E o cinema não serviu apenas como ponto de
partida para o vício. Os jovens que passaram a consumir álcool em excesso, ou
seja, mais de cinco doses de bebida seguidas, triplicam de 4% para 13%. A
influência do comportamento dos pais dentro de casa foi, de acordo com o
trabalho, uma das explicações para os resultados alarmantes. “O uso de álcool
pelos pais foi relatado por 23% dos entrevistados, enquanto 29% deles disseram
que poderiam obter álcool em casa com facilidade”, escreveram os condutores do
estudo.
Colecionar roupas, chaveiros e outros objetos com
marca de bebida também foi um dos fatores apontados como estimulante para o
alcoolismo. A convivência com amigos que bebem e, claro, a própria
personalidade dos entrevistados também contaram para a inclinação ao copo. Se o
cinema dá vontade de beber, beber dá vontade de fumar. Outro estudo, feito pela
Universidade de Otago, na Nova Zelândia, descobriu o que muitos frequentadores
de bares já sabiam: a bebida alcoólica é um catalisador para o tabagismo. A
presença de amigos fumantes, assim como no caso de bebidas alcoólicas, também
funcionou como um incentivo para o ato de fumar.
O estudante Ítalo Martins, de 23 anos, admite que a
vontade de fumar e beber depende do contexto em que se encontra no momento. O
clima propício do bar, o gosto da cerveja e a presença de amigos fumantes são
os principais fatores que o levam a acender um cigarro, por exemplo. “Já
ocorreu de me dar vontade de fumar depois que vi alguém fumando em filmes,
propagandas e até em desenhos animados”, descreve. “Penso imediatamente em como
seria tragar naquela hora.”
O estudante, contudo, não concorda que apenas
assistir a pessoas consumindo álcool ou tabaco, em filmes ou na vida real, seja
um fator forte o suficiente para desencadear o vício em quem quer que seja. “É
um momento de descontração”, justifica. “Vejo as pessoas fumando, mas isso não
significa que eu vá fumar. Só acho que bar e balada têm a ver com cigarro.”
• Influência
do lugar
Janet Hoek, professora do Departamento de Marketing
da Universidade de Otago e uma das principais autoras do estudo, diz que muitos
“fumantes sociais” – pessoas que só sentem vontade de fumar quando saem para
festas, reuniões ou ocasiões específicas – nem mesmo gostam de cigarro.
“Praticamente, todos disseram que fumam porque querem fazer parte do grupo ou
porque não querem que um fumante da turma se sinta alienado quando ele ou ela
precisa ir para fora do estabelecimento para fumar”, diz Janet. Ter que se
deslocar do local onde todos estão reunidos parece um esforço desnecessário
para quem não tem uma grande dependência de nicotina.
A dificuldade para encontrar um lugar para obter
seu cigarro preferido faz com que Fernanda Akel, de 30, só fume quando está em
terra. Fernanda chega a passar seis meses no navio em que trabalha – período no
qual dispensa a nicotina. Para ela, barreiras como essa ajudam a manter o vício
sob controle. “Se não houvesse área de fumantes em lugar nenhum, não fumaria
ou, pelo menos, não fumaria quase nunca”, opina. O quesito “social” do ato de
fumar é, para ela, outro fator que dá impulso ao ímpeto de acender um cigarro.
“Às vezes, você nem quer fumar, mas quase todos os seus amigos estão na área de
fumantes. Então você vai lá curtir com eles e acaba fumando também.”
Assim como Fernanda, Janet Hoek diz que muitos
“fumantes sociais” não se consideram, propriamente, fumantes. Seguindo a
pesquisadora, isso ocorre porque eles têm definições mutantes de si mesmos, que
variam de acordo com situações específicas, para que eles continuem encarando a
si mesmos como livres do vício, como uma autodefesa. “Muitos não fumam
sozinhos, não compram tabaco e afirmam que ‘escolhem’ quando querem fumar”,
exemplifica. A crise de identidade que se segue a uma sessão de consumo intenso
de álcool e tabaco vira uma bola de neve: o remorso dá origem ao conflito entre
como eles se sentem (não fumantes) e o que fizeram. “Eles lidam com isso usando
o álcool para explicar e justificar tal comportamento e também para liberá-los
para fazer tudo de novo, repetidamente.”
O hábito de sair à noite com os amigos para tomar
uma cerveja é um dos programas que mais deixavam a radialista Joana Praia, de
36 anos, com vontade de fumar. Essas ocasiões, contudo, não foram o motivo que
a levaram a se tornar uma fumante social: desde a infância, ela já estava
acostumada a ver a mãe fumando cerca de 60 de cigarros por dia. Na
adolescência, veio a vontade de experimentar o tabaco – mas ela garante que
nunca se tornou uma viciada. “Nunca fumei todos os dias, só quando saía”,
reforça. “Acho que algumas pessoas são mais propensas a se viciar.” Desde o
início da gravidez da filha, hoje com 9 anos, Joana não fuma. Além do novo
estilo de vida, mais “tranquilo e caseiro”, o câncer de pulmão da mãe, diagnosticado
há sete anos e já curado, serviu como alerta. “Minha família inteira também
parou de fumar.”
>>>> TRÊS PERGUNTAS PARA Sueli
Danergian - professora de psicologia da universidade de São Paulo (USp)
• Filmes
podem mesmo influenciar o início e a progressão de vícios, como o alcoolismo ou
tabagismo?
Se você submete crianças a jogos e filmes
violentos, isso estimula a agressividade de certas áreas cerebrais. Isso não
quer dizer que influencia diretamente, mas há uma associação. Você induz a
criança a agir daquela maneira. Antigamente, as pessoas eram muito
influenciadas pelos atores e atrizes de Hollywood. Fumar era considerado
charmoso, uma coisa chique. As pessoas viam os atores como se eles fossem mais
importantes e muita gente começou a fumar por causa disso, para imitá-los.
• Outros
fatores também podem influenciar o início de vícios, como o comportamento de
pais que bebem ou fumam?
Sim, muitas crianças são inclusive iniciadas pela
própria família. Já vi alguns casos de pais que até incentivam os filhos a
beber. A propaganda também colabora nesse sentido. Quanto mais ela é vista,
mais o vício se instala. E as propagandas estão ficando cada vez mais
incisivas. As de cerveja, em que as pessoas “louvam” a bebida, são um exemplo
disso: as empresas estão apelando para que as pessoas não resistam às drogas,
como cigarro e bebida. O cinema é um dos recursos apelativos da propaganda, já
que é muito fácil que ocorra a identificação com esses ídolos. Aí, há um
comportamento iniciativo, um estímulo a fazer também.
• Como
explicar a existência de “viciados ocasionais”, como no caso dos fumantes
sociais?
Cada fumante social tem seu próprio processo.
Algumas pessoas acham que é bonito, charmoso. Já ouvi que fumar dá um certo
status, que faz com que a pessoa se sinta diferente dos outros. Mas isso não
tem nada a ver. Certos indivíduos se apegam a coisas pouco significativas como
essas. No caso dos fumantes sociais, estar em uma roda em que só eles não fumam
faz com que se sintam diminuídos e pensem que são considerados menos
importantes. Eles não percebem que, fugindo do modismo, demonstrariam
personalidade. As pessoas acham que isso é bonito, mas o ideal é conseguir
resistir ao que é modismo e afirmar a própria identidade sem que ela precise
ser galgada na intimidação do comportamento dos outros. É mais difícil manter
princípios e valores do que “seguir a onda”.
<<< Inclinação biológica
Além das influências ambientais, como familiares e
amigos fumantes ou locais propícios ao fumo, uma pesquisa publicada em abril do
ano passado na revista especializada Biological Psychiatry descobriu que certas
combinações genéticas podem ser as responsáveis pelo vício em tabaco. Os
adolescentes analisados no estudo, que tinham variantes de dois tipos de genes
relacionados à dopamina e aos codificadores de subunidades dos receptores
nicotínicos colinérgicos, tinham três vezes mais chances de se tornar fumantes
regulares na adolescência e corriam duas vezes mais risco de continuar
tabagistas quando adultos.
Fonte: g1/em.com
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