Homicídio com 100 tiros, guerra desde 2020: o que a
polícia sabe dos principais milicianos do Rio
Após os ataques
históricos que sitiaram a cidade do Rio de Janeiro na segunda-feira (23), o
governador Cláudio Castro nomeou três homens como os principais alvos das
forças de segurança: os milicianos Luiz Antonio da Silva Braga (Zinho); seu
ex-aliado e também miliciano Danilo Dias Lima (Tandera); e Wilton Carlos Rabelo
Quintanilha, o Abelha, traficante da cúpula do Comando Vermelho.
A estratégia não é nova:
governadores anteriores a Castro também já apontaram criminosos como os
principais alvos do estado, na tentativa de nomear e direcionar o combate à
criminalidade. Mas no caso dos três citados, cuja história se entrelaça, há uma
disputa sangrenta pelo controle de territórios e que, segundo documentos
levantados pela CNN, já é de conhecimento das autoridades há pelo menos três
anos.
Entre a retórica e o
conhecimento das autoridades sobre o problema, a vida de 2 milhões de
habitantes no Grande Rio: aqueles que, segundo estudo do Grupo de Estudo de
Novos Ilegalismos da UFF e do Instituto Fogo Cruzado, vive em áreas sob
controle da milícia ou em disputa de territórios.
O episódio mais recente
da disputa por territórios entre criminosos se dá desde segunda-feira (23),
após a milícia paralisar a cidade do Rio de Janeiro com 35 ônibus e um trem
incendiados como represália pela morte de Matheus da Silva Rezende, miliciano,
apelidado de “Senhor da Guerra”, denunciado pelo MP no mês passado por
encomendar a morte de outro miliciano e sobrinho do miliciano Zinho.
De acordo com os
documentos obtidos pela CNN, a Polícia Militar do Rio começou a perceber em
2020 uma disputa por territórios entre o antigo chefe da milícia que atua na
maior parte da zona oeste, Wellington da Silva Braga, o Ecko, e o miliciano
Tandera.
No ano seguinte, após a
morte de Ecko, os grupos de Zinho e Tandera passaram a se enfrentar: o primeiro
controla a zona oeste da capital fluminense; o segundo atua em cidades da
Baixada, como Nova Iguaçu.
Um informe de setembro
daquele ano menciona cinco vans e um posto de gasolina incendiados, além de um
policial militar morto, como “consequência da disputa pelo controle das
comunidades” da zona oeste do Rio.
Em fevereiro de 2022,
outro informe da Polícia Militar menciona a execução de um miliciano do grupo
de Tandera “com mais de 100 tiros”.
Desde então, com o ápice
neste 2023, o conflito e a disputa por territórios se agravou: tiroteios na
zona oeste cresceram 54% em relação a 2022, e as mortes subiram 123% no
comparativo com 2022, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado.
Nesse cenário de disputa
por territórios entre milicianos, o tráfico de drogas atua para conquistar
espaço na zona oeste: investigadores indicaram à CNN que Abelha, traficante na
lista dos mais procurados do estado, tem orientado ações em trechos da região
para se aproveitar da briga entre os “bondes” de milicianos.
A história da pistola portada pelo miliciano Faustão dá ideia
do que é o caos no Rio
Matheus da Silva Rezende,
nome de batismo do homem número 2 da maior milícia do Rio de Janeiro, conhecido
como Faustão, foi morto na segunda-feira (24) após reagir a uma operação da
Polícia Civil realizada em Santa Cruz, na Zona Oeste da capital fluminense. Sua
morte provocou o mais devastador caos urbano que a Cidade Maravilhosa viu em
todos os tempos, com pelo menos 35 ônibus e um trem queimados e vias
interrompidas por toda a metrópole.
Quando Faustão foi morto,
ele portava uma pistola automática. Uma Glock, de fabricação austríaca. Essa
arma esconde uma história que dá a ideia do tamanho do caos que a segunda maior
cidade do Brasil atravessa na área da segurança pública, em situação muito mais
crítica que qualquer outro ponto do território nacional.
A pistola que Faustão
portava estava registrada no nome de um policial militar do Batalhão de Choque.
O agente, que não teve a identidade revelada, ao que consta, tinha a arma havia
algum tempo. O problema é que, um par de horas após a morte do miliciano ao
reagir a uma incursão da Polícia Civil, o PM dono da Glock foi a uma delegacia
em Teresópolis, na Região Serrana, e registrou uma ocorrência comunicando o
“extravio” da pistola.
De acordo com sua versão
apresentada ao delegado, a arma “teria desaparecido sem que ele notasse” e ele
também “não saberia dizer quanto tempo faz isso”, porque supostamente “não teria
dado falta” dela. O curioso é que ele “só teria notado” o desaparecimento da
Glock poucos momentos após Faustão ter sido assassinado e estar com ela em
punho, atirando contra policiais civis. Por óbvio, o PM disse que sequer
imaginava que sua pistola estava com um dos criminosos mais perigosos do país.
Dois carregadores com 28 munições também teriam sumido junto com a arma.
A PM do Rio de Janeiro se
manifestou dizendo que “a corporação tomou conhecimento do fato e apura, por
meio da Corregedoria, as circunstâncias do caso para tomar as medidas
cabíveis”. Diante de uma versão tão inacreditável para um fato gravíssimo e que
demonstra o nível da degradação do aparato de segurança do Rio, o Departamento
de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Draco), munido de ordem
judicial, foi até a casa do PM e realizou buscas para tentar encontrar algum
tipo de prova que o relacione com o crime organizado.
"Bonde do Zinho": entenda como surgiu a milícia que
provoca caos no Rio de Janeiro
Uma milícia queimou cerca
de 35 ônibus, um trem e instaurou um clima de guerra na Zona Oeste do Rio de
Janeiro (RJ), na última segunda-feira (23). Conhecido como "Bonde do
Zinho", a quadrilha é o maior grupo paramilitar do estado e tem uma origem
associada à polícia do Rio.
Os atos de vandalismo
ocorreram em represália à morte de Matheus da Silva Rezende – o Faustão, segundo na hierarquia do comando
da milícia – a tiros da Polícia Civil do Rio. O chefe do grupo é Luís Antônio
da Silva Braga, o Zinho, que assumiu após a morte do ex-chefe Wellington da
Silva Braga, o Ecko.
Os ataques se
concentraram nos bairros sob controle da milícia, como Campo Grande, Inhoaíba e
Santa Cruz, e áreas que já estiveram em domínio ou estão em disputa, a exemplo
de Jacarepaguá e Recreio dos Bandeirantes. Foram incendiados 20 ônibus
municipais, 10 veículos de turismo e fretamento, e 5 BRTs, além do trem da
SuperVia.
• A origem do "Bonde do Zinho"
Este grupo paramilitar
atua no Rio de Janeiro desde a virada dos anos 2000, em uma fusão entre
familiares e a Liga da Justiça, uma milícia criada na metade da década de 1990
na Zona Oeste pelo ex-vereador Jerônimo Guimarães Filho, o ex-deputado estadual
Natalino Guimarães e o miliciano Ricardo Teixeira da Cruz, apelidado de Batman.
Após a prisão de Batman
em 2011 em uma operação das agências de segurança pública da capital
fluminense, a quadrilha enfrenta uma sucessão de chefes que também são presos:
Toni Ângelo de Souza Aguiar, o Robin e ex-braço direito de Batman, em 2013; e
Marcos José Lima Gomes, o Gão e ex-PM, em 2014.
Nos próximos anos, o
grupo passou por uma crise interna na disputa pela liderança nos negócios da
milícia. Dois nomes competiram pelo comando: o miliciano Dentuço e o
ex-traficante Carlos Alexandre da Silva Braga – o Carlinhos Três Pontes ou CL.
Após o sequestro de Dentuço, CL foi morto pela polícia em abril de 2017.
Na ação que culminou em
seu assassinato, a Operação Pandora descobriu que a Liga da Justiça pagava R$
40 mil por mês pelo vazamento de informações privilegiadas da Secretaria de
Segurança Pública, de modo a facilitar as atividades do grupo sem a presença
das forças policiais.
Carlinhos Três Pontes foi
um dos primeiros milicianos a formar alianças entre traficantes e milicianos, o
que deu origem ao fenômeno da "narcomilícia", termo utilizado para
descrever a milícia do Gardênia Azul, por exemplo. Em 2019, um relatório do
Ministério Público do Rio apontou que mais de aproximadamente 180 territórios
na Baixada Fluminense são controlados pela união de paramilitares e
traficantes.
Com sua morte, assumiu o
comando da milícia seu irmão, Wellington da Silva Braga, o Ecko. Nesta
passagem, o grupo passa a se autodenominar "Bonde do Ecko" e se
espalha pela Baixada Fluminense por meio de um esquema de franquias – a
quadrilha financiava armamentos e homens mediante o retorno de porcentagens dos
lucros locais.
A Delegacia de Repressão
a Ações Criminosas Organizadas (Draco) da Polícia Civil estimou que Ecko
acumulasse mais de 400 seguranças e faturamento de R$ 5 milhões mensais apenas
no bairro de Santa Cruz.
As desavenças entre Ecko
e um dos franquiados, o miliciano Tandera, resulta em mais um rompimento na
milícia. Em junho de 2021, Ecko foi morto em confronto com a Delegacia de
Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial (DRCPIm), que reagiu em
legítima defesa. Sua morte representa a ascensão de outro irmão seu, o atual
comandante do grupo Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho.
Então responsável pela
contabilidade da operação, ele assume o comando da milícia e declara guerra a
Tandera, que havia se aliado aos milicianos da Zona Norte do Rio. As atividades
dos milicianos se resumiam na proibição do tráfico; segurança armada;
fornecimento de botijão de gás, luz e serviço de transporte alternativo; e
prestação de serviço de televisão a cabo e internet.
Em 2021, um edifício em
construção pela milícia foi interditado pela polícia. O diretor do
Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE), Felipe Curi, revelou
detalhes sobre os serviços de construção civil do "Bonde do Zinho":
"Inclusive, com algumas famílias morando, e essa construção tinha cada
imóvel sendo comercializado por R$ 120 mil".
Após morte do miliciano Faustão, Pipito será o segundo
principal chefe da maior milícia do Rio
Após a morte de Matheus
da Silva Rezende, de 25 anos, o Faustão, apontado como sucessor de Luís Antônio
da Silva Braga, o Zinho, quem deve ocupar o segundo principal posto na maior
milícia do Rio é Rui Paulo Gonçalves Estevão, o Pipito.
De acordo com o setor de
Inteligência das polícias do Rio, o grupo já está se organizando para colocar o
criminoso no comando.
Nesta segunda (23),
criminosos ordenaram ataques a 35 ônibus na Zona Oeste da cidade após a morte
de Faustão. A polícia do estado acredita que a ordem tenha partido de Pipito.
• Pipito foi preso em 2018
De acordo a polícia,
Pipito entrou para a milícia em 2017, quando o grupo paramilitar era chefiado
por Carlos Alexandre da Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes.
Ele já foi um dos homens
de confiança de Wellington da Silva Braga, o Ecko, tio de Faustão, e chegou a
ser preso em 2018 com duas pistolas em casa.
Na denúncia da Operação
Dinastia, do Ministério Público e da Polícia Federal, Pipito era tratado como
chefe da milícia na comunidade de Antares, em Santa Cruz.
A região é considerada
estratégica pela milícia, e antes era dominada pelo Comando Vermelho. O tráfico
de drogas, no entanto, continuou dando lucro para a milícia na região.
Em uma das mensagens
interceptadas, Pipito aparece em conversas com um miliciano chamado Flex. No
diálogo, ele pede auxílio para elaborar a escala das "guarnições" da
milícia, responsáveis pelo patrulhamento da região de Antares.
Pipito entrou no comando
de uma milícia dividida, cheia de disputas internas desde a morte de Ecko, no
Dia dos Namorados em 2021. Um dos integrantes antigos do grupo, Danilo Dias
Lima, o Tandera, se tornou rival de Ecko e formou uma outra milícia.
Além da disputa entre
milícias rivais, o grupo briga por territórios com facções criminosas, como a
que é liderada por Wilton Carlos Rabelo Quintanilha, o Abelha.
Segundo a Secretaria de
Administração Penitenciária (Seap), o miliciano foi solto em 2020, beneficiado
por uma decisão da justiça que permitiu a saída temporária durante a pandemia.
Considerado como um homem
de guerra, ele tem duas prisões decretadas pela Justiça. Um dos mandados de
prisão foi expedido no dia 17 de outubro, após o miliciano ser apontado com um
dos responsáveis pela execução de um homem.
Segundo a polícia, a
vítima teve o corpo carbonizado. Apesar das investigações, o cadáver até hoje
não foi localizado. A suspeita é que Pipito e outros três milicianos também
investigados pelo crime, incluindo Zinho, tenham dado sumiço ao corpo.
O Disque Denúncia pede
ajuda na localização de Pipito.
Cláudio Castro e Capelli negociam força-tarefa contra lavagem
de dinheiro
Em reunião na tarde desta
terça-feira (24), no Rio de Janeiro, o governador Cláudio Castro (PL) propôs ao
secretário executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo
Cappelli, a criação de uma força-tarefa para combater a lavagem de dinheiro e
crimes financeiros.
“O governador propôs a
criação de uma força-tarefa envolvendo o governo do estado e o governo federal
para o combate a crimes financeiros e de lavagem de dinheiro. A ideia é
envolver a Casa Civil do Rio, a Fazenda e o governo federal para asfixiar
financeiramente a organizações”, disse Cappelli à CNN.
No momento em que o PT
retoma a pressão pela separação da Segurança Pública do Ministério da Justiça e
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinaliza apoio à ideia, o
secretário disse que essa não é a questão central a ser debatida neste momento.
“O Ministério da
Segurança Pública não é a questão central. A questão central é colocar o
Sistema Único de Segurança de pé e integrar as 3 esferas. Não é possível o
crime organizado enfrentar um estado desorganizado”, disse Capelli.
Fonte: CNN
Brasil/Fórum/g1
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