Esperar o que? Novo chefe de polícia no Rio é
influenciador digital e indicado por deputado ligado a miliciano
Em um Estado rachado
entre territórios dominados pelo tráfico de drogas, com a influência de facções
criminosas, e o aumento exponencial do domínio de grupos paramilitares – as
milícias – sobre a população fluminense, a Segurança Pública do Rio de Janeiro
vive um caos. Assassinatos de médicos na Orla na Barra da Tijuca, um dos pontos
nobres da cidade, 24 crianças e adolescentes vítimas de armas de fogo em 2023,
operações constantes nas comunidades e, nesta semana, uma afronta criminosa à
ação da Polícia Civil.
Sem respostas efetivas à
bandidagem, o Rio de Janeiro chega ao seu quarto chefe de Polícia em menos de
três anos. Dessa vez, em uma manobra para atender à pressão de deputados, o
governador Cláudio Castro (PL-RJ) fez uma manobra jurídica para nomear o
delegado Marcus Vinícius Amim Fernandes para a Secretaria estadual de Polícia
Civil, um “policial influencer” e comentarista de TV.
Amim assume a secretaria
de Polícia Civil com a missão de dar respostas concretas aos casos recentes de
insegurança na capital fluminense. Foi nomeado por Castro na quinta-feira, 19,
sob a pressão do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
(Alerj), Rodrigo Bacellar (PL), para substituir José Renato Torres, que ficou
no cargo por menos de um mês.
Para atender aos
deputados estaduais, Castro precisou enviar à Alerj um projeto de lei (PL)
complementar para alterar a lei orgânica da Polícia Civil, que permite que a
corporação seja comandada apenas por delegados com 15 anos na instituição. O
novo texto, aprovado por 61 a 8, autoriza a escolha de nomes com menos de 15
anos, como é o caso de Amim, que tem 12 anos como delegado de polícia.
Entidades de classe que
representam policiais civis e delegados do Rio criticaram a mudança na lei para
mais uma troca na chefia da Polícia Civil.
“Infelizmente, a prática
corriqueira de interferências políticas diretas na escolha do chefe da Polícia
Civil pelos mais diversos agentes externos, se tornou tão banal e escancarada
no Estado do Rio de Janeiro que não causa mais sequer surpresa ou perplexidade
à sociedade carioca”, assinaram a nota o Sindicato dos Delegados de Polícia do
Estado do Rio de Janeiro (Sindepol-RJ), o Sindicato dos Policiais Civis Estado
do Rio de Janeiro (Sindpol-RJ) e a Associação dos Delegados de Polícia do
Estado do Rio de Janeiro (Adepol-RJ).
Natural de Niterói,
Marcus Amim se formou em Direito, em 2003, pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). Exerceu o cargo de delegado titular da Delegacia Especializada em Armas,
Munições e Explosivos e foi delegado titular da 27ª DP (Vicente de Carvalho). Entre
2021 e junho deste ano estava na Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE).
Assumiu o Detran-RJ a convite de Castro após sair da DRE.
Desde que assumiu a
posição de comentarista de TV sobre segurança pública, Amim fez declarações
polêmicas sobre a atuação das polícias no Estado. Em uma delas, disse que “a
polícia mata sim” e “tem que matar mesmo”, em referência a mortes de suspeitos
em operações.
“A polícia mata sim. Mata
vagabundo que atira em polícia. E vai continuar matando. Tem que matar mesmo. Vagabundo
que atira em polícia tem que ser morto. Tem que ser neutralizado. A lei diz
isso, a Constituição diz isso”, disse em um dos comentários na TV.
Ativo nas redes sociais,
ele publica vídeos com opiniões, fotos de operações policiais, além de imagens
de atividades físicas e ao lado da família. No Instagram, tem 17,6 mil
seguidores.
Ele foi condecorado pelo
deputado estadual Márcio Canella (União-RJ) com a medalha Tiradentes, a
principal honraria concedida pela Alerj. Canella é ligado ao ex-PM Juracy Alves
Prudência, conhecido como Jura, condenado e preso pela acusação de homicídio e
organização criminosa na Baixada Fluminense.
Juracy fez campanha pela
reeleição de Canella em 2022. Ex-sargento da Polícia Militar fluminense, Juracy
cumpre pena de 26 anos de prisão – atualmente, em regime semiaberto – pelos
crimes de associação criminosa e homicídio. Ele chegou a ser nomeado na
Prefeitura de Belford Roxo para um cargo comissionado na Secretaria Municipal
de Defesa Civil e Ordem Urbana em agosto de 2017.
O ex-PM foi autorizado
pela Vara de Execuções Penais a trabalhar, fora do presídio, como diretor do
Departamento de Ordem Pública da prefeitura. Menos de um ano após a nomeação, a
Justiça proibiu o ex-sargento de sair da cadeia para trabalhar e visitar a família.
Havia suspeita de fraudes em suas folhas de ponto na Prefeitura de Belford
Roxo. De acordo com a juíza Beatriz de Oliveira Monteiro Marques, “quando
logrou usufruir de saídas extramuros, o reeducando não demonstrou o senso de
autodisciplina, responsabilidade e comprometimento indispensáveis à regular
tramitação de sua execução, uma vez que não desempenhou com afinco a tarefa que
lhe foi delegada”.
A deputada estadual
Renata Souza (PSOL-RJ) foi uma das oito parlamentares que votou contra a
mudança na lei orgânica que permitiu a nomeação de Amim. De acordo com ela, a
rotatividade na chefia da Polícia Civil “é só sintoma da crise na segurança
pública”.
“Essa rotatividade de
nomes no comando da Polícia Civil é só sintoma da crise na segurança pública,
não é a causa. Estamos colhendo as consequências da dominância na segurança
pública de uma mesma política reacionária que se perpetua há décadas e que foi
bastante intensificada no governo Castro. Trata-se de uma política falaciosa,
eleitoreira, para dialogar com o senso comum, como se segurança pública fosse
caso só de polícia”, afirmou.
Defensor do nome de Amim
para a secretaria de Polícia Civil e um dos articuladores da escolha do
delegado para o cargo, o deputado estadual Rodrigo Amorim (PL-RJ) diz que ele “demonstrou
muita capacidade de gestão em sua passagem pelo Detran”, mas entende que o
enfrentamento ao crime necessita de um esforço coletivo.
“O delegado Marcus Amim
demonstrou muita capacidade de gestão em sua passagem pelo Detran e acredito
que seu desempenho vai se repetir agora como Chefe de Polícia Civil, que é o
topo da carreira de um delegado. Mas entendo que o enfrentamento ao crime
organizado – leia-se milicianos e traficantes – no Rio de Janeiro é um esforço
coletivo, e a parceria entre o delegado Amim, o comando da PMERJ e a
Inteligência da Secretaria de Administração Penitenciária é essencial para
chegarmos a bons resultados”, disse.
Até a publicação deste
texto, o Estadão procurou o governo do Estado, mas sem sucesso. A reportagem
ainda aguarda um posicionamento sobre a segurança pública e as mudanças
promovidas na Secretaria.
E não dá em nada! Justiça autoriza transferir chefes do
tráfico Marreta e Rogério 157 de presídios federais ao RJ
Em uma rede social, o
secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, criticou nesta
terça-feira (24) uma "determinação judicial para transferir de uma
penitenciária federal para o Rio de Janeiro um líder de facção do estado".
Cappelli não citou nomes,
mas há ao menos dois velhos conhecidos do noticiário policial fluminense que
estavam em presídio federal de Rondônia e foram beneficiados por decisões
recentes:
• Luiz Cláudio Machado, o Marreta, que desde sábado (21) está
na cadeia de Bangu 1, na Zona Oeste, região aterrorizada pela milícia na
segunda-feira (23);
• e Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, que deve voltar
nos próximos dias, após decisão unânime da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Rio.
“No meio de uma situação
delicada que o Brasil inteiro está acompanhando, recebemos uma determinação
judicial para transferir de uma penitenciária federal para o Rio de Janeiro, um
líder de facção do estado. Todos precisam cooperar no enfrentamento ao crime
organizado”, escreveu Cappelli nesta terça-feira, sem citar nomes.
O g1 entrou em contato
com o Ministério da Justiça e aguarda retorno.
• Marreta: representante de Marcinho VP
Marreta foi preso em
2014, no Paraguai, por agentes da Secretaria de Segurança Pública do Rio de
Janeiro (Seseg), Polícia Federal e Secretaria Nacional Anti Drogas Paraguaia
(Senad/PY).
Do país vizinho, ele
coordenava a atuação da organização criminosa e a distribuição de armas e
drogas de comunidades dominadas pela facção. Segundo a investigação, foi ele
que ordenado confrontos com policiais e ataque às sedes de Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs).
Traficante que pode ter
comandado ataques às UPPs no Rio é preso no Paraguai
Um ano antes, o
traficante tinha fugido por um túnel construído no esgoto, na companhia de mais
26 detentos, do Instituto Penal Vicente Piragibe, que faz parte do Complexo
Penitenciário de Gericinó, em Bangu, para onde agora voltou.
Segundo informações
divulgadas pela polícia, Marreta era um dos chefes do tráfico do conjunto de
favelas do Lins e do Morro do Jorge Turco, em Coelho Neto, no Subúrbio. Ele
também seria responsável pela chegada de cocaína às favelas cariocas dominadas
pela sua facção criminosa.
Foi Marreta, segundo a
investigação, que idealizou a tomada da Praça Seca, antes reduto só da milícia,
pelo tráfico de drogas, em 2010. A guerra pelo controle de comunidades na
região se arrasta até hoje e é um dos focos de terror que assola moradores do
Rio nos últimos anos.
• Rogério 157: o guarda-costas que tomou o poder de Nem
Antigo chefe do Comando
Vermelho na Rocinha, comunidade na Zona Sul do Rio, 157 teve uma trajetória
parecida com a do traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem.
Ambos começaram como
seguranças dos traficantes que comandavam a Rocinha. Nem foi de Lulu, e 157
passou de braço-direito a principal desafeto de Nem. A disputa desencadeou uma
guerra pelo controle dos pontos de venda de drogas na maior favela do Rio, em
setembro de 2017.
Naquela ocasião, homens
de Nem invadiram a favela com a missão de expulsar Rogério, que se tornou seu
desafeto após mandar executar homens da quadrilha de Nem e também de expulsar
da Rocinha a mulher do traficante, Danúbia, que pretendia herdar o poder do
marido.
Rogério 157 foi preso
pela Polícia Civil na comunidade do Arará, na Zona Norte da cidade. De acordo
com os policiais, ele foi encontrado em uma cama, debaixo de um cobertor, em
uma casa simples. Dois seguranças que faziam a proteção dele estavam na laje da
casa e fugiram.
• Tentativa frustrada de voltar ao Rio
Em janeiro, agentes da
Corregedoria-Geral e da Subsecretaria de Inteligência (Ssinte) da Polícia Civil
frustraram um plano para trazer o traficante Rogério 157 de volta a um presídio
do RJ. Um advogado e um policial civil foram presos.
O esquema previa aliciar
o analista responsável pela avaliação de risco da transferência, mediante um
“pagamento vultoso”, a fim de facilitar o regresso de Rogério para o sistema
penal fluminense. Mas toda a negociação foi gravada.
Rogério 157 estava
encarcerado desde 2018 na Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia.
Ele tem quatro condenações na Justiça por crimes como tráfico e corrupção e
acumula uma pena de 61 anos de reclusão.
A decisão para transferir
157 ao Rio foi da 6ª Câmara Criminal do Rio. Por unanimidade, os três
desembargadores, Luiz Noronha Dantas, Fernando Antonio de Almeida e Marcelo
Castro Anatocles foram a favor de trazer de tirar o traficante da Penitenciária
Federal de Porto Velho, em Rondônia, e trazer para território fluminense.
"A decisão do
Tribunal de Justiça foi acertada e com fundamento na legislação aplicável e nas
recentes decisões dos Tribunais Superiores. Rogério teve 6 absolvições, 4 a
pedido do Ministério Público nos últimos 2 anos", afirma o advogado Thiago
Lemos, que defende o chefe do tráfico da Rocinha.
Após ataques no Rio, polícia mira três alvos para direcionar
combate ao crime
O governador do Rio de
Janeiro, Cláudio Castro (PL), definiu dois milicianos, que brigam entre si, e
um traficante como principais alvos das forças de segurança do estado.
O anúncio aconteceu após
35 ônibus e um trem serem queimados na última segunda-feira (23), em reação a
morte de Matheus da Silva Resende, de 24 anos, durante um confronto com
policiais numa favela do bairro de Santa Cruz.
Conhecido também como
Teteu ou Faustão, ele era o segundo na hierarquia do principal grupo miliciano
do estado.
• Zinho
Luis Antônio da Silva
Braga, conhecido como Zinho, é apontado como chefe da maior milícia do Rio.
Segundo a polícia, ele assumiu o comando do grupo após a morte de seu irmão,
Wellington da Silva Braga, o Ecko. Ele também era tio de Faustão.
Zinho, por sua vez, não
atuou em forças policiais, como acontece com a maioria dos milicianos.
As autoridades calculam
que ele arrecada até R$ 10 milhões por mês, com a maior parte vindo do
transporte alternativo irregular.
• Tandera
O outro miliciano
procurado é Danilo Dias, o Tandera. Ele é antigo parceiro de Zinho e Ecko e
rompeu com o grupo, juntando comparsas para invadir territórios que estavam sob
o comando dos ex-chefes.
Atos de extrema violência
são atribuídos a Tandera e a seu grupo, de acordo com a polícia.
• Abelha
Wilton Crlos Rabello
Quintanilha, conhecido com Abelha, é membro da cúpula da principal facção do
tráfico de drogas do Rio, o Comando Vermelho (CV), e um dos únicos que não está
preso.
Em 2021, Abelha saiu do
presídio pela porta da frente e gerou uma crise nos órgãos de segurança.
Com o ápice neste 2023, o
conflito e a disputa por territórios se agravou: tiroteios na zona oeste
cresceram 54% em relação a 2022, e as mortes subiram 123% no comparativo com
2022, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado.
Nesse cenário de disputa
por territórios entre milicianos, o tráfico de drogas atua para conquistar
espaço na zona oeste. Investigadores indicaram à CNN que Abelha tem orientado
ações em trechos da região para se aproveitar da briga entre os “bondes” de
milicianos.
RJ parecia a própria Faixa de Gaza de tanto fogo e tanta
fumaça, diz Lula
O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) comparou, na manhã desta quarta-feira (25), os ataques a
ônibus que aconteceram na segunda-feira (23) no Rio de Janeiro à Faixa de Gaza,
que tem sido alvo de intensos bombardeios israelenses.
A fala foi feita enquanto
Lula defendia que a violência na cidade é um problema nacional em seu discurso
na reunião que instalou o Conselho da Federação, órgão que reúne Governo
Federal, estados e municípios para o debate de temas relevantes.
“O problema da seca do
amazonas não é um problema dos estados da Amazônia, é um problema do Brasil. É
muito fácil ficar vendo aquelas cenas que apareciam na TV que parecia a própria
Faixa de Gaza de tanto fogo e de tanta fumaça e dizer: é um problema do Rio de
Janeiro, do prefeito Eduardo Paes, do governador”, afirmou o presidente.
“Cabe ao Presidente da
República e ao Governo Federal estar inteirado disso e saber o que ele pode
fazer para compartilhar uma solução para esse problema.”
Entenda o caso
Os ataques de
segunda-feira foram praticados por um grupo de milicianos em represália à morte
de Matheus da Silva Rezende, de 24 anos, vice-líder da quadrilha.
Conhecido como Teteu ou
Faustão, Rezende era sobrinho de Zinho e morreu horas antes, durante um
confronto com policiais civis numa favela de Santa Cruz, bairro da zona oeste.
Pelo menos 35 ônibus
foram queimados. De acordo com o Rio Ônibus — que é o sindicato das empresas do
transporte coletivo na capital fluminense –, esse foi o maior número de ônibus
queimados na cidade em um único dia.
A cidade do Rio de
Janeiro teve prejuízo de quase R$ 30 milhões com os incêndios, segundo o Rio
Ônibus.
Um trem da SuperVia
também foi incendiado nas proximidades da estação Tancredo Neves, no bairro de
Santa Cruz.
Fonte: Agencia
Estado/g1/CNN Brasil
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