O que são as drogas K e por que elas têm alto potencial destrutivo;
veja perguntas e respostas
As chamadas "drogas K", conhecidas nas
ruas como K2, K4, K9 e spice, são substâncias sintéticas, desenvolvidas em
laboratório, com alto potencial destrutivo. Elas têm tomado ruas de São Paulo e
chamado a atenção de governos.
Nesta semana, o Profissão Repórter mostrou como
essas drogas, consumidas de diferentes maneiras (leia mais abaixo), têm sido
usadas num terminal de ônibus na Zona Leste de capital paulista. Relatos de
usuários e familiares dão evidências dos danos.
Apesar de também terem se popularizado como
"maconha sintética", especialistas apontam que elas não devem ser
chamadas assim porque isso pode trazer uma falsa ilusão sobre a forma perigosa
como elas agem no corpo.
>>> Esta reportagem aborda os pontos
abaixo sobre as drogas K:
• Por
que não são 'maconha sintética'?
• Criação
acidental com efeitos devastadores
• O que
provoca no corpo?
• Potência
100 vezes maior que a da maconha
• EUA
alertou sobre presença em cigarros eletrônicos
• Quando
e como surgiu?
• Por
que drogas sintéticas são um desafio?
• Diferentes
nomes e formas de consumo
• Como
matéria-prima chega ao Brasil?
>>> Por que não são 'maconha sintética'?
De acordo com Fernanda Bono Fukushima, professora e
membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares de Cannabis (NEICANN) da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), a preocupação em não chamar as drogas K
de "maconha sintética" passa pela discussão em torno da cannabis
medicinal e da forma mais agressiva como as K atuam no organismo.
"Ela é vendida como maconha artificial,
maconha falsa, maconha alguma coisa, com nomes que fazem alusão de que ela é
mais inofensiva. Faz parecer uma coisa supernatural e pouco nociva, mas o que
percebemos é que ela é uma droga sintética com um potencial lesivo grande para
quem usa e podem levar a morte", afirmou Fernanda ao g1 em abril.
• Criação
acidental com efeitos devastadores
Segundo Fukushima, a droga sintética que vem
crescendo no Brasil e no mundo foi originalmente um experimento que não deu
certo como opção terapêutica. Ela é mais um "avanço" do que chamam
popularmente nos Estados Unidos de "designer drugs", termo que surgiu
na década de 1980 para identificar drogas sintéticas criadas acidentalmente em
laboratórios de indústrias farmacêuticas.
Essas drogas têm como base os canabinoides
sintéticos. A explicação é complexa, mas em suma quer dizer que o canabinoide
feito em laboratório se liga ao mesmo receptor do cérebro que a maconha comum,
mas em uma potência até 100 vezes maior. O governo de São Paulo diz que os
efeitos da droga podem ser piores do que o crack.
• O que
provoca no corpo?
Os efeitos das drogas K nos corpos das pessoas
ainda são uma incógnita, mas os especialistas descrevem alguns sintomas:
• causam
dependência
• atinge
diversas regiões do corpo
• tem
potencial para aumentar a depressão
• aumento
da frequência cardíaca
• ataques
de raiva e agressividade
• paranoia
• ansiedade
• alucinações
• convulsões
• insuficiência
renal
• arritmias
cardíacas
• morte
"Ela tem efeitos que podem ser realmente um
risco não só para quem usa, mas também para outras pessoas que estão em contato
com esse indivíduo, que pode se tornar agressivo. As drogas K são perigosas, e
quando chamamos de maconha ela ganha um potencial menor. Você não ouve falar em
overdose de maconha, por exemplo", afirma Fukushima.
• Potência
100 vezes maior que a da maconha
As chamadas drogas têm como base os canabinoides
sintéticos. A explicação é complexa, mas em suma quer dizer que o canabinoide
feito em laboratório se liga ao mesmo receptor do cérebro que a maconha comum,
mas em uma potência até 100 vezes maior. O governo de São Paulo diz que os
efeitos da droga podem ser piores do que o crack.
Uma usuária que não quis se identificar fez um
relato ao Profissão Repórter. "Tenho 23 anos, sou mãe de 3 filhos. Eu não
aguento mais. Já faz quase uns 2 anos que eu uso essa droga. Essa droga faz a
gente ser escrava", desabafou.
>>> EUA alertou sobre presença em cigarros
eletrônicos
A Drug Enforcement Administration (DEA) - órgão de
federal de segurança do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado
da repressão e controle de narcóticos - alertou que a droga também pode ser
encontrada em cigarros eletrônicos. O país vive uma epidemia de drogas
sintéticas desde 2018, segundo a ONU.
"Nos Estados Unidos, quem faz a produção
também tem o costume de juntar a substância para que não pareça toxicológico,
criando uma mistura que dificulta a identificação da molécula", afirma. O
Brasil segue os mesmos passos.
>>> Quando e como surgiu?
• Na
década de 1980, o químico norte-americano John W. Huffmann, começou a
sintetizar canabinoides, na busca de medicamentos para o alívio do sofrimento
de pacientes. A pesquisa era financiada pelo Instituto Nacional de Abuso de
Drogas dos Estados Unidos. Huffman e sua equipe teriam desenvolvido mais de 400
compostos canabinoides sintéticos.
• Em
entrevista ao jornal "The Washington Post" em 2015, Huffmann revelou
que sintetizou um composto em 1993 e publicou a fórmula em uma série de artigos
e revistas.
• Em
2008, os compostos foram identificados em um laboratório forense na Alemanha.
Os fabricantes colocaram o sintético em folhas de plantas e venderam com o nome
de spice.
Até abril deste ano, a Secretaria Municipal da
Saúde de São Paulo havia registrado 216 notificações de casos suspeitos de
intoxicação exógena por canabinoides sintéticos, mais do que o dobro registrado
em 2022 - 98 notificações. Os números de notificações são tanto da rede
pública, quanto da rede privada.
>>> Por que drogas sintéticas são um
desafio?
• Pela
dificuldade de fiscalização. Os traficantes das drogas as misturam em chás, por
exemplo, para dificultar a identificação.
• Crianças
e adolescentes andam em grupos pelas ruas das cidades e migram para vários
lugares sem parar em pontos específicos, o que dificulta o rastreamento e
acolhimento.
• Pelo
alto poder de dano aos usuário. São drogas com um potencial danoso
absolutamente estarrecedor.
• Pela
possibilidade de que microtraficantes espalhem essa droga de maneira difusa.
• Pela
perpetuação no vício, que pode levar ao cometimento de delitos para
sustentá-lo.
>>>> Diferentes nomes e formas de
consumo
K9, K2, K4 são nomes dado à mesma droga. O que muda
é a maneira como a droga é consumida, que pode ser:
• em
papel borrifado com a substância;
• em
selo, micropontos;
• inalado
direto da pipeta;
• misturado
em ervas para fumo em cigarro;
• com
sais para inalar.
"É vendido também como um incenso e até no
envelopinho está escrito que não é para ser fumado, nem inalado, mas as pessoas
que compram sabem e acabam utilizando com esse fim. Até pouco tempo atrás, elas
não estavam dentro do rol das drogas propriamente ditas, porque nem eram
conhecidas como tal", afirma Fernanda Bono Fukushima.
• Como
matéria-prima chega ao Brasil?
A matéria-prima para a fabricação da droga chega ao
Brasil pelo contrabando em portos, aeroportos e fronteiras terrestres. Aqui são
misturadas até com pesticida. Mas também há o contrabando local que envolve
desvios com farmacêuticas. São transformadas em um líquido transparente que
pode ser borrifado em qualquer coisa que seja consumida.
'Pior
que o crack': veja relatos de dependentes
O Profissão Repórter desta terça-feira (24) mostrou
como funciona o HUB de cuidados em crack e outras drogas, um serviço público
que fica no centro de São Paulo, e conversou com alguns com dependentes e seus
familiares sobre a nova substância.
“É pior que
o crack”, revelou um interno.
Dados do HUB mostram que um em cada cinco pacientes
é usuário de drogas K.
"Esses pacientes, em geral, chegam aqui com
quadro de overdose e muitos em situação de risco de vida”, disse o médico
Quirino Cordeiro, diretor do local. “As drogas K, infelizmente, tem o potencial
de causar a morte dos seus usuários por conta da overdose", acrescentou.
“Eu tive convulsão, na mesma hora que eu coloquei
na boca. Três minutinhos eu já tive convulsão. Por favor, você, que está me
assistindo, não faça isso. É horrível, K9 é horrível”, alertou um interno.
A repórter Danielle Zampollo registrou a internação
de três jovens usuários de drogas K e a esperança de mães e avós de vê-los
livres das drogas. As internações duram de 30 a 45 dias.
Um deles, de apenas 15 anos, foi levado pela mãe,
depois de ele ter sofrido uma overdose.
“Ele teve
uma parada. Não só uma, foram duas. Ele está perdendo a coordenação motora. Tem
hora que você pega o braço e não tem controle. A boca fica aberta com
frequência, a língua fica pra fora. É involuntário, ele não percebe que está
assim”, disse a mãe do garoto, que não quis se identificar.
“Antes da K2 eu jogava bola, fazia um monte de
coisa. Aí comecei a usar K2 e parei de fazer as coisas”, lamentou o
adolescente.
Gabriel Silva Batista, de 21 anos, também foi
internado. Ele afirmou que quando usou a droga pela primeira vez, pensou que
era maconha.
“Dei uns
tragos. Aí comecei a fumar no cotidiano, quando fui ver, já estava fumando um,
dois, três, quatro. Quando fui ver, fui tentar parar e não consegui, porque já
estava viciado”, relatou o jovem.
Gabriel começou a usar as drogas K há seis meses,
mas diz que se viciou rápido. “Se for pegar pra fumar um dia, pode ter certeza
que vai fumar o dia todo, o mês todo, o ano todo”, acrescentou.
O jovem desistiu do tratamento depois de duas
semanas de internação.
Há exatamente um ano, o Profissão Repórter
registrou o consumo de drogas K nas ruas de São Paulo. À época, essas drogas
eram pouco conhecidas e não havia dados ou estudos sobre seus efeitos a longo
prazo. De lá para cá, o consumo dessas substâncias se alastrou e o impacto das
drogas K na vida de crianças e jovens usuários tem se mostrado assustador.
Quem também está sendo internado é Marcos, ele tem
23 anos, e chegou acompanhado da avó Aparecida Brandão Velosso.
“O Marcos some, o Marcos desaparece. Já chegou todo
estropiado, chorando, dando risada. Então, meu neto não era assim. Ele falava
coisa com coisa, agora não tem voz. O Marcos está sem identidade”, disse
Aparecida.
Outra jovem, uma mulher de 23 anos que consome K9
em um terminal de ônibus da capital paulista, admitiu que a droga faz muitos
estragos na sua saúde e reconheceu a dificuldade de lidar com o vício.
"Tenho 23 anos, sou mãe de 3 filhos. Eu não
aguento mais. Já faz quase uns 2 anos que eu uso essa droga. Essa droga faz a
gente ser escrava", relatou outra.
Fonte: g1
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