O problema com a “regra de três” do prêmio Nobel
Algumas das mentes mais brilhantes da ciência serão catapultadas da obscuridade acadêmica
na próxima semana, quando forem anunciados os Prêmios
Nobel de física, química e medicina ou fisiologia.
As honras, estabelecidas pelo industrialista sueco
Alfred Nobel há mais de um século, representam o auge da conquista científica,
celebrando avanços transformadores que muitas vezes levam décadas para serem
feitos.
Além da enorme publicidade, os prêmios também
atraem a sua parcela de críticas, por vezes provocando controvérsia e
ressentimento sobre quem é escolhido e quem fica de fora, disse Martin Rees,
cosmólogo e físico britânico e ex-presidente da Royal Society, a sociedade científica
mais antiga do mundo.
Rees disse que um desafio para os comitês do Nobel
é a natureza cada vez mais colaborativa da maior parte das pesquisas científicas. A imagem do gênio
solitário tendo um momento eureca já se foi há muito tempo, se é que alguma vez
existiu. Além disso, as descobertas podem ser feitas simultaneamente por
equipes diferentes.
Contudo, os comitês de seleção do Nobel, de acordo com as regras estabelecidas por Alfred Nobel em 1895, só
podem homenagear até três pessoas por prêmio. Este requisito pode ser uma dor
de cabeça, disse Rees.
“Pode ser um projeto onde várias pessoas
trabalharam em paralelo e eles destacam algumas e outras não. Pode ser que
exista uma equipe e não seja óbvio que aqueles que eles escolheram da equipe
sejam as figuras dominantes”, disse Rees, que é astrônomo real do Reino Unido e
autor de “If Science Is to Save Us”.
Por exemplo, o Nobel de física de 2017 reconheceu a
detecção de ondas gravitacionais – “ondulações” no espaço geradas pela colisão
de buracos negros a 1 bilhão ou mais de anos-luz de distância. Os principais
artigos que relatam esta descoberta tiveram quase 1 mil autores”, observou
Rees. No entanto, apenas três receberam o prêmio – Rainer Weiss, Barry Barish e
Kip Thorne.
Da mesma forma, um candidato frequentemente
discutido ao Prêmio Nobel da medicina ou da química é o mapeamento do genoma
humano, um projeto transformador que só foi totalmente concluído em 2022 e
envolveu centenas de pessoas.
David Pendlebury, chefe de análise de pesquisa do
Instituto de Informação Científica da Clarivate, que identifica indivíduos
“dignos do Nobel” analisando a frequência com que colegas cientistas citam os
seus principais artigos científicos ao longo dos anos, concorda que a regra das
três pessoas é uma restrição.
“Tornou-se
realmente uma enorme transformação na ciência o fato de ser cada vez mais uma
ciência de equipe – grandes grupos que enfrentam problemas mais difíceis, redes
colaborativas internacionais”, disse Pendlebury. “Esta regra de três parece ser
um impedimento se eles quiserem reconhecer uma equipe”.
A regra de que um prêmio só pode ser concedido a
três pessoas vem dos estatutos da Fundação Nobel, que é responsável por cumprir
as intenções do testamento do Nobel, segundo o site do Prêmio Nobel.
Peter Brzezinski, secretário do comitê do Prêmio
Nobel de Química, disse que não há planos para mudar a regra. No entanto, ele
disse que o comitê segue um processo detalhado assim que as nomeações são
feitas, até o final de janeiro.
“Iniciamos o processo pedindo a vários
especialistas de todo o mundo que escrevam relatórios descrevendo o campo em
que a descoberta foi feita, delineando as principais descobertas neste campo e
também mencionando indivíduos que deram as contribuições mais importantes”,
explicou.
“Lemos toda a literatura relevante, participamos de conferências e escrevemos relatórios
também dentro do comitê”, acrescentou Brzezinski. “Com o tempo, muitas vezes
conseguimos identificar um número limitado de cientistas que fizeram a
descoberta. Se isso não for possível, não poderemos propor um Prêmio à
Academia”.
·
Visão retrospectiva
Os comitês do Nobel normalmente destacam trabalhos
que aconteceram décadas antes – uma visão retrospectiva que muitas vezes é
necessária, uma vez que pode levar algum tempo até que a significância de
alguma pesquisa científica se torne clara.
Os Nobel também se concentram em três disciplinas
científicas, conforme designadas no testamento de Alfred Nobel. Áreas como
matemática, ciência da computação, ciências da terra e do clima e oceanografia
estão excluídas.
Mesmo nas áreas da química, física e medicina e
fisiologia, apenas cinco áreas de 114 diferentes subdisciplinas científicas
representam mais de metade dos Prêmios Nobel atribuídos entre 1995 e 2017, de
acordo com um estudo de 2020. São elas física de partículas, física atômica,
biologia celular, neurociência e química molecular.
Rees, no entanto, observou que ter uma visão de
longo prazo e dar maior reconhecimento a determinados campos pode, por vezes,
fazer com que os comitês do Nobel parecem fora de sintonia com as prioridades
científicas da época.
Um exemplo é a inteligência artificial, ou IA, que
está transformando a vida das pessoas em um ritmo sem precedentes.
Dois nomes importantes na área são Demis Hassabis e
John Jumper, os inventores do Google DeepMind do AlphaFold – um programa de IA
que decodifica as estruturas 3D de proteínas a partir de sequências de
aminoácidos. Eles ganharam o Prêmio Lasker de US$ 250 mil este ano e o Prêmio
Revelação um ano antes.
Desde que o seu artigo principal foi publicado há
pouco mais de dois anos, foi citado mais de 8.500 vezes, disse Pendlebury.
“Isso é, na minha experiência, simplesmente
incrível em termos da velocidade com que as citações foram acumuladas, então,
obviamente, é uma descoberta intelectual enorme e importante”, disse
Pendlebury, que vem compilando sua lista de “laureados por citações” desde
2002.
Os comitês do Nobel ocasionalmente concederam
elogios a avanços recentes – como quando o prêmio de química foi para
Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna em 2020, menos de 10 anos após seu
importante artigo de 2012 sobre a técnica de edição genética CRISPR-Cas9 – mas
Pendlebury acha que um O Prêmio Nobel de inteligência artificial este ano ainda
é um tiro no escuro.
Ele disse que os comitês do Prêmio Nobel, pelo
menos para os prêmios científicos, são “inatamente conservadores”.
·
Diversidade
Outras críticas dirigidas aos Prêmios Nobel incluem
a falta de diversidade entre os vencedores. Mais mulheres cientistas receberam ligações de Estocolmo nos últimos anos, mas
tem sido um gotejamento, e não uma torrente.
No ano passado, Carolyn Bertozzi, que ganhou o
prêmio de química, foi a única mulher a ganhar um prêmio de ciências. Não houve
mulheres vencedoras de ciências em 2021 ou em 2019, quando o comitê do Nobel
pediu aos nomeadores que considerassem a diversidade de gênero, geografia e
área. A astrofísica Andrea Ghez dividiu o prêmio de física em 2020, mesmo ano
da vitória de Doudna e Charpentier em química.
Pendlebury disse acreditar que a falta de
diversidade no palco do Nobel é essencialmente o problema de o sistema
educativo não produzir candidatas suficientes.
“Eles estão olhando para trabalhos normalmente
publicados há 20 ou 30 anos, quando o número de mulheres na ciência nos níveis
de elite não era tanto quanto é hoje”, disse ele. “E então eu acho que com o
passar do tempo, você vê mais e mais mulheres sendo selecionadas”.
Outros apontam para a questão como mais uma prova
de preconceito sistêmico na ciência, sendo que as mulheres já têm menos
probabilidades de receber crédito ou serem nomeadas como autoras principais em
artigos científicos.
“Há várias mulheres que fizeram contribuições de
nível Nobel para a ciência, contribuições pelas quais colegas homens foram
premiados, mas elas não foram”, disse Naomi Oreskes, professora Henry Charles
Lea de história da ciência e professora afiliada de ciências da Terra e
planetárias na Universidade de Harvard. “Estes exemplos provam que mesmo quando
havia mulheres qualificadas, elas eram sistematicamente preteridas”.
Rees atribui o problema da diversidade à falta de
transparência. A lista restrita do Nobel é secreta, assim como os indicados, e
os documentos que revelam os detalhes do processo de seleção ficam fechados à
vista do público por 50 anos.
É claro que estas falhas e lacunas só importam
porque os Nobel são muito mais conhecidos do que outros prêmios científicos,
acrescentou Rees. Ele prefere os chamados prêmios de desafio, como o XPrize,
que incentivam esforços futuros para resolver um problema importante, em vez de
recompensar o sucesso passado.
Fonte: CNN Brasil
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