Guerras,
eleições e 'fim da lua de mel': os obstáculos à relevância de Lula no G7
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi à Itália para participar de encontro do G7 (grupo
composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino
Unido), após convite da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni. Ele também
tem marcadas reuniões bilaterais com o Papa Francisco e lideranças
internacionais.
O
cenário que Lula encontra no evento, no entanto, promete ser mais desafiador do
que aquele visto na última reunião dos líderes e convidados do G7, no Japão, em 2023, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Naquele
momento, há pouco mais de um ano, a participação de Lula – então nos primeiros
meses do novo mandato – foi celebrada como o retorno do Brasil a este fórum
depois de 14 anos sem o país ser convidado.
“Em
2023, houve uma lua de mel do Lula com a comunidade Internacional”, diz o
cientista político Guilherme Casarões, professor da FGV EAESP. Ele aponta que a
comparação, naquele momento, era com o antecessor, Jair Bolsonaro, “um
presidente que teve muitas rusgas com o Ocidente”.
Neste
ano, o “fator novidade” já não é mais um benefício extra para Lula, que tem a
missão de encontrar holofotes para assuntos de interesse do Brasil – que em
novembro sedia a cúpula do G20, no Rio de Janeiro –, ao mesmo em que uma série de dores de cabeça o aguardam no
Brasil.
Na
Itália, os principais obstáculos na disputa por atenção internacional estão no
volume e na urgência de temas que preocupam os países do G7.
Ou
seja, como competir por atenção internacional em um contexto que inclui: ano de
eleição nos Estados Unidos e no Reino Unido, recente avanço dos partidos de
direita radical pela Europa, dissolução do parlamento francês – além, é claro,
principalmente, das guerras na Ucrânia e em Gaza.
“O
Lula teve muita visibilidade no ano passado, e terá hoje uma participação menos
visível”, afirma Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e
em Washington (1999-2004), antes de elencar os temas mais urgentes para países
do grupo.
A
cientista política Fernanda Nanci Gonçalves, professora de Relações
Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), diz que Lula
segue com “prestígio internacional” e “é uma liderança carismática”. Aponta, no
entanto, que o Brasil “não é o mesmo país de suas primeiras gestões, não tem a
mesma pujança econômica e a região está desorganizada, sem que o país se
apresente como uma liderança regional forte, com capacidade de articulação”.
Diz,
ainda, que o “o papel do país como mediador de conflitos internacionais também
não está forte nesse momento”.
Tudo
isso, diz a professora, atrapalha “a capacidade de influenciar os rumos das
discussões internacionais”.
Procurado
pela reportagem, o Palácio do Planalto reforçou que “o Brasil vai sediar o G20
e está participando [do G7] nesse contexto”.
Nesse
cenário, quais assuntos Lula deve levar ao G7 – e com quais tópicos o
presidente deve tomar cuidado, segundo analistas?
·
Taxação de
super-ricos, clima e combate à fome
A
previsão é que Lula fale no G7 sobre redução da fome e da desigualdade;
transição energética e mobilização contra mudança do clima; além de taxação dos
super-ricos.
A criação de uma taxação global sobre a riqueza de bilionários vem sendo defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando
Haddad – que já apresentou a ideia inclusive para o papa Francisco em visita no
início de junho. A ideia é destinar os recursos para medidas de combate à fome
e às mudanças climáticas.
Fernanda
Gonçalves considera um “tema sensível e difícil de endereçar” e diz que não é
um consenso, embora alguns países tenham sinalizado positivamente com o
interesse de discuti-lo.
Nesse
ponto, Casarões diz que Lula tentará “alavancar partes importantes da pauta
econômica do governo junto aos seus interlocutores ocidentais”.
O
professor avalia que a ideia do governo brasileiro é buscar apoio a temas “que
são caros ao governo Lula, mas que não gozam de tanto apoio interno”.
“Acho
que o governo vai tentar fazer uma espécie de manobra internacional para
legitimar certas pautas – principalmente no campo econômico – que são de
interesse do governo e para as quais não há consenso interno muito bem
definido. Pode ser que o uso dessa plataforma internacional sirva, para o
governo legitimar de maneira mais clara sua agenda”.
A
participação no encontro do G7, segundo Casarões, gera para o Brasil uma
“expectativa importante de alavancar a posição da política externa brasileira,
principalmente tendo em vista reunião do G20, e de colocar o Brasil como um
país responsável economicamente, uma espécie de liderança do Sul Global também
no campo econômico”.
Durante
os encontros no âmbito do G7, há também previsão de que Lula fale sobre a
proposta do governo brasileiro de criar uma Aliança Global contra a Fome e a
Pobreza no âmbito do G20, com lançamento previsto para novembro, quando o
Brasil sedia a cúpula, no Rio de Janeiro.
Para
Rubens Barbosa, ex-embaixador em Londres e Washington, o Brasil deve estar
focado em reafirmar seu papel no G20 e na COP 30, que o país sediará. “Esses
dois encontros projetam o Brasil no cenário global.”
A
viagem de Lula à Europa, que começou com uma participação no fórum da Coalizão
Global pela Justiça Social, em Genebra, é a primeira saída de Lula do Brasil
desde as inundações que afetam o Rio Grande do Sul.
Para
analistas ouvidos pela reportagem, Lula deve destacar o ocorrido. Casarões diz
que dar ênfase na tragédia é uma forma de “chamar atenção do mundo para a
urgência de uma pauta climática unificada”.
Na
volta ao Brasil, Lula também terá de lidar com uma série de reveses domésticos
importantes para seu governo.
Elas
incluem a anulação de um leilão para compra de arroz após suspeitas de fraude,
paralisações e greves de servidores, a devolução pelo Congresso de uma medida
considerada fundamental no esforço para equilibrar as contas federais, além da
decisão da Polícia Federal de indiciar o ministro das Comunicações, Juscelino
Filho (União Brasil), pelos crimes de corrupção passiva, fraude em licitações e
organização criminosa, sob a suspeita de ter desviado recursos de emendas
parlamentares, quando era deputado federal.
·
Reuniões de Lula na
Itália
Na
tarde de sexta-feira (14/6, horário local), Lula e outros líderes de países
convidados participam de reunião com lideranças do G7, e com o papa Francisco,
cujo tema determinado pelo G7 inclui inteligência artificial, energia, África e
Mar Mediterrâneo.
O
encontro ocorre em Borgo Egnazia, na região italiana da Puglia, um resort onde
Madonna passou férias e o cantor Justin Timberlake e a atriz Jessica Biel se
casaram.
O
acesso da imprensa ao local é muito restrito, e a estrutura para jornalistas
fazerem a cobertura do evento foi montada em um centro de convenções em Bari, a
cerca de 60 km do local onde estão os líderes.
Entre
os países convidados, além do Brasil, estão Índia, Quênia, Tunísia e Argentina.
Não há previsão de reunião de Lula com Milei, segundo o Itamaraty.
Além
da reunião entre países-membro do G7 e líderes convidados, Lula terá encontro
bilateral com o papa Francisco – pedido pelo governo brasileiro.
Também
terá encontros bilaterais, na sexta e no sábado (15/6), com líderes da Índia
(Narendra Modi), da França (Emannuel Macron), e da Comissão Europeia, (Ursula
von der Leyen), Turquia (Recep Tayyip Erdoğan), Alemanha (Olaf Scholz) e Itália
(Meloni).
A
previsão é que o presidente retorne ao Brasil no sábado.
No
primeiro dia da cúpula do G7, na quinta-feira, foi anunciado um acordo para
criação de um fundo de US$ 50 bilhões utilizando lucros de ativos russos
congelados para ajudar a Ucrânia.
No
mesmo dia, os presidentes dos EUA, Joe Biden, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky,
assinaram acordo de 10 anos para reforçar as defesas ucranianas contra a
Rússia.
·
'Lula versus Lula'
Lula
foi convidado para reunião do G7 pela primeira vez em 2003 e, desde então, o
Brasil soma oito participações.
Isso,
segundo Casarões, reflete um interesse “do mundo ocidental de ter o Brasil ao
seu lado”
O
que, então, torna a participação de Lula neste ano diferente de 2023?
“No
ano passado, a intenção dos membros do G7 ao trazer o Brasil era demarcar uma
diferença entre Bolsonaro, um presidente que teve ele muitas rusgas com o
Ocidente – brigou com a Alemanha, brigou com a França, brigou com Biden – e um
Lula muito mais afeito a ter um bom relacionamento com o mundo ocidental”, diz.
Em
2024, continua Casarões, existe outra percepção.
“Não
é o Lula versus o Bolsonaro – que é uma comparação, aliás, muito fácil – mas é
Lula versus Lula. É o Lula pós guerra em Gaza, em que o Brasil aparenta estar
se posicionando de maneira muito mais contundente, aberta e vocal, no sentido
de apoiar a Rússia, a China, a condenação de Israel como um país que está
cometendo um genocídio na Faixa de Gaza”, afirma. “Então parece que é uma
inflexão da política externa brasileira para longe do ocidente”.
Por
isso, diz o professor, o mais recente convite do G7 a Lula também é “uma forma
de cortejar o Lula e de tentar forçá-lo a uma posição mais equilibrada entre o
ocidente e os atuais inimigos do ocidente, notadamente Rússia e China –, mas
também esse pedaço do Sul Global que vem se posicionando de maneira cada vez
mais contundente e crítica contra Israel também".
No
atual contexto, Rubens Barbosa considera que o Brasil “não pode ser ignorado”
pelos países mais ricos. “É a oitava economia do mundo, tem uma posição muito
importante no G20, na COP, nos Brics. É normal que eles convivem o Brasil”,
diz.
“No
ano passado, foi simbólica a volta do Brasil. Este ano o Brasil foi convidado
porque os temas de meio ambiente e transição energética e segurança alimentar
não podem acontecer sem a presença do Brasil.”
Barbosa
acrescenta que o governo brasileiro “deveria se limitar a esses temas em que o
Brasil tem uma contribuição a dar”.
E
quais temas poderiam colocar o Brasil numa posição difícil no G7?
·
Avanço da direita
radical na Europa e a guerra em Gaza
O
recente resultado das eleições para o Parlamento Europeu, que mostrou um avanço
da direita radical, é um tema que Lula deve evitar discutir na Itália, segundo
os analistas ouvidos pela reportagem.
“Um
pronunciamento descuidado do presidente sobre esse tópico pode trazer
repercussão negativa”, diz Gonçalves.
Em
entrevista no Itamaraty sobre a viagem de Lula à Itália, o embaixador Maurício
Carvalho Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério
das Relações Exteriores, foi questionado sobre o tema e disse que “a atmosfera
política na Europa é uma questão europeia”. “Não é um tema previsto na
discussão dos líderes do G7 com os demais países.”
Casarões
também aposta que Lula evitará entrar nesse tema porque “não vai querer jogar
mais gasolina nessa fogueira”.
“Ele
tem demonstrando um senso muito apurado, nesse sentido, de só falar sobre esse
tema quando o contexto é favorável – por exemplo, nos encontros dele com Biden
falou-se do combate à extrema direita porque bolsonarismo e trumpismo são
fenômenos muito próximos”, disse.
A
reunião do G7 ocorre dias após o resultado da eleição para o Parlamento
Europeu, que revelou o avanço da direita radical europeia. O resultado
fortalece o destaque da anfitriã do encontro deste ano, a primeira-ministra da
Itália, Giorgia Meloni, que se elegeu com uma plataforma considerada de direita
radical.
Em Genebra, Lula disse na quinta-feira que a democracia como é
conhecida atualmente está sob risco, ao
comentar as eleições na Europa.
“O
negacionista nega as instituições, nega aquilo que é o Parlamento, aquilo que é
a Suprema Corte, aquilo que é o Poder Judiciário, aquilo que é o próprio
Congresso. Ou seja, são pessoas que vivem na base da construção de mentiras”,
afirmou.
Outros
temas sensíveis que Lula deve evitar nesta viagem ao exterior, segundo os
entrevistados, é Israel e Gaza – sem esquecer, ainda, da guerra na Ucrânia.
Lula
hoje é considerado "persona non grata" pelo governo de Israel, depois
de ter feito uma comparação entre a guerra em Gaza e o Holocausto durante a
cúpula da União Africana, no início deste ano. A fala de Lula repercutiu
internacionalmente e gerou críticas, sobretudo de grupos judeus, com acusações
de que a comparação feita pelo presidente brasileiro se tratou de
antissemitismo.
Casarões
diz que Lula, se pressionado a falar sobre o tema, terá que “ser muito sereno e
medir de alguma forma as palavras – não mudando a posição no Brasil a essa
altura, mas certamente evitando o uso de palanques internacionais como no caso
da União Africana, que fez comparação com o Holocausto”.
“Essas
coisas deram muita munição para o bolsonarismo taxar o Lula de antissemita e
criar uma polarização ainda mais acentuada em cima desse posicionamento a
respeito do conflito entre Israel e palestinos”, disse Casarões.
Em
Genebra, na quinta-feira, Lula disse que a falta de diálogo entre as
autoridades da Ucrânia e da Rússia sinaliza que eles "estão gostando da
guerra".
"Tem
que ter um acordo. Agora, se o Zelensky diz que não tem conversa com Putin,
Putin diz que não tem conversa com Zelensky, é porque eles estão gostando da
guerra. Senão, já tinham sentado para conversar e tentar encontra uma solução
pacífica", afirmou.
·
O que é o G7?
O
G7 – originalmente G6 – foi criado em 1975, como uma iniciativa do presidente
francês Valéry Giscard d’Estaing. Além da França, incluía EUA, Reino Unido,
Alemanha, Japão e Itália. O Canadá entrou para o grupo em 1976.
Naquele
momento, depois da crise do petróleo de 1973, o objetivo era reunir os países
mais industrializados do mundo à época para tratar de questões de política
econômica de interesse comum.
De
1997 a 2013, a Rússia também fez parte, mas foi suspensa após a invasão da
Crimeia.
O
grupo hoje não reúne mais as sete maiores economias do mundo. China e Índia
são, respectivamente, a segunda e a quinta maiores economias do mundo em PIB
nominal, segundo dados compilados pelo FMI no ano passado.
Com
o passar dos anos, o G7 ampliou seu foco. Se inicialmente estava concentrado só
nos desafios econômicos, hoje também trata de outros assuntos que considera
questões globais.
A
presidência do grupo é rotativa entre as nações que compõem o G7 e muda
anualmente. O país que preside o G7 recebe a cúpula e define agendas e
prioridades. Depois da Itália, neste ano, o próximo será o Canadá.
Fonte:
BBC News Brasil
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