sábado, 15 de junho de 2024

Os cães são mais parecidos com a gente do que pensávamos

Isso provavelmente não será nenhuma surpresa para quem tem um cão, mas pesquisas recentes sugerem que o melhor amigo do homem age frequentemente de forma mais humana do que canina.

Cães podem ler expressões faciais, comunicar ciúme, mostrar empatia e até assistir a TV, apontam estudos. Eles pegaram estes hábitos humanos durante a evolução de lobos para animais domesticados, o que ocorreu entre 11.000 e 16.000 anos atrás, dizem os especialistas.

Em especial, "prestar atenção em nós, se dar bem conosco, [e] nos tolerar” os deu características que costumam espelhar as nossas, diz Laurie Santos, diretora do Laboratório de Cognição Comparativa de Yale. 

Confira alguns dos mais recentes estudos que mostram o lado humano dos nossos companheiros caninos.

·        Cães espiões

Espiar socialmente as pessoas é algo central para as interações sociais humanas, já que isso nos permite descobrir quem é bom e quem é mau.

De acordo com um estudo publicado em agosto pela revista Animal Behaviour, nossos cães fazem o mesmo.

Em um novo estudo, cientistas testaram 54 cães. Cada um viu seus donos tendo dificuldades para pegar um rolo de fita em um recipiente. Os cães foram divididos em três grupos: ajudantes, não-ajudantes, e de controle.

No grupo de ajudantes, o proprietário pedia ajuda a outra pessoa, que segurava o recipiente. No grupo de não-ajudantes, o proprietário pedia ajuda a uma pessoa que em seguida dava as costas, sem ajudar. No grupo de controle, a pessoa adicional dava as costas sem que sua ajuda fosse solicitada. Em todos os experimentos, uma terceira pessoa, "neutra", ficava sentada no cômodo.

Depois do primeiro ciclo de experimentos, a pessoa neutra e o ajudante ou não-ajudante ofereciam petiscos para os cães.

No grupo de não-ajudantes, os cães preferiam o petisco dado pela pessoa neutra com mais frequência, evitando a pessoa que não ajudou. No entanto, no grupo de ajudantes, os cães não tinham preferência nem pelo ajudante nem pela pessoa neutra. Cientistas já observaram resultados similares em crianças e macacos-prego.

Então os cães estão tomando partido ao ignorar as pessoas que foram cruéis com seus donos? Apenas pesquisas futuras poderão dizer.

·        Fiz você olhar

Acompanhar o olhar é algo instintivo para muitos animais – incluindo humanos, macacos, cabras, golfinhos, e até jabutis – porque isso os alerta em relação a tudo, desde ameaças imediatas até “uma planta frutífera especialmente gostosa", diz Lisa Wallis, doutoranda no Instituto de Pesquisa Messerli em Viena, na Áustria.

Pensava-se que os cães só seguiam olhares humanos quando comida ou brinquedos estavam envolvidos. Agora, um novo estudo sugere que cães também acompanham quando os humanos olham para o nada – mas apenas se eles não forem treinados.

"Sabemos que eles devem ser capazes de fazer isso", diz Wallis, líder da pesquisa publicada em agosto na revista Animal Behaviour, mas o treinamento era a "peça perdida do quebra-cabeça".

Em experimentos recentes, Wallis e seus colegas recrutaram 145 border collies com uma variedade de níveis de treinamento e idade. Os pesquisadores queriam ver se a idade, a habituação ou o treinamento influenciavam na tendência dos cães de acompanhar o olhar humano.

Wallis então observou as reações dos cachorros ao olhar na direção de uma porta. Surpreendentemente, apenas os border collies que não foram treinados acompanharam seu olhar – os animais treinados a ignoraram. Isso pode acontecer porque animais treinados tendem a se concentrar no rosto de uma pessoa, e não na direção para onde ela olha.

Depois de Wallis e seus colegas passar apenas cinco minutos ensinando os cães sem treinamento a olhar para o seu rosto, eles começaram a ignorar o instinto de acompanhar o olhar.

Ainda mais surpreendente é o fato de que os cães sem treinamento frequentemente olhavam para frente e para trás, entre ela e a porta, confusos com o que ela estava olhando. O comportamento era conhecido apenas em humanos e em macacos.

”É uma lição para todos nós, que devemos sempre examinar se o treinamento tem efeito neste tipo de estudo", afirma Wallis.

·        Próximos passos nas pesquisas caninas

Nos seres humanos, o envelhecimento acelera os declínios na memória de curto prazo e as habilidades de raciocínio lógico, tornando mais difícil aprender novas tarefas. Pesquisas anteriores encontraram declínios similares em cães, mas a memória a longo prazo é um aspecto pouco conhecido da biologia canina. 

É por isso que Wallis e seus colegas estão estudando como os cachorros jovens e velhos memorizam tarefas, e se os animais conseguem se lembrar delas meses depois.

Os resultados ainda estão sendo trabalhados, mas Wallis espera descobrir que é difícil – mas não impossível – ensinar novos truques para um cão velho.

 

¨      Por que os cachorros são tão amigáveis? A ciência explica

Para Marla, a sheepdog inglesa de 11 meses da Bridgett von Holdt, o mundo inteiro é um amigo que ela ainda não conheceu.

"Ela é hipersociável. Eu até tive que fazer um exame de genótipo", admite von Holdt.

O interesse de Von Holdt não é mera curiosidade. A biólogo evolutiva de Princeton e alguns colegas passaram os últimos três anos estudando a base genética responsável pelo comportamento social em cães e lobos.

Estudos mostram que os cães são mais sociáveis do que os lobos criados em circunstâncias semelhantes – eles geralmente prestam mais atenção aos seres humanos e seguem nossas diretrizes e comandos de forma mais eficaz.

A experiência de Von Holdt em genética evolutiva fez com que ela se perguntasse sobre a potencial base genética dessas diferenças.

O estudo, publicado no periódico Ciências Avançadas, fornece uma dica interessante: cães hipersociáveis, como a Marla, carregam variantes de dois genes chamados de GTF2I e GTF2IRD1. A exclusão desses genes nas pessoas causa a síndrome de Williams, caracterizada por aparência facial “élfica”, dificuldades cognitivas e tendência a amar todos.

Von Holdt suspeita que as variantes dos genes em cães inibam sua função normal, levando aos mesmos problemas observados em humanos com a síndrome de Williams.

"Nós podemos ter criado uma síndrome comportamental em um animal de companhia", diz ela.

Desde que evoluíram de um antepassado comum aos lobos, há pelo menos dez mil anos, os cachorros domésticos nos ajudam a encontrar comida e nos protegem de nos tornarmos comida de outras espécies, ao mesmo tempo em que fornecem uma companhia amigável e uma cauda alegre.

Compreender como nossos melhores amigos, do chihuahua ao mastiff, se tornaram o que hoje são uma questão “sexy", de acordo com Karen Overall, especialista em comportamento canino da Universidade da Pensilvânia que não estava envolvida no novo estudo.

Em 2010, em colaboração com Monique Udell, um behaviorista animal na Universidade Estadual de Oregon, von Holdt procurou os genomas de cães e lobos e identificou alterações no gene WBSCR17 que ocorreram durante a domesticação de cães. Os resultados foram publicados na Nature.

Seu projeto ficou inativo até 2014, quando von Holdt e Udell conseguiram financiamento para criar um novo conjunto de experimentos com 18 cachorros de várias raças – incluindo dachshund, jack russell terrier e bernese – e 10 lobos habituados aos humanos.

Os cientistas treinaram todos os animais para abrir uma caixa que continha um pedaço de salsicha. Então, pediram aos cachorros para abrir a caixa em três situações distintas: com um ser humano familiar presente; com um ser humano desconhecido; e sozinho, sem ninguém.

Depois de resgatado, Larry conheceu o golden retriever em seu novo lar. Os dois se tornaram inseparáveis.

Em todos os três cenários, os lobos superaram os cachorros com larga vantagem. Essa vantagem aumentou ainda mais quando os cachorros tiveram que abrir a caixa na presença de pessoas.

"Não é que eles não conseguiam resolver o quebra-cabeça, eles estavam mais ocupados em observar o humano", diz von Holdt.

CACHORROS AINDA EM EVOLUÇÃO

Para o novo estudo, Von Holdt realizou análises genéticas adicionais da parte do genoma envolvendo o gene WBSCR17 alterado em uma amostra maior de cachorros e lobos.

Além de confirmar suas descobertas iniciais de que WBSCR17 variou em cachorros e lobos, ela encontrou dois genes próximos, GTF2I e GTF2IRD1, também diferentes.

A combinação dos dados genéticos e comportamentais mostrou à von Holdt que as mudanças nesta região do genoma ajudaram a transformar lobos em cachorros que amavam os seres humanos.

Karen Overall, da Universidade da Pensilvânia, observa que a amostragem do estudo era pequena, o que limita a força das descobertas. Mas elogiou a análise genética.

“Estamos agora selecionando cachorros que são fáceis de lidar, que podem passar longos períodos de tempo em pequenos apartamentos,” observa Overall.

"Estamos mudando o comportamento de cachorros a cada ano".

 

Fonte: National Geographic Brasil

 

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