Aumento de
gastos é “voo de galinha” e Brasil perde “oportunidade de ouro”, dizem
economistas
A
elevada dívida pública do Brasil é um dos fatores que impedem o crescimento
consistente da economia, ao afastar investimentos e limitar a produtividade do
país, apontam os economistas José Ronaldo de Castro Souza Jr. e Fabio Giambiagi
em entrevista à CNN.
“O
aumento de gastos é um estímulo de curto prazo que acaba gerando um problema
estrutural. É um voo de galinha”, diz Souza, que é professor de economia no
Ibmec.
Giambiagi
ressalta que investimentos planejados a partir de um aumento desenfreado de
gastos não é o que gera crescimento no longo prazo.
“[Ainda
que seja em busca de uma agenda] relevante socialmente, não tem nada a ver com
a capacidade de crescimento”, reforça o pesquisador associado do FGV/Ibre.
A
dupla lançou nesta quinta-feira (13) o livro “O desafio da produtividade: como
tirar o Brasil da armadilha da renda média”.
A
proposta da obra, segundo os economistas, é “colocar uma lupa no debate
público, árido, mas rigorosamente necessário sobre o tema”, que de acordo com
eles, é o que dá capacidade de crescimento à economia.
• A produtividade
A
produtividade diz respeito à capacidade de se gerar frutos com uma determinada
quantidade de recursos, ou seja, o quanto eles rendem. Entre esses fatores, se
encaixam mão de obra, capital e infraestrutura.
“É
a capacidade de com o mesmo recurso, fazer mais”, explica Souza.
Ao
conversar com a CNN, Giambiagi retoma o Nobel de Economia, Paul Krugman:
A
produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo. A capacidade de um
país de melhorar seu padrão de vida ao longo do tempo depende quase
inteiramente da sua capacidade de aumentar o produto por trabalhador
Paul
Krugman
Em
1979, a produtividade do Brasil representava 85% da capacidade dos Estados
Unidos, de acordo com dados levantados pelos economistas. Em 40 anos, essa
proporção caiu para 52%.
Aí
está a “armadilha da renda média”, que, segundo Souza, é um dos obstáculos para
o Brasil se tornar um país em melhor condição financeira.
“Não
somos um país rico, somos um país de rendimento médio. Que tem potencial, mas
não explorou.”
Entre
as iscas que atraíram o país para a ratoeira, eles reforçam o impacto da “crise
fiscal”.
• Armadilha do milagre econômico
Durante
o “Milagre Econômico”, — no começo da década de 1970, quando o país registrava
altas taxas de crescimento — o Brasil emitiu grandes empréstimos para realizar
investimentos estatais, que foram parte dos fatores que puxaram a alta
produtividade à época.
Contudo,
a conta chegou na forma de uma inflação persistente que assolou o país durante
a década de 1980 e parte de 1990.
“Isso
endividou o país e gerou um entrave para a economia crescer”, avalia Souza, que
critica a mentalidade por trás desses investimentos.
“Foi
adotada uma política de substituição de importações, o que é um empecilho, ao
invés de produzir para ser um exportador competitivo”, explica.
Giambiagi
complementa que “se inserir numa agenda de competição é bom, é um movimento que
gera estímulos à modernização”.
O
problema alertado pelos economistas é que a política de gastos se manteve no
cerne da gestão das contas públicas nos anos que se seguiram. Hoje em dia, o
temor ainda persiste.
Neste
ano e no próximo, o governo federal persegue a meta de zerar o déficit
primário. Porém, a avaliação geral entre especialistas e no mercado é que o
déficit zero não está garantido.
Em
outubro, o próprio presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
indicou que dificilmente se chegará à meta em 2024.
A
arrecadação federal vem atingindo resultados recorde de janeiro até abril deste
ano, chegando a R$ 886,6 bilhões no acumulado de 2024.
Em
abril, o setor público consolidado chegou a registrar um superávit de R$ 6,7
bilhões. Contudo, o resultado foi o pior para o mês em quatro anos e
representou alta na margem de 12 meses ante março, a R$ 266,5 bilhões (o
equivalente a 2,4% PIB).
A
consequência dos gastos elevados é que, segundo Souza, “pelo curto prazo, se
perde uma oportunidade para o longo prazo”. A oportunidade são os potenciais
investimentos que seriam feitos e acabam sendo afastados por conta dessa
política.
E
para o professor do Ibmec, a situação atual das contas públicas agrava o
problema. “Cometemos falhas gravíssimas que afastam oportunidades de ouro.
Falhamos com os gastos obrigatórios aumentando”, diz Souza.
Um
ambiente econômico estável e previsível atrai os investidores, o que para
Giambiagi, não tem sido observado no país. Ele reforça a importância social das
políticas de efeito mais imediato, mas que para crescer, o governo deve ponderar
uma mudança no curso das contas.
“O
governo não quer nem ouvir falar numa agenda de controle de gastos. E ele terá
que encarar essa agenda no futuro, uma vez que as perspectivas para a segunda
metade da década são muito preocupantes”, diz o economista do FGV/Ibre.
• Outros fatores
O
problema da produtividade ainda é agravado por fatores jurídicos, de população
e educacionais, citam os especialistas.
De
acordo com a nova obra dos economistas, entre 1988 e 2018 foram editadas quase
31 novas normas tributárias por dia.
Souza
reforça que esse fator também é uma das peças que afasta os investimentos. “A
instabilidade de regras é péssima para negócios, que não conseguem planejar com
qualidade”, avalia o economista.
Já
a mão de obra, que é o ponto central da produtividade, é afetada tanto pela
questão de educação quanto populacional.
“A
educação é fundamental para a economia. Não se consegue ter eficiência,
produtividade, sem educação”, conclui o professor do Ibmec, que aponta para a
falta de qualificação no mercado brasileiro.
Quanto
à população, o problema está na desaceleração do crescimento e consequente
envelhecimento dos brasileiros.
De
acordo com o Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), o número de idosos aumentou em 57,4% desde 2010, saltando de
aproximadamente 14 milhões para mais de 22 milhões de pessoas.
O
que os economistas indicam é que o “boom demográfico” visto no Brasil até então
era o que vinha sustentando o crescimento da economia. Contudo, com o
envelhecimento da população, a quantidade de pessoas em idade de trabalhar deve
tender a diminuir no futuro.
Caso
a economia siga dependendo do aumento da população, a tendência é ela
eventualmente estagnar ou retrair.
“Teremos
a mesma quantidade de pessoas [aptas a trabalhar] no futuro do que temos hoje.
O crescimento terá que vir da produtividade, aumentar o PIB pela produção per
capta, não pela quantidade de pessoas”, pontua o economista do FGB/Ibre.
Com
essa estagnação, além da fuga de investimentos, Souza alerta para a falta de
estímulo no próprio brasileiro, que resulta na fuga de cérebros.
• “Tem como reverter”
Os
economistas apontam que é necessário trabalhar em segurança jurídica e medidas
para um crescimento duradouro a fim de manter a produtividade.
Eles
reforçam que a proposta do livro não é só apresentar o problema, mas,
principalmente, soluções.
“Tem
como reverter, só precisamos entender que não é automático”, pontua Souza. “[A
questão da produtividade] é técnica, mais difícil de compreender e não gera
apelo de curto prazo pelo impacto demorado, mas é fundamental sua discussão.”
A
ideia é que o livro coloque o tema em debate e permita entender que “o
crescimento não vem de medidas fáceis de curto prazo”, aponta o professor do
Ibmec. “Ele está no longo prazo, nas medidas difíceis e que têm um impacto
duradouro.”
Entre
os principais setores apontados pelos autores como oportunidades de
investimento para o Brasil estão os de infraestrutura — principalmente
transportes, saneamento e tecnologia.
O
campo de energia também apresenta futuro promissor, sobretudo se focado em
sustentabilidade e no hidrogênio verde.
De
acordo com um estudo da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde
(ABIHV), o Brasil pode ter uma injeção trilionária e arrecadar R$ 800 bilhões
nos próximos 25 anos com a cadeia produtiva do hidrogênio verde. Até 2030, a
expectativa do setor é por um superávit fiscal em torno de R$ 70 bilhões.
“O
Brasil tem potencial com energia verde e pode ser um grande exportador. Há
muita oportunidade, muito dinheiro para ser colocado nesse tipo de projeto e
trazer ganhos expressivos para a economia brasileira”, conclui Souza.
• Desindexação do Orçamento: entenda
como medida pode ajudar a equilibrar as contas públicas
Ainda
que a promessa para o déficit de gastos públicos seja zero, o mercado vê com
desconfiança o comprometimento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com
os cortes de gastos.
Diante
desse cenário, têm sido posto em voga o debate sobre a desindexação do
Orçamento Público de gastos obrigatórios.
Na
visão de uma classe da economia, a desvinculação de despesas obrigatórias na
peça orçamentária poderia ser, de fato, uma via mais eficiente para o governo
“gastar menos e lucrar mais”.
Atualmente,
a União contabiliza um déficit de R$ 251,9 bilhões no acumulado dos últimos
doze meses até abril, segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (Ipea).
Vale
destacar que desde a Constituição de 1988, a União tem a obrigação
constitucional de gastar um percentual mínimo fixo de sua receita em áreas,
como educação e saúde, as chamadas vinculações constitucionais.
Esse
mesmo tipo de vinculação determina que o benefício previdenciário ou
assistencial (Loas) mínimo seja equivalente ao salário mínimo.
A
proposta de desindexação elimina ou reduz os mecanismos de reajuste de preços,
que são baseados em índices de inflação.
Isso
significa que os preços não aumentam de mês a mês (ou dia a dia, como acontece
quando existe um cenário de hiperinflação).
• Prós e contras
Para
o economista e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe),
Paulo Tafner, a desvinculação dos gastos poderia não apenas diminuir a dívida,
mas também trazer crescimento econômico para o país.
“Os
efeitos positivos são enormes, como a alocação mais eficiente de recursos e a
possibilidade de realização de superávits para reduzir a dívida, e com isso os
juros estruturais da economia”, afirma.
Além
disso, com a desvinculação, o Orçamento poderia deixar de ser menos
“engessado”, melhorando a distribuição dos recursos. O economista ainda avalia
que a dificuldade encontrada pelo governo na atualidade é com a obrigatoriedade
constitucional.
O
pesquisador exemplifica que, apesar da população em idade escolar hoje ser
praticamente a metade do que era em 1988, o presidente não pode reduzir gastos
na área, dada a vinculação dessa despesa à receita obtida.
“A
vinculação cristaliza uma situação que pode ter mudado muito desde a
constituição de 1988, como é o caso citado da população em idade escolar”,
pontua.
Caso
a desvinculação de gastos mínimos com pastas como saúde e educação ocorresse, a
União poderia ter disponível para uso até R$ 131 bilhões para outros gastos até
2033, segundo estimativa feita pelo Tesouro, em março deste ano.
O
economista-chefe da Warren Investimentos e o ex-secretário da Fazenda de São
Paulo, Felipe Salto, também defende que já está na hora de repensar o modelo
fiscal atual para que se caminhe a uma regra sustentável, que promova autonomia
ao governo.
“Não
dá para continuar vinculando a receita com esses percentuais gigantes. Garantir
gastos permanentemente não quer dizer que você esteja melhorando as políticas
públicas”, diz.
Por
outro lado, Tafner alerta que a desvinculação poderia ser negativa em casos em
que o governante comprimisse demais os gastos sociais.
“Talvez
no curto prazo, haja cortes em certas áreas que podem ser exagerados e isso
impactaria certos segmentos sociais. Mas entendo que no médio e longo prazo, os
gastos tenderiam a se ajustar àquilo que for a preferência alocativa social”,
salienta o economista.
• Salário mínimo
Na
prática, quando ocorre o aumento do salário mínimo em termos reais, ou seja,
acima da inflação, a alta provoca um reajuste significativo em outras despesas,
como previdência e assistência.
O
benefício foi reajustado para R$ 1.412 pelo governo Lula a partir de janeiro
deste ano, avanço de 6,97% em comparação aos R$ 1.320 em vigor em 2023. O
cálculo considera a variação da inflação do ano anterior e o crescimento real
do Produto Interno Bruto (PIB).
O
que vem sendo defendido, segundo Tafner, é que ao desvincular esses pontos, a
assistência social pode aumentar livremente sem causar impacto nos gastos da
previdência.
“As
propostas aqui caminham no sentido de se fazer uma política de salário mínimo
que não tenha, pelo menos por um tempo, aumento real. E isso pode ser feito por
lei ordinária”, coloca o economista.
Ou
seja, os benefícios passariam então a serem corrigidos monetariamente pela
inflação.
Na
mesma linha, Salto enxerga que a política fiscal atuante não tem contribuído
para uma boa gestão dos recursos públicos.
“O
reajuste do salário mínimo não deveria ser o PIB defasado, mas sim o PIB per
capita para garantir que o piso salarial do país evolua de acordo com a
produtividade”, recomenda.
• Quadro fiscal
De
acordo com Salto, o cenário fiscal do Brasil neste momento possui notícias boas
e ruins. No lado positivo, o economista destaca a aprovação do novo arcabouço
fiscal, em 2023.
O
segundo é que Haddad aprovou uma série de medidas do lado da receita que estão
gerando resultados e que são boas do ponto de vista da arrecadação, segundo
avalia o economista.
De
janeiro a abril deste ano, a União teve um crescimento de 8,26% em sua receita
líquida, alcançando R$ 228, 87 bilhões, segundo dados do governo federal.
Mas,
em meio a esses progressos, alguns “sinais ruins” têm agravado e “contaminado”
as perspectivas do mercado, diz Salto.
Um
deles foi o recente envio, feito por Fernando Haddad, do Projeto de Lei de
Diretrizes Orçamentárias (PLDO) com metas mais baixas para o ano que vem.
O
plano saiu de um superávit primário de 0,5% do PIB para um déficit zero — a
mesma meta de 2024, 2025 — 0% do PIB (ante 0,5% antes); 2026 — 0,25% do PIB
(ante 1% antes).
“Só
o fato de manifestar esse desejo de gastar mais é ruim”, sinaliza o
economista-chefe da Warren.
• Alternativas
Diante
desse cenário de insegurança quanto à responsabilidade do governo com as metas
propostas no PLDO, a desindexação do orçamento aparece como um caminho
alternativo para equilibrar as contas da União.
Para
o economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getulio Vargas Ibre/FGV, Fabio Giambiagi, uma opção à proposta de desindexação
do Orçamento seria que o governo federal enviasse seu próprio plano de reajuste
real do salário mínimo.
“A
melhor das alternativas factíveis em relação a isso seria enviar uma proposta
ao Congresso, através de medida provisória. Definindo o valor do salário mínimo
para janeiro do ano que vem, seguindo a regra atual”, explica.
Para
2026, afirma o economista, o benefício poderia estar vinculado a partir do
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Já
Salto sugere a criação de um “indexador social” para fixar o reajuste das
despesas públicas, que deveria ser discutido anualmente com o Congresso
Nacional.
“Poderíamos,
por exemplo, criar uma regra mais inteligente vinculado ao PIB projetado, de
modo a girar economias em relação ao que você faz hoje e também juntando as
áreas de saúde de educação”, explica.
Caso
o PIB do país não registre crescimento ou recessão, Salto argumenta que deve
existir uma regra com piso mínimo para o reajuste.
Salto
também aponta o maior controle de emendas no Congresso Nacional por parte do
Executivo.
“Do
lado dos gastos, também dá para limitar as emendas parlamentares a um
percentual das despesas discricionárias. Não dá para ter R$ 50 bilhões de
emendas e R$ 50 bilhões de investimento, por exemplo”, finaliza o economista.
Fonte:
CNN Brasil
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