terça-feira, 18 de junho de 2024

Agronegócio: até Banco Mundial vê a crise

O sistema que nos alimenta está também alimentando a crise climática global. A frase inicial do excelente relatório que o Banco Mundial acaba de lançar (Recipe for a Liveable Planet) reflete um avanço científico que marca cada vez mais a abordagem dos problemas contemporâneos pelas organizações multilaterais. Muito mais que estudar o setor agropecuário, a indústria de máquinas e insumos, a transformação industrial e o consumo, o trabalho do Banco Mundial faz uma apreciação valorativa, um julgamento de natureza ético-normativa sobre a maneira como a humanidade está usando os recursos materiais, energéticos e bióticos para preencher suas necessidades alimentares. Este é o sentido e a ambição embutida no uso da expressão “sistema agroalimentar”, ao longo do texto.

Logo em sua introdução o trabalho reconhece que o “sistema alimentar mundial teve sucesso em alimentar uma população crescente”, mas acrescenta, a seguir, que ele “não conseguiu promover objetivos ótimos no que se refere à nutrição e à saúde”. A atenção com a oferta de calorias e proteínas fez-se em detrimento da produção de alimentos saudáveis. As consequências sobre a saúde humana exprimem-se no fato de que, no século XXI, seis dos dez mais importantes determinantes de morte e doença estão ligados à alimentação. E na origem destes produtos estão práticas produtivas cujos custos ecossistêmicos (estimados em US$ 20 trilhões, no relatório), caso incorporados ao sistema de preços, superariam de longe o próprio valor da alimentação global. Em outras palavras, o mundo está destruindo serviços ecossistêmicos dos quais depende a própria vida para obter um conjunto de bens que, cada vez mais, são vetores das doenças que mais matam na atualidade.

O trabalho do Banco Mundial parte da diferença, no interior do sistema agroalimentar, entre países de renda alta, de renda média e os de renda baixa. Dos dez países com as maiores emissões agroalimentares, sete são de renda média (China, Brasil, Índia, Indonésia, Rússia, Paquistão e Argentina), dois de alta renda (EUA e Canadá) e um de baixa renda (Congo). A maior parte das emissões do sistema agroalimentar vem dos países de renda média (68% do total). Os países de alta renda respondem por 21% das emissões agroalimentares, mas são os maiores emissores per capita. E os de baixa renda contribuem com apenas 11% do total, mas são aqueles em que as emissões mais crescem.

Por volta de 82% das emissões dos países de baixa renda vêm do sistema agroalimentar. Metade deste total se origina na destruição florestal. Nos países de renda média o desmatamento entra com 17% das emissões agroalimentares. China e Índia quase não têm emissões vindas de desmatamento. As exceções, nos países de renda média, são Brasil e Indonésia que, ao início da terceira década do milênio tinham no desmatamento mais de 50% de suas emissões totais, padrão semelhante aos países de baixa renda. Na Indonésia, o desmatamento caiu drasticamente. No balanço entre a recente redução da devastação na Amazônia, contrabalançada pelo aumento da destruição do Cerrado, ainda não é possível saber se permanece este padrão em que o Brasil se tornou o único, entre os países de renda média, em que metade das emissões vem de desmatamento.

O desmatamento sozinho corresponde a 11% das emissões globais. 90% da terra anteriormente florestada converte-se em lavouras ou pastagens. Entre um quarto e um terço deste desmatamento liga-se a apenas sete atividades: gado, óleo de palma, soja, cacau, borracha, café e plantios madeireiros. Se o grande desafio do sistema agroalimentar fosse a produção crescente de calorias e proteínas, talvez este desmatamento fosse incontornável. Não sendo este o caso, o desmatamento zero é condição necessária e oportunidade inigualável para um sistema agroalimentar que reduza suas emissões e contribua para regenerar a biodiversidade. Segundo o Banco Mundial um terço das oportunidades para reduzir as emissões do setor agroalimentar concentra-se em proteção, manejo e regeneração florestal. E não há país com mais favoráveis condições para aproveitar esta oportunidade que o Brasil, segundo o Banco Mundial.

Mas o fim do desmatamento é apenas o ponto de partida para a redução das emissões agroalimentares. Uma das revelações mais importantes do relatório do Banco Mundial é o crescimento das emissões alimentares geradas fora da atividade especificamente agropecuária. Fertilizantes químicos, uso de combustíveis fósseis em máquinas agrícolas, mas também industrialização, transportes e energia usada para cozinhar dobraram suas emissões nos últimos trinta anos. O peso das emissões alimentares não agrícolas já supera globalmente o das emissões da agricultura. Quando o Brasil zerar o desmatamento este será um importante desafio, como já o é para a China. E é bom lembrar que parte crescente desta industrialização alimentar se converte em produtos ultraprocessados, vetores da pandemia global de obesidade.

Outro desafio fundamental está nas emissões vinculadas ao consumo de carne bovina e de leite, que representam um quarto das emissões do setor agroalimentar e recebem um terço dos subsídios agrícolas globais. Boa parte do mundo (inclusive nos países de renda média) tem um consumo de carne bovina que vai além do necessário à saúde humana.

A presidência brasileira do G20 colocou a luta contra as desigualdades e contra a fome (junto com o combate à crise climática e a reforma da governança global) como seus objetivos centrais. O trabalho do Banco Mundial mostra que atingir estas finalidades não supõe apenas ampliar a produção de alimentos. É no Brasil que o setor agroalimentar reúne as melhores condições para oferecer à sociedade produtos que beneficiem a saúde e contribuam para o fortalecimento dos serviços ecossistêmicos dos quais todos dependemos.

 

•           Agronegócio brasileiro precisa se adaptar à nova realidade do mercado

O mundo viveu mudanças profundas a partir de meados de março de 2020 devido à pandemia (Covid-19). Naquele momento muitas atividades simplesmente paralisaram por tempo indeterminado, negócios tiveram que mudar sua direção, algumas demandas reprimidas, enfim o mundo virou de cabeça para baixo. O campo não parou, afinal mesmo trancados em casa o consumo de alimentos não diminuiu. Deste modo, o agronegócio se adaptou e só avançou. Nas safras seguintes (2020/21 e 2021/22) bateu recordes de produção e produtividade atingindo cifras e valorização até então jamais imagináveis.

No início de 2022, a invasão da Ucrânia pela Rússia passou a afetar a produção agrícola mundial, e no Brasil não foi diferente. Isso porque os brasileiros são os maiores importadores de fertilizantes no mundo. Mais de 85% destes insumos usados na agricultura brasileira vêm do exterior, de acordo com balanço da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda). A maior parte, da Rússia, que é o maior exportador mundial de NPK — fertilizantes nitrogenados (N), fosfatados (P) e os de potássio (K).

Para ter uma ideia, em 2021, o Brasil importou 41,6 milhões de toneladas de adubos ou fertilizantes químicos, um investimento de US$ 15,1 bilhões. Desse total, 23,3% vieram da Rússia, pelos dados do Comex Stat, do Ministério da Economia. Isso corresponde a mais de 9 milhões de toneladas do insumo.

Outro Ponto importante que afetou o bolso do produtor foi a crise energética na China e o aumento dos fretes marítimos devido a demandas altas pós pandemia e consequentemente falta de containers e embarcações para transporte.

Com a elevação dos custos de produção, a balança brasileira entrou em desequilíbrio e o ano passado marcou essa nova mudança de cenário, que muitos chamaram de volta à realidade. O grande problema é que muitos players na cadeia tomaram a alta dos preços como “realidade” devido aos resultados dos dois anos anteriores e 2023 foi um choque para muitos.

A indústria de químicos, por exemplo, passou um ano muito duro, provavelmente o período mais difícil da última década. Isso aconteceu porque quando passamos a viver um momento em que os preços altos e onde as margens absolutas consequente interessante, há a tendência de fechamos os olhos para a realidade, fazendo incrementos em estrutura que não são sustentáveis, a indústria estava surfando em uma rentabilidade decorrente de fatores externos pontuais e não sistêmicos, mas depois a realidade vem, e de fato veio!

Em 2024, já iniciamos com expectativa de redução da safra, pois variações climáticas afetaram negativamente as lavouras nas principais regiões produtoras, como no Centro-Oeste, Sudeste e na área conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), principalmente as de soja e milho. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na temporada atual, os produtores rurais devem colher em torno de 299,8 milhões de toneladas de grãos, 6% inferior ao volume colhido no período anterior.

Com essa nova realidade estamos passando por um período de depressão do mercado, que é algo que tende a se ajustar a médio prazo e esse ano será de ajuste. Por exemplo, se analisarmos o mercado no último ano, a uma perda de valor de 20 a 25% no preço da soja, que é uma consequência dos níveis de estoque mundial onde Apesar da uma leve diminuição da safra brasileira, o estoque mundial tem superávit quase 15 milhões de toneladas, valor superior aos dois últimos anos devido ao aumento de área do EUA e a produção na Argentina voltando ao nível normal após uma de suas piores secas em 2023.

Esse ano estamos falando no preço da soja a 100 reais, ou seja, são 20%a 25% a menos de capital no bolso do produtor que gira toda essa engrenagem. Um fato podemos dizer: vai faltar dinheiro no campo, acredito que cerca de 4 bilhões de dólares que precisam ser financiados de alguma maneira. A indústria que é um importante financiador do agro brasileiro teve um ano muito ruim em 2023 e ser responsável por cobrir a falta de capital no campo será um desafio, somando o aumento de RJ de produtores esse financiamento da indústria estará ainda mais direcionado para grupos onde sua tenham suas finanças saudáveis.

•           Novas oportunidades

Posto todo este cenário, temos que analisar também que até mesmo momentos de baixa geram oportunidade, por isso acredito que este ano as Traders e as cooperativas bem estruturadas vão jogar bem e sairão vencedoras em 2024, além de serem um braço importante de financiamento do Agro tem uma oportunidade de alianças mais estratégicas com a Industria de Insumos incrementando assim a margem operacional de uma operação de commodities.

Também penso que também é o momento para o produtor e a indústria olhar para o mercado de capitais. Hoje nesse mercado, em torno de 3% é agro com operações estruturadas, portanto, o potencial é grande. Quem for nessa direção pode encontrar capital mais interessante com custo interessante, mas principalmente uma estrutura visando ao longo prazo e não somente “a safra”, naturalmente que os números de recuperações judiciais, que devem aumentar em 2024, fazem com que o investidor do mercado de capital mais longe do Agro.

 

•           O Agro Brasileiro diante da crise – perspectivas de produtores e Governo

Diante dos desafios enfrentados pelos produtores rurais, surge a indagação: o agronegócio brasileiro está em crise? A quebra na safra 2023/2024, anunciada por órgãos como Conab, IBGE e institutos privados, reflete uma realidade preocupante. Com previsões indicando que os sojicultores colherão menos de 150 milhões de toneladas de soja, a situação é alarmante.

A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) caracterizou a safra como “para esquecer”, mantendo uma estimativa de 135 milhões de toneladas de soja. Entretanto, questiona-se se essa crise é uma realidade para todo o setor.

No epicentro dessa problemática está o estado de Mato Grosso, onde a seca devastou as plantações, levando os produtores a colherem quantidades significativamente menores do que o habitual. Lucas Beber, presidente da Associação de Produtores de Soja de Mato Grosso, expressa sua frustração com a falta de ações do governo diante dessa situação.

Por outro lado, o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, sugere que a crise é momentânea e localizada, resultante de uma combinação de fatores como a crise hídrica, custos de produção elevados e queda nos preços internacionais de commodities agrícolas.

Marcos Jank, do Insper, concorda que a crise é localizada, afetando diferentes regiões de forma desigual. Ele destaca que há ganhadores e perdedores nesse cenário, com agricultores do Rio Grande do Sul se recuperando após anos de quebra, enquanto outros, especialmente em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, enfrentam dificuldades.

Entretanto, Bruno Lucchi, da CNA, adota uma visão mais cautelosa, reconhecendo que o setor enfrenta desafios significativos em 2024 devido a variáveis como problemas climáticos e queda nos preços, afetando a produção de carnes e aumentando os custos de produção.

Os pedidos de ajuda ao governo incluem renegociação de dívidas, prorrogação de prazos e linhas emergenciais de crédito. É aguardado um anúncio do governo federal sobre medidas de apoio na próxima semana, visando mitigar os impactos da crise.

Além disso, o aumento nos pedidos de Recuperação Judicial acende um alerta, indicando uma situação financeira difícil para muitos produtores. No entanto, é necessário analisar cuidadosamente essa questão para evitar interpretações equivocadas e oportunismos.

Diante desse contexto, é crucial que o governo reconheça a gravidade da situação e adote medidas eficazes para apoiar os produtores rurais, garantindo a sustentabilidade do agronegócio brasileiro.

 

Fonte: Por Ricardo Abramovay, em Outras Palavras/Jornal Entreposto/ABDAgro

 

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