Agronegócio:
até Banco Mundial vê a crise
O
sistema que nos alimenta está também alimentando a crise climática global. A
frase inicial do excelente relatório que o Banco Mundial acaba de lançar
(Recipe for a Liveable Planet) reflete um avanço científico que marca cada vez
mais a abordagem dos problemas contemporâneos pelas organizações multilaterais.
Muito mais que estudar o setor agropecuário, a indústria de máquinas e insumos,
a transformação industrial e o consumo, o trabalho do Banco Mundial faz uma
apreciação valorativa, um julgamento de natureza ético-normativa sobre a
maneira como a humanidade está usando os recursos materiais, energéticos e
bióticos para preencher suas necessidades alimentares. Este é o sentido e a
ambição embutida no uso da expressão “sistema agroalimentar”, ao longo do
texto.
Logo
em sua introdução o trabalho reconhece que o “sistema alimentar mundial teve
sucesso em alimentar uma população crescente”, mas acrescenta, a seguir, que
ele “não conseguiu promover objetivos ótimos no que se refere à nutrição e à
saúde”. A atenção com a oferta de calorias e proteínas fez-se em detrimento da
produção de alimentos saudáveis. As consequências sobre a saúde humana
exprimem-se no fato de que, no século XXI, seis dos dez mais importantes
determinantes de morte e doença estão ligados à alimentação. E na origem destes
produtos estão práticas produtivas cujos custos ecossistêmicos (estimados em
US$ 20 trilhões, no relatório), caso incorporados ao sistema de preços,
superariam de longe o próprio valor da alimentação global. Em outras palavras,
o mundo está destruindo serviços ecossistêmicos dos quais depende a própria
vida para obter um conjunto de bens que, cada vez mais, são vetores das doenças
que mais matam na atualidade.
O
trabalho do Banco Mundial parte da diferença, no interior do sistema
agroalimentar, entre países de renda alta, de renda média e os de renda baixa.
Dos dez países com as maiores emissões agroalimentares, sete são de renda média
(China, Brasil, Índia, Indonésia, Rússia, Paquistão e Argentina), dois de alta
renda (EUA e Canadá) e um de baixa renda (Congo). A maior parte das emissões do
sistema agroalimentar vem dos países de renda média (68% do total). Os países
de alta renda respondem por 21% das emissões agroalimentares, mas são os
maiores emissores per capita. E os de baixa renda contribuem com apenas 11% do
total, mas são aqueles em que as emissões mais crescem.
Por
volta de 82% das emissões dos países de baixa renda vêm do sistema
agroalimentar. Metade deste total se origina na destruição florestal. Nos
países de renda média o desmatamento entra com 17% das emissões
agroalimentares. China e Índia quase não têm emissões vindas de desmatamento.
As exceções, nos países de renda média, são Brasil e Indonésia que, ao início
da terceira década do milênio tinham no desmatamento mais de 50% de suas
emissões totais, padrão semelhante aos países de baixa renda. Na Indonésia, o
desmatamento caiu drasticamente. No balanço entre a recente redução da
devastação na Amazônia, contrabalançada pelo aumento da destruição do Cerrado,
ainda não é possível saber se permanece este padrão em que o Brasil se tornou o
único, entre os países de renda média, em que metade das emissões vem de
desmatamento.
O
desmatamento sozinho corresponde a 11% das emissões globais. 90% da terra
anteriormente florestada converte-se em lavouras ou pastagens. Entre um quarto
e um terço deste desmatamento liga-se a apenas sete atividades: gado, óleo de
palma, soja, cacau, borracha, café e plantios madeireiros. Se o grande desafio
do sistema agroalimentar fosse a produção crescente de calorias e proteínas,
talvez este desmatamento fosse incontornável. Não sendo este o caso, o
desmatamento zero é condição necessária e oportunidade inigualável para um
sistema agroalimentar que reduza suas emissões e contribua para regenerar a
biodiversidade. Segundo o Banco Mundial um terço das oportunidades para reduzir
as emissões do setor agroalimentar concentra-se em proteção, manejo e regeneração
florestal. E não há país com mais favoráveis condições para aproveitar esta
oportunidade que o Brasil, segundo o Banco Mundial.
Mas
o fim do desmatamento é apenas o ponto de partida para a redução das emissões
agroalimentares. Uma das revelações mais importantes do relatório do Banco
Mundial é o crescimento das emissões alimentares geradas fora da atividade
especificamente agropecuária. Fertilizantes químicos, uso de combustíveis
fósseis em máquinas agrícolas, mas também industrialização, transportes e
energia usada para cozinhar dobraram suas emissões nos últimos trinta anos. O
peso das emissões alimentares não agrícolas já supera globalmente o das
emissões da agricultura. Quando o Brasil zerar o desmatamento este será um
importante desafio, como já o é para a China. E é bom lembrar que parte
crescente desta industrialização alimentar se converte em produtos
ultraprocessados, vetores da pandemia global de obesidade.
Outro
desafio fundamental está nas emissões vinculadas ao consumo de carne bovina e
de leite, que representam um quarto das emissões do setor agroalimentar e
recebem um terço dos subsídios agrícolas globais. Boa parte do mundo (inclusive
nos países de renda média) tem um consumo de carne bovina que vai além do
necessário à saúde humana.
A
presidência brasileira do G20 colocou a luta contra as desigualdades e contra a
fome (junto com o combate à crise climática e a reforma da governança global)
como seus objetivos centrais. O trabalho do Banco Mundial mostra que atingir
estas finalidades não supõe apenas ampliar a produção de alimentos. É no Brasil
que o setor agroalimentar reúne as melhores condições para oferecer à sociedade
produtos que beneficiem a saúde e contribuam para o fortalecimento dos serviços
ecossistêmicos dos quais todos dependemos.
• Agronegócio brasileiro precisa se
adaptar à nova realidade do mercado
O
mundo viveu mudanças profundas a partir de meados de março de 2020 devido à
pandemia (Covid-19). Naquele momento muitas atividades simplesmente paralisaram
por tempo indeterminado, negócios tiveram que mudar sua direção, algumas
demandas reprimidas, enfim o mundo virou de cabeça para baixo. O campo não
parou, afinal mesmo trancados em casa o consumo de alimentos não diminuiu.
Deste modo, o agronegócio se adaptou e só avançou. Nas safras seguintes
(2020/21 e 2021/22) bateu recordes de produção e produtividade atingindo cifras
e valorização até então jamais imagináveis.
No
início de 2022, a invasão da Ucrânia pela Rússia passou a afetar a produção
agrícola mundial, e no Brasil não foi diferente. Isso porque os brasileiros são
os maiores importadores de fertilizantes no mundo. Mais de 85% destes insumos
usados na agricultura brasileira vêm do exterior, de acordo com balanço da
Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda). A maior parte, da Rússia,
que é o maior exportador mundial de NPK — fertilizantes nitrogenados (N),
fosfatados (P) e os de potássio (K).
Para
ter uma ideia, em 2021, o Brasil importou 41,6 milhões de toneladas de adubos
ou fertilizantes químicos, um investimento de US$ 15,1 bilhões. Desse total,
23,3% vieram da Rússia, pelos dados do Comex Stat, do Ministério da Economia.
Isso corresponde a mais de 9 milhões de toneladas do insumo.
Outro
Ponto importante que afetou o bolso do produtor foi a crise energética na China
e o aumento dos fretes marítimos devido a demandas altas pós pandemia e
consequentemente falta de containers e embarcações para transporte.
Com
a elevação dos custos de produção, a balança brasileira entrou em desequilíbrio
e o ano passado marcou essa nova mudança de cenário, que muitos chamaram de
volta à realidade. O grande problema é que muitos players na cadeia tomaram a
alta dos preços como “realidade” devido aos resultados dos dois anos anteriores
e 2023 foi um choque para muitos.
A
indústria de químicos, por exemplo, passou um ano muito duro, provavelmente o
período mais difícil da última década. Isso aconteceu porque quando passamos a
viver um momento em que os preços altos e onde as margens absolutas consequente
interessante, há a tendência de fechamos os olhos para a realidade, fazendo
incrementos em estrutura que não são sustentáveis, a indústria estava surfando
em uma rentabilidade decorrente de fatores externos pontuais e não sistêmicos,
mas depois a realidade vem, e de fato veio!
Em
2024, já iniciamos com expectativa de redução da safra, pois variações
climáticas afetaram negativamente as lavouras nas principais regiões
produtoras, como no Centro-Oeste, Sudeste e na área conhecida como Matopiba
(Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), principalmente as de soja e milho.
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na temporada atual, os
produtores rurais devem colher em torno de 299,8 milhões de toneladas de grãos,
6% inferior ao volume colhido no período anterior.
Com
essa nova realidade estamos passando por um período de depressão do mercado,
que é algo que tende a se ajustar a médio prazo e esse ano será de ajuste. Por
exemplo, se analisarmos o mercado no último ano, a uma perda de valor de 20 a
25% no preço da soja, que é uma consequência dos níveis de estoque mundial onde
Apesar da uma leve diminuição da safra brasileira, o estoque mundial tem
superávit quase 15 milhões de toneladas, valor superior aos dois últimos anos
devido ao aumento de área do EUA e a produção na Argentina voltando ao nível
normal após uma de suas piores secas em 2023.
Esse
ano estamos falando no preço da soja a 100 reais, ou seja, são 20%a 25% a menos
de capital no bolso do produtor que gira toda essa engrenagem. Um fato podemos
dizer: vai faltar dinheiro no campo, acredito que cerca de 4 bilhões de dólares
que precisam ser financiados de alguma maneira. A indústria que é um importante
financiador do agro brasileiro teve um ano muito ruim em 2023 e ser responsável
por cobrir a falta de capital no campo será um desafio, somando o aumento de RJ
de produtores esse financiamento da indústria estará ainda mais direcionado
para grupos onde sua tenham suas finanças saudáveis.
• Novas oportunidades
Posto
todo este cenário, temos que analisar também que até mesmo momentos de baixa
geram oportunidade, por isso acredito que este ano as Traders e as cooperativas
bem estruturadas vão jogar bem e sairão vencedoras em 2024, além de serem um
braço importante de financiamento do Agro tem uma oportunidade de alianças mais
estratégicas com a Industria de Insumos incrementando assim a margem
operacional de uma operação de commodities.
Também
penso que também é o momento para o produtor e a indústria olhar para o mercado
de capitais. Hoje nesse mercado, em torno de 3% é agro com operações
estruturadas, portanto, o potencial é grande. Quem for nessa direção pode
encontrar capital mais interessante com custo interessante, mas principalmente
uma estrutura visando ao longo prazo e não somente “a safra”, naturalmente que
os números de recuperações judiciais, que devem aumentar em 2024, fazem com que
o investidor do mercado de capital mais longe do Agro.
• O Agro Brasileiro diante da crise –
perspectivas de produtores e Governo
Diante
dos desafios enfrentados pelos produtores rurais, surge a indagação: o
agronegócio brasileiro está em crise? A quebra na safra 2023/2024, anunciada
por órgãos como Conab, IBGE e institutos privados, reflete uma realidade
preocupante. Com previsões indicando que os sojicultores colherão menos de 150
milhões de toneladas de soja, a situação é alarmante.
A
Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) caracterizou a
safra como “para esquecer”, mantendo uma estimativa de 135 milhões de toneladas
de soja. Entretanto, questiona-se se essa crise é uma realidade para todo o
setor.
No
epicentro dessa problemática está o estado de Mato Grosso, onde a seca devastou
as plantações, levando os produtores a colherem quantidades significativamente
menores do que o habitual. Lucas Beber, presidente da Associação de Produtores
de Soja de Mato Grosso, expressa sua frustração com a falta de ações do governo
diante dessa situação.
Por
outro lado, o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura,
Neri Geller, sugere que a crise é momentânea e localizada, resultante de uma
combinação de fatores como a crise hídrica, custos de produção elevados e queda
nos preços internacionais de commodities agrícolas.
Marcos
Jank, do Insper, concorda que a crise é localizada, afetando diferentes regiões
de forma desigual. Ele destaca que há ganhadores e perdedores nesse cenário,
com agricultores do Rio Grande do Sul se recuperando após anos de quebra,
enquanto outros, especialmente em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás,
enfrentam dificuldades.
Entretanto,
Bruno Lucchi, da CNA, adota uma visão mais cautelosa, reconhecendo que o setor
enfrenta desafios significativos em 2024 devido a variáveis como problemas
climáticos e queda nos preços, afetando a produção de carnes e aumentando os
custos de produção.
Os
pedidos de ajuda ao governo incluem renegociação de dívidas, prorrogação de
prazos e linhas emergenciais de crédito. É aguardado um anúncio do governo
federal sobre medidas de apoio na próxima semana, visando mitigar os impactos
da crise.
Além
disso, o aumento nos pedidos de Recuperação Judicial acende um alerta,
indicando uma situação financeira difícil para muitos produtores. No entanto, é
necessário analisar cuidadosamente essa questão para evitar interpretações
equivocadas e oportunismos.
Diante
desse contexto, é crucial que o governo reconheça a gravidade da situação e
adote medidas eficazes para apoiar os produtores rurais, garantindo a
sustentabilidade do agronegócio brasileiro.
Fonte:
Por Ricardo Abramovay, em Outras Palavras/Jornal Entreposto/ABDAgro
Nenhum comentário:
Postar um comentário