terça-feira, 18 de junho de 2024

Aumentam os temores de uma guerra entre Líbano e Israel

Quando teve início o mais recente conflito entre Israel e o grupo islamista Hisbolá no Líbano, Malak Daher esperava que a situação fosse durar apenas alguns poucos dias.

"É difícil estar tão longe de sua vida", disse a mulher de 30 anos que teve de deixar a cidade de Mais al-Jabal, no sul do país, situada quase diretamente na fronteira libanesa-israelense onde se concentram os combates entre os dois lados. "Parece que a vida está em suspenso. A vida continua em toda parte, mas para você, o tempo parou."

Os confrontos entre o Hisbolá e as forças de Israel parecem ter aumentado nas últimas semanas.

Daher sobreviveu à guerra de 2006 entre o grupo fundamentalista e Israel no sul do Líbano, mas disse que nada daquilo se compara às escaramuças atuais.

No início de junho, grupos de defesa dos direitos humanos denunciaram que Israel lançou munições de fósforo branco sobre cidades libanesas, em violação às leis humanitárias internacionais. Nesta semana, o Hisbolá lançou mais de 160 foguetes ao território israelense em retaliação ao assassinato de dois de seus comandantes.

Desde 7 de outubro de 2023, os ataques no sul de Israel por militantes do grupo extremista Hamas que deixaram mais de 1.200 mortos, a situação na fronteira com o Líbano tem sido bastante tensa.

O Hisbolá, a poderosa organização que possui papel dominante na vida política e social do Líbano, tem o Hamas como aliado e o Estado de Israel como inimigo.

Depois de duas guerras inconclusivas, em 1996 e 2006, as forcas israelenses e o grupo libanês passaram a realizar ataques retaliativos entre seus territórios, que resultaram numa alta contagem de mortos.

·        O medo de guerra total no Líbano

Contudo, desde 7 de outubro, esses ataques vêm aumentando dos dois lados da fronteira, em tamanho e alcance, o que elevou as preocupações de que os confrontos possam se tornar uma guerra total no Líbano.

Vários políticos extremistas em Israel defendem que o país deveria atacar o Hisbolá. Uma pesquisa divulgada neste mês indica que a maioria dos israelenses vê como uma boa ideia dar início a uma guerra com os extremistas no Líbano.

"Os ataques de 7 de outubro aumentaram dramaticamente a insegurança em Israel", afirma uma análise divulgada em março pelo Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Washington. "Se o Hamas, menos armado e treinado do que o Hisbolá, conseguiu matar brutalmente mas de 1.100 israelenses, o que conseguiria o ainda mais poderoso Hisbolá?"

Ainda não está claro se um conflito mais amplo deverá mesmo ocorrer. Os atuais esforços diplomáticos internacionais se dedicam a evitar que isso aconteça, com a maioria dos especialistas argumentando que seria imprudente se Israel abrisse outra frente de batalha, enquanto ainda mantem suas operações em Gaza. Além disso, o Hisbolá é um adversário mais poderoso e muito mais bem armado do que o Hamas.

Quanto ao Líbano, o país está há anos atolado em uma crise econômica e política. Mesmo que a população tenha simpatia pelos palestinos, dos quais de 37.000 foram mortos nos últimos oito meses na guerra em Gaza [segundo dados divulgados pelo próprio Hamas], é pouco provável que os libaneses – em meio à inflação, desemprego e incertezas políticas – apoiassem que o Hisbolá levasse o país a uma guerra.

Autoridades libanesas dizem que já ocorreram mais de 375 mortes no Líbano desde outubro de 2023, incluindo 88 civis, em razão de ataques israelenses. Tel Aviv, por sua vez, contabiliza 18 soldados e dez civis mortos pelo Hisbolá.

·        Milhares de deslocados

Dezenas de milhares de civis – em torno de 100.000 libaneses e mais de 60.000 israelenses – que vivem dos dois lados da fronteira tiveram de deixar suas casas em razão dos combates.

Pessoas na região relataram à DW que os que deixaram o sul do Líbano estão relutantes em retornar, a não ser em casos de total necessidade.

Alguns voltaram em momentos de aparente calma para verificar suas propriedades, ou, por exemplo, para comparecer a funerais. No entanto, a maioria das lojas e mercados estavam fechados, sendo difícil encontrar suprimentos.

Quando Daher fugiu inicialmente para Beirute após o início das hostilidades, a enfermeira de formação se viu desempregada. Ela conta que, em razão disso, decidiu voltar ao trabalho no hospital de Bint Jbeil, no sudeste do país, também nas proximidade da fronteira com Israel.

Ela permanece no hospital por três dias, realiza seus turnos, e depois volta para Beirute, onde está hospedada com familiares juntamente com sua mãe.

Em certo momento, Daher realizou um retorno desesperado a Mais al-Jabal com sua mãe de 60 anos, que tirava seu sustento plantando olivas e tabaco no vilarejo fronteiriço. Ela diz que a volta para casa se tornou um pesadelo. Elas não conseguiam dormir em razão dos mísseis e foguetes lançados durante toda a noite, o que fez com que se escondessem em um corredor da casa.

"Achei que iríamos morrer juntas", recontou Daher, cujo marido trabalha no Kuwait. Logo que amanheceu, as duas voltaram para Beirute. Agora, ela volta para a região somente para trabalhar, mesmo estando ciente do perigo. No final de maio, o hospital quase foi atingido por um ataque israelense.

"Eles não tomaram apenas meu tempo", diz Daher sobre os militares israelenses; "roubaram minhas ambições e minha paz. Me tornei uma mulher raivosa e angustiada à espera de ajuda. Antes disso, eu era uma mulher independente."

·        Alguns se recusam a sair

Um punhado de pessoas ainda se recusa a deixar o sul do Líbano, apesar dos combates e da ameaça de uma guerra total. Um deles é Issam Alawieh, de 44 anos, pai de sete filhos. Ele permaneceu em sua casa no vilarejo fronteiriço de Maroun el-Ras juntamente com sua mulher e dois de seus filhos. A família já sobreviveu a três ataques aéreos israelenses.

"Você ouve apenas uma batida, É como um vulcão vindo debaixo de você", disse Alawieh, que perdeu sua audição por uma semana após um dos ataques. Ele continua trabalhando em uma padaria na cidade vizinha de Bint Jbeil.

"Mesmo que a renda não seja boa e as vendas tenham caído 95%, eu continuo a fornecer comida para minha família", afirmou à DW.

Para ele, viver nessas condições perigosas é melhor do que estar desabrigado e de se ver forçado a aceitar ajuda em outras partes. Ele conta que vizinhos que deixaram a cidade o chamaram de louco, mas ele acredita que sua família tenha se adaptado. As crianças já estavam acostumando com o som das bombas, afirmou.

"Se eu for embora e deixar tudo aqui, serei humilhado, não quero isso", explicou. Mas, há ainda mais em jogo. Este é seu lar, sublinhou. "Não posso viver longe do sul do Líbano. Essa terra é como minha mãe. Não sei sobreviver sem ela. Venceremos enquanto nos mantivermos firmes em nossa terra."

¨      Netanyahu dissolve gabinete de guerra

O primeiro-ministro de IsraelBenjamin Netanyahu, dissolveu o gabinete de guerra, mecanismo criado em 11 de outubro de 2023 para a tomada de decisões sobre a operação militar na Faixa de Gaza, lançada logo após o ataque do grupo terrorista Hamas no dia 7 de outubro, disseram autoridades israelenses nesta segunda-feira (17/06).

A dissolução do gabinete de guerra se dá apenas uma semana após a saída do governo do ex-general centrista Benny Gantz. O fórum havia sido criado a pedido de Gantz, como condição para que ele integrasse o governo de unidade nacional e como medida para afastar da tomada de decisões sobre a guerra os apoiadores extremistas de Netanyahu.

O fórum também incluía Gadi Eisenkot, que assim como Gantz é membro do partido Unidade Nacional, e Aryeh Deri, chefe do partido ultraortodoxo Shas, como observadores.

Gantz e Eisenkot deixaram o governo na semana passada, devido ao que eles disseram ser o fracasso de Netanyahu em criar uma estratégia para a guerra na Faixa de Gaza. Com a saída deles, a dissolução do gabinete de guerra por Netanyahu já era esperada.

<><> Novo fórum de consultas

Netanyahu deverá agora passar a realizar consultas sobre a guerra de Gaza num fórum de consulta menor, que reunirá um pequeno grupo, incluindo o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o dos Assuntos Estratégicos, Ron Dermer, o chefe do Conselho de Segurança Nacional, Tzachi Hanegbi, e Deri, do partido Shas.

Esse novo fórum impede que dois parceiros nacionalistas-religiosos de Netanyahu no governo, o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, entrem no círculo de poder da guerra. O primeiro-ministro havia enfrentado exigências deles para serem incluídos no gabinete de guerra, o que certamente elevaria ainda mais as tensões com os parceiros internacionais, incluindo os Estados Unidos.

Netanyahu, Gallant e Gantz eram os únicos membros votantes do gabinete de guerra, enquanto Eisenkot, Deri e Dermer eram membros observadores.

<><> Frustração com Netanyahu

Gantz, um rival político de longa data de Netanyahu, e Eisenkot são membros do partido de centro-direita Unidade Nacional, que se juntou ao governo de emergência criado por Netanyahu após a guerra, mas saiu na semana passada alegando frustração com a forma como Netanyahu lidou com a guerra e a falta de um plano pós-guerra para Gaza.

Críticos afirmam que a tomada de decisões de Netanyahu em tempos de guerra foi influenciada por ultranacionalistas em seu governo, que se opõem a um acordo que traria um cessar-fogo em troca da libertação de reféns.

 

¨      Irã e Israel vivem escalada de sua guerra nas sombras

Desde o início da guerra na Faixa de GazaIsrael intensificou também seus ataques contra aliados de Teerã no Líbano e na Síria. Nesse contexto, 13 pessoas foram mortas num ataque aéreo ao consulado iraniano em Damasco, capital da Síria, no início de abril, incluindo sete membros do alto escalão da Guarda Revolucionária Iraniana. O Irã, a Síria e a Rússia culparam Israel, que não assumiu a responsabilidade.

"O ataque ao prédio de um consulado iraniano foi sem precedentes. Depois de uma longa guerra nas sombras contra o Irã, Israel parece ter mudado sua estratégia", disse o especialista em Oriente Médio Arash Azizi à DW. Professor de história e ciência política na Universidade de Clemson, no estado americano da Carolina do Sul, ele é autor do livro The Shadow Commander, sobre o general da Guarda Revolucionária Qassim Soleimani, morto por um ataque de drone dos EUA no início de 2020, e as ambições regionais do Irã.

Os comandantes da Guarda Revolucionária do Irã desempenham um papel-chave no treinamento e financiamento do Hisbolá no Líbano, que é responsável por vários ataques contra Israel.

Em resposta ao ataque ao consulado em Damasco, o Irã lançou na noite de sábado um ataque a Israel com mais de 300 drones, mísseis de cruzeiro e balísticos, a grande maioria interceptados, segundo os militares israelenses.

O Irã é forçado a reagir aos assassinatos seletivos de oficiais de alto escalão da Guarda Revolucionária, diz Azizi. "Se o Irã não reagir agora, isso significaria que não tem meios de dissuasão contra Israel."

Ao mesmo tempo, Azizi lembra que o Irã não quer um grande confronto militar contra Israel, pois isso poderia forçar os EUA a intervir no conflito, com consequências imprevisíveis para o regime em Teerã.

·        Ex-aliados que se tornaram inimigos

O Irã e Israel são inimigos há décadas. Teerã nega o direito de existência de Israel e ameaça o "regime sionista" com a aniquilação. Israel, por sua vez, considera o Irã seu arqui-inimigo. Mas esse nem sempre foi o caso.

Até a Revolução Islâmica no Irã em 1979, os dois países eram aliados próximos. O Irã foi um dos primeiros países a reconhecer Israel e a sua independência, em 1948, e via Israel como um contrapeso político bem-vindo aos países árabes vizinhos.

Por sua vez, Israel considerava o Irã um aliado contra os países árabes nos conflitos do Oriente Médio.

Israel treinou especialistas agrícolas iranianos, forneceu conhecimento técnico e ajudou a construir e treinar as Forças Armadas persas. O Irã pagou por isso com petróleo, que era urgentemente necessário para Israel durante a sua ascensão econômica.

O Irã chegou a ser o lar da segunda maior comunidade judaica fora de Israel. Após a revolução, muitos judeus deixaram o país, mas mais de 20 mil ainda vivem lá.

·        Ponto de virada da Revolução Islâmica

Após a vitória da Revolução Islâmica no Irã e a tomada do poder pela ala religiosa dos revolucionários sob o comando do aiatolá Ruhollah Khomeini, Teerã revogou todos os tratados com Israel, e Khomeini passou a criticar duramente Israel pela ocupação dos territórios palestinos.

Teerã desenvolveu gradualmente uma retórica severa contra Israel com o objetivo de ganhar a simpatia dos estados árabes, ou ao menos da população desses países. O regime iraniano buscava aumentar a sua própria influência dessa forma.

Quando Israel interveio na guerra civil libanesa, em 1982, e invadiu o sul do país, Khomeini também enviou guardas revolucionários iranianos a Beirute para apoiar as milícias xiitas de lá. Até hoje, o Hisbolá, surgido naquela época, é considerado um braço de Teerã no Líbano.

O atual líder religioso do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, que tem a palavra final em todos os assuntos, mantém essa política. Khamenei e toda a liderança da República Islâmica do Irã questionam repetidamente o fato histórico do extermínio em massa sistemático dos judeus europeus no Holocausto e tentam relativizá-lo ou mesmo negá-lo.

·        Política para Israel é controversa entre iranianos

A hostilidade e o ódio da liderança de Teerã para com Israel não encontram total apoiado entre a sociedade iraniana. "O Irã precisa reexaminar sua relação com Israel, porque ela não está mais atualizada", disse a ex-parlamentar Faezeh Hashemi Rafsanjani numa entrevista em 2021. Ela é filha do ex-presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani e enfatizou que os uigures muçulmanos na China e os tchetchenos na Rússia também estavam sendo oprimidos. "No entanto, o Irã tem relações estreitas com a Rússia e a China."

O reconhecido cientista político Sadegh Zibakalam, que é crítico do governo, também contesta a política do Irã em relação a Israel. "Essa postura isolou o país no cenário internacional", enfatizou o professor da Universidade de Teerã em entrevista à DW em 2022.

No entanto, a hostilidade em relação a Israel e a política de resistência às grandes potências encontraram apoiadores entre os seguidores leais da República Islâmica.

Há "alguma frustração" dentro da base de apoio do regime, e também regionalmente no chamado Eixo de Resistência, sobre a contenção iraniana em relação a Israel no contexto da guerra em Gaza, diz o especialista Ali Fathollah-Nejad, diretor do instituto de pesquisa berlinense Center for Middle East and Global Order (CMEG). Ele identifica um "alto nível de frustração com a falta de credibilidade do Irã como o principal apoiador da causa palestina e com a relutância do Irã em confrontar Israel diretamente".

Mas Fathollah-Nejad avalia que o Irã usará suas milícias pró-iranianas na Síria e no Iraque e os houthis no Iêmen para retaliar.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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