A
floresta onde centenas de imigrantes arriscam suas vidas tentando entrar na
Europa
Dawit
(nome fictício) é um jovem da Etiópia.
Estamos
em um parque tranquilo e arborizado em uma das maiores cidades da Polônia. Ele
é tímido e fala baixo. Está vestido para enfrentar o forte frio com um casaco
acolchoado amarelo e preto com capuz.
Ele me
conta que fugiu de casa para escapar do recrutamento forçado para a guerra de
seu país e diz que pagou quase US$ 7 mil (R$ 40 mil) a traficantes de pessoas
que o ajudaram a viajar para a Polônia via Rússia e
Belarus.
Ele é
uma das dezenas de milhares de pessoas que cruzaram ilegalmente a fronteira entre Belarus e Polônia
desde 2021.
Ao
longo da fronteira existe um dos últimos vestígios de uma vasta floresta
primitiva que outrora cobria a Europa.
A
Floresta Bialowieza é um Patrimônio Mundial da Unesco e uma zona de proteção
ambiental.
Mas
atualmente ela virou uma rota ilegal para imigrantes que
querem chegar à União Europeia.
No meio
da floresta, há uma cerca de arame farpado de quase 200 quilômetros de
distância construída pelo governo polonês em 2022 em um esforço para fortalecer
suas fronteiras e as de toda a Europa.
Guardas
de fronteira poloneses patrulham dia e noite a pé e em veículos blindados. Eles
monitoram os céus com drones de alta tecnologia.
Vestido
com uniforme oficial, Michal Bura, um oficial da força de fronteira, me
acompanha ao longo da imponente cerca, que tem mais de cinco metros de altura.
"Precisamos
ficar um passo à frente dos traficantes de pessoas. Precisamos ficar um passo à
frente dos nossos inimigos", diz ele.
Bura
agora inclui seus colegas bielorrussos entre esses
inimigos.
"Os
guardas do lado (bielorrusso) trabalham com imigrantes ilegais. Eles mostram a
eles onde podem cruzar a fronteira ilegalmente. Eles dão a eles o equipamento
necessário, como escadas e cortadores de arame."
Mas as
autoridades polonesas também já foram acusadas de comportamento ilegal em
relação aos imigrantes.
Um
relatório da Human Rights Watch de dezembro de 2024 concluiu que as autoridades
polonesas estavam "ilegalmente, e às vezes violentamente, forçando pessoas
que tentavam entrar no país a retornar a Belarus, sem levar em consideração
suas necessidades de proteção".
Depois
que a Europa impôs sanções mais duras após as eleições amplamente
desacreditadas de 2020 em Belarus, seu líder, Alexander Lukashenko, disse que
não interviria se os imigrantes — que geralmente chegam ao seu país do Oriente
Médio e da África — se dirigissem para a fronteira polonesa.
"Eu
disse a eles (a UE) que não vou impedir os imigrantes na fronteira e, se eles
continuarem vindo de agora em diante, também não vou impedi-los, porque eles
não estão vindo para o meu país, eles estão indo para o de vocês", disse
Lukashenko à BBC em 2021.
Mas não
se trata apenas de passividade. Belarus foi acusada de encorajar ativamente os
imigrantes a usar essa rota como meio de entrar na Europa.
Em
2021, uma agência de viagens administrada pelo governo Lukashenko foi
sancionada pela UE por facilitar o fluxo de migrantes para a fronteira.
A BBC
viu evidências de que esta agência de viagens, Tsentrkurort, solicitou ao
Ministério das Relações Exteriores de Belarus em 2021 vistos de turismo de caça
para vários iraquianos, incluindo crianças de apenas cinco anos de idade.
Este
visto concede às pessoas o direito legal de visitar as áreas protegidas da
Floresta Bialowieza, em Belarus, muito próximas da Polônia.
A
Autoridade de Fronteiras de Belarus negou que esteja ajudando ativamente os
imigrantes a cruzar a fronteira e mostrou à BBC declarações antigas sobre
questões relacionadas à segurança da fronteira.
"Desde
que a situação da imigração piorou, o Comitê Estadual de Fronteiras tem chamado
repetidamente a atenção dos países da UE para a necessidade de um diálogo
construtivo e do descongelamento de projetos de cooperação transfronteiriça
suspensos, incluindo aqueles relacionados ao combate à imigração ilegal."
"Infelizmente,
em vez de se engajarem em um diálogo construtivo, os países vizinhos da UE
optaram pelo caminho da militarização de fronteiras, confronto e
desconsideração por questões de cooperação transfronteiriça. Hoje, eles estão
usando métodos radicais para lidar com o problema emergente da imigração."
- As relações
entre Polônia e Belarus
O
aumento do fluxo migratório mudou radicalmente a relação entre os responsáveis pela vigilância
das fronteiras de ambos os lados.
"Até
alguns anos atrás... nós falávamos com eles, fumávamos um cigarro juntos. Agora
nós apenas olhamos um para o outro. Não temos contato com eles", diz Bura,
dos guardas de fronteira bielorrussos.
Apesar
dos esforços da Polônia de conter a imigração, houve quase 30 mil tentativas de
travessia de fronteira em 2024, o segundo maior número registrado desde o
início da crise em 2021.
Muitos
dos que conseguem atravessar chegam em más condições.
- 'Se você corre,
eles soltam os cachorros'
O
terreno da floresta é denso e implacável. A imponente cerca de arame farpado de
5,5 metros causa ferimentos horríveis.
De
acordo com a organização We Are Monitoring, 89 pessoas morreram ao cruzar a
fronteira.
Os
imigrantes dizem que, apesar de receberem equipamentos para ajudá-los a
atravessar, eles são perseguidos rotineiramente por cães de guarda da fronteira
bielorrussa enquanto os guardas expulsam as pessoas de seu território.
As
condições do inverno são particularmente severas. Hipotermia e congelamento são
comuns.
"Se
você correr, eles soltam os cachorros", Dawit me conta. "Vi pessoas
com mordidas no pescoço e nas pernas."
Olga,
que trabalha para uma instituição de caridade que vai até a floresta para
prestar assistência aos recém-chegados, diz que as pessoas que ela conhece
geralmente estão assustadas e precisam de ajuda médica.
"Eles
têm muitos ferimentos por causa do arame farpado. Às vezes, eles quebram braços
e pernas pulando a cerca."
Conversamos
com Olga na sede da ONG nos arredores de uma vila próxima. O local é um anexo
de três quartos doado por um membro da comunidade local.
Eles
mantêm sua localização em segredo por medo de retaliações daqueles que estão
irritados com o fluxo de imigrantes.
O local
está cheio de material para ajudá-los. Roupas quentes, comida e kits de
primeiros socorros estão empilhados. No canto, há duas camas de solteiro onde
os voluntários dormem, quando o turno permite.
Pedidos
de ajuda podem chegar a qualquer hora do dia ou da noite, e os tipos de pessoas
que chegam variam. "Agora (no inverno) são principalmente homens jovens,
mas em setembro e outubro quase metade eram meninas jovens. Há muitos
adolescentes."
Sempre
que possível, os voluntários da organização prestam primeiros socorros e
oferecem conselhos sobre asilo para aqueles que estão dispostos a ouvir.
Os
incêndios florestais e o lixo deixado por aqueles que cruzam a área restrita
causaram uma mudança no comportamento dos animais em Bialowieza.
Em um
esforço para evitar o cheiro humano, rebanhos de bisões europeus estão se
mudando para partes da floresta que antes ignoravam.
O
aumento do tráfego traz consigo espécies exóticas que os especialistas
florestais devem trabalhar para eliminar.
Mateusz
Szymura trabalha como guarda florestal há mais de 20 anos e viveu em Bialowieza
durante toda a sua vida. Enquanto caminhamos por uma ponte coberta de neve na
densa floresta, ele me conta que frequentemente vê migrantes durante seu
trabalho e está preocupado com a falta de ação de Belarus.
"Os
problemas para a Floresta Bialowieza só aumentarão se eles (Belarus)
continuarem permitindo que as pessoas entrem em áreas estritamente
protegidas", diz ele.
No
entanto, para muitos, esta é apenas uma parada na sua jornada para outros
países europeus.
Enquanto
a imigração ilegal continuar sendo um fator decisivo no jogo político de
Belarus, esta crise continuará afetando as fronteiras da Europa.
Dawit
me conta que muitas outras pessoas que ele conheceu em sua jornada pretendem
chegar ao Reino Unido. No entanto, ele solicitou asilo na Polônia e seu pedido
está pendente.
"Eu
só quero ficar seguro. É por isso que estou ficando aqui."
Fonte:
BBC News
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