sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Uma retrospectiva da economia brasileira em 2024

O debate econômico neste fim de 2024 segue sendo dominado pelo ajuste fiscal, como foi ao longo de todo o ano, e suas relações com a inflação e a taxa de câmbio. Mas se quisermos fazer uma retrospectiva da economia nacional neste período, é necessário ir mais além deste ponto.

Os dois elementos mais importantes ao longo do ano foram sobre as contas públicas do governo federal e o ajuste fiscal, e daí decorrem as questões da disparada do dólar em dezembro e as movimentações da Selic, mas também o crescimento do PIB, maior que o esperado pelo segundo ano consecutivo.

Depois de crescimento de 2,9% em 2023, nos três primeiros trimestres de 2024 o PIB já acumula alta de 3,3% em relação ao ano anterior, com previsão, do Boletim Focus, de que o crescimento de 2024 seja de 3,4%, consolidando uma retomada do crescimento ainda que em níveis inferiores aos dos anos 2000.

Como foi analisado por Danilo Paris, estes dados indicam que estamos entrando em um novo ciclo de crescimento econômico, após a recuperação da recessão de 2015 e 2016, dos anos de crescimento quase nulo e da recessão da pandemia. Em 2022, finalmente o PIB real foi maior que o de 2014, até então o maior da história. Contribui para a ideia de retomada de crescimento que nos últimos trimestres tenha voltado a crescer a taxa de investimento, capaz de gerar crescimento também no futuro.

Este crescimento econômico se reflete em outras áreas, com o desemprego de outubro sendo o mais baixo da série histórica iniciada em 2012. Bateu recorde também a massa de rendimentos, de R$ 332 bilhões, com crescimento real de 7,7% em relação a um ano antes.

Esta retomada do crescimento não vem sem importantes contradições. No mercado de trabalho, a informalidade já atinge mais de 40 milhões de trabalhadores, que terminam por não ter acesso a seguridade social e direitos trabalhistas mínimos. Somados aos trabalhadores informais, estão os trabalhadores formais porém com contratos precários, os chamados contratos não típicos pelo CAGED, que incluem trabalhadores temporários, com contratos intermitentes ou com jornada inferior a 30h por semana. Tais contratos representaram cerca de um quinto do saldo de contratos com carteira assinada entre janeiro e outubro de 2024, e já representam 11,6% do total de trabalhadores formais.

O crescimento também vem com suas contradições. Se traz uma recuperação da demanda interna, e um crescimento dos investimentos, a taxa de investimento segue bem abaixo da casa dos 20% que atingiu no período de auge do lulismo. É um crescimento ainda muito dependente do setor externo, com o peso que as exportações vem tendo enquanto componente da demanda total, exatamente pelo peso que o agronegócio tem assumido na economia nacional, seja com a produção agropecuária diretamente, que este ano sofreu queda devido a questões climáticas, mas também a agroindústria e os serviços. A dependência do exterior não só deixa a economia nacional mais dependente da situação econômica internacional, como também possibilita um crescimento com aumentos menores da renda interna, ampliando a tendência à concentração de renda na mão da burguesia.

O outro ponto central da economia brasileira em 2024 foi certamente o ajuste fiscal, em especial neste final de ano. Como parte do arcabouço fiscal aprovado no ano passado, o governo federal colocou meta de déficit primário zero para 2024 e 2025. Tal meta significou bloqueios de mais de R$ 19 bilhões neste ano, como o bloqueio atingiu em cheio o ministério da educação no fim de novembro.

O principal ataque, no entanto, é o pacote de ajuste fiscal para os próximos anos, apresentado pelo próprio governo e aprovado no Congresso nestes últimos dias antes do recesso parlamentar. Este pacote traz ataques diretos aos trabalhadores mais pobres, dificultando o acesso ao BPC, limitando o aumento do salário mínimo e criando gatilhos que, caso não se atinjam metas fiscais, podem congelar o aumento dos custos com pessoal, significando menos concursos e menos reajustes salariais para os servidores, e os gastos com emendas.

Os servidores do INSS e das universidades federais deram um importante combate contra esta política ao longo desse ano, fazendo fortes greves contra a proposta de reajuste zero, e conseguiram conquistar um reajuste parcelado para os próximos anos.

Já as mudanças na regra de crescimento do salário mínimo, que passaria a ter um crescimento real limitado pelo aumento de gastos do governo, variando entre 0,6% e 2,5%, teria um impacto profundo no aumento da desigualdade e na queda da renda da população mais pobre, incluindo beneficiários do INSS. Estudos feitos pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia da Desigualdade (MADE) da FEA-USP simularam os efeitos caso a regra aprovada estivesse valendo desde os anos 2000.

Estudando apenas o impacto sobre a desigualdade gerado pelo BPC e pelas aposentadorias do INSS, e supondo crescimento real de 2,5% do salário mínimo em todos os anos, o índice de Gini brasileiro passaria dos atuais 0,529 para 0,549. Já estimando qual teria sido a variação do salário mínimo em si, seu crescimento teria sido menos da metade do que foi durante os governos petistas e teria sido menor até do que o crescimento do salário mínimo no governo Temer.

Seguem sendo aventadas outras medidas como a desvinculação do piso da previdência em relação ao salário mínimo e o fim dos pisos constitucionais da saúde e educação, e não podem ser descartados novos cortes e bloqueios de gastos nos próximos anos para o cumprimento da meta fiscal.

A proposta de isenção de imposto de renda para aqueles que ganham até R$ 5 mil, já paralisada pelo próprio congresso, não muda o caráter geral do pacote apresentado pelo governo: cortar dos serviços públicos, atacar a renda dos setores mais pobres, em especial PcDs e aposentados que ganham hoje um salário mínimo, para garantir o pagamento da dívida pública, que drena mais de R$ 1 trilhão por ano do orçamento público, e enriquece os grandes banqueiros nacionais e estrangeiros. Os lucros das principais empresas estatais, como Banco do Brasil, Caixa e Petrobras, da ordem de dezenas de bilhões a cada ano, e construindo sobre as costas de seus trabalhadores, também são direcionados inteiramente ao pagamento da dívida pública, não sendo sequer revertidos em qualquer investimento em serviços públicos.

O que pode ser esperado para 2025, em termos de política monetária, é a continuação desta mesma tônica. A troca de mando no Banco Central, com a saída de Campos Neto e a posse de Gabriel Galípolo, indicado por Lula, deve trazer poucas mudanças em termos da condução da política monetária.

Apesar de suas críticas aos aumentos da Taxa Selic e a Campos Neto, a quem acusa de atrapalhar o crescimento do PIB, Lula afirmou em live com Galípolo que ele será o presidente mais independente da história do BC e que irá conduzir uma política de contenção da inflação, o que significa mais aumentos de juros e de um BC subordinado ao mercado financeiro.

O mercado financeiro, por sua vez, segue exigindo mais cortes, fazendo um ataque especulativo ao Real, gerando aumento da taxa de câmbio, que deve impactar na inflação, exigindo altas maiores na Selic e ampliando os juros de títulos públicos, que chegaram a ter sua comercialização interrompida em diversos momentos ao longo da última semana.

A política de Lula e da Frente Ampla, ao privilegiar o pagamento a banqueiros em vez de a aposentados e funcionários públicos, termina por fortalecer a própria extrema-direita que eles dizem combater, ao não gerar melhorias nas condições de vida, e manter as diferentes formas de trabalho precário e informal. A luta contra a jornada 6x1, que se tornou um dos principais temas políticos do país nos últimos meses, e a simpatia que angariou entre os trabalhadores mostram que há espaço para contestar este projeto de país da reforma trabalhista. Será necessário seguir levantando esta bandeira, junto a luta contra o arcabouço e o ajuste fiscal, e pelo não pagamento da dívida pública, única maneira de romper com este sistema onde os grandes rentistas definem o orçamento público.

 

¨      Eleições polarizadas mundo afora, BRICS como sucesso mundial e desdolarização: a geopolítica em 2024

No ano em que o BRICS alcançou a consolidação como um dos principais grupos geopolíticos e econômicos do globo, com uma expansão inédita e despertando interesse em todos os cantos do planeta, especialistas analisam ao podcast Mundioka os impactos de 2024 na transformação de um mundo cada vez mais multipolar.

"Andamos boas casas e existem motivos que podem nos levar a dizer isso". Assim resume ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o mestre em relações internacionais pela Universidade Estatal de São Petesburgo e pesquisador sobre BRICS na Universidade de São Paulo (USP) Valdir Bezerra, sobre a consolidação de um mundo cada vez mais multipolar em 2024. Prova disso foram as conquistas do BRICS em seu primeiro ano de expansão inédita, que além de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, passou a reunir Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Arábia Saudita.

Para além disso, durante a cúpula do grupo em Kazan, na Rússia, foi aprovada a entrada de outros 13 países em uma nova categoria, a de parceiros do grupo. "É um grupo que se opõe à dominância do sistema internacional por uma única superpotência, além de ser a favor de reformas em organizações internacionais que tenham o domínio exagerado do G7, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. O fortalecimento do grupo também fortalece a multipolaridade, que vimos em 2024 um cenário cada vez mais próximo disso", declarou.

O especialista também pontuou a consolidação, ao longo do ano, da desdolarização da economia global, com cada vez mais países avançando no comércio com moedas próprias.

"O BRICS é a liderança nesse discurso que tem ganhado cada vez mais força no cenário contemporâneo, até mesmo a ponto de provocar uma publicação de Donald Trump [presidente eleito dos Estados Unidos] dizendo que vai atacar com aumento de tarifas [para as transações] os países que participam desse processo", destaca Bezerra, ao lembrar que o grupo também representa mais de 30% do PIB global, cerca de metade da população mundial e os maiores produtores de petróleo, gás natural e outras riquezas cruciais ao desenvolvimento.

<><> Mundo polarizado

Da Europa à América Latina, da Ásia à América do Norte, o processo eleitoral em diversos países neste ano foi marcado pela forte polarização entre dois grupos políticos, como explica o mestre em relações internacionais. Na Geórgia, que tem uma posição estratégica entre Europa e Ásia, o processo não foi diferente e reuniu forças políticas mais favoráveis à aproximação com a União Europeia, de um lado, e outra que defendia a manutenção de boas relações com a Rússia.

"Esse não é um fenômeno novo, principalmente na Geórgia e outros países do chamado espaço pós-soviético. Também ocorreu por diversos anos em locais como Armênia e Ucrânia. O caso ucraniano é o mais emblemático dessa natureza, porque foi justamente a oposição entre esses dois vetores políticos a principal responsável pela crise que ocorreu no país nos anos de 2013 e 2014. Parece que as sociedades no geral, no mundo, têm encontrado dificuldade em estabelecer uma força política, uma terceira via que pudesse unir pelo menos alguns pontos desses dois lados que se encontram em oposição", destaca.

Outro caso emblemático é o da Romênia, que recentemente teve o primeiro turno anulado, após o candidato pró-Rússia ter saído na frente.

"A Romênia tem uma importância estratégica no leste da Europa, porque esteve sob a influência da União Soviética por muitas décadas e atualmente está alinhada com a OTAN. E é importante mencionar que na Romênia existem mísseis antibalísticos instalados pela aliança que, quando foram colocados naquele país, a desculpa era que esses mísseis foram direcionados contra o Irã", destaca.

Crise política na França

Segundo país mais importante da União Europeia, a França também viu a crise política se acentuar neste ano sob o comando do presidente Emmanuel Macron. A situação piorou após a convocação de eleições parlamentares antecipadas, em que o partido do político ficou em segundo lugar na disputa e houve uma ascensão do grupo político de Marine Le Pen, quando alcançou o maior número de cadeiras na história.

"O Macron parece ter superestimado o apoio tanto ao seu governo quanto à sua própria pessoa e à sua administração, porque [a eleição] não deu os efeitos que ele imaginava. Essa polarização atravessa várias regiões do mundo, a Europa não é diferente e a França também. O Macron nem de longe é um líder unânime [...]. Recentemente o governo francês passou por um desmonte e o Macron se tornou um líder considerado divisivo dentro da França e, claro, quando você tem uma crise num país central da União Europeia provocada por uma falta de confiança, isso tem influência em outros locais", diz.

No país considerado a locomotiva da União Europeia, a situação política também não é nada fácil: o chanceler Olaf Scholz também tem enfrentado dificuldades para governar na Alemanha.

"O aumento da energia, a inflação e os problemas econômicos acumulados prejudicam a competitividade da indústria alemã. Isso tem repercussão nos empregos, em como as pessoas acabam avaliando o governo e é por conta disso que ocorreu um desmonte recente no governo Scholz. Ele é considerado um burocrata típico, não tem muito carisma e traquejo político, não é muito popular. Há uma diferença gritante, por exemplo, entre a figura e a capilaridade do Olaf Scholz em relação a Angela Merkel. Então, temos um enfraquecimento da figura política dominante na Alemanha e isso explica também os problemas que acontecem por lá".

<><> Eleição de Trump e América Latina

Já o professor de relações internacionais da ESPM Gunther Rudzit comentou ao podcast Mundioka as perspectivas para a América Latina após a eleição de Donald Trump em novembro nos Estados Unidos. Apesar de o especialista considerar que a região não é uma prioridade dos norte-americanos desde o fim da Guerra Fria, a escolha do senador republicano Marco Rubio para secretário de Estado pode trazer impactos. Isso porque o senador é filho de imigrantes cubanos e tem posições agressivas sobre a política externa do país.

"Ele já vem fazendo alguns pronunciamentos que fazem entender que vai dar uma certa atenção para a América Latina. Se isso vai ser bom ou não, depende do referencial, porque sempre que os Estados Unidos se interessam por uma região ou um tema, é a visão deles que se impõe sobre os interesses dos demais. Efetivamente, Rubio deve tentar criar uma aliança de governos de direita para se contrapor, teoricamente, a um bloco de esquerda [mais ligado à China]. Acredito que pela primeira vez em décadas o interesse norte-americano seja maior aqui, principalmente por conta da presença chinesa. E, para Trump, o país [China] é efetivamente a maior ameaça dos EUA".

 

Fonte: Esquerda Diário/Sputnik Brasil

 

Terapias alternativas contra câncer funcionam?

Diversas personalidades vêm afirmando que mudanças na alimentação e o uso de terapias alternativas, no lugar da medicina tradicional, ajudaram a fazer seu câncer entrar em remissão.

A maioria das organizações especializadas em câncer afirma que não há evidências médicas demonstrando que terapias alternativas podem ajudar a tratar ou curar o câncer.

·        Quais são, então, essas terapias e por que elas parecem ser cada vez mais procuradas?

Em novembro, o ex-jogador de críquete e político indiano Navjot Singh Sidhu declarou que sua esposa, agora, está curada do câncer.

Ela passou a consumir certos alimentos, como água com limão, cúrcuma, vinagre de maçã, folhas de neem, manjericão sagrado, abóbora, romã, groselha indiana, beterraba e nozes.

O vídeo viralizou, levando mais de 200 especialistas em câncer de um hospital indiano a publicar uma declaração conjunta. Eles afirmam que, embora existam pesquisas em andamento sobre alguns desses produtos, não existe evidência que sustente seu uso. Eles aconselham o público a não retardar seu tratamento adotando "remédios sem comprovação".

Em setembro, a modelo australiana Elle Macpherson revelou que foi diagnosticada com câncer de mama, sete anos atrás – e que ela adotou uma "técnica holística e intuitiva, conduzida pelo coração", no lugar da quimioterapia.

Terapias complementares, como acupuntura, ioga e meditação, costumam ser usadas em conjunto com tratamentos convencionais contra o câncer de mama, como a quimioterapia.

Os médicos afirmam que eles podem ajudar a melhorar o bem-estar e aliviar as dores dos pacientes. Mas eles normalmente não recomendam as terapias alternativas (que incluem certas dietas, sais minerais e infusões de vitaminas), especialmente se forem empregadas em substituição ao tratamento médico.

As organizações especializadas também alertam que certas terapias alternativas causam efeitos colaterais e podem prejudicar o paciente. Algumas delas chegam a interferir com o tratamento médico.

Em 2018, um estudo publicado na revista JAMA Oncology associou o uso de terapias complementares e alternativas por pacientes com câncer à redução da chance de sobrevivência.

Ainda assim, muitos pacientes com câncer buscam terapias complementares e alternativas – e sua popularidade está aumentando.

Uma pesquisa de opinião da Sociedade Americana de Oncologia Clínica indica que cerca de 40% dos adultos nos Estados Unidos acreditam que o câncer possa ser curado usando apenas terapias alternativas.

Vídeos sobre dietas para a "cura do câncer" acumulam milhões de visualizações na internet e livros de dietas contra o câncer estão entre os mais vendidos na Amazon.

Muitos influenciadores compartilharam recentemente um tópico no X, antigo Twitter. Eles afirmaram que o câncer pode ser combatido "de forma natural", principalmente com mudanças na alimentação. O tema recebeu 200 mil curtidas em apenas 48 horas.

A postagem recomendava às pessoas que jejuassem para "matar o câncer de fome" e que comessem certos alimentos para "alterar seu DNA" e "reforçar suas células-tronco".

Se você estiver pensando em adotar terapias alternativas, a organização britânica especializada em câncer Macmillan aconselha a conversar antes com seu médico oncologista, pedindo apoio e orientação.

·        Qual o motivo do crescimento?

Parte do motivo é a desinformação. As terapias alternativas são promovidas como "curas milagrosas" nas redes sociais, sem evidências que comprovem seus efeitos.

"O câncer causa medo. Temos que informar os riscos e os benefícios", explica a cirurgiã oncológica britânica Liz O'Riordan. "Você quer ter esperança, a certeza e a promessa de uma cura. E um médico comum não pode prometer isso."

As chamadas "curas", muitas vezes, são anunciadas como sendo métodos indolores e naturais. Isso pode despertar mais apelo entre pacientes vulneráveis que o tratamento convencional eficaz, que é invasivo e pode trazer sérios efeitos colaterais.

Outra razão é que, para muitos pacientes de todo o mundo, o acesso a tratamento de alta qualidade contra o câncer não é fácil – e, quando disponível, pode ser caro.

"Quando o dinheiro é o problema, essas vias alternativas potencialmente baratas podem ser realmente muito atraentes", explica O'Riordan. "Minha preocupação é que estejam promovendo isso entre pessoas vulneráveis, vendendo produtos de que elas não precisam."

Na África, existe uma escassez generalizada de conhecimento sobre o câncer e a eficácia dos tratamentos médicos. Some-se a isso a confiança excessiva nos remédios alternativos e tradicionais, falta de médicos treinados e uma população insegura, segundo pesquisa publicada pelo British Medical Journal.

As terapias alternativas também podem estar arraigadas na cultura local. A África, o leste asiático e a Índia, por exemplo, contam com antigos sistemas de cura e filosofias que aumentam a confiança neles.

Embora exista alguma evidência de que a medicina tradicional chinesa e o ayurveda possam ajudar no tratamento de algumas doenças, existem poucas indicações de que estes métodos funcionem contra o câncer.

Quais são as maiores dietas e terapias alternativas existentes no mundo?

·        'Curas' ayurvédicas

A cúrcuma – especiaria cultivada originalmente na Índia – é frequentemente considerada um tratamento alternativo contra o câncer no ayurveda, o antigo sistema de cura indiano, baseado em ervas e massagens.

O ayurveda vem ganhando popularidade em todo o mundo. O setor deve triplicar até 2028, segundo um relatório da empresa indiana de análise de mercados Market Research Future.

Outras técnicas alternativas contra o câncer empregadas na Índia, particularmente na zona rural, incluem naturopatia, biopatia, homeopatia, remédios caseiros, terapia com erva de trigo, hidroterapia, acupuntura, urinoterapia, osteopatia e meditação vipassana, segundo um estudo publicado na revista Lancet.

Alguns destes métodos podem ajudar na gestão das dores ao lado do tratamento médico, mas O'Riordan afirma que outras técnicas podem causar interação negativa com alguns tratamentos contra o câncer.

A organização Cancer Research UK afirma que existem evidências de que a substância conhecida como curcumina, presente na cúrcuma, pode matar células cancerosas em certos tipos de câncer, mas é necessário realizar mais pesquisas a respeito. Ela destaca que não existem evidências claras de que a cúrcuma ou a curcumina possam prevenir ou tratar o câncer.

·        Medicina tradicional chinesa

Existe uma tendência de aumento do uso da medicina tradicional chinesa em pacientes com câncer, tanto no Oriente quanto no Ocidente.

Mas os oncologistas questionam frequentemente as evidências científicas sobre a sua segurança e eficácia, segundo uma análise de pesquisas publicada no Clinical Oncology Journal.

A medicina tradicional chinesa é um sistema completo de medicina, que inclui acupuntura, terapia com massagens, remédios herbais e Tai Chi Chuan, entre outros. Ela emprega centenas de substâncias medicinais extraídas de plantas.

O'Riordan afirma que a medicina tradicional chinesa pode ser empregada ao lado das intervenções médicas, mediante consulta a um médico. Mas existe o risco de que alguns dos remédios herbais possam interagir com tratamentos médicos contra o câncer.

·        Mudanças na alimentação

Alegações de que dietas específicas, como a dieta cetogênica, vegana ou outras dietas restritivas, "matam o câncer de fome" também estão se tornando populares em todo o mundo.

"Você não pode deixar um câncer com fome, simplesmente quem passa fome é você", declarou à BBC o pesquisador em oncologia David Robert Grimes. "Perder peso quando se está com câncer pode ser extremamente perigoso."

Ele afirma que pacientes que são bombardeados com essas afirmações nas redes sociais podem ficar envergonhados, pensando que eles causaram o câncer – ou, ainda pior, adotar essas dietas sem perceber o risco que correm.

A especialista em câncer Kanu Priya Bhatia, do Hospital Mohandai Oswal, na Índia, apela aos pacientes para que não se deixem influenciar pelas redes sociais.

"Não comece a comer ou beber nada sozinho, pois pode ser prejudicial", aconselha ela.

·        Fembendazol

Fembendazol é um medicamento usado para tratar infecções parasíticas em animais.

Sua popularidade como tratamento contra o câncer aumentou quando um empresário americano declarou ter ficado curado da doença, depois de tomar fembendazol em combinação com outras terapias alternativas. Ele não mencionou que fazia, na época, parte de um teste clínico para outros tratamentos contra o câncer.

A droga se esgotou na Coreia do Sul e muitas pessoas documentaram sua jornada de "tratamento" nas redes sociais.

Tudo isso também foi auxiliado, em parte, por um cantor e comediante com câncer do pulmão, que afirmou ter tomado o medicamento – embora ele tenha suspendido posteriormente a medicação que, segundo ele, não apresentou eficácia.

A Cancer Research UK afirma que o fembendazol não passou por nenhum teste clínico para determinar se é um tratamento seguro ou eficaz.

·        Graviola

Os frutos, folhas e a casca da graviola são usados como remédio contra uma série de condições há muito tempo, em partes da África e da América do Sul. E existem algumas evidências de que ela pode ser útil para certas infecções.

O alegado potencial da fruta para "curar" o câncer é alardeado regionalmente, e em certos sites da internet, há muito tempo. Algumas postagens nas redes sociais chegam a afirmar que a graviola seria 10 mil vezes mais eficaz do que a quimioterapia.

As organizações especializadas em câncer e o Instituto Nacional do Câncer da França afirmam que não existem "alimentos milagrosos" para a cura do câncer.

O que dizem os médicos e as entidades?

Especialistas alertam que existem riscos significativos no uso de terapias alternativas. E pesquisas indicam que esses pacientes podem ter maior probabilidade de evitar os tratamentos convencionais, colocando em risco suas chances de sobrevivência.

"Algumas destas terapias são aceitáveis em conjunto com o tratamento", explica O'Riordan. "O problema surge quando as pessoas escolhem apenas a terapia alternativa. Sabemos que, se as pessoas escolherem apenas as terapias alternativas, a probabilidade de morrer é duas vezes e meia maior."

Grimes afirma que os tratamentos médicos contra o câncer são baseados em sólidas pesquisas científicas.

Ele destaca que "a sobrevivência ao câncer em todo o mundo aumentou e irá aumentar mais devido ao trabalho dos médicos e cientistas... não devido às terapias alternativas".

Harit Chaturvedi, presidente do Instituto Max de Tratamento do Câncer, na Índia, declarou que o câncer "não é uma doença que seja tratada com uma única fórmula mágica".

Ele destaca que os planos de tratamento da medicina moderna são específicos para cada indivíduo, com base no tipo de câncer, mudanças genéticas em células de câncer específicas, órgão de origem e extensão da metástase.

Os médicos geralmente aprovam que as pessoas adotem terapias complementares que possam ajudá-las a lidar melhor com a doença. Mas eles normalmente aconselham que as terapias alternativas não sejam usadas em substituição ao tratamento médico.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

Em defesa da democracia, Justiça foi protagonista em 2024

No centro das discussões mais importantes da política brasileira, o Poder Judiciário teve, em mãos, questões essenciais para o funcionamento da democracia do país. O Supremo Tribunal Federal (STF) se debruçou em regras de transparência e rastreabilidade das emendas parlamentares, além de avançar na investigação sobre tentativa de golpe de Estado e debater a responsabilidade das plataformas digitais no combate às notícias falsas. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o desafio foi o enfrentamento do uso malicioso da inteligência artificial (IA) nas eleições municipais de 2024.

Os desdobramentos das emendas seguiram até as vésperas de Natal. O ministro Flávio Dino, do STF, determinou, nesta semana, a suspensão do pagamento de R$ 4,2 bilhões do montante. O magistrado mandou a Polícia Federal (PF) abrir um inquérito para investigar o caso. Ele também ordenou que o governo só poderá executar o montante relativo ao ano de 2025 com a conclusão de todas as medidas corretivas ordenadas, como a indicação do autor e do beneficiário final dos recursos no Portal da Transparência, e a separação entre o relator do Orçamento e autor das emendas.

As emendas são indicações de gastos que deputados e senadores fazem no Orçamento do governo para obras e projetos nos estados que os elegeram. O pagamento estava suspenso desde agosto, por decisão do STF. A decisão obrigou o Executivo e Legislativo a trabalharem juntos para aprovar uma lei para dar mais transparência e rastreabilidade aos recursos.

Em dezembro, Dino autorizou, com ressalvas, a retomada do montante. A situação não gerou uma crise institucional, mas esbarrou no Judiciário, pois, na avaliação de especialistas, o texto aprovado possui lacunas sobre as divisões políticas dos recursos e, ao tirar o controle de uma parte considerável da execução do Orçamento, pode invadir a competência do governo — responsável por fazer a política pública dos repasses.

Para o professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA), Fabio de Sá e Silva, a atuação da Corte mostrou que, em meio a tantas disfunções que acometem as instituições, ainda pode fazer diferença na qualificação da democracia brasileira. "Isso ficou claro quando o ministro Dino, dando sequência ao que já fizera Rosa Weber, pressionou o Congresso a conferir transparência e rastreabilidade a emendas e, mais ainda, quando vieram à tona os detalhes da tentativa de golpe de Estado — os quais, dificilmente, saberíamos sem o trabalho da PF."

O cientista político e advogado Nauê Bernardo de Azevedo vai além e afirma que há protagonismo do Supremo em todos os momentos agudos da República desde 1988. "Mas o STF não é o único órgão da Justiça brasileira, apesar de ser o órgão de cúpula. Tribunais como o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o TST (Tribunal Superior do Trabalho) também possuem imensa relevância", ressalta.

Azevedo aponta a investigação do suposto golpe como o tema mais importante do ano em termos de repercussão, mas destaca outros assuntos com grande impacto na vida dos brasileiros. "A título de exemplo: a limitação de vagas para mulheres na Polícia Militar; a escolha de regra mais benéfica para aposentadoria; o porte de maconha; a lei que proíbe vacinação compulsória ou mesmo sobre o Marco Civil da Internet (embora este não tenha sido finalizado ainda)", elenca.

Na avaliação do cientista político Elias Tavares, o protagonismo do Judiciário em 2024 reflete a capacidade do poder de agir como pilar de estabilidade em um cenário político frequentemente marcado por tensões e polarizações. "Para restaurar o equilíbrio, o Legislativo e o Executivo devem fortalecer sua capacidade de liderança, assumindo maior responsabilidade na criação de políticas públicas e demonstrando eficiência na resposta às demandas da sociedade. O desafio está em reequilibrar os papéis institucionais sem comprometer a autonomia do Judiciário", aponta.

<><> Golpe em destaque

Para 2025, a Justiça se prepara para o inquérito da Polícia Federal que indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 acusados por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A denúncia está nas mãos da Procuradoria-Geral da República (PGR). Devido ao recesso de fim de ano no Supremo, que começou em 19 de dezembro e termina em 1° de fevereiro, a expectativa é a de que o julgamento da eventual denúncia ocorra somente no ano que vem.

Na investigação do golpe, agentes da PF recuperaram arquivos deletados no computador do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, com detalhes sobre o plano "Punhal Verde e Amarelo". A trama golpista previa reverter o resultado das eleições de 2022, além do planejamento de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.

Caberá ao chefe do Ministério Público Federal (MPF), Paulo Gonet, decidir se Bolsonaro e os demais indiciados serão denunciados à Corte Suprema pelas acusações. As defesas dos investigados também deverão se manifestar nos autos do processo.

Neste ano, a PF também solicitou ao ministro Alexandre de Moraes compartilhamento de informações da investigação da chamada Abin Paralela, um esquema de espionagem ilegal montado na Agência Brasileira de Inteligência. Para a corporação, há conexão entre as ações do esquema e a tentativa de golpe de Estado no país.

Outro momento que marcou o Judiciário neste ano e que, possivelmente, há ligação com o golpe, segundo a PF, é o atentado no estacionamento da Câmara dos Deputados e do STF, em novembro. Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, carregava uma mochila com explosivos e, após lançar outros artefatos, se deitou no chão e acionou a bomba junto à nuca. O homem morreu na explosão.

A Polícia Federal investiga a relação direta entre o fato e os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 — que culminaram na depredação dos prédios dos Três Poderes. Natural de Santa Catarina, Francisco tinha alugado uma casa há 3 meses na região administrativa de Ceilândia, a 30 quilômetros do local das explosões.

Para o cientista político Elias Tavares, a Justiça demonstrou força em momentos críticos. "A tentativa de golpe foi um divisor de águas para o Judiciário. Ele mostrou que a democracia brasileira não se curva diante de ameaças, enviando uma mensagem clara de que atos antidemocráticos não passarão impunes", diz. "O Judiciário mostrou que está disposto a enfrentar as big techs, mas isso é só o começo. O verdadeiro desafio será criar uma regulação que seja eficaz, mas que também respeite direitos fundamentais", completa.

Fabio de Sá e Silva reforça a importância do avanço das investigações. "Nada vai superar a conclusão dos inquéritos (das fake news, atos antidemocráticos, milícias digitais, joias, cartão de vacinas e golpe de estado) e o julgamento dos envolvidos, entre os quais devem aparecer figurões como Bolsonaro e generais. Isso não 'recivilizará o Brasil', como aspira o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, mas se acertarem mais que errarem na condução desses processos, o saldo final será favorável aos magistrados e ao país."

<><> Eleições

O ano na Justiça eleitoral, por sua vez, foi marcado pela posse da ministra Cármen Lúcia como presidente do TSE. Ao assumir o lugar do ministro Alexandre de Moraes, o desafio se concentrou em tocar projetos de enfrentamento à desinformação nas eleições municipais deste ano, além de julgamentos importantes como, por exemplo, os que envolvem o ex-chefe do Executivo.

No pleito deste ano, a Justiça Eleitoral saiu do radar de ataques de grupos extremistas que, no pleito anterior, tentaram descredibilizar as urnas brasileiras. Outro temor do Judiciário também não se concretizou: o uso da inteligência artificial (IA) para disseminação de notícias falsas.

Uma das razões para a ausência de ataque à Corte se deve ao fato de que a operacionalização e organização das eleições municipais ficam a cargo dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) nos estados. Nesse caso, o papel do TSE é prestar apoio logístico e institucional, além de concentrar a totalização dos votos.

Por outro lado, o tribunal enfrentou a onda de violência no pleito deste ano. Foram 76 assassinatos em 2024, segundo levantamento do Grupo de Investigação Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Giel/Unirio). O número é mais que o triplo do mesmo período de 2020, quando foram contabilizados 168 casos de violência política. Em 2022, foram 174 casos. A situação fez com que a ministra Cármen Lúcia solicitasse aos Tribunais Regionais Eleitorais, o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal prioridade na solução de casos.

<><> Para o ano que vem

Além da conclusão do inquérito do golpe, o Supremo deve retomar, no ano que vem, o julgamento que discute a responsabilidade das redes sociais por conteúdos publicados por seus usuários. No total, são três ações que discutem o Marco Civil da Internet, lei que regula a atuação das plataformas no Brasil.

O debate gira em torno da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil, que exige uma ordem judicial prévia para excluir conteúdo e responsabilizar as empresas pelos danos causados pelas publicações. Os processos em discussão estão sob relatoria dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux.

"O tribunal enfrenta uma questão complexa, frente à inércia do Legislativo em regular plataformas para coibir violações de direitos. Alguns processos relativos à reforma tributária e corte de gastos podem igualmente movimentar a pauta", ressalta Fabio de Sá.

No balanço de fim de ano, Luís Roberto Barroso anunciou que, nas metas para o Judiciário em 2025, está o julgamento de processos mais antigos dos acervos. O magistrado também apresentou um resumo das atividades desenvolvidas pela Corte.

Ele citou temas, ações e projetos desenvolvidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como a homologação do Plano Pena Justa, programa voltado ao aprimoramento do sistema prisional; e o fortalecimento do Pacto Nacional pela Linguagem Simples, que busca dar maior transparência aos textos jurídicos.

O presidente do STF destacou ainda as ações que vêm sendo feitas para reduzir a judicialização no país e mencionou a extinção de mais de 7 milhões de processos de execuções fiscais, além da diminuição de 14% na taxa de congestionamento de execuções ativas (de 83% para 69%).

 

Fonte: Correio Braziliense

 

Eventos climáticos extremos em 2024 reforçam a urgência de ações ambientais mais ambiciosas em 2025

O ano de 2024 ficou marcado por uma série de eventos climáticos extremos no Brasil e no exterior. No contexto do ano mais quente já registrado no planeta e que deve, pela primeira vez, superar o limite histórico de 1,5ºC de aquecimento, o País enfrentou impactos severos: enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul, secas históricas nos rios do Pantanal e da Amazônia, além de incêndios recordes que atingiram diversos biomas, causando prejuízos sociais que afetaram diretamente a vida de milhões de brasileiros.

Por outro lado, o período trouxe conquistas significativas, como a redução do desmatamento na Amazônia em 30% e no Cerrado em 25%, reflexo de medidas ambientais que apresentaram resultados em curto prazo. Outro marco importante foi a aprovação, em novembro, do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, o primeiro passo para que o país cumpra suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), estabelecidas na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) no âmbito do Acordo de Paris.

“A mudança climática é uma realidade que já impacta nosso presente. Os desastres registrados em 2024 são apenas o começo do que pode vir se não agirmos com urgência. Estamos progredindo em ações e políticas para conter o avanço desses problemas e a COP no Pará será uma oportunidade para o Brasil liderar as discussões globais para uma agenda voltada para a redução dos impactos ambientais”, analisa o economista Carlos Eduardo Young, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor titular e coordenador do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (GEMA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Como anfitrião do principal evento mundial sobre meio ambiente, o Brasil assumirá a responsabilidade de fortalecer as discussões sobre financiamento climático para países emergentes e superar as limitações da última edição, realizada no Azerbaijão. “A COP30 está sendo chamada de a ‘COP da Liberdade’, por abrir espaço para manifestações populares e da sociedade civil, além de ser um marco histórico ao ocorrer no coração da Floresta Amazônica — um bioma necessário não apenas para o clima do Brasil, mas para o equilíbrio climático global. Além de avançar nas negociações sobre financiamento, o evento será fundamental para a validação dos critérios da meta global de adaptação”, destaca Juliana Baladelli Ribeiro, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário.

Confira fatos marcantes deste ano e as expectativas para 2025:

<><> Enchentes no Rio Grande do Sul

Entre 26 de abril e 5 de maio, o Rio Grande do Sul enfrentou chuvas intensas, com precipitações acumuladas de até 800 milímetros, um volume até seis vezes superior à média histórica para o período. Esses temporais afetaram cerca de 2,4 milhões de pessoas, resultando em 183 mortes e dezenas de desaparecidos. De acordo com um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e do Grupo Banco Mundial, estima-se que o impacto econômico foi de R$ 87 bilhões, o que corresponde a quase 2% do PIB do estado.

<><> Recorde em incêndios

Nos dez primeiros meses de 2024, os focos de incêndio apresentaram aumento expressivo em relação ao mesmo período do ano anterior, com altas de 51% na Amazônia, quase 70% no Cerrado e 600% no Pantanal. De acordo com a WWF-Brasil, os incêndios na Amazônia bateram recorde em uma série histórica de 17 anos; o Cerrado teve o pior ano desde 2012; e cerca de 30% do Pantanal foi devastado. O Relatório Planeta Vivo apontou uma redução média de 73% nas populações de vida selvagem monitoradas em cinco décadas. Além disso, de acordo com o Laboratório de Monitoramento de Satélites do Rio de Janeiro (LASA), 99% dos incêndios no Brasil são causados por ação humana.

<><> Secas nos rios

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a seca de 2024 foi a mais extensa já registrada no Brasil, resultando na drástica redução dos níveis dos rios navegáveis. O Solimões, um dos principais afluentes do Amazonas, atingiu seu nível mais baixo já registrado em Tabatinga (AM), na fronteira com a Colômbia. Em Tefé (AM), um de seus braços secou completamente, e o Lago Tefé, que no ano anterior perdeu mais de 200 botos-cor-de-rosa devido à seca, também secou, deixando esses animais ameaçados de extinção sem seu habitat natural.

<><> Aquecimento do oceano e branqueamento dos corais

O oceano, responsável por regular o clima do planeta, atingiu temperatura recorde em 2024, sendo fevereiro, março e abril os meses com máximos de temperatura superficial do oceano, com registros de 21,17 graus, segundo o NOAA Optimum Interpolation SST (OISST). Esse aumento de temperatura desencadeou o maior evento de branqueamento de corais já registrado, afetando 77% dos recifes do mundo até outubro de 2024. O fenômeno ocorre quando os corais, expostos ao estresse térmico, expulsam as algas simbióticas que vivem em seus tecidos, deixando-os brancos, frágeis e vulneráveis a doenças.

“A temperatura do oceano está acima do esperado há 10 meses e, infelizmente, quase ninguém percebe a relevância disso. É como se o nosso corpo estivesse sistematicamente com febre, indicando que algo está muito errado, e continuássemos a viver da mesma forma, sem nos preocupar”, compara Ronaldo Christofoletti, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro do Grupo Assessor de Comunicação para a Década do Oceano da UNESCO.

<><> Ondas de calor

Em 2024, o Brasil enfrentou ondas de calor constantes. Todos os meses registraram temperaturas acima da média histórica (1991-2020), segundo o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS) e, até outubro, foram registrados nove episódios desse fenômeno climático extremo. Isso ocorre sobretudo nas “ilhas de calor”, espaços onde a combinação de superfícies impermeáveis, como concreto e asfalto, e a intensa atividade urbana geram acúmulo de calor, fazendo com que as temperaturas nas cidades sejam muito mais altas do que nas áreas rurais ao redor. Esse efeito é intensificado pela falta de vegetação e pela escassez de áreas verdes.

<><> Desmatamento

A taxa de desmatamento na Amazônia caiu 30,6% entre agosto de 2023 e julho de 2024, totalizando 6.288 quilômetros quadrados de área desmatada, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Essa redução em relação ao período anterior, quando a área desmatada foi de 9.064 quilômetros quadrados, reflete uma diminuição significativa nas atividades ilegais na região. No Cerrado, a perda de vegetação também apresentou queda de 25%, atingindo 4.435 quilômetros quadrados. Esses resultados fazem parte do relatório anual do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), que indica a menor taxa registrada na Amazônia desde 2017, sinalizando um avanço no combate à devastação ambiental.

<><> COPs

A COP29, realizada em Baku, no Azerbaijão, em novembro, resultou em um acordo que estabelece um financiamento climático de US$ 300 bilhões por ano até 2035 para apoiar países em desenvolvimento na luta contra as mudanças climáticas. O texto final destacou a urgência de aumentar as ambições e as ações nesta “década crítica” e reconheceu que há um “fosso” entre os fluxos de financiamento climático e as necessidades. Já a COP16 ocorrida em outubro, em Cali, na Colômbia, terminou sem um acordo sobre como financiar as ações necessárias para deter a destruição da biodiversidade até 2030 e cumprir as metas estabelecidas dois anos antes pelo Marco Global da Biodiversidade.

“Devíamos ter avançado muito mais na COP29. O maior motivo de frustração foi o financiamento, já que o próprio Fórum Mundial estima que os custos relacionados às mudanças climáticas alcancem cerca de US$ 1,73 trilhão por ano. Esse valor abrange tanto os gastos com a transição energética e adaptação quanto os custos de reparação pelos diversos eventos climáticos adversos que afetam diferentes países. O montante aprovado ficou muito aquém do esperado, parecendo mais uma correção para ajustar inflação e juros. Além disso, não ficou claro quem irá arcar com essa conta, deixando várias questões sem respostas”, explica Juliana Baladelli Ribeiro, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário.

>>>> O QUE VEM POR AÍ…

<><> Mercado de Carbono

A Câmara dos Deputados aprovou neste ano o projeto de lei que cria um mercado regulado de carbono no Brasil, estabelecendo limites para a emissão de gases de efeito estufa. Caso as empresas ultrapassem esses limites, deverão compensar as emissões adquirindo créditos de carbono. O objetivo é reduzir as emissões e contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas. Se sancionado, em 2025, deve ser discutida sua regulamentação, como definições técnicas e desenvolvimento de banco de dados. A implementação está prevista para ocorrer em três a cinco anos.

A regulamentação do mercado dá ainda mais destaque aos manguezais brasileiros, que têm potencial para gerar R$ 48 bilhões em créditos de carbono, considerando o valor praticado no mercado voluntário. O valor tem potencial para chegar a R$ 1,067 trilhão, impulsionando a transição para uma economia de baixo carbono. Os cálculos fazem parte do estudo inédito “Oceano sem Mistérios: Carbono azul dos manguezais”, lançado neste ano pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e pelo projeto Cazul.

“Estamos avançando, mas ainda com grande atraso. Limites de emissão estão em vigor na União Europeia há mais de 20 anos, assim como em outros países. O Brasil tem tentado se adaptar depois de uma longa resistência a essa ideia, uma vez que os emissores se opunham ao controle de emissões, argumentando que isso prejudicaria nossa competitividade. No entanto, essa resistência nos deixou para trás. Agora, estamos finalmente tentando recuperar o tempo perdido ao avançar na legislação, mas é importante ressaltar que os resultados concretos dessa mudança só serão vistos a partir do final desta década”, considera o economista Carlos Eduardo Young, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor titular e coordenador do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (GEMA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

<><> COP30

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que ocorrerá em Belém (PA), em novembro de 2025, promete atrair mais de 40 mil participantes, conforme estimativas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Desse total, cerca de 7 mil pessoas fazem parte da chamada “família COP”, composta pelas equipes da ONU e pelas delegações dos países membros. Entre os principais temas da conferência estão a redução das emissões de gases de efeito estufa, a adaptação às mudanças climáticas, o financiamento climático para países em desenvolvimento, as tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono, além da preservação das florestas e da biodiversidade. Também será abordada a justiça climática, com ênfase nos impactos sociais das mudanças climáticas.

<><> Adaptação às mudanças climáticas

Diante do crescente número de episódios de eventos climáticos extremos ocorridos recentemente, a adaptação às mudanças climáticas torna-se tema essencial nas discussões para preparar as cidades, a sociedade e os negócios para tais situações. As Soluções Baseadas na Natureza entram neste contexto como parte da estratégia de enfrentamento e mitigação dos impactos provocados por enchentes, longos períodos de estiagem, avanço do mar, ilhas de calor, entre outros. A natureza oferece inúmeros benefícios a partir da sua conservação e deve ser cada vez mais considerada em planejamentos de adaptação.

<><> Conferência do Oceano

Em junho de 2025, será realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano, com o objetivo de promover ações urgentes para a conservação do ambiente costeiro-marinho. O evento promoverá o diálogo entre governos, sociedade civil, setor privado e comunidades locais, buscando fomentar parcerias e discutir soluções concretas. Como resultado, busca-se aprovar o “Plano de Ação do Oceano de Nice”, com compromissos voluntários e diretrizes para ações futuras.

“Nossa sobrevivência depende da saúde do oceano. Ele sustenta a vida como a conhecemos, além de desempenhar funções essenciais na regulação do clima, fornecimento de alimentos e produção de oxigênio. Precisamos reverter as pressões que têm colocado em xeque a sobrevivência de ecossistemas e da vida marinha, como o aquecimento do mar, a poluição, a destruição de habitats e a pesca excessiva”, explica Janaína Bumbeer, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário.

 

Fonte: Envolverde