quarta-feira, 31 de maio de 2023

Lula recupera integração regional em momento 'transcendental' para América do Sul

A convocação de Lula aos ex-membros da Unasul é "transcendental" para reviver "uma rota de integração que foi desmantelada", disse o sociólogo colombiano Javier Calderón à Sputnik. O analista Daniel Prieto destacou que uma mudança de posição em relação à Venezuela é fundamental para a nova agenda.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o anfitrião da cúpula de presidentes sul-americanos no Palácio Itamaraty que começou em 30 de maio.

Além de Lula, dez chefes de Estado dos 12 países que compuseram a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) participam da reunião regional:

Alberto Fernández (Argentina);

Gustavo Petro (Colômbia);

Gabriel Boric (Chile);

Luis Lacalle Pou (Uruguai);

Mario Abdo Benítez (Paraguai);

Luis Arce (Bolívia);

Nicolás Maduro (Venezuela);

Guillermo Lasso (Equador);

Irfaan Ali (Guiana);

Chan Santokhi (Suriname).

No caso do Peru, em vez da presidente Dina Boluarte, o chefe do Conselho de Ministros, Alberto Otárola, está presente.

Em um diálogo com a Sputnik, o sociólogo colombiano e pesquisador do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (Celag), Javier Calderón, disse que o fato de os presidentes sul-americanos se reunirem após quase uma década de "suspensão ou enfraquecimento da Unasul" é um "evento importante e transcendental para a região".

Para Calderón, a região pode esperar uma mensagem de unidade e "de restabelecimento de um caminho de integração que foi dissolvido" após a presidência de Dilma Rousseff (2011-2016).

O especialista considerou que "uma agenda prática" também pode ser definida em termos de integração, algo em que Gustavo Petro, Alberto Fernández e o próprio Lula insistiram.

Apesar do fato de que a convocação de Lula serve para "recuperar" os acordos mantidos na Unasul, o sociólogo enfatizou a necessidade de que a reunião sirva para "corrigir as dificuldades que originaram sua própria fraqueza".

"Os países que vão se reunir terão de discutir a necessidade de construir uma Unasul blindada" e "criar mecanismos institucionais que impeçam que se destrua ou desmantele rapidamente ante eventuais mudanças de governo", analisou.

Por outro lado, o cientista político colombiano radicado no Brasil, Daniel Prieto, disse à Sputnik que a reunião será mais flexível e não tão protocolar, de modo que se poderia esperar "um horizonte de novas reuniões, das quais surja um modelo oficial de tomada de decisões em que todos os Estados-membros participem como um bloco, seja como parte da Unasul ou com o nome que decidam dar a ela".

·         Brasil: protagonista regional e internacional

A reunião regional ocorre em meio ao crescente protagonismo do Brasil na esfera regional e internacional. Lula da Silva foi o único representante da América do Sul a participar como convidado da cúpula de líderes do Grupo dos Sete (G7) no Japão.

Meses atrás, o Brasil retornou à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), depois que o governo de Jair Bolsonaro (2019-2023) retirou o país do fórum em 2020.

Por sua vez, o Rio de Janeiro sediará a próxima cúpula de chefes de Estado do G20 em 2024 e a cidade de Belém sediará a 30ª edição da Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), a primeira reunião dessa magnitude a ser realizada no país.

"A política externa de Lula é reposicionar o Brasil nas áreas de concertação global, seja de tipo global", disse Prieto, acrescentando que o Brasília "aproveita a incidência política que está tendo com a abertura de suas relações diplomáticas".

·         Venezuela e maior abertura na região

A participação no evento do presidente venezuelano Nicolás Maduro, que não compareceu à reunião da CELAC em Buenos Aires, envia uma mensagem à região, diz Prieto.

Ele atribuiu a inclusão da Venezuela a uma mudança na política externa da Colômbia e do Brasil, que optaram por "uma política de integração regional que não estivesse ideologicamente alinhada com suas agendas domésticas".

A estratégia adotada é contrária às políticas promovidas durante os governos do argentino Mauricio Macri (2015-2019), do colombiano Iván Duque (2018-2022) e de Bolsonaro, que "optaram por apelar para suas políticas domésticas e fechar as portas para a integração sul-americana", disse o cientista político.

O sociólogo também garantiu que, se o bloco de países da Unasul for reconstruído, a região "poderia enviar uma mensagem aos Estados Unidos e à União Europeia para desbloquear as negociações entre a oposição venezuelana e o governo de Nicolás Maduro".

·         Infraestrutura de energia da região e paz estão em cima da mesa

A reunião busca reativar a cooperação sul-americana em áreas-chave como saúde, mudanças climáticas, defesa, luta contra transnacionais ilegais, infraestrutura e energia, de acordo com uma declaração do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

Portanto, é possível esperar que se abordem os "projetos de infraestrutura transnacionais, principalmente nos setores de hidrocarbonetos e o setor elétrico, fundamentais para a região, segundo Prieto.

O analista também observou que o presidente Lula "busca fundos econômicos e financeiros para adaptação climática", bem como para "resposta a riscos de desastres".

Na visão de Prieto, e de acordo com a postura que adotou desde o início de seu mandato, Lula trabalhará na reunião regional sobre a promoção da paz e insistirá na criação de um órgão mediador de conflitos internacionais, no qual haveria um lugar de destaque não só para o Brasil, mas também para toda a América do Sul.

 

Ø  O que é a moeda comum que Lula defende e por que isso não seria o fim do real

 

Nesta terça-feira (30/05), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a falar sobre a possibilidade da criação de uma "unidade de referência comum para o comércio", uma espécie de "moeda comum" dos países sul-americanos.

Sem detalhar a proposta, Lula falou sobre o assunto durante a reunião da cúpula dos países da América do Sul, que acontece em Brasília nesta semana. Em seu pronunciamento, o presidente comentou sobre a necessidade de união entre os países da região.

"Enquanto estivermos desunidos, não faremos da América do Sul um continente desenvolvido em todo o seu potencial. A integração deve ser objetivo permanente de todos nós. Precisamos deixar raízes fortes para as próximas gerações", afirmou.

A possibilidade de criação de uma moeda comum de Brasil e Argentina para transações comerciais surgiu durante a visita do presidente Lula ao país vizinho — a sua primeira viagem internacional desde que tomou posse.

Na época, Lula e o presidente argentino, Alberto Fernández, publicaram uma carta conjunta sobre o assunto. "Decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda sul-americana comum, que possa ser usada tanto para os fluxos financeiros como comerciais, reduzindo os custos operacionais e nossa vulnerabilidade externa", dizia a carta.

Em discurso durante aquele encontro, Lula reforçou a ideia: "Por que não tentar criar uma moeda comum como se tentou entre os países dos Brics? Acho que, com o tempo, isso vai acontecer. E acho que é necessário que aconteça."

Na época, muitas pessoas ao saber da notícia entenderam que Brasil e Argentina poderiam criar algo como o euro — uma moeda única entre as duas maiores economias da América do Sul que substituiria tanto o peso argentino como o real brasileiro.

Na época, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, desmentiu a notícia.

A moeda comum que os dois países estudam criar no futuro serviria apenas para facilitar transações comerciais sem a necessidade de recorrer ao dólar. Ela seria muito diferente do euro — que é uma moeda única que substituiu moedas nacionais em 20 dos 27 países da União Europeia.

Na verdade, a proposta em estudo entre Brasil e Argentina mais parece uma moeda virtual — que não substituiria as moedas nacionais.

·         Moeda 'comum'

O dólar americano é hoje fundamental para a maioria das operações financeiras e comerciais no mundo. A moeda foi adotada como a reserva global de valor em 1944, dentro do Acordo de Bretton Woods.

Isso significa que muitos bancos centrais no mundo todo mantém parte da riqueza de seus governos em dólares. A cotação das moedas nacionais em relação ao dólar é fundamental para determinar o poder econômico de cada país.

Ao longo dos anos, houve esforços para se abandonar o dólar como principal moeda mundial. A China promove tratados bilaterais com diversos países para que as trocas comerciais sejam realizadas em iuan e na moeda nacional do país.

Em abril do ano passado, Haddad havia publicado junto com o economista Gabriel Galípolo, hoje diretor de política monetária do Banco Central, um artigo no jornal Folha de S. Paulo em que propunha uma moeda comum não só para Brasil e Argentina como para toda a América do Sul.

Haddad e Galípolo defenderam que a criação da moeda poderia ajudar países a protegerem sua soberania de possíveis sanções impostas por potências estrangeiras, sobretudo dos EUA, que estão no "topo da hierarquia mundial", por terem o privilégio de poder emitir a moeda internacional.

"Os EUA e a Europa se valeram do poder de suas moedas para impor severas sanções contra a Rússia, confiscando reservas internacionais e excluindo-a do sistema de pagamentos internacionais (Swift)", escreveram.

"A utilização do poder da moeda em âmbito internacional renova o debate sobre sua relação com a soberania e a capacidade de autodeterminação dos povos, em especial para países com moedas consideradas não conversíveis. Por não serem aceitas como meio de pagamento e reserva de valor no mercado internacional, seus gestores estão mais sujeitos às limitações impostas pela volatilidade do mercado financeiro internacional."

No artigo, eles reconhecem que criar uma moeda como o euro seria difícil dada as "heterogeneidades estruturais e macroeconômicas" dos países sul-americanos.

No caso de Brasil e Argentina, as economias vivem realidades completamente distintas — o Brasil possui inflação anual na casa de dois dígitos enquanto na Argentina os preços praticamente dobraram em 2022.

Segundo a proposta, a nova moeda seria usada para fluxos comerciais e financeiros entre países da região — mas Haddad e Galípolo deixam claro que todos os países teriam liberdade para adotá-la domesticamente ou manter suas moedas. Ou seja, tanto Brasil como Argentina poderiam manter o real e o peso, respectivamente.

Eles propõem a criação de um Banco Central Sul-Americano que seria responsável pela emissão da moeda. Esse banco central seria criado com contribuições de cada governo, que seriam proporcionais às suas participações no comércio regional.

"A capitalização seria feita com reservas internacionais dos países e/ou com uma taxa sobre as exportações dos países para fora da região. A nova moeda poderia ser utilizada tanto para fluxos comerciais quanto financeiros entre países da região."

Eles citam a "experiência monetária brasileira com o êxito da URV", em referência à Unidade Real de Valor, que foi usada como moeda de transição para implementação do real.

O artigo foi escrito pelos autores em abril de 2022, meses antes da eleição de Lula e a indicação de Haddad para o ministério da Fazenda.

Ao chegar em Buenos Aires, Haddad disse a jornalistas, segundo o jornal Valor Econômico: "Estive com ele [Massa] mais de uma vez conversando e ele está querendo incrementar o comércio que está caindo muito. [A situação do comércio] está muito ruim, e o problema é exatamente a divisa, né? Isso que a gente está quebrando a cabeça para encontrar uma solução. Alguma coisa em comum, alguma coisa que permita a gente incrementar o comércio porque a Argentina é um dos países que compram manufaturados do Brasil e a nossa exportação pra cá está caindo."

 

Ø  'Encontro entre Lula e Maduro foi um golpe na estratégia de isolamento dos EUA', diz mídia americana

 

Já a mídia chinesa exaltou a reunião entre os líderes, dando atenção à declaração de Lula sobre ser "pessoalmente favorável" à entrada da Venezuela no BRICS e ao possível pagamento da dívida venezuelana com Brasil usando yuans.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou ontem (29) com seu homólogo venezuelano, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto e a visita do chefe de Estado venezuelano ao Brasil foi repercutida em diversas mídias no exterior.

Para os americanos da Bloomberg, o encontro entre os líderes marcou "um golpe na estratégia de isolamento da Venezuela por parte dos Estados Unidos", uma vez que o encontro Lula-Maduro colabora para volta de Caracas ao cenário geopolítico.

De todas as declarações concedidas por Lula durante a entrevista coletiva com Maduro ontem (29), a Bloomberg ecoou uma única frase: "É inexplicável que um país tenha 900 sanções porque outro país não gosta", quando o mandatário brasileiro se referiu a Washington.

A mídia também destacou o fato que, não só o Brasil, mas também outras nações da América Latina estão "reabilitando" a Venezuela para sair do isolamento imposto pelas sanções norte-americanas.

Como exemplo, a agência cita o líder colombiano, Gustavo Petro, que no ano passado reabriu oficialmente a fronteira de seu país com a Venezuela após sete anos fechada. Ao mesmo tempo, a nomeação do novo embaixador pelo governo de Gabriel Boric no Chile, depois que o cargo ficou vazio desde 2018.

O presidente colombiano Gustavo Petro (E) e o ministro venezuelano dos

Já a mídia chinesa, como a Quancha, narrou o encontro entre os líderes dando atenção à declaração de Lula sobre ser "pessoalmente favorável a entrada da Venezuela no BRICS". A agência de notícias relembrou que, e em abril, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, disse que Pequim apoia a promoção do processo de expansão do BRICS por meio de discussões com os países-membros.

O portal chinês QQ, da Tecent, escreveu sobre a retomada da parceria energética entre Brasil e Venezuela e a procura de Caracas para resolver a questão da dívida com o BNDES brasileiro, destacando a possibilidade de o pagamento ser feito em yuan e não dólar.

Maduro, assim como vários outros chefes de Estado da América do Sul, chegaram ao Brasil nos últimos dias para a cúpula proposta pelo governo brasileiro para promover o diálogo "franco" entre todos os países, identificando "denominadores comuns", discutindo perspectivas para a região e "reativando a agenda de cooperação sul-americana em áreas-chave", segundo o Itamaraty.

 

Fonte: Sputnik Brasil/ BBC News Brasil e BBC News Mundo

 

As críticas de presidentes de esquerda e direita às falas de Lula sobre Venezuela

As alegadas violações de direitos humanos na Venezuela fizeram com que presidentes de diferentes orientações ideológicas se unissem e contestassem as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a situação no país vizinho.

As críticas foram feitas durante a cúpula de líderes sul-americanos convocada por Lula realizada nesta terça-feira (30/05).

Durante o evento, o presidente do Chile, Gabriel Boric, que é de centro-esquerda, e o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, de centro-direita, rebateram as declarações de Lula.

A cúpula convocada por Lula reuniu líderes de 11 dos 12 países da América do Sul.

A única presidente que não participou do evento foi a do Peru, Dina Boluarte - por questões judiciais, ela não pode se ausentar do país.

A iniciativa vem sendo apontada pela diplomacia brasileira como uma tentativa para que a região voltasse a ter um diálogo político após alguns anos de hiato.

A reunião também é vista como parte do esforço do governo do presidente Lula de ampliar seu papel de liderança regional após os quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O encontro, porém, vem sendo marcado pelas polêmicas em torno da participação de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela.

O governo liderado por ele é apontado por entidades vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU) como responsável por graves violações de direitos humanos como tortura, execuções e perseguição a adversários políticos.

Historicamente, o governo venezuelano vem se defendendo alegando que as acusações fariam parte de uma campanha internacional contra o regime liderado por Maduro.

O pivô das controvérsias foram as declarações feitas por Lula na segunda-feira, quando recebeu Maduro com honras de chefe de Estado. Segundo Lula, a Venezuela teria sido alvo de uma narrativa construída.

"Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo", disse Lula.

O presidente brasileiro também afirmou que caberia a Maduro mudar a opinião pública internacional a partir de uma nova narrativa.

"Eu vou em lugares que as pessoas nem sabem onde fica a Venezuela, mas sabe que a Venezuela tem problema na democracia. É preciso que você construa a sua narrativa e eu acho que, por tudo que conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra você", disse o presidente brasileiro.

Nesta terça-feira, porém, líderes convidados por Lula reagiram às falas de Lula.

O primeiro a se manifestar de forma crítica em relação ao episódio foi o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou. Ele é do Partido Nacional, um dos principais partidos de centro-direita do país, e é conhecido por defender pautas como a liberdade econômica e redução do tamanho do Estado.

Durante a reunião entre os chefes de Estado, Lacalle Pou transmitiu seu discurso pelas redes sociais e disse ter ficado "surpreso" com as declarações. Ele, no entanto, não citou nominalmente o presidente Lula.

"Fiquei surpreso quando foi dito que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Já sabem o que pensamos sobre a Venezuela e o governo da Venezuela."

"Se há tantos grupos no mundo tentando mediar para que a democracia seja plena na Venezuela, para que os direitos humanos sejam respeitados e não haja presos políticos, o pior a fazer é tapar o sol com a mão", disse o presidente uruguaio.

Não há informações sobre como Lula ou Maduro reagiram às falas de Lacalle Pou.

Mais tarde, foi a vez de Boric abordar o assunto. O presidente chileno tem 36 anos de idade e é uma político de esquerda que iniciou sua carreira política no movimento estudantil.

Ele disse que celebrou a participação da Venezuela na cúpula, mas afirmou que não poderia fazer "vista grossa" para a situação na Venezuela.

"Para muitos de nós é a primeira oportunidade que temos de compartilhar o mesmo espaço que o presidente Nicolás Maduro. E que a verdade é que nos alegra que a Venezuela retorne às instâncias multilaterais. Cremos que é nestes espaços que se resolvem os problemas", disse.

Boric, no entanto, disse abertamente discordar dos termos usados por Lula em sua menção à realidade venezuelana.

"Eu manifestei respeitosamente que tinha uma discrepância com o que disse o senhor presidente Lula ontem no sentido de que a situação dos direitos humanos na Venezuela era uma construção narrativa. Não é uma construção narrativa. É uma realidade que é séria e eu tive a oportunidade de ver a dor de centenas de milhares de venezuelanos que vivem em nossa pátria", disse Boric.

·         Violações de direitos humanos

As declarações de Boric e de Lacalle Pou acompanham o tom de crítica de parte da comunidade internacional em relação à situação política na Venezuela.

Entidades como a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a Organização das Nações Unidas (ONU) acusam o governo comandado por Maduro de ser uma ditadura que usa da violência para manter o poder.

Os métodos incluiriam execuções, sequestros, estupros e prisão de opositores. Iniciado por Hugo Chávez, o grupo político de Maduro - o chavismo - está no poder na Venezuela de desde 1999.

Segundo elas, o governo usaria o aparato de inteligência civil e militar para vigiar a sociedade civil, inclusive sindicalistas e membros da imprensa.

As acusações mais recentes de violação de direitos humanos ao governo Maduro foram em março deste ano pela Missão das Nações Unidas para Verificação de Fatos sobre a Venezuela (FFMV, na sigla em inglês).

A missão relatou a existência de pelo menos 282 presos por razões políticas no país, e apontou a permanência de um clima generalizado de medo por parte da população.

·         Jantar no Palácio da Alvorada

A reunião entre os líderes deverá se estender até o fim da tarde desta terça-feira. Alguns presidentes vão deixar o Brasil ainda hoje, como Gabriel Boric. Outros deverão participar de um jantar oferecido por Lula no Palácio da Alvorada.

A expectativa é de que boa parte dos presidentes que participaram da cúpula de hoje também façam parte de outro encontro convocado por Lula previsto para agosto, em Belém.

O encontro reunirá líderes dos países que compartilham o bioma amazônico.

 

       Uruguai rejeita impulso à Unasul; Montevidéu e Chile discordam de Lula sobre Venezuela na cúpula

 

Presidente uruguaio disse nesta terça-feira (30) durante a Cúpula do Sul em Brasília, que é contra o relançamento da Unasul e rejeitou a menção à Venezuela no rascunho do encontro de líderes que acontece em Brasília.

Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou hoje (30) em Brasília a cúpula de presidentes sul-americanos intitulada Cúpula do Sul, na qual pediu o renascimento da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) para avançar na integração dos países sem ter que começar do zero.

O líder uruguaio, Luis Lacalle Pou, se posicionou contra a criação de um organismo semelhante à Unasul ou à retomada do órgão. Segundo o uruguaio, esse tipo de fórum estimula "clubes ideológicos".

"Como diriam no Brasil: chega de instituições, basta de instituições. Saímos da Unasul, imediatamente recebemos o convite do Prosur (Fórum para o Progresso da América do Sul) e dissemos que não, porque senão acabávamos entrando em clubes ideológicos, aqueles que têm um caminho e uma continuidade desde que correspondamos às ideologias. Tem gente aqui que não concorda com a Unasul, levanto a mão", disse Lacalle Pou.

Entretanto, Lacalle Pou pediu aos líderes sul-americanos que usem os mecanismos e instituições existentes.

"Devemos parar com essa tendência de criar organizações, vamos às ações", argumentou o presidente acrescentando que os governos devem se coordenar para abordar "questões específicas".

"Em relação às organizações, temos o Mercosul. Muitos sabem que nossa posição não é de satisfação com o que tem feito" e citou a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), a qual acredita "que está sendo desperdiçada".

•        Venezuela

Sobre Caracas, Lacalle Pou disse que ficou "surpreso" com uma declaração que está sendo "negociada no momento" quando "se fala sobre o que aconteceu na Venezuela ser uma narrativa". O presidente fez as declarações na mesma reunião em que estavam Lula e Nicolás Maduro.

"Devo dizer que fiquei surpreso quando se falou que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Já se sabe o que nós pensamos da Venezuela e do governo da Venezuela. Se há tantos grupos no mundo que tentam intermediar para que a democracia seja plena na Venezuela, para que se respeitem os direitos humanos, o pior que podemos fazer é tapar o sol com o dedo. Coloquemos o nome que tem, e vamos ajudá-los", afirmou.

O presidente lembrou que "até recentemente o Uruguai não tinha um embaixador na Venezuela" e foi seu governo quem o nomeou, "porque nossa afinidade é com o povo venezuelano e não cabe a nós escolher o governo, mas temos a possibilidade de expressar uma opinião”.

O discurso de Lacalle Pou foi endossado pelo líder chileno, Gabriel Boric, o qual disse em entrevista coletiva que a situação na Venezuela não é uma narrativa, mas, sim "real e sério", segundo o G1.

"Expresso, respeitosamente, que tenho uma discrepância com o que disse o senhor presidente Lula, no sentido de que a situação dos direitos humanos na Venezuela foi uma construção narrativa, não é uma construção narrativa, é uma realidade, é grave e tive a oportunidade de ver, vi o horror dos venezuelanos. Essa questão exige uma posição firme", afirmou o presidente do Chile.

Boric disse que está contente que a Venezuela volte a instâncias multilaterais porque acredita que nesses espaços é onde os problemas se resolvem. "Isso, porém, não pode significar fazer vista grossa às questões que são importantes para nós desde o início", complementou.

 

       Especialista: adesão da Venezuela ao BRICS seria grande contribuição para o multilateralismo global

 

A entrada da Venezuela no BRICS seria determinante para que Caracas voltasse a "espaços onde era natural", disse a Sputnik o cientista político venezuelano Rommer Ytriago. Segundo o especialista, a intenção de Nicolás Maduro seria fundamental para reforçar o "multilateralismo" e acessar um mercado que se torna "importantíssimo".

A intenção do presidente venezuelano de que seu país se incorpore ao BRICS pode "ser determinante" para que a nação se fortaleça tanto econômica como geopoliticamente, afirmou a Sputnik o cientista político venezuelano Rommer Ytriago.

O interesse de Caracas em aderir ao bloco que atualmente integra Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul foi manifestado por Maduro durante o encontro que manteve em Brasília com seu parceiro brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.

"A nova geopolítica é caracterizada por dois elementos: a unidade de nossa América na diversidade e o papel do BRICS, que se perfila como o grande imã dos países que querem cooperação", disse Maduro.

"Pelos séculos dos séculos os povos da América do Sul nos negaram, por isso estamos trabalhando na construção de uma nova geopolítica mundial onde prevaleça a união da América Latina como um só povo", acrescentou Maduro.

Embora o desejo da Venezuela ainda deva ser avaliado pelos países do BRICS, Ytriago enfatizou que seria uma oportunidade para reinserir Caracas em "espaços onde era natural e que agora necessita para aliviar as cargas que pesam em matéria econômica".

"É uma grande comunidade, pode significar um grande mercado, inclusive na disposição que há para superar o dólar como moeda de troca econômica", enfatizou Ytriago, especialista em Direito e Política Internacional da Universidade Central da Venezuela.

O analista destacou a contribuição que a incorporação da Venezuela significaria para o "multilateralismo", consolidando "uma nova comunidade" que, "embora reconheça os erros ocorridos no sistema internacional, também dá a entender que todos os atores têm, de algum modo, capacidades exportáveis e aproveitáveis por todos os membros".

Nesse sentido, Ytriago destacou o crescimento do BRICS, organização que no dia 1º de junho se reunirá na Cidade do Cabo para começar a estudar o ingresso de países que pretendem se incorporar, como Argentina, Arábia Saudita, Argélia, Egito, Indonésia, Irã, Turquia, entre outros.

"Uma quantidade de países importantíssimos estão ali e esta adesão te fala de um grande fórum multilateral com vista a ser de projeção econômica", valorizou o analista venezuelano.

Com a liderança do Brasil e a possibilidade da adesão da Argentina, Ytriago disse que o BRICS pode se tornar muito mais relevante na América Latina.

"Tudo isso garantirá um fluxo comercial e econômico e estabilidade social, se aproveitarmos."

Para o especialista, o BRICS "será determinante para a inserção venezuelana em grandes projetos que estão sendo realizados, como a inserção na Nova Rota da Seda da China, o 'colar de pérolas' que também faz parte desses grandes projetos da Ásia e da zona do Indo-Pacífico, assim como a África".

Ytriago lembrou que o país governado por Maduro tem que "fazer um esforço para reabilitar a indústria petroleira", talvez sua carta forte no novo bloco. Mas, além disso, incorporar-se também pode ajudar o país sul-americano a melhorar áreas como o investimento e o gasto público, a infraestrutura, a saúde ou a educação.

 

Fonte: BBC News Brasil/Sputnik Brasil

 

Lula diz ter 'firme convicção' de que é preciso 'reavivar compromisso com a integração sul-americana'

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu nesta terça-feira (30) a cúpula de presidentes dos países da América do Sul, no Palácio Itamaraty, em Brasília.

A reunião foi organizada pelo presidente Lula com o intuito de retomar a cooperação entre as nações vizinhas.

No discurso, Lula ressaltou a vontade do país de retomar instrumentos de integração regional, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

"A América do Sul tem diante de si, mais uma vez, a oportunidade de trilhar o caminho da união. E não preciso recomeçar do zero. A Unasul é um patrimônio coletivo. Lembremos que ela está em vigor, sete países ainda são membros plenos. É importante retomar seu processo de construção, mas, ao fazê-lo, é essencial avaliar criticamente o que não funcionou e levar em conta transições", disse.

No discurso de abertura, Lula sugeriu uma série de propostas para o desenvolvimento da América do Sul. Entre elas, investimentos em:

        projetos de infraestrutura e fomento;

        enfrentamento às mudanças climáticas;

        cobertura vacinal;

        constituição de um mercado de energia;

        programas de mobilidade acadêmica;

        e na área de defesa.

        Além da 'divergência ideológica'

Segundo o presidente brasileiro, nos últimos anos, o governo permitiu que diferenças ideológicas afastassem o Brasil dos fóruns regionais de integração.

"Na região, deixamos que as ideologias nos dividissem e interrompessem o esforço de integração. Abandonamos canais de diálogos e mecanismos de cooperação e, com isso, todos perdemos", disse Lula.

"Tenho firme convicção de que precisamos reavivar nosso compromisso com a integração sul-americana. Quando assumi a presidência, em 1º de janeiro deste ano, a América do Sul voltou ao centro da atuação diplomática brasileira", seguiu.

"Os elementos que nos unem estão acima de divergências de ordem ideológica. Da Patagônia e do Atacama à Amazônia, do Cerrado e dos Andes ao Caribe, somos um vasto continente banhado por dois oceanos. Somos uma entidade humana, histórica e cultural, econômica e comercial, com necessidades e esperanças comuns", continuou Lula.

        Guerra, pandemia e atos golpistas

No discurso de abertura da Cúpula de presidentes dos países da América do Sul, como é chamado o evento, Lula também citou os impactos da invasão da Rússia sobre o território da Ucrânia para os países sul-americanos.

Enumerou, ainda, a pandemia da Covid e atos antidemocráticos no Brasil e no exterior como causas de retrocessos para indicadores sociais na América do Sul.

"Todos sofremos as consequências da guerra. O conflito da Ucrânia desestabilizou o mercado de energia e fertilizantes, e provocou a volatilidade dos preços dos alimentos, deteriorando nossas condições de vida. Quando as cadeias de suprimentos globais foram afetadas por esses fatores, nossas carências em infraestrutura e nossas vulnerabilidades externas foram expostas", disse.

"A região parou de crescer, o desemprego aumentou e a inflação subiu. Alguns dos principais avanços sociais logrados na década passada foram perdidos em pouco tempo. No Brasil e em outros países, recentes ataques às instituições democráticas, inclusive às sedes dos poderes constitucionais, nos ofereceram uma trágica síntese da violência de grupos extremistas que se valem de plataformas digitais para promover campanhas de desinformação e discursos de ódio", seguiu.

        Copa 2030

Durante sua declaração, Lula ainda citou a candidatura conjunta de Uruguai, Paraguai, Chile e Argentina para sediar a Copa do Mundo de 2030.

De acordo com o presidente brasileiro, a iniciativa “talvez seja a expressão mais acabada dessa identidade sul-americana em construção” e da capacidade da região de “cooperar para além do campo de futebol e de nossas próprias fronteiras”.

        Reforma nas instituições

No discurso, Lula também enumerou algumas diretrizes que considera importantes para a reforma dos mecanismos de integração regional, como a Unasul.

"Nossas decisões só terão legitimidade se tomadas e implementadas de forma democrática, mas a regra do consenso poderia estar restrita a temas substantivos, evitando que impasses na esfera administrativa paralisem nossas atividades", declarou.

Lula também pregou que esses fóruns não se restrinjam aos governos, mas incluam empresários, acadêmicos, parlamentares e a sociedade civil.

A reforma de mecanismos como Unasul e Celac deve ser um dos temas tratados ao longo do dia na Cúpula do Sul.

 

       Embaixador argentino defende integração sul-americana

 

Pré-candidato à Casa Rosada, o embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, enxerga na integração cada vez mais profunda entre os dois países como um jogo em que todos saem ganhando. Mas, para o ex-governador de Buenos Aires e diplomata, isso não gira em torno somente da promessa que Luiz Inácio Lula da Silva fez, no começo deste mês, ao presidente Alberto Fernández de trabalhar por investimentos e no desenvolvimento de projetos conjuntos com o país vizinho. Para Scioli, a conexão mais estreita entre Brasil e Argentina freia a agressiva política comercial da China e, conforme frisou, serve de exemplo para a construção de um modelo de integração na América do Sul que pode se estender para a América Latina. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio Braziliense.

        O que a Argentina espera da promessa de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feita na visita do presidente Alberto Fernandes, no começo deste mês?

O que a Argentina solicita é que o Brasil encontre um mecanismo para financiar suas indústrias para maior volume de exportações. A Argentina não quer dinheiro, mas, nesta conjuntura de restrições nas reservas de dólares, que o Brasil encontre um sistema de financiamento para seus exportadores, que vendem para a Argentina insumos, matérias primas, autopeças… Essa cúpula de presidentes da América Latina é para recriar, atualizar o espírito de integração, para sermos mais fortes juntos. Dará oportunidade, também, de avaliar os avanços deste momento positivo para a indústria brasileira, como disse recentemente o presidente (Josué Gomes) da Fiesp (Federação das Indústria de São Paulo).

        O senhor foi considerado muito habilidoso em vencer a resistência do ex-presidente Jair Bolsonaro na relação bilateral com a Argentina. Mas, agora, o que mudou?

Minha missão aqui começou em agosto de 2020, com o objetivo de reconstruir a relação com o Brasil. Uma agenda comum, positiva, para que o Brasil volte a ser o parceiro número um de Argentina. Depois do primeiro ano, solucionamos disputas comerciais e tivemos um recorde no comércio internacional nos últimos nove anos. Passada essa etapa, agora com o novo governo, com o compromisso que Lula tem com o Mercosul, com a relação privilegiada com a Argentina, com o desejo de recriar a Unasul, agora se está construindo um acordo executivo profundo decidido em 23 de janeiro, com a visita do presidente brasileiro a Buenos Aires. Definimos quase que a totalidade e estamos, agora, concluindo os últimos pontos do acordo, que é a integração financeira. Outro, é a integração energética, com a liberação de restrições para que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) avalize o financiamento dos dutos para continuar com o segundo tronco do gasoduto (de Vaca Muerta) que beneficiará muito o Brasil, que comprará gás com preços melhores e de forma mais sustentável. A Argentina também vai se beneficiar, pois em vez de importar gás, passará a exportar a partir dessa obra de infraestrutura.

        As críticas no Brasil são grandes quanto a projetos de infraestrutura que foram realizados em países vizinhos, cujos financiamentos não foram pagos…

Sei que isso é muito sensível por questões do passado, mas, hoje, o que se avalia é que o Brasil financie apenas os tubos que se fabricam no Rio de Janeiro, com uma empresa brasileira, com trabalhadores brasileiros — só isso. A obra civil, a engenharia, será financiada pela Argentina; o Brasil só financiará os materiais que são produzidos aqui. Esse projeto não começou agora. No governo anterior, um dia me ligou o ministro (da Economia) Paulo Guedes, que me disse sobre o grande interesse do BNDES em financiar a segunda etapa do gasoduto. Iniciamos os trabalhos técnicos, também falamos de garantias. Agora, mudou o governo e damos continuidade a este grande objetivo de integração energética.

        Quais garantias? E se a Argentina não conseguir pagar por esses investimentos brasileiros?

A Argentina só solicita que o Brasil estude mecanismos para financiar suas empresas, suas indústrias. Esse é o ponto. Senão, o Brasil perde o mercado para a China, que vende para a Argentina muitos produtos semelhantes com financiamento. Geopoliticamente é muito importante aprofundar a integração e encontrarmos juntos mecanismos para potenciar o comércio de fertilizantes, de semicondutores. É possível produzir nos nossos países para ter uma maior autonomia e independência. Argentina e Brasil têm, juntos, um grande projeto, que se realizou anos atrás, em Minas Gerais, com investimento privado argentino. Queremos reativar esse projeto para não dependermos de comprar semicondutores. Nosso objetivo é criar uma complementação maior do ponto de vista industrial, do ponto de vista financeiro, do ponto de vista do abastecimento da nossa região.

        O contribuinte brasileiro quer saber quem paga a conta. O senhor acredita na saída pelos BRICS? A Argentina espera participar do grupo?

Dependerá da vontade dos outros países. O que podemos dizer sobre as garantias é que a Argentina não tem problema estrutural de dólares. Tem problema conjuntural, porque sofre a pior seca dos últimos 90 anos. Perdeu a entrada de US$ 20 bilhões que estavam previstos. Quando se normalizar esta situação, as perspectivas de um futuro próximo são muito boas em mineração de lítio e cobre, no agro, nos alimentos, em energia, em turismo, na economia do conhecimento. A Argentina tem aquilo que o mundo precisa — alimento, energia, minerais para o novo tempo da mobilidade elétrica. Sobre o financiamento para exportações, convido que fale sobre isso com o presidente da Marco Polo (fabricante de carrocerias de ônibus), Daniel Rondon. Estão reclamando que o Brasil encontre uma solução. A solicitação de financiamento das exportações não é uma demanda da Argentina; é uma demanda legítima dos empresários brasileiros.

        O que se pode esperar da participação do presidente Fernández na cúpula (que começa hoje)? A Argentina já formatou a proposta de acordo para o Brasil quanto às garantias para as exportações?

Estamos trabalhando para encontrar uma solução para o financiamento das empresas brasileiras. Certamente Fernándes deve demonstrar a gratidão com os esforços do governo do Brasil para encontrar essa solução para as suas empresas e por apoiar a Argentina nas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

        O apoio do Brasil, tanto na negociação com o FMI como na busca de uma garantia do Banco do BRICS, será suficiente?

O acordo com o FMI, fechado pelo então ministro da Economia, Martín Guzmán, no artigo 22 tem uma cláusula sobre questões extraordinárias, como a seca. Isso abre a possibilidade de reconsiderar as metas e os objetivos. A respeito do que está para começar esta semana na China (reunião do Banco dos BRICS), creio que quando há vontade política e compreensão das razões justas, se alcançam as soluções.

        Qual a perspectiva da Unasul na sua opinião?

Creio que no contexto de crise da globalização, é fundamental fortalecer a América do Sul com uma agenda de integração energética, de infraestrutura — dois aspectos muito importantes. Acredito que o que vai acontecer entre Brasil e Argentina, com um profundo acordo de integração, será uma referência inspiradora. Devemos encontrar os pontos de interesses comuns entre todos os países da América Latina. E creio que nesta terça-feira, com a apresentação de cada presidente, se mostrará um grande progresso para se alcançar esse objetivo.

        Essa integração profunda passa pela moeda única para o Mercosul?

O ministro Fernando Haddad afirmou que esse é um dos objetivos, de médio prazo, para uso comercial. É um tema que será necessário um profundo debate pelos bancos centrais, com os ministros da economia. Minha missão, agora, é com um futuro próximo, esperando que o povo argentino me dê a oportunidade de ser seu presidente.

        O senhor pretende, novamente este ano, disputar a Casa Rosada, depois de perder, em 2015, para o ex-presidente Ricardo Macri. Caso vença, qual a saída para a profunda crise vivida pela Argentina?

Em 2015, perdi por algo entorno de 1%. Acredito na Argentina, acredito nas suas forças produtivas, acredito que os problemas de agora têm solução. O povo argentino conhece a minha experiência, minha trajetória minha previsibilidade, minha sensatez, minha moderação, minha capacidade de diálogo com todos os setores da vida política, no meu país e no mundo, como demonstrei no Brasil. Cada eleição é nova demanda e o povo argentino demanda isso. Quando depositar o voto, privilegiará isso — a experiência que propõe um grande projeto de futuro e que solucione os problemas imediatos.

        O senhor contará com o apoio do kirchnerismo?

São as pessoas que votam. Obviamente, a vice-presidente (Cristina Kirchner) tem um grande peso político. Com a criação da lei das primárias para todos os partidos políticos, decidi participar delas, pois acredito que o melhor é a vontade popular para orientar as candidaturas.

        O senhor está otimista para as primárias?

Muito. Tenho a escola do esporte, que quando se sai em campo para o jogo, deve-se estar convencido que vais ganhar. Estou convencido que, com minha experiência, meu programa de governo, será o que triunfará — apesar dos problemas com a inflação, com os baixos salários, da pobreza. Se focarmos um maior esforço em produzir, e cada vez mais com o Brasil, a Argentina será um ator relevante no contexto internacional.

        Como o senhor tem dividido o tempo entre Buenos Aires e Brasília com a campanha presidencial?

A melhor campanha é resolver os problemas. O povo me conhece muito bem. Não necessito fazer campanha tradicional como os outros candidatos, que prometem soluções milagrosas, felicidade e grandes salários. A minha é diferente. Quero agradecer porque o Brasil me deu a oportunidade de desenvolver toda a minha experiência. Com o governo anterior (de Jair Bolsonaro), apesar da grande diferença política e ideológica, mas com grande pragmatismo e responsabilidade, fomos reconstruindo a relação. Agora, com o governo do presidente Lula, vivemos um tempo de integração profunda com todo o Brasil.

 

Fonte: g1/Correio Braziliense