Lula
recupera integração regional em momento 'transcendental' para América do Sul
A convocação de Lula aos ex-membros da Unasul é
"transcendental" para reviver "uma rota de integração que foi
desmantelada", disse o sociólogo colombiano Javier Calderón à Sputnik. O
analista Daniel Prieto destacou que uma mudança de posição em relação à
Venezuela é fundamental para a nova agenda.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o anfitrião
da cúpula de presidentes sul-americanos no Palácio Itamaraty que começou em 30
de maio.
Além de Lula, dez chefes de Estado dos 12 países que
compuseram a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) participam da reunião
regional:
Alberto Fernández (Argentina);
Gustavo Petro (Colômbia);
Gabriel Boric (Chile);
Luis Lacalle Pou (Uruguai);
Mario Abdo Benítez (Paraguai);
Luis Arce (Bolívia);
Nicolás Maduro (Venezuela);
Guillermo Lasso (Equador);
Irfaan Ali (Guiana);
Chan Santokhi (Suriname).
No caso do Peru, em vez da presidente Dina Boluarte,
o chefe do Conselho de Ministros, Alberto Otárola, está presente.
Em um diálogo com a Sputnik, o sociólogo colombiano
e pesquisador do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (Celag),
Javier Calderón, disse que o fato de os presidentes sul-americanos se reunirem
após quase uma década de "suspensão ou enfraquecimento da Unasul" é
um "evento importante e transcendental para a região".
Para Calderón, a região pode esperar uma mensagem de
unidade e "de restabelecimento de um caminho de integração que foi
dissolvido" após a presidência de Dilma Rousseff (2011-2016).
O especialista considerou que "uma agenda
prática" também pode ser definida em termos de integração, algo em que
Gustavo Petro, Alberto Fernández e o próprio Lula insistiram.
Apesar do fato de que a convocação de Lula serve
para "recuperar" os acordos mantidos na Unasul, o sociólogo enfatizou
a necessidade de que a reunião sirva para "corrigir as dificuldades que
originaram sua própria fraqueza".
"Os países que vão se reunir terão de discutir
a necessidade de construir uma Unasul blindada" e "criar mecanismos
institucionais que impeçam que se destrua ou desmantele rapidamente ante
eventuais mudanças de governo", analisou.
Por outro lado, o cientista político colombiano
radicado no Brasil, Daniel Prieto, disse à Sputnik que a reunião será mais
flexível e não tão protocolar, de modo que se poderia esperar "um
horizonte de novas reuniões, das quais surja um modelo oficial de tomada de
decisões em que todos os Estados-membros participem como um bloco, seja como
parte da Unasul ou com o nome que decidam dar a ela".
·
Brasil: protagonista regional e internacional
A reunião regional ocorre em meio ao crescente
protagonismo do Brasil na esfera regional e internacional. Lula da Silva foi o
único representante da América do Sul a participar como convidado da cúpula de
líderes do Grupo dos Sete (G7) no Japão.
Meses atrás, o Brasil retornou à Comunidade de
Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), depois que o governo de Jair
Bolsonaro (2019-2023) retirou o país do fórum em 2020.
Por sua vez, o Rio de Janeiro sediará a próxima cúpula
de chefes de Estado do G20 em 2024 e a cidade de Belém sediará a 30ª edição da
Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), a
primeira reunião dessa magnitude a ser realizada no país.
"A política externa de Lula é reposicionar o
Brasil nas áreas de concertação global, seja de tipo global", disse
Prieto, acrescentando que o Brasília "aproveita a incidência política que
está tendo com a abertura de suas relações diplomáticas".
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Venezuela e maior abertura na região
A participação no evento do presidente venezuelano
Nicolás Maduro, que não compareceu à reunião da CELAC em Buenos Aires, envia
uma mensagem à região, diz Prieto.
Ele atribuiu a inclusão da Venezuela a uma mudança
na política externa da Colômbia e do Brasil, que optaram por "uma política
de integração regional que não estivesse ideologicamente alinhada com suas
agendas domésticas".
A estratégia adotada é contrária às políticas
promovidas durante os governos do argentino Mauricio Macri (2015-2019), do
colombiano Iván Duque (2018-2022) e de Bolsonaro, que "optaram por apelar
para suas políticas domésticas e fechar as portas para a integração
sul-americana", disse o cientista político.
O sociólogo também garantiu que, se o bloco de
países da Unasul for reconstruído, a região "poderia enviar uma mensagem
aos Estados Unidos e à União Europeia para desbloquear as negociações entre a
oposição venezuelana e o governo de Nicolás Maduro".
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Infraestrutura de energia da região e paz estão em
cima da mesa
A reunião busca reativar a cooperação sul-americana
em áreas-chave como saúde, mudanças climáticas, defesa, luta contra
transnacionais ilegais, infraestrutura e energia, de acordo com uma declaração
do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Portanto, é possível esperar que se abordem os
"projetos de infraestrutura transnacionais, principalmente nos setores de
hidrocarbonetos e o setor elétrico, fundamentais para a região, segundo Prieto.
O analista também observou que o presidente Lula
"busca fundos econômicos e financeiros para adaptação climática", bem
como para "resposta a riscos de desastres".
Na visão de Prieto, e de acordo com a postura que
adotou desde o início de seu mandato, Lula trabalhará na reunião regional sobre
a promoção da paz e insistirá na criação de um órgão mediador de conflitos
internacionais, no qual haveria um lugar de destaque não só para o Brasil, mas
também para toda a América do Sul.
Ø O que é a moeda comum que Lula defende e por que isso não seria o fim do
real
Nesta terça-feira (30/05), o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) voltou a falar sobre a possibilidade da criação de uma
"unidade de referência comum para o comércio", uma espécie de
"moeda comum" dos países sul-americanos.
Sem detalhar a proposta, Lula falou sobre o assunto
durante a reunião da cúpula dos países da América do Sul, que acontece em
Brasília nesta semana. Em seu pronunciamento, o presidente comentou sobre a
necessidade de união entre os países da região.
"Enquanto estivermos desunidos, não faremos da
América do Sul um continente desenvolvido em todo o seu potencial. A integração
deve ser objetivo permanente de todos nós. Precisamos deixar raízes fortes para
as próximas gerações", afirmou.
A possibilidade de criação de uma moeda comum de
Brasil e Argentina para transações comerciais surgiu durante a visita do
presidente Lula ao país vizinho — a sua primeira viagem internacional desde que
tomou posse.
Na época, Lula e o presidente argentino, Alberto
Fernández, publicaram uma carta conjunta sobre o assunto. "Decidimos
avançar nas discussões sobre uma moeda sul-americana comum, que possa ser usada
tanto para os fluxos financeiros como comerciais, reduzindo os custos
operacionais e nossa vulnerabilidade externa", dizia a carta.
Em discurso durante aquele encontro, Lula reforçou a
ideia: "Por que não tentar criar uma moeda comum como se tentou entre os
países dos Brics? Acho que, com o tempo, isso vai acontecer. E acho que é
necessário que aconteça."
Na época, muitas pessoas ao saber da notícia
entenderam que Brasil e Argentina poderiam criar algo como o euro — uma moeda
única entre as duas maiores economias da América do Sul que substituiria tanto
o peso argentino como o real brasileiro.
Na época, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
desmentiu a notícia.
A moeda comum que os dois países estudam criar no
futuro serviria apenas para facilitar transações comerciais sem a necessidade
de recorrer ao dólar. Ela seria muito diferente do euro — que é uma moeda única
que substituiu moedas nacionais em 20 dos 27 países da União Europeia.
Na verdade, a proposta em estudo entre Brasil e
Argentina mais parece uma moeda virtual — que não substituiria as moedas
nacionais.
·
Moeda 'comum'
O dólar americano é hoje fundamental para a maioria
das operações financeiras e comerciais no mundo. A moeda foi adotada como a
reserva global de valor em 1944, dentro do Acordo de Bretton Woods.
Isso significa que muitos bancos centrais no mundo
todo mantém parte da riqueza de seus governos em dólares. A cotação das moedas
nacionais em relação ao dólar é fundamental para determinar o poder econômico
de cada país.
Ao longo dos anos, houve esforços para se abandonar
o dólar como principal moeda mundial. A China promove tratados bilaterais com
diversos países para que as trocas comerciais sejam realizadas em iuan e na
moeda nacional do país.
Em abril do ano passado, Haddad havia publicado
junto com o economista Gabriel Galípolo, hoje diretor de política monetária do
Banco Central, um artigo no jornal Folha de S. Paulo em que propunha uma moeda
comum não só para Brasil e Argentina como para toda a América do Sul.
Haddad e Galípolo defenderam que a criação da moeda
poderia ajudar países a protegerem sua soberania de possíveis sanções impostas
por potências estrangeiras, sobretudo dos EUA, que estão no "topo da
hierarquia mundial", por terem o privilégio de poder emitir a moeda
internacional.
"Os EUA e a Europa se valeram do poder de suas
moedas para impor severas sanções contra a Rússia, confiscando reservas
internacionais e excluindo-a do sistema de pagamentos internacionais (Swift)",
escreveram.
"A utilização do poder da moeda em âmbito
internacional renova o debate sobre sua relação com a soberania e a capacidade
de autodeterminação dos povos, em especial para países com moedas consideradas
não conversíveis. Por não serem aceitas como meio de pagamento e reserva de
valor no mercado internacional, seus gestores estão mais sujeitos às limitações
impostas pela volatilidade do mercado financeiro internacional."
No artigo, eles reconhecem que criar uma moeda como
o euro seria difícil dada as "heterogeneidades estruturais e
macroeconômicas" dos países sul-americanos.
No caso de Brasil e Argentina, as economias vivem
realidades completamente distintas — o Brasil possui inflação anual na casa de
dois dígitos enquanto na Argentina os preços praticamente dobraram em 2022.
Segundo a proposta, a nova moeda seria usada para
fluxos comerciais e financeiros entre países da região — mas Haddad e Galípolo
deixam claro que todos os países teriam liberdade para adotá-la domesticamente
ou manter suas moedas. Ou seja, tanto Brasil como Argentina poderiam manter o
real e o peso, respectivamente.
Eles propõem a criação de um Banco Central
Sul-Americano que seria responsável pela emissão da moeda. Esse banco central
seria criado com contribuições de cada governo, que seriam proporcionais às
suas participações no comércio regional.
"A capitalização seria feita com reservas
internacionais dos países e/ou com uma taxa sobre as exportações dos países
para fora da região. A nova moeda poderia ser utilizada tanto para fluxos
comerciais quanto financeiros entre países da região."
Eles citam a "experiência monetária brasileira
com o êxito da URV", em referência à Unidade Real de Valor, que foi usada
como moeda de transição para implementação do real.
O artigo foi escrito pelos autores em abril de 2022,
meses antes da eleição de Lula e a indicação de Haddad para o ministério da
Fazenda.
Ao chegar em Buenos Aires, Haddad disse a
jornalistas, segundo o jornal Valor Econômico: "Estive com ele [Massa]
mais de uma vez conversando e ele está querendo incrementar o comércio que está
caindo muito. [A situação do comércio] está muito ruim, e o problema é
exatamente a divisa, né? Isso que a gente está quebrando a cabeça para
encontrar uma solução. Alguma coisa em comum, alguma coisa que permita a gente
incrementar o comércio porque a Argentina é um dos países que compram
manufaturados do Brasil e a nossa exportação pra cá está caindo."
Ø 'Encontro entre Lula e Maduro foi um golpe na estratégia de isolamento
dos EUA', diz mídia americana
Já a mídia chinesa exaltou a reunião entre os
líderes, dando atenção à declaração de Lula sobre ser "pessoalmente
favorável" à entrada da Venezuela no BRICS e ao possível pagamento da
dívida venezuelana com Brasil usando yuans.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou
ontem (29) com seu homólogo venezuelano, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto
e a visita do chefe de Estado venezuelano ao Brasil foi repercutida em diversas
mídias no exterior.
Para os americanos da Bloomberg, o encontro entre os
líderes marcou "um golpe na estratégia de isolamento da Venezuela por
parte dos Estados Unidos", uma vez que o encontro Lula-Maduro colabora
para volta de Caracas ao cenário geopolítico.
De todas as declarações concedidas por Lula durante
a entrevista coletiva com Maduro ontem (29), a Bloomberg ecoou uma única frase:
"É inexplicável que um país tenha 900 sanções porque outro país não
gosta", quando o mandatário brasileiro se referiu a Washington.
A mídia também destacou o fato que, não só o Brasil,
mas também outras nações da América Latina estão "reabilitando" a
Venezuela para sair do isolamento imposto pelas sanções norte-americanas.
Como exemplo, a agência cita o líder colombiano,
Gustavo Petro, que no ano passado reabriu oficialmente a fronteira de seu país
com a Venezuela após sete anos fechada. Ao mesmo tempo, a nomeação do novo
embaixador pelo governo de Gabriel Boric no Chile, depois que o cargo ficou
vazio desde 2018.
O presidente colombiano Gustavo Petro (E) e o
ministro venezuelano dos
Já a mídia chinesa, como a Quancha, narrou o
encontro entre os líderes dando atenção à declaração de Lula sobre ser
"pessoalmente favorável a entrada da Venezuela no BRICS". A agência
de notícias relembrou que, e em abril, o porta-voz do Ministério das Relações
Exteriores da China, Wang Wenbin, disse que Pequim apoia a promoção do processo
de expansão do BRICS por meio de discussões com os países-membros.
O portal chinês QQ, da Tecent, escreveu sobre a
retomada da parceria energética entre Brasil e Venezuela e a procura de Caracas
para resolver a questão da dívida com o BNDES brasileiro, destacando a
possibilidade de o pagamento ser feito em yuan e não dólar.
Maduro, assim como vários outros chefes de Estado da
América do Sul, chegaram ao Brasil nos últimos dias para a cúpula proposta pelo
governo brasileiro para promover o diálogo "franco" entre todos os
países, identificando "denominadores comuns", discutindo perspectivas
para a região e "reativando a agenda de cooperação sul-americana em
áreas-chave", segundo o Itamaraty.
Fonte: Sputnik Brasil/ BBC News Brasil e BBC News Mundo