Brasil pode se
beneficiar com tarifaço de Trump?
O tarifaço
que Donald Trump prometeu durante a
campanha à
Casa Branca começou a valer parcialmente à 0h desta terça-feira (4/2), com
alíquota de 10% sobre
mercadorias chinesas que
desembarcarem nos Estados Unidos. México e Canadá, que também seriam
alvo de taxação de 25% a partir de terça, viram o prazo ser
postergado em um mês depois
de negociações com o governo americano. O Brasil por ora não está no alvo de
Trump. Como a guerra comercial aberta entre outros países, o Brasil pode se
beneficiar? Saiba mais ao longo deste texto.
A taxação ao México
e ao Canadá foram suspensas depois de a presidente do México, Claudia Sheinbaum, e do
primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, comprometerem-se a reforçar o
controle de suas fronteiras para barrar a passagem de
migrantes sem documentação e drogas ilegais para os Estados Unidos. Trump
justificou a imposição das tarifas apontando para o suposto papel que os três
países desempenham na epidemia de
opióides americana.
México e Canadá, segundo ele, estariam permitindo a entrada de fentanil nos Estados
Unidos por suas fronteiras e China seria responsável por enviar a matéria-prima
para fabricação da droga.
A retórica tem
relação com o instrumento que o republicano usou para implementar a medida, a
Lei de Poderes de Emergência Econômica Internacional (IEEPA, na sigla em
inglês), de 1977, que amplia os poderes do presidente sobre a regulamentação de
uma série de transações financeiras em momentos de emergência internacional.
Em seu primeiro dia
no cargo, Trump declarou estado de emergência na fronteira sul dos Estados
Unidos e, agora, ampliou o escopo para emergência econômica.
Levando em
consideração as promessas de campanha, o protecionismo da gestão Trump 2.0
promete ser uma versão com anabolizantes da primeira. Enquanto candidato, o
republicano falou em um aumento generalizado das tarifas de importação
praticadas pelos Estados Unidos de 10% a 20% para todos os seus parceiros
comerciais, de 60% para produtos da China e sobretaxas de mais de 100% em
circunstâncias específicas. As medidas não vieram em enxurrada logo depois da
posse, como temiam alguns especialistas, o que nutriu a expectativa de que
poderiam ser implementadas de forma mais gradual — e ajuda a explicar por que o
dólar tinha perdido fôlego nos últimos dez dias.
O cenário mudou
neste fim de semana,
com a confirmação do início da vigência das tarifas. Os mercados reagiram na
segunda-feira (3/2), com fortalecimento do dólar e quedas expressivas de bolsas
de valores pelo mundo — que, no entanto, foram ligeiramente contidas depois do
anúncio da suspensão temporária de tarifas para Canadá e México. A China reagiu
anunciando tarifas de até 15% sobre alguns produtos americanos, como carvão e
gás liquefeito de petróleo, e de 10% sobre petróleo, maquinário agrícola,
picapes e alguns carros esportivos.
Até o momento, nada
concreto em relação ao Brasil foi anunciado pelo presidente americano. De um
lado, alguns especialistas avaliam que o país não é alvo preferencial, porque
não tem acordo de livre comércio com os Estados Unidos e tem déficit na balança
comercial com o país — ou seja, compra mais produtos dos americanos do que
vende para eles. Trump expressou diversas vezes que enxerga o protecionismo
como um mecanismo de correção para o que entende como uma injustiça na forma
como o comércio global funciona, associando o déficit que os Estados Unidos têm
na balança comercial, que chega a US$ 1 trilhão (R$ 5,8 trilhões), com uma
situação em que os países estariam se aproveitando dos americanos.
Por outro lado, o
Brasil é membro dos Brics, bloco que o republicano ameaçou com tarifas de 100%
caso apoiem qualquer iniciativa de uso de moedas alternativas ao dólar. Não
existe plano de curto prazo para adoção de uma moeda única entre os membros. Mas
os países do bloco têm criado instrumentos para fazer transações comerciais em
moeda chinesa, e o banco dos Brics tem concedido empréstimos em moedas
alternativas ao dólar. No primeiro mandato de Trump (2017-2021), quando ele
desatou uma guerra comercial contra a China, o Brasil aproveitou a oportunidade
para ampliar suas exportações para o país asiático. E agora?
·
'No
longo prazo, todos sairemos perdendo'
De forma geral, a
maioria dos economistas tem repetido que a política protecionista de Trump, se
implementada de fato, deve ter impacto negativo tanto para os Estados Unidos
quanto para o restante das economias no médio e longo prazo.
Olhando
inicialmente para o mercado americano, de um lado o aumento de tarifas tende a encarecer
os preços de diversos produtos, à medida que as empresas repassarem o
aumento de custos para o consumidor final. Os primeiros candidatos são os
produtos agrícolas, já que os estoques de hortifruti rodam mais rápido do que
os de produtos industrializados.
Caso as tarifas de
25% postergadas na terça passem de fato a entrar em vigor em um mês, em pouco
tempo os americanos veriam avocados, tomates e morangos vindos do México, por
exemplo, e a carne importada do Canadá subir de preço nas prateleiras dos
supermercados. Na outra ponta, além do aumento da inflação, as tarifas também
podem acabar provocando redução da demanda de outros produtos, aqueles que
ficarem caros demais para o bolso de parte dos americanos. Pode ser o caso, por
exemplo, dos veículos importados tanto do México quanto do Canadá. Como a
economia global é integrada, ambos os efeitos reverberam em países além dos
diretamente envolvidos no conflito.
O aumento da
inflação geralmente vem acompanhada de alta dos juros pelo Federal Reserve (o
Banco Central americano), o que normalmente encarece o dólar.
A redução da
demanda por bens importados pelos americanos, por sua vez, significa menos
exportações para seus parceiros comerciais. À medida que esses países retaliam
os Estados Unidos, como já sinalizaram Canadá, México e China, as empresas
americanas também exportam menos, em um efeito cascata que diminui o fluxo
global de comércio. "Esse é um ciclo de alguns anos que desemboca em uma
desaceleração global", avalia o economista Fabio Silveira, sócio da
consultoria MacroSector.
Livio Ribeiro,
pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) e sócio da
BRCG Consultoria, cita ainda outro possível efeito que considera especialmente
preocupante: uma reação "em cadeia" das tarifas, que vai bem além dos
países envolvidos e resvala em um cenário de "tarifação de todos contra
todos", dando início a uma "guerra
comercial destrutiva". Ele dá um exemplo. O aumento de tarifas contra
produtos da China poderia acabar gerando uma "sobra" de manufaturados
chineses que chegariam a preços ainda mais baratos em outros mercados, como o
Brasil e Alemanha, impelindo esses países a protegerem suas indústrias e a
também reagirem com tarifas contra a China. "No longo prazo, se as coisas
continuarem como estão, sairemos todos perdendo no fim do dia", completa
Ribeiro.
·
Oportunidades
de curto prazo?
No curto prazo,
contudo, pode haver janelas de oportunidade para o Brasil, avalia Arthur
Pimentel, presidente do conselho de administração da Associação de Comércio
Exterior do Brasil (AEB). México, Canadá e China, ele lembra, respondem por
cerca de 43% de tudo o que os americanos importam. "O Brasil pode
aproveitar esse vácuo para fortalecer as trocas comerciais com os Estados
Unidos", avalia Pimentel.
Daiane Santos,
professora da Faculdade de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj), analisou os dados da balança comercial dos Estados Unidos para mapear
quais setores poderiam eventualmente se beneficiar. A especialista em comércio
exterior olhou para os dez principais produtos exportados por Canadá e México
para o mercado americano e para a pauta de exportação Brasil-Estados Unidos em
busca de categorias onde os produtos brasileiros já têm penetração. "Nas
áreas em que o Brasil já tem fornecimento seria mais fácil estreitar a relação,
já existe uma porta aberta", argumenta Santos. Nesse sentido, ela destaca
os segmentos de petróleo, de combustíveis, de ferro e aço e de veículos
automotores.
No caso de petróleo
e combustíveis, por exemplo, o Canadá exporta 49,5% de tudo o que os Estados
Unidos importam nessa categoria e o México, 9,4%, levando em consideração os
dados de 2023 disponíveis na base de dados Comtrade. Ainda que esses produtos
tenham sido taxados com uma alíquota menor no caso do Canadá, de 10% (ao lado
de outros itens de energia), com uma participação pequena nas importações
americanas, de 3,12%, o Brasil poderia tentar aumentar os embarques.
O país tem uma
participação maior nas importações americanas de ferro e aço, com 13,77% do
total desembarcado. É outra área em que pode tentar crescer em um eventual
vácuo deixado por Canadá, que respondeu por 11,2% das importações desses
produtos em 2023, e México (11,3%). Veículos automotores seriam outra frente na
qual o Brasil poderia buscar ampliar as exportações. Enquanto o país responde
por 0,34% do total importado pelos Estados Unidos, o México tem uma
participação de 34,1% e o Canadá, de 14,8%.
Livio Ribeiro, por
outro lado, vê como limitadas as possibilidades de ampliação das exportações
brasileiras para o mercado americano. "Você tem toda uma estrutura de
comércio que foi moldada na América do Norte lá atrás por conta do Nafta e hoje
do USMCA", justifica o economista, fazendo referência ao acordo de livre
comércio entre Estados Unidos, Canadá e México. No caso da cadeia automotiva,
ele exemplifica, o parque fabril está espalhado entre os três países por causa
do acordo regional de comércio, à semelhança do que acontece no Mercosul, com a
cadeia distribuída entre Brasil e Argentina. Por isso, substituir qualquer um
dos dois fornecedores não seria fácil. "Em termos objetivos, se Trump de
fato leva a cabo e coloca todas as tarifas, o USMCA acabou", diz Ribeiro. "Então,
a gente tem que entender onde isso vai parar, se isso vai ser contestado no
Congresso americano ou não, se os próprios produtores americanos não vão 'dar
um pulo da cadeira' — porque, afinal, eles usam partes e peças que vêm do
Canadá e do México", acrescenta o economista. "Isso é uma profunda
desorganização das cadeias produtivas."
A oportunidade, em
sua visão, seria para ampliar ainda mais o comércio com a China, hoje o maior
parceiro comercial do Brasil. Mesmo que o país tenha aproveitado a guerra
comercial do primeiro governo Trump justamente para aumentar a corrente de
comércio com os chineses e já tenha hoje participação relevante nas importações
de produtos como a soja (75% da commodity que chega ao país sai do
Brasil), ele acredita que pode haver espaço para ampliar os embarques de outros
produtos, como milho e sorgo.
Outro caminho, na
avaliação de Fabio Silveira, da MacroSector, seria eventualmente procurar
aumentar as exportações para Canadá e México, para ocupar o espaço deixado por
produtos americanos se esses países de fato retaliarem o tarifaço de Trump. O
México, ele exemplifica, é o maior comprador de milho americano.
·
Brasil
vai ser taxado?
Apesar de Trump ter
mencionado a porosidade das fronteiras de México e Canadá para o fentanil como
justificativa para o pacote inicial de tarifas, durante a campanha, ele
reiteradamente expressou incômodo com o fato de que os Estados Unidos compram
mais desses países do que exportam para eles. O déficit comercial americano com
Canadá e México vem de fato em uma crescente nos últimos anos, observa a
economista Daiane Santos, tendo chegado a US$ 76 bilhões (R$ 441 bilhões) em
2023, no caso do Canadá, e US$ 156 bilhões (R$ 905 bilhões), no caso do México.
"Os Estados
Unidos têm superávit com o Brasil, então se a justificativa for a tentativa de
'harmonizar' a balança comercial, o Brasil não estaria entre as prioridades em
termos de tarifas", avalia Santos. "A questão da moeda única dos
Brics é algo que se estuda há muito tempo, e acho que seja pouco provável que
aconteça [no curto prazo]", completa, justificando por que acredita que o
Brasil não seria alvo nesse primeiro momento.
Livio Ribeiro
pondera, por outro lado, que o fato de Trump já ter mostrado que as tarifas
também podem ser usadas como instrumento de pressão política e não puramente
econômico eleva o nível de incerteza. Justamente pelo fato de o Brasil ser
menos expressivo do ponto de vista econômico, ele conjectura, poderia haver um
cenário em que poderia ser usado como "exemplo" para outros países,
considerados mais relevantes pelos Estados Unidos de Donald Trump.
¨ Por que Brasil não foi (por enquanto) alvo de tarifas
de Trump
"A questão não
é se o Brasil vai ser vítima de tarifas, mas quando." Essa é a avaliação
sobre o futuro da política de tarifas do governo
de Donald Trump compartilhada por
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil. "É muito provável que mais
adiante o Brasil seja alvo das tarifas americanas", diz o economista
Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e pesquisador do Policy
Center for the New South. "Não na próxima semana, quando provavelmente
será a vez da Europa, mas mais adiante muito provavelmente."
No último fim de
semana, Trump oficializou uma das promessas feitas durante sua campanha
eleitoral e anunciou novas
tarifas contra Canadá, México e China. A alíquota de 10% sobre mercadorias
chinesas entrou em vigor nesta terça-feira (4/2). Já a taxação de 25% contra
produtos mexicanos e canadenses foi suspensa por um mês após negociações entre
os governos. Ao anunciar as tarifas, Donald Trump apontou para a "grande
ameaça" representada por imigrantes ilegais e drogas ilícitas que, segundo
ele, entram nos Estados Unidos pela fronteira com México e Canadá ou são
importadas da China. Os governos mexican e canadense negaram as acusações do
republicano, mas posteriormente se comprometeram a intensificar o combate à
entrada de drogas ilegais nos EUA. Já a China reagiu às novas
alíquotas aplicadas anunciando tarifas de até 15% sobre alguns produtos
americanos, como carvão e gás liquefeito de petróleo, e de 10% sobre petróleo,
maquinário agrícola, picapes e alguns carros esportivos.
Mas analistas de
todo o mundo acreditam que o presidente americano não deve parar sua sequência
de aplicação de tarifas por aí. Trump já prometeu no passado impor tarifas à
União Europeia (UE) e afirmou neste domingo (2/2) que seus planos seguem de pé.
E apesar de Washington ainda não ter feito qualquer anúncio concreto sobre
novas tarifas contra o Brasil, Trump tem usado o governo brasileiro como
exemplo de 'grande taxador' em seus discursos. O republicano ainda incluiu a
nação em um grupo dos que "querem mal" aos EUA, durante um discurso
no final de janeiro. "Coloque tarifas em países e pessoas estrangeiras que
realmente nos querem mal", disse Trump. "A China é um grande criador
de tarifas. Índia, Brasil, tantos, tantos países. Então, não vamos deixar isso
acontecer mais, porque vamos colocar a América em primeiro lugar, sempre
colocar a América em primeiro lugar", afirmou em um evento para
correligionários na Flórida. Por isso mesmo, diz Vinícius Vieira, professor de
Economia e Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP),
"a questão não é se o Brasil vai ser vítima de tarifas, mas quando essas
tarifas vão chegar".
<><> Fora
das prioridades
Mas então por que o
país foi poupado até agora? A avaliação é que o Brasil não está no topo da
lista na ordem de prioridades dos EUA. Os economistas ouvidos pela reportagem
apontam que o Brasil não tem acordo de livre comércio com os Estados Unidos e
tem déficit na balança comercial com o país — ou seja, compra mais produtos dos
americanos do que vende para eles. Trump afirmou diversas vezes que enxerga o
protecionismo como um mecanismo de correção para o que entende como uma
injustiça na forma como o comércio global funciona, associando o déficit que os
EUA têm na balança comercial, que chega a US$ 1 trilhão, com uma situação em
que os países estariam se aproveitando dos americanos.
E apesar de ter
mencionado a porosidade das fronteiras de México e Canadá para o fentanil como
justificativa para o pacote inicial de tarifas, o republicano reiteradamente
expressou incômodo com o fato de que os Estados Unidos compram mais desses
países do que exportam para eles durante a campanha eleitoral. O déficit
comercial americano com Canadá e México vem de fato em uma crescente nos
últimos anos, tendo chegado a US$ 76 bilhões (R$ 441 bilhões) em 2023, no caso
do Canadá, e US$ 156 bilhões (R$ 905 bilhões), no caso do México. Em 2024, a
China obteve um recorde de quase US$ 1 trilhão em superávit comercial - termo
usado quando um país exporta mais bens e serviços do que importa, resultando em
um saldo positivo em sua balança comercial. Só com os Estados Unidos, o
superávit chegou a algo em torno de US$ 270 bilhões (R$ 1,6 trilhões), segundo
o Censo americano. "Na visão do Trump e de outras pessoas no entorno dele
o saldo comercial positivo desses países com os Estados Unidos é um presente
americano", diz Otaviano Canuto.
No caso do Brasil,
observa o economista, esse raciocínio não se aplica, já que os Estados Unidos
tiveram um superávit de US$ 253 milhões (R$ 1,3 bilhão) no comércio com o país
em 2024. O Brasil exportou US$ 40,330 bilhões e importou US$ 40,583 bilhões no
ano passado, o que torna os EUA o segundo maior parceiro comercial do Brasil, o
segundo maior destino das mercadorias brasileiras e a terceira maior fonte de
importações. "O déficit brasileiro com os Estados Unidos caiu muito ao
longo dos últimos anos, com o Brasil comprando menos petróleo e exportando
mais", diz o ex-vice-presidente do Banco Mundial. "Mas é evidente
que, pelo critério de redução de déficit comercial, o Brasil não seria tão
prioritário como Canadá, México e China." A visão é compartilhada pela
secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria,
Comércio e Serviços (Mdic), Tatiana Prazeres. "O Brasil, na contabilidade
do próprio governo americano, somando-se bens e serviços, responde pelo sexto
superávit comercial dos Estados Unidos. A questão do superávit ou déficit
comercial é algo que parece chamar a atenção do próximo governo dos Estados
Unidos e, nesse quesito, o fato de que os americanos acumulam superávit com o
Brasil deveria ser levado em conta", disse em entrevista à Agência Brasil.
Vinícius Vieira,
professor de Economia e Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares
Penteado (FAAP), também acredita que o Brasil simplesmente não está no topo das
prioridades do novo governo americano. "O Brasil não mobiliza tanto a base
trumpista quanto a China ou o México", diz. "Na verdade, com poucas
exceções, o Brasil nunca foi uma prioridade para qualquer governo americano,
inclusive dentro da América Latina", diz. Mas isso não significa que a
nossa vez não chegará.
<><> Tarifas
em troca de concessões
Se, por um lado, o
Brasil não é prioridade por sua posição econômica em relação aos Estados
Unidos, por outro o país é membro dos BRICS, bloco que o republicano ameaçou
com tarifas de 100% caso apoiem
qualquer iniciativa de uso de moedas alternativas ao dólar. "Não há
chance de que o BRICS substitua o dólar dos EUA no comércio internacional, ou
em qualquer outro lugar, e qualquer país que tentar deve dizer olá para as
tarifas e adeus para a América", declarou o presidente republicano no
final de janeiro. Não existe plano de curto prazo para adoção de uma moeda
única entre os membros, apesar dos países do bloco terem criado instrumentos
para fazer transações comerciais em moeda chinesa e o banco dos BRICS ter
concedido empréstimos em moedas alternativas ao dólar. Por isso mesmo, a
professora da Faculdade de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ) Daiane Santos acredita que o Brasil não seria alvo nesse primeiro
momento. "A questão da moeda única dos BRICS é algo que se estuda há muito
tempo e acho que seja pouco provável que aconteça [no curto prazo]",
afirma.
Livio Ribeiro,
pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) e sócio da
BRCG Consultoria, pondera, por outro lado, que o fato de Trump já ter mostrado
que as tarifas também podem ser usadas como instrumento geopolítico, para fazer
pressão política, e não puramente econômico, eleva o nível de incerteza.
Justamente pelo
fato de o Brasil ser menos expressivo do ponto de vista econômico, ele
conjectura, poderia haver um cenário em que poderia ser usado como
"exemplo" para outros países, considerados mais relevantes pelos EUA.
Desde que venceu as
eleições americanas em novembro de 2024, Trump e seu time de assessores vêm se
alternando entre duas estratégias envolvendo tarifas. A primeira delas é de
natureza mais prática e leva em consideração apenas a necessidade de compensar
o déficit na balança comercial e encolher a dívida pública de US$ 36 trilhões
que os Estados Unidos mantém atualmente. A outra é o uso das tarifas como
manobra de negociação para temas importantes para o governo. "Ou seja, pôr
tarifa para forçar o outro lado a conceder alguma coisa", explica Otaviano
Canuto. Para o economista, a suspensão das taxas contra México e Canadá por um
mês em troca da promessa do reforço da fronteira se encaixa no segundo método.
O episódio
envolvendo a Colômbia e a deportação de imigrantes ilegais nos EUA com o uso de
aviões militares é outro exemplo do mesmo processo. Trump anunciou sanções
contra a Colômbia após o presidente do país, Gustavo Petro, questionar a nova
política de imigração americana e se recusar a autorizar o pouso de dois aviões
transportando cidadãos colombianos deportados. Como resposta, Trump disse que
iria impor imediatamente uma tarifa de 25% sobre todas as importações
colombianas e aumentá-la para 50% em uma semana. Washington também ameaçou
impor sanções bancárias e financeiras, além de aplicar uma proibição de viagens
e revogar vistos de funcionários do governo colombiano. Horas depois do
impasse, porém, Colômbia e Estados Unidos anunciaram que Bogotá aceitaria todos
os voos com imigrantes deportados — e que os Estados Unidos não adotariam as
sanções.
Mas e no caso do
Brasil, qual seria a contrapartida exigida pelos EUA em uma imposição
estratégica de sanções?
"Não me parece
que exista uma agenda paralela que Trump poderia estabelecer como objetivo em
contrapartida de tarifas, com exceção da busca de uma moeda alternativa ao
dólar", diz Canuto, que também ex-diretor executivo do Fundo Monetário
Internacional (FMI). "Mas exigir que o Brasil abandone os programas de
troca de divisas de dólares pelo uso de moedas locais no acordo com a China não
é factível", complementa.
Se Donald Trump
decidir por taxar os produtos brasileiros no país, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) já disse que manterá uma relação de
"reciprocidade" e taxará as importações americanas. "É muito
simples, se ele taxar os produtos brasileiros, haverá reciprocidade do Brasil
em taxar os produtos que são exportados para os Estados Unidos. Simples",
disse Lula.
<><> Aço
e alumínio
Os economistas
ouvidos pela BBC Brasil afirmam, porém, que o 'tarifaço' americano poderia
chegar ao Brasil como contrapartida pelas taxas aplicadas pelo próprio governo
brasileiro para produtos importados. Nesse caso, diz Vinícius Viera, da FAAP, o
país pode ser alvo de algum tipo de pacote de tarifas destinado às economias
emergentes ou que mire indústrias específicas - mais especificamente setores
como aço e alumínio. O especialista em Relações Internacionais relembra o
primeiro mandato de Trump, quando o governo do republicano aplicou uma tarifa
adicional de 25% sobre as importações de aço e de 10% sobre as de alumínio em
2018. Pouco depois, Washington suspendeu temporariamente as tarifas para alguns
países específicos e, passados mais alguns meses, negociou um esquema de cotas
para as exportações brasileiras desses produtos.
Ainda na primeira
passagem de Trump pela Casa Branca, o republicano acusou Brasil e Argentina de
desvalorizarem "maciçamente" suas moedas e ameaçou reinstalar as
tarifas de importação sobre o aço e o alumínio de ambos os países, apenas para
voltar atrás menos de 20 dias depois. Além disso, a principal região produtora
de aço nos Estados Unidos é o chamado Cinturão do Aço (Rust Belt), um dos
redutos de votos de Donald Trump. Vieira lembra ainda que o atual
vice-presidente americano, J. D. Vance, passou sua infância e tem uma base de
apoio forte nos Apalaches, uma região que se estende do sudeste do Canadá até o
sul dos Estados Unidos e onde parte do Cinturão está localizado. Por tudo isso,
o setor de aço e alumínio brasileiro é o candidato número um a receber tarifas,
dizem os especialistas. "O fato é que o lobby pró-protecionismo contra o
aço brasileiro continua firme e forte aqui em Washington, operando inclusive
durante o período Biden", afirma Otaviano Canuto, que atua no Policy Center
for the New South e vive na capital americana.
Os produtos
semiacabados de ferro e aço são os segundo mais vendidos pelo Brasil para os
Estados Unidos, atrás apenas do petróleo bruto, e representaram 14% das
exportações brasileiras para os EUA em 2024. Ao mesmo tempo, o Brasil é um dos
principais países de origem do ferro e aço importados pelos americanos, ao lado
de Canadá, México, Coreia do Sul e outros. Outro importante produto brasileiro
para os EUA são as aeronaves, que representaram 6,7% das exportações do Brasil
para território americano em 2024, com destaque para a Embraer.
Segundo Otaviano
Canuto, a aplicação de tarifas gerais contra as importações brasileiras teria
impacto especial no setor da aviação dos EUA justamente por conta da importância
desses bens comprados do Brasil. "Não existem alternativas óbvias, nem
domésticas, nem fora dos Estados Unidos, para os aviões brasileiros de porte
médio usados para voos regionais", diz. "Por isso acho muito provável
que se houver uma tarifa, esse setor seja poupado ou atingido por taxas menos
agravantes."
Fonte: BBC News
Brasil