Eleições na Alemanha: o que significa o resultado e para onde
vai a extrema direita
De cima de um pequeno palanque em frente a um shopping
center no subúrbio de Berlim, uma candidata do partido de extrema direita
alemão AfD (Alternativa para a Alemanha) agarrava o microfone para tentar
disputar a atenção dos passantes. Sua voz, contudo, era abafada por gritos de
“Toda Berlim odeia a AfD”, “Tchau, nazis”, apitos e batucadas que vinham do
outro lado da rua. A polícia fazia um cordão de separação entre audiência do
comício – majoritariamente homens brancos segurando bandeiras da Alemanha – e
um grupo grande e diverso de manifestantes, que seguravam placas e bandeiras
antifascistas.
Eram duas da tarde do dia 22 de fevereiro, um dia antes
da mais emblemática eleição do país desde a reunificação. Agora, com os
resultados prévios apontando para uma vitória do partido conservador CDU com
29% dos votos e, a depender das coalizões, Friedrich Merz como novo chanceler,
a política e a economia do país devem tomar um rumo totalmente
diferente. Em um debate entre os candidatos dos partidos mais votados ocorrido
algumas horas depois das eleições, no entanto, Merz reafirmou que não vai se
associar à AfD, ainda que o partido tenha ficado em segundo lugar, com pouco
mais de 20% dos votos.
A disputa veio em um momento conturbado: a Alemanha
enfrenta seu segundo ano de recessão econômica, decide sobre continuar a apoiar
militarmente a Ucrânia na resistência contra a Rússia ou não, e o país vive o
fim da era de políticas públicas implementadas por Angela Merkel, que até então
vinham sendo mantidas pelo atual chanceler Olaf Scholz. A mulher ao microfone
do palanque era Beatrix von Storch, parte da ala conservadora da AfD, neta do
ministro de Finanças de Hitler e amiga da família Bolsonaro. Beatrix esteve no
Brasil em 2021, quando se reuniu com o então
presidente Jair Bolsonaro (PL), seu filho Eduardo (PL-SP) e com a deputada
federal Bia Kicis (PL-DF), segundo ela para criar uma internacional
conservadora e ganhar aliados para o partido.
<><> Por que isso importa?
- A Alemanha é a terceira maior economia
do mundo, atrás dos EUA e da China. Além disso, ela tem papel importante
nas decisões da União Europeia, onde partidos de extrema direita têm
avançado.
Há quatro anos, a AfD vivia um momento diferente. Mais…
inglório. O partido aparecia muito raramente na mídia internacional, quase
sempre relacionado a um escândalo, uma fala de conotação neonazista, um
encontro com grupos radicais, ou apenas como uma lembrança incômoda de que,
apesar dos esforços das instituições democráticas alemãs em rememorar seu
passado nazista e o Holocausto com homenagens, museus e monumentos para que não
se repita, “Nie wieder” ou
“Nunca mais” se tornou um lema para o país. É desde 2021, inclusive, que a AfD
está sob vigilância do Departamento Federal de Proteção da Constituição, por
suspeita de extremismo e risco à democracia.
Mas em 2025 tudo mudou. Storch segura seu microfone
destemida. Pela primeira vez desde a fundação, em 2013, seu partido teve pouco
mais de 20% dos votos e se torna a segunda maior força no Bundestag. Enquanto
pedia que a audiência não desse ouvidos aos “malucos lá atrás” – se referindo
aos manifestantes antifascistas –, ela lembrou que a AfD tem
o apoio de Elon Musk e diálogo aberto com o governo Trump. Disse que o país
pode ser grande novamente, assim como os EUA. E comemorou o fato de que Alice
Weidel, que concorre a chanceler pela AfD, foi a única a se encontrar com o
vice-presidente norte americano, JD Vance, quando ele esteve recentemente em
Munique. “Somos o único partido da Alemanha que não está isolado
internacionalmente. Muito obrigada, vice-presidente”, disse sob aplausos.
Storch defende endurecer as políticas de imigração e
finalizou seu discurso afirmando que “as pessoas estão cansadas de serem
confrontadas com vespeiros o tempo todo. Só queremos voltar ao normal. Queremos
proteger nossas fronteiras. Queremos ter uma economia funcionando. Queremos que
‘eles’ deixem nossas crianças em paz, com todas as suas bobagens de gênero,
trans e woke”. Detalhe: Alice Weidel, a candidata a chanceler pela AfD, é
casada com uma mulher, mas isso parece não ser um problema para o partido ou
para seus eleitores, já que as vezes em que Weidel foi confrontada com esse
fato, respondeu que não é queer e não levanta essa bandeira, apenas está casada
e tem filhos com uma mulher há muitos anos. Parece ser o suficiente e até uma
boa estratégia para tirar o ranço de conservadorismo velho.
É preciso entender também que, diferentemente da
América Latina e dos Estados Unidos, que têm sua extrema direita muito calcada
no cristianismo e, portanto, totalmente atrelada às pautas morais, na Alemanha
esses discursos antigênero e antiaborto, por exemplo, ficam em segundo plano. O
foco é no nacionalismo exacerbado, em retomar o orgulho da pátria, na “pureza
cultural”. E nos culpados por eles pelo aumento da criminalidade, da falta de
empregos e das crises econômicas e políticas – os imigrantes e refugiados,
sobretudo os vindos de culturas islâmicas.
No fim do comício, uma cena emblemática deste novo
tempo: uma senhora em seus 70 anos confrontou um grupo de meninos que passam
segurando placas da AfD. “Que vergonha! Que vergonha!”, ela grita sozinha,
repetidamente. É o passado ainda vivo, que lembra das atrocidades do nazismo,
espantado com o futuro sombrio e desmemoriado.
·
O nazismo pode voltar na
Alemanha?
Desde que Elon Musk começou a fazer campanha para a AfD
no ano passado, com participações ao vivo em encontros do partido, lives
conversando com a Alice Weidel no X, entrevistas a jornais alemães endossando o
apoio e favorecimentos na distribuição de conteúdo do partido em sua rede
social, o mundo voltou os olhos para o partido e passou a se perguntar se
existe a possibilidade real de que a extrema direita volte ao governo alemão.
Mas os alarmes locais já estavam soando havia mais tempo. Isso porque, de um
partido pequeno, isolado pelos outros no Parlamento, investigado pelo serviço
de inteligência alemão e renegado mesmo por seus pares da extrema direita
europeia, a AfD foi se tornando cada vez mais popular e tem ganhado cada vez
mais assentos nos parlamentos. Colaborou para isso o fato de que o país entrou
em recessão econômica e passou por crises políticas que levaram à dissolução do
atual governo e à convocação antecipada das eleições.
A gente no Brasil conhece a receita: insatisfação
popular com o governo, o medo que vira ódio, o tal “voto de protesto”, uma boa
movimentação nas redes sociais, o louvor a uma ideia utópica de passado,
discursos violentos endossados pela “liberdade de expressão”, a designação de
um grande inimigo e a imagem de outsider. Assim se ferve um caldo neofascista.
Mas existem importantes diferenças entre o regime
político alemão e o brasileiro que entram nessa conta.
A Alemanha é uma democracia parlamentar. Os eleitores
maiores de 18 anos têm dois votos: um para um candidato de seu distrito e um
para um partido político. O primeiro voto determina quem será o representante
de cada distrito eleitoral. O segundo define quantos assentos cada partido
receberá no Bundestag (Parlamento) com base na sua porcentagem de votos. É um
sistema híbrido, que combina a representação proporcional com mandatos diretos.
Já o chanceler é eleito de forma indireta pelo Bundestag e precisa de maioria
absoluta para assumir o cargo. Sem essa maioria, os partidos precisam fazer coalizões,
que é o que geralmente acontece. O ex-chanceler Olaf Scholz, do partido SPD,
por exemplo, tinha coalizão com os Verdes e os Liberais do FDP, mas essa
aliança se desfez em novembro de 2024 após disputas internas, incluindo uma
crise no orçamento do governo. Foi o fracasso dessa coalizão que levou à
convocação das eleições antecipadas, que ocorreram sete meses antes do
previsto.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, há ainda um
acordo entre os principais partidos políticos da Alemanha de que a extrema
direita jamais deve voltar ao poder. Por isso, se criou o chamado “cordão
sanitário”, que isola partidos extremistas no Parlamento. Essa estrutura
política foi pensada justamente para impedir ou ao menos dificultar a ascensão
de um novo Hitler. E de fato, desde a criação da AfD, em 2013, nenhum outro
partido havia feito nenhum tipo de coalizão ou parceria com ela. Até agora.
No dia 27 de janeiro, exatamente o Dia Internacional da
Lembrança do Holocausto, o candidato do partido conservador CDU que provavelmente
será o próximo novo chanceler, Friedrich Merz, aceitou o apoio da AfD em uma
proposição no Parlamento sobre endurecer políticas de imigração e asilo. O ato,
que aconteceu exatamente no 80º aniversário da libertação das pessoas de
Auschwitz, foi visto como uma brecha no “cordão sanitário” e gerou uma onda de
protestos pelo país, críticas por parte dos outros partidos políticos e da
ex-chanceler Angela Merkel, que quebrou um longo período de silêncio para
condenar a atitude do parlamentar. Merz argumentou que apenas aceitou aquele
apoio específico, mas que nunca fez e nunca fará nenhum tipo de parceria com o
partido extremista.
A questão é que, segundo o resultado provisório das
novas eleições, a AfD tem agora 152 assentos no Parlamento, atrás apenas do partido
vencedor, que ficou com 208. Com a nova configuração, fica cada vez mais
difícil para os outros partidos manter o cordão sanitário. E analistas
políticos alemães têm apontado que a popularidade da AfD tem puxado a régua
política para a direita, sobretudo com relação ao endurecimento das políticas
de imigração, na tentativa de abocanhar parte do eleitorado extremista.
Por outro lado, o Partido Social-Democrata teve 120
cadeiras, os Verdes obtiveram 85, o partido de esquerda Die Linke surpreendeu
os pessimistas e aumentou significativamente o número de cadeiras para 64. E
mais: foi o partido mais votado entre jovens de 18 a 24 anos, segundo dados
prévios divulgados por institutos de pesquisa alemães. O partido conseguiu uma
votação expressiva entre as mulheres jovens –— ainda mais expressiva que a AfD
conseguiu com os homens da mesma faixa etária.
Durante a última campanha eleitoral, a AfD distribuiu
panfletos que imitavam passagens aéreas só de ida, “De: Alemanha – Para: País
de origem”. Na parte do passageiro, se lia “Imigrantes ilegais”. A data de
partida era o dia das eleições federais, 23 de fevereiro. Na parte de baixo,
estava escrito “Apenas a remigração pode salvar a Alemanha”.
No entanto, em um encontro de conservadores entre
Alemanha, Hungria e Estados Unidos que aconteceu em Berlim em outubro do ano
passado e no qual me infiltrei, o Parceria Transatlântica em uma Nova Era (Transatlantic Partnership in a New Era),
foi uma deputada da CDU de Merz, Mechthilde Wittmann, que afirmou (sem
apresentar dados, porque eles não existem) que o aumento da violência de gênero
na Alemanha está exclusivamente relacionado ao aumento da imigração. Disse que
os imigrantes da Ucrânia são diferentes, mas “outros”, se referindo aos de
origem islâmica, mesmo depois de três gerações, ainda não se integram e usam
mesquitas para arquitetar planos terroristas.
·
De isolados a “rock stars”
Uma reportagem da CNN
publicada no início deste ano relata a longa fila de jovens que esperavam em
uma noite chuvosa em Suhl, na antiga Alemanha Oriental, para ouvir um ídolo
improvável: Björn Höcke, uma das figuras mais extremistas da AfD. Ele é
conhecido por usar terminologias nazistas em seus discursos, participar de
marchas neonazistas e dar declarações como “Essas políticas estúpidas de lidar
com o passado nos paralisam – não precisamos de nada mais do que uma reversão
de 180 graus na política da memória”.
Indagados sobre por que apoiavam a AfD, os jovens
responderam à CNN com o lema do partido: “A migração é a mãe de todas as
crises. Temos muitos imigrantes ilegais neste país que não estão se
comportando. E acho que muitos dos problemas que temos hoje também são causados
pela imigração em massa descontrolada”. Tornou-se comum durante os comícios da
AfD ver jovens cantando a plenos pulmões que querem “deportar aos milhões”.
Já Höcke disse à reportagem: “Se eles veem um pouco de
estrela do rock em mim, tudo bem, porque os jovens precisam de ídolos assim”.
A AfD foi criada em 2013, durante a crise financeira na
Europa, especialmente a crise do euro. Suas raízes estão nos protestos
eurocéticos, quando havia um grande receio de que a moeda comum, o euro,
falhasse. Naquele período, tanto no espectro conservador quanto no liberal da
Alemanha, representado pelos partidos FDP e CDU, havia temores de que a
Alemanha perdesse sua vantagem competitiva por causa do euro.
Foi nesse contexto que começou a surgir uma nova força
política no país, algo que antes não existia. Ela se formou nas margens desses
partidos tradicionais. Embora o FDP e a CDU continuassem a existir, alguns de
seus membros, que defendiam uma política fiscal alemã mais rígida e a adoção de
medidas de austeridade para os países do sul da Europa, acabaram deixando esses
partidos e fundaram a AfD.
Esse movimento foi fortemente influenciado por
economistas neoliberais. O primeiro presidente da AfD, Bernd Lucke, com sua
experiência como economista, defendia a ideia de que seria melhor para os
países do sul da Europa saírem da zona do euro. O argumento era que os países
do sul da Europa eram “fracos”, enquanto a Alemanha era “forte”.
Por trás da questão do euro, como símbolo do que estava
dando errado na Alemanha na época, a AfD conseguiu inserir sua própria agenda
política. Com o tempo, o partido foi se radicalizando e se tornando cada vez
mais xenófobo.
Como me disse em entrevista o doutor
David Bebnowski, historiador e cientista social do Amerika-Institut da
Universidade Luís Maximiliano de Munique (LMU) que escreveu um livro sobre a
AfD, em termos da ideologia do partido, o que se vê agora é uma espécie de
mistura presente em outras partes da nova direita: não há uma ideia uniforme.
“Acho que a única coisa que talvez mantenha o partido unido é uma autoimagem
nacionalista e racista. Portanto, o medo da imigração. Mas, por trás disso, há
diferentes agendas. Há integrantes muito neoliberais e orientados para o
mercado, como os libertários, como a Beatrix von Storch, que também é bastante
nacionalista e cristã evangélica radical, e Alice Weidel. E temos pessoas como
Björn Höcke, que é realmente um fascista. Em última análise, eles são unidos
por algo que podemos caracterizar como o que Donald Trump diria, ‘make America great again‘, o ‘make Germany great again’, com enormes
conotações nacionalistas e, muitas vezes, racistas.”
Alice Weidel segue a cartilha dos líderes de extrema
direita. A economista de 46 anos, lésbica, casada com uma imigrante, ocupa a
liderança da AfD desde 2022 mas é a líder parlamentar do partido no Bundestag
desde 2017. Para além de suas propostas de deportar aos milhões, a AfD defende
a manutenção do “freio da dívida”, ao mesmo tempo que quer reduzir impostos. Em
termos de política externa, o AfD é próximo de Vladimir Putin, defende o fim
das sanções contra Moscou e um corte radical no apoio militar a Kiev. O partido
advoga também que a Alemanha deve se retirar da União Europeia e que o país
deve abandonar os acordos internacionais subscritos a respeito do clima.
Sobre o apoio de Elon Musk, a opinião dos alemães é
mais cética. Musk não é exatamente uma figura popular no país. O bilionário tem
uma gigantesca fábrica da Tesla em Berlim, que frequentemente é alvo de
protestos e disputas trabalhistas. Desde a campanha de Musk em favor da AfD, as
vendas da Tesla despencaram 60% no país.
Nesse sentido, o maior ganho da AfD com o apoio dos
Estados Unidos é sua internacionalização e um lugar à mesa da extrema direita
mainstream. Em três anos me infiltrando em congressos e eventos de extrema
direita na Europa, eu nunca vi um membro do partido participar de uma mesa de
conversa, dar uma palestra ou sequer ser mencionado. Sempre houve um
constrangimento, uma vergonha por parte dos ultraconservadores europeus em ter
sua imagem relacionada a um partido tão radical. Em breve saberemos se isso vai
mudar com o apoio trumpista.
Afinal, os tempos são outros. Políticos,
influenciadores e autoridades se sentem à vontade para fazer saudações nazistas
para o mundo todo ver. A tentativa de revisionismo histórico e da naturalização
do fascismo é literalmente o Zeitgeist (espírito
do tempo, em alemão).
Por tudo isso, essas eleições são cruciais para os
próximos passos não apenas da Alemanha, ou da União Europeia, mas da extrema direita
no mundo todo. O que acontece em Berlim não fica em Berlim, como a história já
mostrou.
¨ AfD, a
aliada de Trump no Parlamento alemão
Medos, cenários
catastróficos e teorias da conspiração alimentam a Alternativa para a Alemanha (AfD). Quando, na
noite da eleição, saiu o resultado de
que o partido – que o serviço secreto alemão classifica como,
em partes, extremista de direita – obteve uma votação histórica, com 20,8%, mas
mesmo assim ficaria em segundo lugar, atrás da aliança conservadora CDU/CSU, os comentários
começaram a aparecer nas redes sociais: "Fraude eleitoral!",
"Adeus, Alemanha!", "Vamos todos morrer", "Última
esperança: Trump!".
Apoiadores da AfD não têm
tempo para festejar que o número de votos tenha dobrado de uma eleição para a
outra – o que os move parece ser uma fixação pela ruína. Para eles, a
Alemanha, a terceira maior economia do mundo, está à beira do colapso. E não é
de hoje, há décadas já. E milhões de alemães parecem concordar com eles e votam
na AfD. Para que algo mude, eles exigem – copiando o slogan do presidente dos
EUA, Donald Trump – a "Alemanha em primeiro lugar!"
<><> Teorias da
conspiração
O empresário Jürgen
Elsässer, um fervoroso teórico da conspiração e apoiador do presidente dos EUA,
também exige isso. Elsässer já foi um extremista de esquerda. Hoje ele é um
extremista de direita, empresário de comunicação e influente militante na
campanha eleitoral da AfD. Na noite da eleição, seus funcionários da Compact TV
estiveram entre os primeiros a conseguirem entrevistas com as lideranças do
partido. A editora Compact é alvo de um processo de proibição que corre em
última instância no Tribunal Administrativo Federal.
A acusação é de que a
Compact, que publica a revista de mesmo nome, espalha "conteúdo
antissemita, racista, de desrespeito às minorias, de revisionismo histórico e
de teorias da conspiração", de acordo com o Ministério do Interior da Alemanha,
que em julho de 2024 proibiu a circulação da publicação (a proibição foi
suspensa pelo Tribunal Administrativo Federal até o julgamento do caso). A
candidata à chanceler federal da AfD, Alice Weidel, considera a tentativa de
proibição um "sério golpe à liberdade de imprensa".
O próprio Elsässer
participou da transmissão ao vivo, no domingo da eleição, do seu canal no
YouTube. Situações como essa o agradam: tudo está ainda incerto e aberto a
especulações! Durante o programa, Elsässer reclama dos alemães: muito poucos
votaram na AfD. "Parece-me que há uma tendência suicida na maioria dos
alemães", diz. Quase 400 mil seguem seu canal.
<><> Guerra de
duas frentes
Para quem acredita nas
palavras de Elsässer, a guerra está chegando à Alemanha, e o responsável é o
candidato a chanceler federal Friedrich Merz, dos partidos conservadores democratas cristãos. "O que está por
vir é uma guerra de duas frentes, que o Sr. Merz quer começar", alega Elsässer.
De um lado a Rússia, do outro os Estados Unidos. "E o último a tentar isso
havia sido Adolf Hitler", acrescenta. Merz e Hitler, destruição, Alemanha
em ruínas – pior não tem como.
Mas Elsässer vê uma saída
para a Alemanha: "Talvez precisemos de uma ocupação temporária pelas
potências de paz Estados Unidos e Rússia". No programa de TV, o ex-membro
da AfD no Bundestag Armin-Paul Hampel o apoia: a chamada cláusula dos Estados
inimigos, da Segunda Guerra Mundial, ainda é aplicável, diz.
Ela permitiria às antigas
potências vitoriosas, Rússia e Estados Unidos, "intervirem política e
militarmente na Alemanha sem uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, se
estiverem convencidas de que a situação política está se tornando
instável", afirma o ex-deputado. Os presidentes dos EUA e da Rússia,
Donald Trump e Vladimir Putin, como salvadores da nação alemã: é o que sugere a
direita radical moderna.
<><> Apoio de
Musk e Vance
A Alemanha não está à beira
do abismo, não quer uma guerra de duas frentes e teorias da conspiração como
essas soam risíveis, mas a verdade é que elas criam um ambiente que pode ter um
impacto no mundo real. A eleição de 2025 mostrou que muitas pessoas na Alemanha
têm preocupações causadas pelo medo da guerra e das crises.
No dia seguinte à eleição,
Weidel aproveitou a onda: "Deve valer para a Alemanha que tenhamos bons
contatos com nossos parceiros: os Estados Unidos, a Rússia e a China",
disse a líder da AfD na primeira entrevista à imprensa da capital alemã após a
eleição.
E, com os seus novos
contatos no governo Trump, como o conselheiro governamental Elon Musk e o
vice-presidente JD Vance, que a
apoiaram na campanha eleitoral, Weidel aproveitou para passar por cima do novo
governo e se posicionar como interlocutora: "Somos o contato dos nossos
parceiros no cenário internacional", declarou.
A AfD vai continuar sem
poder implementar suas políticas porque, devido à natureza radical do partido,
ninguém na Alemanha quer formar uma coalizão de governo com ela. Mas a pressão
que a sigla pode exercer sobre a política externa pode vir a ser um desafio
para o futuro chanceler federal.
"O governo Trump não
tem qualquer interesse em manter a Europa como um player forte. Sua abordagem
parece ser a de apoiar nacionalistas radicais para enfraquecer a União
Europeia", comenta o cientista político Boris Vormann.
<><> Valores em
comum com Trump
Ou seja, a forte presença
AfD no Bundestag poderia ser um instrumento para o governo Trump minar a
autoridade do governo alemão. A base para isso é a proximidade ideológica de
Trump com a AfD. "Há uma ideia comum sobre o que está errado na sociedade,
como a rejeição do 'wokismo' e a defesa da família tradicional e dos valores
conservadores", observa Vormann.
E assim como Trump, a AfD
tem certa admiração pelo presidente e homem forte da Rússia, Vladimir Putin. O
líder da AfD no estado da Turíngia, Björn Höcke,
classificado de extremista de direita pelo serviço interno da Alemanha e um dos
políticos mais influentes da AfD, elogiou a Rússia de Putin numa entrevista em
janeiro de 2023: "Hoje é um país não apenas com associações negativas, mas
também do qual alguns têm a esperança de que possa ser pioneiro num mundo de
Estados livres e soberanos, sem influência hegemônica".
O fato de Putin estar
travando uma guerra sangrenta na Ucrânia, que já causou a morte de dezenas de
milhares de pessoas, não é um problema para a AfD. Nem que os Estados Unidos,
sob o comando de Trump, estejam colocando o Estado de Direito sob pressão. Com
a proximidade ideológica a ambos, os líderes da AfD querem dar a si mesmos ares
de estadistas. Se os conflitos entre a Europa e os EUA ou a Rússia aumentarem,
eles também poderão se posicionar como uma alternativa na política externa.
Em meio a tudo isso, a AfD
persegue um objetivo: tornar-se a maior força política da Alemanha. Até lá, ela
não vai deixar os conservadores em paz e vai mantê-los sob pressão. Na noite da
eleição, Weidel já falava sobre o pleito de 2029: "Aí teremos um mandato
para governar".
Fonte: Por Andrea DiP , da Agência
Pública/DW Brasil
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