Quando
escrevi o texto “O pior pode estar por vir“, em plena campanha eleitoral,
alguns amigos me acusaram de estar naufragando nos mais tacanhos argumentos da
direita e de não ter entendido nada da disputa política no Brasil. Rechacei
fortemente essa interpretação, já que o que o post afirmava é que, ao aniquilar
todas as alternativas de esquerda com sua retórica “PT ou direita”, o PT estava
propiciando condições para a aglutinação da oposição justamente em torno da
direita, como espécie de “profecia-que-cumpre-a-si-mesma”. A crença na figura
salvadora de Lula, que supostamente sobrepujaria os dissensos e seria capaz de
apaziguar a cena, não apenas mostrava como o PT vinha se tornando – contra suas
ideias fundantes – um partido baseado numa figura populista, como também que a
tensão entre os dois polos só se agravaria, já que Lula é exatamente o emblema
mais detestado pela direita na associação com o petismo. Hoje é tempo de voltar
ao tema e ver que o post não estava tão errado assim.
Já
se sabia, mas não com a intensidade atual, que o escândalo
da Petrobrás seria devastador para a popularidade do Governo. A
relativização que remete a FHC não é mais convincente simplesmente
porque são 12 anos de poder. Como sempre, Dilma mais uma vez
subestimou a política e fez uma campanha dizendo que faria o oposto que está
fazendo. O resultado é que sua base de apoio eleitoral está perdida, porque a
vê executando as medidas do seu opositor, e o outro campo está mais forte, já
que se abastece do desgaste que 12 anos governando significam. No fundo, a
campanha foi a mesma eterna subestimação da inteligência alheia que caracteriza
o governismo, recorrendo à ideia de que existe uma alma profunda indene no PT
sempre passível de ser ressuscitada e todos que se opõem ao governo como ele é
de fato estão “fazendo o jogo da direita”. O que ocorreu em 2013 já devia ter
acordado os incautos do ridículo dessa argumentação, mas parece ainda ter sido
pouco.
Marcos
Nobre recentemente declarou que o peemedebismo partiu para o ofensiva,
o PT perdeu o leme que acreditava deter. Bruno Cava o corrigiu, com toda
razão, afirmando a íntima solidariedade do modus
operandi lulo-dilmista de fazer política com o peemedebismo, considerando
que as relações são mais intrincadas que parecem. Eu diria que é necessário
assumir que finalmente a política pediu a conta.
Depois
de 4 anos de gestão tecnocrática de Dilma, na qual a política era ignorada
em nome de resultados econômicos (que não vieram), o cenário brasileiro está
devastado: fundamentalistas religiosos e fascistas nunca foram tão fortes, a
fisiologia nunca esteve tão poderosa e a oposição de direita se apresenta como
eleitoralmente viável. O silêncio de Aécio em relação ao impeachment é
compreensível pelas mesmas razões que o PT teria ficado se tivesse havido um
grande movimento de massa contra FHC após a reeleição. Condená-lo
nesse caso significaria que teríamos que, por exemplo, censurar as ruas por
estar colocando em crise o Governo Beto Richa no Paraná.
O
que está em jogo nesse tipo de argumentação é uma embalagem institucionalista,
mas no fundo um tipo de crença de que o PT deveria estar imune a
críticas e à pressão popular em um pacto secreto do tipo “sabemos que está tudo
errado, mas não podemos falar mal do nosso projeto”. Coisas que 12 anos de
governo deveriam ter sido suficientes para desfazer. Governar tem seu preço.
A
política pediu a conta. Nos últimos 4 anos, não
apenas Dilma consolidou o peemedebismo (i.e., a fisiologia
parlamentar), como buscou fomentar a mentalidade do “não há alternativa” a isso.
O pragmatismo rasteiro fortaleceu oPMDB e depois, achando que podia picar
o próprio escorpião, fomentou o surgimento de outros partidos fisiológicos para
enfraquecê-lo e governar desimpedido. Ao mesmo tempo, afastou-se das pautas da
esquerda e perdeu sua base natural. Não conheço estratégia mais burra:
perdeu-se os aliados naturais e o escorpião ficou ainda mais venenoso, porque
conta como aliados com os próprios fisiológicos que supostamente iriam o
enfrentar. A arrogância, mais uma vez e como sempre, deixa o Governo engasgado.
Sempre ela.
Mais
ainda: o PT fechou a torneira de todas as alternativas de esquerda. A
desmobilização dos movimentos sociais não foi apenas obra do acaso ou do
adesismo. Eles foram e estão sendo brutalmente reprimidos por meio de
perseguição policial, indiciamento, julgamento e prisões. O Brasil vive um
estado de exceção com prisões políticas continuamente acontecendo, mesmo que
isso não signifique um tipo de conspiração de todos os poderes, mas apenas o
funcionamento mais ou menos natural de uma máquina arbitrária que, formada na
Ditadura Militar, acostumou-se a considerar a subversão ou a dissidência como
assunto de polícia. Ao manter José Eduardo Cardozo na pasta da
Justiça, Dilma sinaliza que não tem qualquer interesse de mudar essa
política, consentindo inclusive com o aspecto genocida que caracteriza as
operações militares (ela própria afirmou-as como modelo) que acontecem
na Favela da Maré. Não há nenhum sinal de mudança a respeito.
Fora
isso, o governismo enfraqueceu e quase destruiu a figura política
de Marina Silva, única alternativa eleitoralmente viável que aparecera ao
lulismo e ao neodesenvolvimentismo sem significar o retorno puro e simples da
direita. Marinatambém teve seus erros, por óbvio, mas a operação deflagrada
contra ela foi a maior estratégia de destruição política que testemunhei. Ao
fazer isso, o PT desqualificou o debate e impediu que a disputa por hegemonia
se desse entre dois projetos transformadores.
Hoje,
está claro (e já está na hora de os intelectuais que se posicionaram nas
eleições assumirem sua responsabilidade por isso) que o Governo Dilma
II é a seguinte fórmula: tudo de negativo que Marina faria (ajuste fiscal)
e nada da parte positiva (meio ambiente, educação etc.). A incrível arrogância
(mais uma vez ela) do PT acreditou que o PSDB era um partido quase morto que
valia a pena ressuscitar para enfrentar um rival conhecido no segundo turno. O
resultado é que, com a derrota política no parlamento resultado de quatro anos
em que a política foi solenemente ignorada como assunto irrelevante (lembremos
dos “projetos ideológicos irreais”), a direita voltou a ser competitiva.
O
cenário é muito pior que parecia. Dilma conseguiu a proeza de nomear
o pior Ministério dos últimos 20 anos, loteando cargos fundamentais como
Educação e Cidades, entregou a Fazenda para um chicagoboy que faz exatamente o
que seus adeptos mais detestam e estrangulou todas as alternativas de esquerda
ao longo dos últimos quatro anos, fortalecendo a direita como oposição.
Aniquilou as últimas esperanças das polianas das eleições passadas. Os próximos
dias serão tensos e há forte chance de que Junho/13 se repita mais ou menos com
as mesmas contradições, mas com uma direita mais organizada e forte.
O
que o Governo oferece para ser defendido? Uma bandeira? Um cargo? Está tudo
muito pior. O que podemos fazer nesse instante não é aderir ao governismo no
momento em que não resta quase nada a defender, mas buscar construir e apoiar
mobilizações à esquerda que dividam o palco com a natural reorganização, depois
de 12 anos, da direita.
Assumir
que esse governo é um fracasso retumbante e que os governistas – em especial os
mais próximos a Dilma – não fazem ideia do gigantesco equívoco que
vêm praticando (pela sua arrogância incrível) parece ser o primeiro passo para
construir o que o Brasil precisa: uma oposição que vá contra os reacionários e
entenda o PT como parte da mesma casta política que nos governa. A
posição ambígua do PSOL e do MTST a respeito mostram que o impasse
está colocado. O petismo, a crença residual numa imagem simbólica que já se
esfacelou com o tempo e precisa ser no mínimo reinventada, é o principal
obstáculo para que surja uma nova zona política capaz de servir como
alternativa à ascensão reacionária.
Autor: Moysés Pinto Neto - graduado em
Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS,
mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul - PUCRS e doutor em Filosofia nessa mesma instituição. Leciona no
curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil - Ulbra Canoas e da Univates.