Superquarta: entenda por que o BC do Brasil
pode subir os juros, enquanto os EUA devem baixar
A semana começa quente
no mercado financeiro, na expectativa da principal "Superquarta" de
2024. Esse é o nome das quartas-feiras em que coincidem as reuniões que definem
as taxas de juros dos Estados
Unidos e do Brasil.
A edição desta semana
é especial porque os investidores esperam que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos
EUA) finalmente dê início ao ciclo de redução dos juros
americanos. As taxas estão no maior patamar em mais de 20 anos, em uma briga da maior economia do mundo para conter a inflação
após a pandemia de Covid.
Foram meses de
expectativa por esse momento, pois juros menores nos EUA melhoram a atividade
da economia e dão ânimo para que os investidores do mundo todo procurem mais
rentabilidade em novos destinos, destravando tanto investimentos diretos
como nas bolsas de valores.
Já o Brasil — que
vinha em um movimento de queda desde o ano passado, mas interrompeu o ciclo de
cortes — chega a essa Superquarta com a expectativa de que o Banco Central do Brasil (BC) volte a subir a taxa básica
de juros (Selic).
O país vem colhendo
bons resultados de crescimento econômico, mas o mercado segue invocado com a
falta de soluções para as contas públicas.
Enquanto o governo
tenta convencer que será capaz de cumprir a missão de controlar os gastos, os
investidores deixam o país de fora das primeiras apostas. Sem dólares
entrando, o câmbio segue desvalorizado e gerando pressão na inflação
brasileira.
Aí que entra o papel
do BC como uma espécie de "guardião dos preços". Com a decisão desta
quarta, analistas acreditam que a instituição deve subir os juros para mostrar
um “cuidado ativo” com inflação, uma forma de convencer o mercado e os
investidores de que está vigilante com a piora das expectativas à frente.
Especialistas ouvidos
pelo g1 explicam como chegamos a essa
Superquarta com sinais opostos entre as duas instituições, e por que o BC
brasileiro pode precisar adotar um tom mais equilibrado em caso de alta, para
não jogar um balde de água fria na economia brasileira.
<><>
Entenda nesta reportagem:
- O que deve acontecer nesta Superquarta?
- O que explica a mudança de projeções?
- Como as decisões devem mexer com a economia?
<><> O que
deve acontecer nesta Superquarta?
Nesta edição da
Superquarta, as expectativas do mercado são opostas para as instituições. É
importante entender o contexto em cada uma delas.
O Federal Reserve deve
realizar o primeiro corte de juros desde 2020. O mercado dá a redução como
certa desde o discurso do presidente da instituição, Jerome Powell, no Simpósio de Jackson Hole, em
agosto.
Ele disse
que “chegou a hora de mudar a política (monetária)” dos EUA, e que há
um “amplo espaço” para reduzir os juros. Powell não deu nenhuma pista sobre
qual será o tamanho do corte, nem mesmo quantos ocorrerão, deixando essa dúvida
entre os analistas.
De acordo com a
ferramenta FedWatch do CME Group, o mercado estima uma chance de 59% de a
instituição reduzir os juros norte-americanos em 0,25 ponto percentual (p.p.).
Outros 40% acreditam ser possível um corte mais expressivo, de 0,50 p.p.
De qualquer forma, a
notícia é positiva. Entre o fim do ano passado e o começo deste, o mesmo
FedWatch mostrava que mais da metade do mercado esperava pelo menos um primeiro
corte ainda no primeiro semestre. Mas as projeções foram sucessivamente
adiadas.
De olho nos dados
econômicos que não lhe davam conforto para reduzir as taxas, o Fed foi
postergando o ajuste. A instituição olha, principalmente, para a inflação
americana, para uma possível pressão dos salários por um mercado de trabalho
aquecido e para os números da atividade econômica.
Com juros mais altos,
o crédito para consumo das famílias e para os investimentos das empresas ficam
mais caros. Por isso, esse período longo que o Fed manteve as taxas mais
elevadas ajudou a desaquecer o mercado de trabalho e, depois, a inflação.
Nos últimos meses, a
geração de vagas de trabalho diminuiu e a taxa de desemprego subiu para
4,2% em agosto. Um ano atrás, a taxa era de 3,8%.
Já a inflação de
agosto caiu para 2,5% no acumulado em 12 meses. Esse é o menor patamar desde
fevereiro de 2021, e está mais perto da meta de 2% do Fed.
A exceção é a
atividade econômica, que continua forte. O Produto Interno Bruto dos EUA
foi de 3% no segundo trimestre. Mas há uma preocupação extra do Fed, de
promover um “pouso suave” da economia — ou seja, reduzir a inflação sem
prejudicar muito a atividade e os empregos. Um erro de calibração na hora de
ajustar os juros pode gerar uma recessão.
Com tudo isso em
conta, a economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta, acredita que essa é
apenas a primeira de uma sequência de reduções nos juros americanos até o fim
de 2024. “Esse primeiro corte deve ser o menor possível e continuar de
forma muito gradual”.
A economista está do
lado da maioria do mercado financeiro, e espera um corte de 0,25 p.p. nesta
reunião, com mais dois cortes de mesma magnitude em novembro e dezembro. Carla
explica que o “modus operandi” do Fed tem sido esse: promover ajustes pequenos
enquanto aguarda novos dados econômicos.
Caso a projeção da
economista se realize, os juros americanos devem passar da atual faixa
de 5,25% a 5,50% ao ano para um patamar entre 4,50% e 4,75%.
Por aqui, o mercado espera que o Comitê de Política Monetária (Copom)
volte a subir a taxa Selic. Segundo os
especialistas consultados pelo g1, houve uma piora da dinâmica da inflação
nos últimos meses, que colocou os analistas em alerta.
<><> Entre
os principais pontos, estão:
- A forte desvalorização do real em relação ao dólar;
- O crescimento (bem acima do esperado) da atividade
econômica;
- O desemprego nos menores patamares em 10 anos;
- A dificuldade de que o governo cumpra o arcabouço fiscal e
dê jeito nas contas públicas.
O Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do
país, acumula 4,24% em 12 meses.
Mesmo que ainda esteja
dentro do que se considera uma meta de inflação cumprida, em que o teto é de
4,5%, o BC é obrigado também a olhar as projeções para meses (e anos) à frente,
em que o IPCA está gradualmente se distanciando dessa mesma meta.
Segundo a economista
sênior da LCA Consultores Thaís Zara, a instituição começou a olhar a situação
com mais de cautela diante da proximidade da inflação com o teto da meta, e
conforme economistas do mercado financeiro passaram a reavaliar os riscos da economia
brasileira citados acima.
“As expectativas estão
desancoradas, e isso tende a influenciar a própria inflação. As pessoas acabam
reajustando preços porque percebem que a inflação futura pode ser mais alta”,
explicou Zara.
Inflação
"desancorada" é o jargão do mercado financeiro para definir esse
momento em que as projeções dos economistas começam a escapar do que o BC
precisa cumprir pela meta de inflação.
No mercado, não há um
consenso se a situação é suficientemente grave para a subida de juros, mas a
maior parte dos economistas já projeta uma taxa Selic em 11,25% ao ano até o fim de 2024 — 0,75 p.p. a mais que atualmente.
Para Alex Lima,
fundador e estrategista-chefe da DA Economics, o mercado ainda pode enfrentar
dificuldades para acertar as contas e recalcular as rotas para o que deve
acontecer nas próximas reuniões do Copom.
“Vamos precisar viver
um dia após o outro. Vai depender muito das sinalizações do Fed e do comunicado
do Copom. Também de se condicionar pelos dados econômicos. E de ser
relativamente duro para trazer as expectativas do mercado de volta para o
lugar”, disse o especialista.
·
O que explica a mudança de projeções?
A previsão de um novo
aumento de juros pelo Copom é nova no mercado. A mudança pôde ser vista nos últimos boletins do Focus, relatórios semanais elaborados pelo BC que reúnem projeções de
economistas para os principais indicadores econômicos do país.
Em janeiro, o Focus
apontava para uma queda substancial da Selic em 2024. A estimativa era de
que a taxa encerrasse o ano em 9%, o que representaria uma queda de 2,75 p.p.
em relação ao fim do ano passado (11,75% ao ano). Já na semana passada, a expectativa apontava para 11,25% ao ano.
Nesse mesmo intervalo,
as estimativas para o Produto Interno Bruto (PIB) também mudaram bastante, mas para melhor. O Focus apontava
para um PIB de 1,60% neste ano. Agora, a expectativa é de alta de 2,68% — com
tendência de subir mais nas próximas semanas.
O economista André
Perfeito diz que parte do que explica esses “erros sistemáticos de
projeção” é a dificuldade que o mercado tem sentido em entender os
movimentos da economia e os efeitos das políticas públicas nos números.
“Isso tem a ver com a
incapacidade do governo de coordenar as informações”, disse Perfeito.
Em suma, os cálculos
são feitos para tentar ler os rumos da economia, mas os erros se acumulam. Com
os analistas perdidos, é preciso se segurar em qualquer nova pista do que pode
acontecer.
Quando isso se junta
com uma desconfiança persistente com os rumos do governo — seja pela
necessidade de demonstrar mais preocupação com as contas, seja pelo teste da
autonomia do BC com a sucessão de Roberto Campos Neto — um dado fora das
expectativas pode mudar todo o rumo da análise.
“A atividade robusta
[que pode elevar salários e pressionar os preços], uma desinflação lenta e até
mais desafiadora, pioraram as expectativas. E ainda vimos um endurecimento na
própria comunicação do Copom, indicando maior cautela e vigilância”, lembra o
economista-chefe para Brasil do BTG
Pactual, Claudio Ferraz.
O problema não é uma
exclusividade brasileira: não custa lembrar que as expectativas para as taxas
de juros nos Estados Unidos também mudaram bastante ao longo de 2024. De março
para abril. Depois, maio. Em seguida, junho. Por fim, setembro.
Pela lógica, os juros
elevados deveriam levar os Estados Unidos a passar por uma desaceleração muito
antes do que se previa. Passaram os meses e a maior economia do mundo continuou
mostrando força.
Segundo Paulo Gala,
economista-chefe do Banco Master, a resiliência da economia americana foi
puxada às custas do aumento do déficit público (quando os gastos do governo
extrapolam as receitas).
“O déficit lá pode ser
de um valor monumental, de até US$ 1 trilhão neste ano. Tem muito gasto
público, muito programa de transferência de subsídios para investimentos, e
tudo isso estimula a economia”, explica Gala.
Mais uma vez, os
estímulos fizeram os especialistas errarem o cálculo ao projetar uma recessão
para os EUA. No início de agosto, quando o relatório payroll, do mercado de
trabalho americano, veio bem mais fraco que o esperado, houve um dia de pânico no mercado financeiro, com quedas de mais
de 3% nas bolsas americanas.
O mercado dava como
certo que uma crise se aproximava. Dois dias depois, com novos dados de
atividade econômica, o "terror" se dissipou, e tudo voltou ao normal.
Por isso, o Fed tem
sido absolutamente cuidadoso em suas comunicações. Por isso, Cristian Pelizza,
economista da Nippur Finance, acredita que a instituição terá bastante
parcimônia ao reduzir as taxas, com cortes de 0,25 p.p.
Tudo se trata de
passar a mensagem mais correta possível. Uma surpresa só aconteceria, na visão
de Pelizza, se houvesse uma queda muito forte dos empregos em pouco tempo.
“Uma desaceleração no
mercado de trabalho poderia dar velocidade ao ciclo e ditar quão rápidos seriam
os cortes”, diz o economista.
<><> Como
as decisões devem mexer com a economia?
Na teoria, quando os
juros de um país sobem, o consumo das famílias se reduz e os investimentos das
empresas ficam mais caros. É uma forma de controle da inflação, por meio da
desaceleração da atividade econômica.
O que o Copom tenta
fazer é encontrar um equilíbrio delicado, de mostrar ao mercado que vai agir ao
menor sinal de complicação com a inflação brasileira, mas sem reverter os bons
resultados do PIB brasileiro e nem prejudicar o mercado de trabalho, que está nos melhores níveis em 10 anos.
Economistas dizem que
a alta de juros é uma forma de demonstrar um “cuidado ativo” com a inflação,
para tentar ancorar as expectativas do mercado e driblar pressões também nas
projeções de juros.
“Quando olhamos para
todo esse balanço de riscos que o Copom analisa, há uma série de fatores que
apontam a necessidade de um ajuste adicional. Mas não acredito que será um
ciclo de alta muito grande ou extenso, porque a correção de rumo necessária é
relativamente pequena”, disse Zara, da LCA.
Para alguns
especialistas, no entanto, ainda será necessário acompanhar a evolução do
cenário macroeconômico para entender se esse ciclo de altas será suficiente.
“É fundamental o apoio
de uma política fiscal mais contida, principalmente porque persistem as dúvidas
sobre a sustentabilidade do novo arcabouço fiscal e o alcance das medidas de
estabilização da dívida pública”, afirmou Ferraz, do BTG.
Por outro lado, a
provável redução nas taxas americanas deve mexer com o fluxo de dinheiro no
mundo todo. E isso pode, inclusive, beneficiar um fluxo maior de capital
para o Brasil, melhorando o mercado de ações e também a cotação do dólar.
“Nosso câmbio está
rodando em torno de R$ 5,60 muito por fatores domésticos, mas com certeza seria
uma pressão para baixo sobre o câmbio esse início de um afrouxamento de juros
nos EUA”, diz Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research.
Nesse sentido, um
consenso entre os especialistas é que uma possível queda do dólar também traria
bons efeitos sobre a inflação.
Parte da inflação
brasileira é dolarizada, por conta dos diversos insumos e produtos importados
que são consumidos no país. Assim, com um dólar mais barato, a pressão dos
preços desses itens cai e tende a reduzir a inflação.
Paulo Gala, do Master,
conclui que “quanto mais o Fed reduzir seus juros e continuando na estratégia
do ‘pouso suave’, menos o nosso BC precisa subir a Selic, porque mais dólar
entra no Brasil e ajuda a controlar a taxa de câmbio e a inflação”.
Fonte: g1