sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Mercado Bet: A regulamentação atual é eficaz?

As apostas esportivas online, também conhecidas como “bets”, conquistaram um espaço significativo no Brasil nos últimos anos. Com a popularização das plataformas digitais e o crescente interesse pelo esporte, esse setor emergiu como uma verdadeira potência econômica, movimentando cerca de 1% do PIB nacional — algo em torno de R$ 100 bilhões. Mais rentável até que nos Estados Unidos, onde as plataformas obtêm uma margem de lucro de cerca de 7%, enquanto no Brasil esse número atinge cerca de 13%.

O mercado bet atrai cada vez mais apostadores de todas as classes sociais. Mas, será que a regulamentação atual é suficiente para controlar os impactos dessa prática na vida financeira das pessoas e na sociedade como um todo?

Em dezembro de 2023, a Lei nº 14.790 foi sancionada, regulamentando as apostas esportivas online. Essa lei, que veio atualizar o texto da Lei nº 13.756/2018, estabeleceu algumas diretrizes importantes, como a exigência de que as propagandas tragam avisos de conscientização, como “jogue como forma de diversão” ou “não jogue como investimento”.

Além disso, as plataformas devem estar licenciadas para operar legalmente no país, e há esforços conjuntos entre o Ministério da Justiça, Banco Central e Anatel para coibir sites irregulares. Mas, apesar dessas medidas, os efeitos sociais e econômicos desse mercado ainda levantam preocupações, especialmente quanto à saúde financeira dos apostadores e à falta de uma fiscalização mais profunda e eficiente.

•        O peso no bolso da população

Um estudo da XP Investimentos mostrou que 64% dos apostadores no Brasil utilizam sua principal fonte de renda para realizar suas apostas. Isso significa que muitos acabam comprometendo verbas essenciais para o sustento diário em busca de um retorno financeiro incerto. A pesquisa revela ainda que 23% dos apostadores deixaram de comprar roupas, 19% reduziram gastos no supermercado e 14% abriram mão de produtos de higiene pessoal para poder apostar. Essas estatísticas alarmantes demonstram como o mercado de bets impacta diretamente o consumo de bens básicos e essenciais da população.

Diante desse cenário, algumas empresas no Brasil estão indicando as bets como vilãs para a redução do consumo no mercado, a exemplo da varejista SideWalk que entrou em recuperação judicial e alegou que os consumidores estão deixando de fazer compras para apostarem nas plataformas bets.

Por outro lado, temos o Itaú que, em agosto de 2024, publicou seu relatório de Macro Visão afirmando que não encontraram impacto relevante das bets no setor varejista. Ainda assim, a preocupação sobre o impacto financeiro nas famílias brasileiras persiste, especialmente diante da falta de controle efetivo sobre o comportamento dos apostadores.

•        Proibições e fiscalização rigorosa: lições de outros países

Enquanto o Brasil começa a esboçar uma regulamentação para o mercado de apostas, alguns países europeus, como a Bélgica, adotam medidas mais severas.

Em março de 2023, o governo belga anunciou a proibição de anúncios de apostas em mídias sociais, TV e estádios esportivos, uma tentativa de reduzir o apelo das bets, especialmente entre os mais jovens e vulneráveis. Seria essa uma solução para o Brasil? Proibir ou restringir a publicidade de apostas, da mesma forma como já acontece com os cigarros, pode ser um caminho eficaz para minimizar os danos sociais, evitando que o jogo seja amplamente romantizado e normalizado como algo inofensivo.

A regulamentação brasileira precisa, de fato, avançar para além dos avisos genéricos nas propagandas. É fundamental que se estabeleçam barreiras mais concretas à publicidade massiva das plataformas de apostas, que invadem o cotidiano do cidadão comum, seja na televisão, nas redes sociais ou em eventos esportivos.

Além disso, deve-se implementar auditorias mais rigorosas por parte do governo nas atividades das casas de apostas, verificando a conformidade com práticas éticas e a proteção do consumidor. Um compliance robusto, com due diligence eficiente torna-se fundamental para garantir que menores de idade não participem das apostas e que o sistema financeiro não seja utilizado para a lavagem de dinheiro.

•        Compliance e due diligence: A necessidade de um controle eficiente

A regulamentação atual, embora um passo na direção certa, ainda peca pela falta de controle mais estrito sobre as práticas internas das plataformas de apostas. O compliance, ou seja, a aderência a regras e normas, precisa ser reforçado.

É essencial que as plataformas adotem processos mais rigorosos de verificação da idade dos jogadores e de identificação de possíveis fraudes. Isso envolve a implementação de due diligence, uma análise detalhada do perfil dos apostadores, que permita detectar comportamentos suspeitos ou fora do padrão, prevenindo, assim, não só a participação de menores, mas também o uso das bets para atividades ilícitas.

Além disso, o Estado deve atuar de forma mais ativa na fiscalização desse setor, realizando auditorias regulares e estabelecendo punições para plataformas que operam fora dos parâmetros legais.

•        Conclusão: A regulamentação como proteção social

O mercado de apostas esportivas online no Brasil é vasto, lucrativo e, sem dúvida, veio para ficar. No entanto, sua regulamentação precisa ir além da formalidade. Para que a população, especialmente a mais vulnerável, não seja prejudicada, é necessário implementar uma legislação mais rígida, que inclua a proibição de publicidade ostensiva e uma fiscalização governamental eficaz e constante.

O Brasil precisa aprender com os exemplos internacionais e não apenas controlar o mercado, mas proteger seus cidadãos dos perigos associados ao vício em jogos de azar e à destruição financeira que ele pode causar. Afinal, se o “jogo responsável” é o lema, é preciso que as regras do jogo sejam claras, justas e, sobretudo, aplicadas com rigor.

 

•        O tigrinho e o porco: uma reflexão sobre as bets no Brasil. Por Ádamo Antonioni

Um levantamento realizado pela Educa Insights revelou que 35% dos brasileiros interessados em cursar uma graduação neste ano adiaram os planos devido aos gastos com apostas online, o chamado “jogo do tigrinho”. Com a promessa de ganhos rápidos, as apostas tornaram-se uma alternativa atraente para muitos jovens. No entanto, a longo prazo, este ciclo vicioso de abandono escolar e dependência financeira tende a criar uma força de trabalho menos qualificada, além de aumentar a desigualdade social.

As “bets” foram liberadas no Brasil em 2018 sem qualquer regulamentação. As empresas de apostas passaram a investir pesadamente em publicidade nos canais de TV e redes sociais, contratando influenciadores, artistas e atletas para divulgarem os jogos online, com a promessa de dinheiro fácil. As apostas esportivas online criaram um mercado bilionário no país às custas do endividamento dos brasileiros e gerando problemas de saúde mental em muitas famílias.

O teórico José Marques de Melo já dizia lá nos anos 1970 que a natureza lúdica dos brasileiros é uma das mais significativas da nossa identidade cultural. O brasileiro é Homo ludens, argumenta Melo, porque levamos a sério aquilo com que nos divertimos e fazemos brincadeira com coisa séria. Assim, levamos muito a sério atividades como carnaval, futebol e jogo do bicho. Este último, nesta Era Digital, ganhou novos contornos tecnológicos, invadindo as telas dos smartphones e tornando-se num tigre esfaimado por dinheiro.

Num país em que a concentração de renda é um escândalo, tendo em vista que os 10% mais ricos concentram 51% da renda total do Brasil, o que sobra aos outros 90% é a ludicidade, é a fantasia, é o sonho. Também podemos resumir na pergunta capciosa daquele apresentador de um programa tosco nos domingos: Quem Quer Ser Um Milionário? E alguém dirá que não?

É neste ponto que o Homo ludens encontra-se com o Homo aeconomicus. É da união destes dois elementos que faz explodir os jogos de apostas online no Brasil, porque um explora o imaginário através da diversão, o outro pega pelo bolso, nutrindo a esperança do sucesso financeiro.

O Homo aeconomicus, nas sociedades neoliberais como a nossa, adota como princípio universal a concorrência ampla e generalizada, em que todos estão competindo contra todos, não há espaço para cooperação e solidariedade, é uma selva em que sobrevive o mais forte. E todas as dimensões da sociedade passam a ser interpretadas como uma empresa. A escola é uma empresa. A Igreja, uma empresa. A administração pública, empresa. Até mesmo nossa própria subjetividade é vista como uma empresa. Somos os “empreendedores de nós mesmos”. Esta análise foi desenvolvida pelo filósofo francês Michel Foucault lá nos anos 1970.

Muito se tem falado sobre educação financeira como forma de conscientização. Porém, se o conteúdo estiver enraizado numa lógica neoliberal, voltada à competição generalizada do “todos contra todos”, não resolve o problema, só o agrava. Como pensar numa educação financeira que ofereça uma alternativa ao modelo neoliberal e que esteja comprometida com uma sociedade verdadeiramente justa e democrática? Uma Educação que não aborde nossos problemas estruturais, como desigualdade, concentração de renda, autoritarismo, não é educação, é só papo vazio de coach.

Como diria Marx, que tanto influenciou o século passado com suas ideias, estamos tentando fazer a história, mas apenas sob as condições que nos são dadas. E neste século XXI, diante das atuais condições que nos são dadas pelo neoliberalismo, esta nova fase do sistema capitalista, parece que apenas assistimos a história sendo contada, enquanto somos tomados por um sentimento de cansaço, desilusão e desesperança.

Assim seguimos em busca de respostas num cenário cada vez mais caótico à medida que novas perguntas vão surgindo. O que fazer? Talvez desempoeirar teorias, atualizar conceitos, aproximar autores como Marx e Foucault. Seja como for, o certo é que não há como enfrentar o tigrinho sem antes limpar definitivamente a sujeira deixada pelo porco capitalista.

 

•        Ministério acompanhará regulamentação das bets após gastos do Bolsa Família e pede esclarecimentos à Fazenda

O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, anunciou que solicitou esclarecimentos ao Ministério da Fazenda e que acompanhará a regulamentação das apostas online para evitar que recursos de benefícios sociais sejam utilizados em jogos de azar.

O comunicado foi divulgado após um relatório do Banco Central revelar que, apenas em agosto, cerca de cinco milhões de beneficiários do Bolsa Família destinaram R$ 3 bilhões a apostas online.

“É fundamental lembrar que os programas sociais de transferência de renda foram criados para assegurar a segurança alimentar e atender às necessidades básicas das famílias em situação de vulnerabilidade. Nossa prioridade será sempre combater a fome e promover a dignidade para quem mais precisa”, enfatizou o ministro.

A regulamentação das chamadas bets foi anunciada pelo governo em maio deste ano, e Dias garantiu que o governo federal levará em conta a proteção dos mais vulneráveis e os possíveis impactos sociais dessa prática.

“Nosso foco permanece firme: garantir que o Bolsa Família continue sendo um instrumento eficaz de combate à pobreza e à insegurança alimentar. Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que esse objetivo se mantenha”, reforçou.

<><> O estudo do Banco Central

O estudo do BC, elaborado a pedido do senador Omar Aziz (PSD), mostra que os R$ 3 bilhões transferidos para casas de apostas por meio do PIX correspondem a cerca de 24 milhões de beneficiários do programa social do governo.

O perfil predominante dos apostadores está na faixa etária de 20 a 30 anos, e o valor médio das transferências varia conforme a idade, com os apostadores mais velhos investindo mais dinheiro nos jogos online. Enquanto os mais jovens apostam cerca de R$ 100 por mês, os mais velhos chegam a gastar mais de R$ 3 mil mensalmente.

<><> A proteção aos consumidores

Para reforçar a proteção dos consumidores, o secretário nacional do consumidor, Wadih Damous, destacou a preocupação com o crescente problema da dependência em jogos de azar e o previsto superendividamento causado por aplicativos de apostas. A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), promete agir para restringir a publicidade e o acesso a essas plataformas.

“A partir de 1º de outubro, será realizado um mapeamento das ocorrências, e a população é convidada a denunciar casos por meio do Consumidor.gov ou dos Procons”, informou Damous ao canal do YouTube ICL. A medida visa conter o que ele chamou de “tempestade das bets”, referindo-se à proliferação desses aplicativos no Brasil nos últimos anos.

“É um drama essa febre de apostas aqui no Brasil, aliás, em todo o mundo, onde esses jogos são permitidos. Isso vai trazer muito problema, superendividamento, que é outro flagelo brasileiro, vai trazer dependência. Aquilo que o governo arrecada em termos de impostos (daí a necessidade de legalização dessas empresas) vai perder no SUS”.

 

Fonte: Por Roger Barbosa, no Le Monde/Brasil 247/Jornal GGN

 

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