segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Múcio critica inefetividade da ONU em evento no Rio de Janeiro

O ministro da Defesa, José Múcio, criticou a inefetividade das resoluções de paz aprovadas na ONU em relação tanto ao conflito ucraniano quanto ao embate na Faixa de Gaza, nesta sexta-feira (27), durante fala em evento de segurança internacional no Rio de Janeiro.

Múcio participou da Conferência de Segurança Internacional Forte XXI, fórum discussão de autoridades e acadêmicos da América Latina e Europa que visa debate os atuais problemas de segurança enfrentados ao redor do mundo.

Durante a mesa de debates, o ministro defendeu enfatizou a necessidade de uma reforma multipolar dos organismos internacionais como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, cujos participantes, segundo Múcio, "têm interesses específicos".

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"A questão do Conselho de Segurança da ONU tem que ser rediscutida, a participação, os interesses são específicos. Nós precisamos ampliar aquilo. Democratizar mais as oportunidades e as questões."

O ministro da Defesa destacou também a necessidade de focar naqueles que "trabalham pelo consenso, os negociadores da paz". A fala do ministro vem em meio a apresentação de uma proposta de paz para o conflito ucraniano, feita em conjunto pelo Brasil e pela China.

A Rússia e a Ucrânia estiveram em conversas de paz em 2022, logo após o início da operação especial russa. No entanto, a mando das potências ocidentais, em especial os EUA e o Reino Unido, a Ucrânia se retirou da mesa de negociações. Depois, Vladimir Zelensky proibiu por meio de decreto qualquer tipo de conversa com a Federação da Rússia.

Em junho deste ano, uma cúpula de paz foi organizada na Suíça. Esvaziada pela ausência de diversos líderes regionais e globais como a China, Nigéria e Etiópia, somente o lado ucraniano foi convidado. Brasil, Índia, México, Arábia Saudita e África do Sul enviaram representantes, mas não assinaram o documento final.

"Precisamos adequar os organismos internacionais para que eles tenham uma maior dinâmica nos problemas atuais. A ONU tem procurado pouco os consensos e tem assistindo os dissensos."

Nessa posição, Múcio destacou que a inclusão de mais países nas decisões permitiria um aprofundamento das discussões e até mesmo focar os esforços na prevenção dos conflitos, em vez de agir somente após a deflagração das crises.

"Esses dois grandes conflitos [Israel e Gaza, Rússia e Ucrânia] que nós temos no mundo são de questões antigas [...]. Não foi um problema recente que fez gerar aquele conflito. Então eu acho que nós precisamos trabalhar mais em um trabalho de prevenção dos conflitos [...] para que novos [não] surjam".

•        Esforço do Sul Global para mudar Conselho de Segurança da ONU é perda de tempo, avalia especialista

A demanda pelo aumento de representatividade e eficácia do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) ganhou coro nesta semana, durante a 79ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, EUA.

Nesta quinta-feira (26), em uma reunião presidida pelo Brasil à margem da assembleia, chanceleres da América Latina e da África também reforçaram pedidos de reforma do conselho. Criado há quase 80 anos, é composto por cinco membros permanentes, com poder de veto, além de dez membros rotativos, que não dispõem da prerrogativa.

O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, destacou o chamado à ação em favor da reforma, aprovado por consenso na reunião ministerial do G20 e ao qual já aderiram mais de 50 países.

Ontem (25) o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, declarou que pretendia apresentar uma proposta de convocação de revisão da Carta da ONU.

A ampliação dos assentos conta com apoio de membros como Rússia e China e vem ganhando adeptos das grandes potências, como o presidente francês, Emmanuel Macron. O chefe de Estado europeu chegou a declarar na assembleia que a exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial.

O G4, composto por Brasil, Alemanha, Japão e Índia, tem liderado esse movimento de cobrança, mas propostas enfrentam dificuldades regionais e políticas, sobretudo por parte dos EUA e da União Europeia, como pontuou Wanilton Dudek, doutor em história e professor da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), à Sputnik Brasil.

"Cada vez mais os Estados Unidos e boa parte da comunidade europeia que tem assento não demonstram interesse de fato em sentar com as nações latino-americanas e africanas para discutir essa possibilidade de ampliação, devido até mesmo às tensões cada vez mais frequentes no mundo — a possibilidade de aumentar esses assentos, ampliar, acaba enfraquecendo esse poder das potências globais, que já estão bastante enfraquecidas", ponderou.

Doutor em ciência política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) e pesquisador do Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo), ambos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o professor Murilo Gomes da Costa esclarece que a alteração da Carta da ONU necessita de dois terços dos votos da Assembleia Geral e da aprovação por todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.

"É, portanto, uma ampliação que não será facilmente alcançada no médio prazo", comentou ele, que também é um estudioso do continente africano e defende que a ampliação deve necessariamente incluir a África.

"[…] O continente está no centro de conflitos alimentados pela ganância por recursos, o que leva ao fato de que quase metade de todas as operações de manutenção da paz da ONU estejam situadas no continente africano, e 40% do pessoal que integra as equipes dessas operações são africanos."

Ele lembra que o governo do presidente dos EUA, Joe Biden, já demonstrou apoio à criação de dois novos assentos permanentes para países africanos — sem poder de veto — e um assento não permanente para pequenas nações insulares em desenvolvimento.

Gomes da Costa avalia que a atual ordem multipolar tem testemunhado rearranjos e a ascensão de novos atores na arena decisória e nos fóruns de articulação política multilaterais, e citou a ampliação do BRICS e a admissão da União Africana como membro permanente do G20 como exemplos.

"A ONU, portanto, precisa acompanhar esse movimento, e uma reforma institucional torna-se cada vez mais inevitável se a organização almeja ser mais representativa", argumentou.

Os esforços para mudar o Conselho de Segurança da ONU são perda de tempo por parte do Sul Global, que em vez disso deve priorizar ações em conjunto, defende Dudek.

"[…] Porque esperar que a ONU tome atitudes que resolvam os problemas que são inerentemente do Sul Global é ficar sentado esperando, e jamais vai acontecer, assim como jamais foi interesse do Norte Global resolver questões do Sul, a menos que as questões façam sentido diretamente para esse Norte Global."

Nesse panorama, a tendência da ONU é perder cada vez mais sua relevância, aposta o professor da Unespar, pois ela não representa uma saída para os problemas que fazem parte da realidade de países historicamente explorados pelo Norte Global.

"Vejo muito mais a saída de vários desses nossos problemas em um fortalecimento em conjunto, inclusive desses países do Sul Global. E se for necessário a partir disso, mas não como forma de subserviência, o Brasil e demais países do sul se aliarem com a China e a Rússia, essa seria uma saída, mas jamais com subserviência […]. O que a gente tem que fazer é proteger os nossos interesses, e não apoiar cegamente, como já foi com a Europa e os Estados Unidos", concluiu ele.

•        África no Conselho de Segurança da ONU: desejo é antigo, mas analista vê falta de vontade ocidental

O debate sobre a inclusão da África como um bloco no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) ganha novo fôlego, com a União Africana pleiteando uma vaga permanente.

Essa demanda, embora não nova, reflete, segundo especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, a urgência por uma representação mais equitativa na arena internacional, especialmente diante da histórica sub-representação do continente.

Ao Mundioka, podcast desta agência, Miguel Mikelli Ribeiro, professor de relações internacionais do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), destacou que a ideia de reforma do CSNU se intensificou desde a proposta do G4, que contava com o apoio de Brasil, Índia, Japão e Alemanha, visando incluir dois assentos para africanos. Ele afirmou: "Não é uma questão nova."

Mas agora, segundo ele, com o recente apoio dos Estados Unidos para países da África aderirem ao Conselho, a possibilidade de mudança, por mínima que seja, ganha mais "força".

Contudo, é, segundo ele, uma mudança "mínima". Isso porque, na opinião dos EUA, a adesão dos países africanos deve ocorrer sem poder de veto a esses novos assentos permanentes.

No entanto, a complexidade do continente africano, com suas diversas economias e estruturas políticas, levanta questões sobre como esses assentos seriam distribuídos e representados.

Ribeiro enfatizou que, enquanto a África busca um lugar à mesa, potências tradicionais como os Estados Unidos e membros permanentes do CSNU frequentemente relutam em aceitar mudanças que poderiam diluir seu poder.

Poder da África

"[Boa parte] dos membros do Conselho não têm muito desejo de reforma", disse ele, ressaltando a resistência. Essa postura pode complicar ainda mais o caminho da África em direção a uma representação significativa, já que, para muitos países, a ideia de um único assento representando o continente pode parecer insuficiente.

Com o aumento do poder econômico e político da África no cenário global, especialmente por meio da cooperação com blocos como o BRICS, a busca por duas cadeiras permanentes com direito a veto se torna uma questão de justiça e eficácia.

Ribeiro observou: "É um claro problema de representatividade. São 54 países sem um membro permanente." A situação atual, onde as principais operações de paz da ONU ocorrem no continente sem a voz africana no processo decisório, evidencia a necessidade de reformulação.

A proposta da União Africana não apenas desafia a estrutura do CSNU, mas também coloca em discussão a natureza da representação. Ele concluiu, dizendo que a capacidade de um país ou grupo de países de realmente representar as vozes diversas de um continente inteiro permanece um desafio, mas a pressão por maior inclusão está mais forte do que nunca.

<><> Fatores que explicam vaga permanente para africanos

Rafaela Serpa, doutoranda em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora-assistente do Centro Brasileiro de Estudos Africanos (CEBRAFRICA) relatou à Sputnik que tem quatro fatores que explicam essa posição para a questão de uma vaga permanente para a África e da União Africana.

"A questão da reforma do Conselho de Segurança de forma geral e como explica a defesa de uma representação africana, primeiro, obviamente, está ligada a essa sub-representação do Terceiro Mundo que o Conselho de Segurança tem. […] A maioria dos países que hoje são membros da ONU nem existiam naquela época como estados independentes. E, no caso da África, mais ainda. Em 1945, da organização, só quatro Estados africanos existiam", explicou.

Segundo ela, esse anacronismo do Conselho de Segurança e de como ele representa uma ordem internacional defasada, cada vez mais há presença de países emergentes, e a África é um ponto central dessa nova construção, de uma multipolaridade que defende essa reforma e, principalmente, uma representação da África.

"A importância de pensar uma representação da África no Conselho de Segurança é porque a África, hoje, é o principal tema desse organismo. Então é indispensável que se tenha atores africanos que, obviamente, têm mais condição até de falar sobre seus problemas, e que precisam ser ouvidos sobre esses seus problemas e as formas de solução dentro desses órgãos de decisão mundial", continuou.

Daí, agora, de acordo com a cientista política, especificamente sobre a União Africana, por que se vem falando numa representação única a partir da organização.

"Essa conjuntura atual, principalmente com a entrada da União Africana no G20, e essa nova reestruturação global e do papel do continente africano — em relação aos novos eixos de poder mundial — vêm trazendo essa ideia de uma representação a partir dessa organização. […] A partir de uma organização multilateral, é mais fácil conseguir controlar as próprias atuações a partir dos seus interesses", pontuou.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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