Múcio critica inefetividade da ONU em
evento no Rio de Janeiro
O ministro da Defesa,
José Múcio, criticou a inefetividade das resoluções de paz aprovadas na ONU em
relação tanto ao conflito ucraniano quanto ao embate na Faixa de Gaza, nesta
sexta-feira (27), durante fala em evento de segurança internacional no Rio de
Janeiro.
Múcio participou da
Conferência de Segurança Internacional Forte XXI, fórum discussão de
autoridades e acadêmicos da América Latina e Europa que visa debate os atuais
problemas de segurança enfrentados ao redor do mundo.
Durante a mesa de
debates, o ministro defendeu enfatizou a necessidade de uma reforma multipolar
dos organismos internacionais como o Conselho de Segurança das Nações Unidas,
cujos participantes, segundo Múcio, "têm interesses específicos".
© Sputnik
"A questão do
Conselho de Segurança da ONU tem que ser rediscutida, a participação, os
interesses são específicos. Nós precisamos ampliar aquilo. Democratizar mais as
oportunidades e as questões."
O ministro da Defesa
destacou também a necessidade de focar naqueles que "trabalham pelo
consenso, os negociadores da paz". A fala do ministro vem em meio a
apresentação de uma proposta de paz para o conflito ucraniano, feita em
conjunto pelo Brasil e pela China.
A Rússia e a Ucrânia
estiveram em conversas de paz em 2022, logo após o início da operação especial
russa. No entanto, a mando das potências ocidentais, em especial os EUA e o
Reino Unido, a Ucrânia se retirou da mesa de negociações. Depois, Vladimir Zelensky
proibiu por meio de decreto qualquer tipo de conversa com a Federação da
Rússia.
Em junho deste ano,
uma cúpula de paz foi organizada na Suíça. Esvaziada pela ausência de diversos
líderes regionais e globais como a China, Nigéria e Etiópia, somente o lado
ucraniano foi convidado. Brasil, Índia, México, Arábia Saudita e África do Sul enviaram
representantes, mas não assinaram o documento final.
"Precisamos
adequar os organismos internacionais para que eles tenham uma maior dinâmica
nos problemas atuais. A ONU tem procurado pouco os consensos e tem assistindo
os dissensos."
Nessa posição, Múcio
destacou que a inclusão de mais países nas decisões permitiria um
aprofundamento das discussões e até mesmo focar os esforços na prevenção dos
conflitos, em vez de agir somente após a deflagração das crises.
"Esses dois
grandes conflitos [Israel e Gaza, Rússia e Ucrânia] que nós temos no mundo são
de questões antigas [...]. Não foi um problema recente que fez gerar aquele
conflito. Então eu acho que nós precisamos trabalhar mais em um trabalho de
prevenção dos conflitos [...] para que novos [não] surjam".
• Esforço do Sul Global para mudar
Conselho de Segurança da ONU é perda de tempo, avalia especialista
A demanda pelo aumento
de representatividade e eficácia do Conselho de Segurança da Organização das
Nações Unidas (ONU) ganhou coro nesta semana, durante a 79ª Assembleia Geral da
ONU, em Nova York, EUA.
Nesta quinta-feira
(26), em uma reunião presidida pelo Brasil à margem da assembleia, chanceleres
da América Latina e da África também reforçaram pedidos de reforma do conselho.
Criado há quase 80 anos, é composto por cinco membros permanentes, com poder de
veto, além de dez membros rotativos, que não dispõem da prerrogativa.
O chanceler
brasileiro, Mauro Vieira, destacou o chamado à ação em favor da reforma,
aprovado por consenso na reunião ministerial do G20 e ao qual já aderiram mais
de 50 países.
Ontem (25) o
presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, declarou que pretendia
apresentar uma proposta de convocação de revisão da Carta da ONU.
A ampliação dos
assentos conta com apoio de membros como Rússia e China e vem ganhando adeptos
das grandes potências, como o presidente francês, Emmanuel Macron. O chefe de
Estado europeu chegou a declarar na assembleia que a exclusão da América Latina
e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco
inaceitável de práticas de dominação do passado colonial.
O G4, composto por
Brasil, Alemanha, Japão e Índia, tem liderado esse movimento de cobrança, mas
propostas enfrentam dificuldades regionais e políticas, sobretudo por parte dos
EUA e da União Europeia, como pontuou Wanilton Dudek, doutor em história e professor
da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), à Sputnik Brasil.
"Cada vez mais os
Estados Unidos e boa parte da comunidade europeia que tem assento não
demonstram interesse de fato em sentar com as nações latino-americanas e
africanas para discutir essa possibilidade de ampliação, devido até mesmo às
tensões cada vez mais frequentes no mundo — a possibilidade de aumentar esses
assentos, ampliar, acaba enfraquecendo esse poder das potências globais, que já
estão bastante enfraquecidas", ponderou.
Doutor em ciência
política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) e pesquisador do
Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo), ambos da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o professor Murilo Gomes da Costa esclarece
que a alteração da Carta da ONU necessita de dois terços dos votos da
Assembleia Geral e da aprovação por todos os cinco membros permanentes do
Conselho de Segurança.
"É, portanto, uma
ampliação que não será facilmente alcançada no médio prazo", comentou ele,
que também é um estudioso do continente africano e defende que a ampliação deve
necessariamente incluir a África.
"[…] O continente
está no centro de conflitos alimentados pela ganância por recursos, o que leva
ao fato de que quase metade de todas as operações de manutenção da paz da ONU
estejam situadas no continente africano, e 40% do pessoal que integra as
equipes dessas operações são africanos."
Ele lembra que o
governo do presidente dos EUA, Joe Biden, já demonstrou apoio à criação de dois
novos assentos permanentes para países africanos — sem poder de veto — e um
assento não permanente para pequenas nações insulares em desenvolvimento.
Gomes da Costa avalia
que a atual ordem multipolar tem testemunhado rearranjos e a ascensão de novos
atores na arena decisória e nos fóruns de articulação política multilaterais, e
citou a ampliação do BRICS e a admissão da União Africana como membro permanente
do G20 como exemplos.
"A ONU, portanto,
precisa acompanhar esse movimento, e uma reforma institucional torna-se cada
vez mais inevitável se a organização almeja ser mais representativa",
argumentou.
Os esforços para mudar
o Conselho de Segurança da ONU são perda de tempo por parte do Sul Global, que
em vez disso deve priorizar ações em conjunto, defende Dudek.
"[…] Porque
esperar que a ONU tome atitudes que resolvam os problemas que são inerentemente
do Sul Global é ficar sentado esperando, e jamais vai acontecer, assim como
jamais foi interesse do Norte Global resolver questões do Sul, a menos que as
questões façam sentido diretamente para esse Norte Global."
Nesse panorama, a
tendência da ONU é perder cada vez mais sua relevância, aposta o professor da
Unespar, pois ela não representa uma saída para os problemas que fazem parte da
realidade de países historicamente explorados pelo Norte Global.
"Vejo muito mais
a saída de vários desses nossos problemas em um fortalecimento em conjunto,
inclusive desses países do Sul Global. E se for necessário a partir disso, mas
não como forma de subserviência, o Brasil e demais países do sul se aliarem com
a China e a Rússia, essa seria uma saída, mas jamais com subserviência […]. O
que a gente tem que fazer é proteger os nossos interesses, e não apoiar
cegamente, como já foi com a Europa e os Estados Unidos", concluiu ele.
• África no Conselho de Segurança da ONU:
desejo é antigo, mas analista vê falta de vontade ocidental
O debate sobre a
inclusão da África como um bloco no Conselho de Segurança das Nações Unidas
(CSNU) ganha novo fôlego, com a União Africana pleiteando uma vaga permanente.
Essa demanda, embora
não nova, reflete, segundo especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, a
urgência por uma representação mais equitativa na arena internacional,
especialmente diante da histórica sub-representação do continente.
Ao Mundioka, podcast
desta agência, Miguel Mikelli Ribeiro, professor de relações internacionais do
Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
destacou que a ideia de reforma do CSNU se intensificou desde a proposta do G4,
que contava com o apoio de Brasil, Índia, Japão e Alemanha, visando incluir
dois assentos para africanos. Ele afirmou: "Não é uma questão nova."
Mas agora, segundo
ele, com o recente apoio dos Estados Unidos para países da África aderirem ao
Conselho, a possibilidade de mudança, por mínima que seja, ganha mais
"força".
Contudo, é, segundo
ele, uma mudança "mínima". Isso porque, na opinião dos EUA, a adesão
dos países africanos deve ocorrer sem poder de veto a esses novos assentos
permanentes.
No entanto, a
complexidade do continente africano, com suas diversas economias e estruturas
políticas, levanta questões sobre como esses assentos seriam distribuídos e
representados.
Ribeiro enfatizou que,
enquanto a África busca um lugar à mesa, potências tradicionais como os Estados
Unidos e membros permanentes do CSNU frequentemente relutam em aceitar mudanças
que poderiam diluir seu poder.
Poder da África
"[Boa parte] dos
membros do Conselho não têm muito desejo de reforma", disse ele,
ressaltando a resistência. Essa postura pode complicar ainda mais o caminho da
África em direção a uma representação significativa, já que, para muitos
países, a ideia de um único assento representando o continente pode parecer
insuficiente.
Com o aumento do poder
econômico e político da África no cenário global, especialmente por meio da
cooperação com blocos como o BRICS, a busca por duas cadeiras permanentes com
direito a veto se torna uma questão de justiça e eficácia.
Ribeiro observou:
"É um claro problema de representatividade. São 54 países sem um membro
permanente." A situação atual, onde as principais operações de paz da ONU
ocorrem no continente sem a voz africana no processo decisório, evidencia a
necessidade de reformulação.
A proposta da União
Africana não apenas desafia a estrutura do CSNU, mas também coloca em discussão
a natureza da representação. Ele concluiu, dizendo que a capacidade de um país
ou grupo de países de realmente representar as vozes diversas de um continente
inteiro permanece um desafio, mas a pressão por maior inclusão está mais forte
do que nunca.
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Fatores que explicam vaga permanente para africanos
Rafaela Serpa,
doutoranda em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) e pesquisadora-assistente do Centro Brasileiro de Estudos Africanos
(CEBRAFRICA) relatou à Sputnik que tem quatro fatores que explicam essa posição
para a questão de uma vaga permanente para a África e da União Africana.
"A questão da
reforma do Conselho de Segurança de forma geral e como explica a defesa de uma
representação africana, primeiro, obviamente, está ligada a essa
sub-representação do Terceiro Mundo que o Conselho de Segurança tem. […] A
maioria dos países que hoje são membros da ONU nem existiam naquela época como
estados independentes. E, no caso da África, mais ainda. Em 1945, da
organização, só quatro Estados africanos existiam", explicou.
Segundo ela, esse
anacronismo do Conselho de Segurança e de como ele representa uma ordem
internacional defasada, cada vez mais há presença de países emergentes, e a
África é um ponto central dessa nova construção, de uma multipolaridade que
defende essa reforma e, principalmente, uma representação da África.
"A importância de
pensar uma representação da África no Conselho de Segurança é porque a África,
hoje, é o principal tema desse organismo. Então é indispensável que se tenha
atores africanos que, obviamente, têm mais condição até de falar sobre seus
problemas, e que precisam ser ouvidos sobre esses seus problemas e as formas de
solução dentro desses órgãos de decisão mundial", continuou.
Daí, agora, de acordo
com a cientista política, especificamente sobre a União Africana, por que se
vem falando numa representação única a partir da organização.
"Essa conjuntura
atual, principalmente com a entrada da União Africana no G20, e essa nova
reestruturação global e do papel do continente africano — em relação aos novos
eixos de poder mundial — vêm trazendo essa ideia de uma representação a partir
dessa organização. […] A partir de uma organização multilateral, é mais fácil
conseguir controlar as próprias atuações a partir dos seus interesses",
pontuou.
Fonte: Sputnik Brasil
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