Como equilibrar os pratos de ensino,
pesquisa e extensão?
Uma carreira de
sucesso como pesquisador, mais de 2 mil citações no google acadêmico. Já
enquanto docente, na sala de aula, um profissional com muitas dificuldades em
transmitir o conteúdo da disciplina.
A situação acima
descreve perfeitamente, na minha visão, um dos professores do meu programa de
pós-graduação e também alguns que tive na graduação. Já quero deixar bem
sinalizado que esta não é uma coluna que tem a intenção de culpabilizar esses
profissionais.
Primeiro porque, em
muitos deles, eu notava claramente o quanto tentavam transmitir o conteúdo da
melhor forma. Segundo, porque creio que estamos diante de uma problemática
institucional e que nasce no próprio modelo de pós-graduação brasileiro, ou
seja, na escola de formação dos futuros docentes universitários.
• Autonomia do estudante e consequências
no aprendizado
Sou graduado em
economia pela USP e me lembro que, na apresentação do curso, o coordenador
disse algo como "Vocês agora estão na faculdade, não mais no cursinho ou
ensino médio. Não esperem aulas 'show' e aprendam a ter autonomia na
aprendizagem".
Entendo o ponto dele e
concordo. Já falei aqui na coluna muitas vezes sobre o fato de que o estudante
tem, sim, responsabilidade na própria aprendizagem, e que esta precisa ser um
processo horizontal e não vertical.
No entanto, nada me
tira da cabeça que, mesmo no melhor dos mundos, é necessário ter um professor
que realmente consiga nos transmitir o conteúdo e ser um mediador entre nós e o
conhecimento. Já tive docentes sensacionais: você assiste à aula sem piscar e
sai dela querendo compartilhar com todos ao redor o quanto aprendeu.
Por outro lado, já
tive aqueles com quem eu não conseguia entender o conteúdo de forma alguma e
também docentes com os quais prestar atenção em suas aulas era um desafio
gigantesco. Nessas disciplinas, confesso, tenho lacunas na aprendizagem, e o
problema é quando isso ocorre com disciplinas relevantes para aquela formação
específica.
Assumo minha parcela
de responsabilidade e poderia sim ter estudado sozinho e de forma autônoma,
mas, para mim, o papel de um professor mediando ainda é muito importante.
• O papel do modelo atual
Reforço aqui, outra
vez, que não estou culpabilizando o docente universitário. Alguém pode, claro,
trazer relatos de professores que eram maus profissionais e que nem tentavam
ser bons, mas isso tem em qualquer profissão e não é argumento para sustentar a
tese de que o docente universitário não se importa com a aprendizagem de seus
alunos.
A maioria dos
professores, sim, tenta fazer um bom trabalho, mas o sistema não ajuda. Para
pintar o quadro, precisamos de três ingredientes: o modelo de pós-graduação, o
modelo de contratação dos docentes universitários e a formação continuada
desses profissionais.
• Pós-graduação não forma professores
O problema começa logo
na pós-graduação. Para ser docente universitário no Brasil, no geral, o caminho
é: graduação, mestrado e depois o doutorado.
A questão é que os
programas de pós-graduação, em geral, não formam futuros professores, mas sim
futuros pesquisadores. Salvo em casos específicos, não há disciplinas de
didática e nem políticas que visam desenvolver essas habilidades no corpo
discente.
Aqueles que decidem
prosseguir na carreira acadêmica, ao assumirem vagas em universidades públicas,
terão pelo menos três responsabilidades: ensino, pesquisa e extensão. Além
disso, há outras atribuições.
Serão excelentes em
todas as funções? Provavelmente não. E isso não é culpa do profissional, mas
sim do modelo. A razão é que ele, primeiro, sobrecarrega esse profissional e,
segundo, porque desconsidera as preferências e diferenças de perfis.
O terceiro ingrediente
é a preparação para esses profissionais assumirem o cargo de docência,
sobretudo em um cenário em que suas formações na pós-graduação, muito
provavelmente, não os preparam para isso. Muitas universidades já oferecem
cursos de didática e afins, mas acaba sendo algo bem pontual e não pautado em
uma formação contínua.
No final, temos
excelentes pesquisadores que não gostariam de ser professores, mas que
precisam. Assim como profissionais que desejam fortemente a excelência nos três
pilares, mas que simplesmente não conseguem, dada a grande quantidade de
atribuições. Ou seja: o próprio modelo, no limite, irá enviesar o potencial de
pelo menos um dos pilares.
• O que pode mudar?
No contexto de
respeitar as diferenças de perfis e preferências, seria perfeito se houvesse a
possibilidade de escolher qual ou quais funções alguém gostaria de assumir ao
ingressar na docência. Isso, na verdade, já ocorre em universidades de outros
países. Nelas, já há o cargo apenas de pesquisador.
No Brasil, por causa
da grande quantidade de universidades públicas, talvez seja uma política ousada
demais, tanto no sentido de ruptura quanto no sentido orçamentário. O motivo:
uma mudança dessas exigiria mais profissionais nas universidades. Infelizmente,
muitas delas já fazem milagre com o recurso que recebem.
Então, a solução se
pauta no pré- e no pós-ingresso na docência.
No pré, estamos
falando dos programas de pós-graduação. Ainda que nem todos os discentes
almejem a atuação futura como docentes, seria muito interessante que fossem
implementadas, de modo obrigatório, disciplinas de didática que visassem o
desenvolvimento de habilidades indispensáveis para qualquer docente.
Além disso, há margem
para aumentar os projetos e bolsas, tanto no nível federal quanto estadual e
até mesmo universitário, que visem proporcionar experiências práticas de
docência para os discentes.
Paralelo a isso, é
preciso aumentar as políticas que já existem em caráter obrigatório de formação
e desenvolvimento após o ingresso na docência. Para fazerem um bom trabalho, é
necessário que todos esses profissionais recebam o suporte necessário e atualizado.
• O gap entre a formação universitária e o
mercado de trabalho
Uma grande amiga é
psicóloga formada pela USP. Lembro-me de uma conversa que tivemos há alguns
anos em que ela compartilhou a grande dificuldade que muitas colegas de turma
estavam enfrentando para entrar no mercado de trabalho e divulgar os próprios
serviços.
A razão é que hoje em
dia é muito comum que profissionais da psicologia sejam autônomos, ou seja: que
estejam completamente sozinhos, desde a divulgação dos próprios serviços até a
gestão das próprias carreiras e horários.
E não somente os da
psicologia. O mercado de trabalho mudou bastante, e muitas áreas, sobretudo na
era das redes sociais, seguem a mesma estrutura.
É possível, sim,
ganhar um bom dinheiro e ser bem-sucedido, tendo um grande número de
clientes/pacientes e se especializando o bastante para cobrar um valor acima do
mercado, mas isso requer habilidades que a graduação simplesmente não ensina,
especialmente nas universidades públicas.
Assim, uma galera se
vê formada na USP, UFRJ, UFRGS, UFBA, UNICAMP e em muitas das melhores do
Brasil, mas completamente perdida sobre como vender os próprios serviços e
trilhar uma trajetória de sucesso no mercado de trabalho.
<><> É
obrigação da universidade pública capacitar para o mercado de trabalho?
Falei sobre o caso
depois com outro amigo e sugeri políticas que a universidade deveria adotar
para instrumentalizar melhor os egressos para o mercado de trabalho atual. Na
visão dele, esse não deveria necessariamente ser o papel da universidade
pública.
A instituição é muito
forte em pesquisa e nesse quesito é indiscutivelmente bem-sucedida, com
pesquisadores de renome internacional, pesquisas de ponta e contribuições
diretas para o desenvolvimento do país.
Sou egresso da USP e
atualmente faço mestrado na UFRJ. Tenho muito orgulho da jornada que venho
construindo, mas em alguns momentos, confesso, senti falta de uma maior
proximidade com o mercado de trabalho de modo geral – digo, no caso, de um
contato mais estreito com grandes empresas e até mesmo grandes instituições
governamentais, no sentido da prática mesmo profissional.
Aí fica o
questionamento, é obrigação da universidade pública estreitar esses laços e
criar políticas focalizadas em preparar os discentes para a vida
pós-universidade?
Obrigação é uma
palavra meio forte. Não diria que é o caso e entendo quem defenda que os mundos
não se misturem, mas acho sim que há margem para trabalhar essa lacuna.
<><>
Lacuna entre o mundo na universidade e o mercado de trabalho
Em algum momento da
minha vida eu já acreditei que um diploma da USP ou de qualquer universidade
pública era uma chave-mestra para qualquer oportunidade de emprego. A realidade
se mostrou diferente e vejo colegas e amigos completamente perdidos nessa fase
da transição para o mercado de trabalho, enviando 100 currículos e recebendo
nenhum retorno ou uma oportunidade cuja remuneração é exatamente a mesma
oferecida a alguém sem qualquer tipo de formação.
Não estou, em nenhuma
medida, questionando a qualidade das formações ofertadas. Os professores são
excelentes, os cursos são excelentes e recebemos formações sólidas e de muita
qualidade.
Minha provocação é que
de um lado temos uma formação sólida e um diploma que foi bravamente
conquistado, e de outro há um universo prático de trabalho onde nos encontramos
completamente perdidos e que, não exageradamente, estamos despreparados para desbravar. Tenho
contato diário com universitários de letras de todo o país e vejo o quanto é
incrivelmente desafiador entrar no mercado de trabalho e o quanto carecem das
instruções mais básicas.
É fato que hoje em dia
em boa parte das áreas, para não dizer todas, o mainstream é ser autônomo ou
empreendedor, ou seja, como dito no início da coluna: focar tanto em divulgar o
próprio serviço, quanto na administração e no trabalho em si. Refiro-me a áreas
como: jornalismo, direito, psicologia, fisioterapia, etc.
Por outro lado, é
muito mais difícil para um engenheiro de petróleo ou para um profissional da
enfermagem, por exemplo, trilhar o caminho de forma autônoma. Nessas áreas, o
mais seguro e tradicional ainda é entrar em alguma empresa ou instituição.
Em ambos os casos,
sobretudo no primeiro, as universidades falham em auxiliar seus discentes,
criando um mar de egressos com nada mais além de uma formação teórica e um
diploma.
<><> Quais
políticas podem ser adotadas?
Em muitos cursos há
iniciativas dos próprios alunos, como as empresas júnior, que focam em treinar
para uma aplicação mais prática do aprendizado do curso. Há, inclusive, relatos
dizendo que isso é um grande diferencial na entrevista de emprego. Alinhado a
isso, há também coordenações de alguns cursos que criam laboratórios práticos e
parcerias bem bacanas nesse sentido.
No entanto, de modo
geral, há margem para um trabalho mais enfático e focalizado, a nível
institucional.
Seria interessante
que, em áreas onde o mais comum é trabalhar de forma autônoma ou ir para o
caminho do empreendedorismo, fosse adicionada na grade curricular, pelo menos,
uma disciplina de preparação. Nela, poderia ser trabalhadas questões básicas de
marketing: como divulgar os próprios serviços, como abordar as pessoas, como
administrar a agenda e a carreira em si, como escolher os próprios preços.
Essa disciplina teria
esses conceitos básicos já aplicados por área. Por exemplo: a para estudantes
de direito teria especificidades que a para a galera da psicologia não teria.
Afinal, são carreiras diferentes e com suas idiossincrasias.
Enfim, questões
aparentemente básicas, mas que seriam de extrema importância e que ajudariam
muito os discentes. Até porque, essa inserção no mercado é muito mais
desafiadora para quem vem de famílias de baixa renda, e o ingresso na
universidade, para eles, é sim uma grande ação para que possam ascender
socialmente. É preciso ajudar esses indivíduos para além de os capacitar
teoricamente, justamente para que suas formações encontrem o potencial máximo.
Fonte: Por Vinícius De
Andrade, em DW Brasil
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