Uma
retrospectiva da economia brasileira em 2024
O debate econômico neste fim de 2024 segue sendo dominado
pelo ajuste fiscal, como foi ao longo de todo o ano, e suas relações com a
inflação e a taxa de câmbio. Mas se quisermos fazer uma retrospectiva da
economia nacional neste período, é necessário ir mais além deste ponto.
Os dois elementos mais importantes ao longo do ano
foram sobre as contas públicas do governo federal e o ajuste fiscal, e daí
decorrem as questões da disparada do dólar em dezembro e as movimentações da
Selic, mas também o crescimento do PIB, maior que o esperado pelo segundo ano
consecutivo.
Depois de crescimento de 2,9% em 2023, nos três
primeiros trimestres de 2024 o PIB já acumula alta de 3,3% em relação ao ano
anterior, com previsão, do Boletim Focus, de que o crescimento de 2024 seja de
3,4%, consolidando uma retomada do crescimento ainda que em níveis inferiores
aos dos anos 2000.
Como foi analisado por Danilo Paris, estes dados
indicam que estamos entrando em um novo ciclo de crescimento econômico, após a
recuperação da recessão de 2015 e 2016, dos anos de crescimento quase nulo e da
recessão da pandemia. Em 2022, finalmente o PIB real foi maior que o de 2014,
até então o maior da história. Contribui para a ideia de retomada de
crescimento que nos últimos trimestres tenha voltado a crescer a taxa de
investimento, capaz de gerar crescimento também no futuro.
Este crescimento econômico se reflete em outras áreas,
com o desemprego de outubro sendo o mais baixo da série histórica iniciada em
2012. Bateu recorde também a massa de rendimentos, de R$ 332 bilhões, com
crescimento real de 7,7% em relação a um ano antes.
Esta retomada do crescimento não vem sem importantes
contradições. No mercado de trabalho, a informalidade já atinge mais de 40
milhões de trabalhadores, que terminam por não ter acesso a seguridade social e
direitos trabalhistas mínimos. Somados aos trabalhadores informais, estão os
trabalhadores formais porém com contratos precários, os chamados contratos não
típicos pelo CAGED, que incluem trabalhadores temporários, com contratos
intermitentes ou com jornada inferior a 30h por semana. Tais contratos
representaram cerca de um quinto do saldo de contratos com carteira assinada
entre janeiro e outubro de 2024, e já representam 11,6% do total de
trabalhadores formais.
O crescimento também vem com suas contradições. Se traz
uma recuperação da demanda interna, e um crescimento dos investimentos, a taxa
de investimento segue bem abaixo da casa dos 20% que atingiu no período de auge
do lulismo. É um crescimento ainda muito dependente do setor externo, com o
peso que as exportações vem tendo enquanto componente da demanda total, exatamente
pelo peso que o agronegócio tem assumido na economia nacional, seja com a
produção agropecuária diretamente, que este ano sofreu queda devido a questões
climáticas, mas também a agroindústria e os serviços. A dependência do exterior
não só deixa a economia nacional mais dependente da situação econômica
internacional, como também possibilita um crescimento com aumentos menores da
renda interna, ampliando a tendência à concentração de renda na mão da burguesia.
O outro ponto central da economia brasileira em 2024
foi certamente o ajuste fiscal, em especial neste final de ano. Como parte do
arcabouço fiscal aprovado no ano passado, o governo federal colocou meta de
déficit primário zero para 2024 e 2025. Tal meta significou bloqueios de mais
de R$ 19 bilhões neste ano, como o bloqueio atingiu em cheio o ministério da
educação no fim de novembro.
O principal ataque, no entanto, é o pacote de ajuste
fiscal para os próximos anos, apresentado pelo próprio governo e aprovado no
Congresso nestes últimos dias antes do recesso parlamentar. Este pacote traz
ataques diretos aos trabalhadores mais pobres, dificultando o acesso ao BPC,
limitando o aumento do salário mínimo e criando gatilhos que, caso não se
atinjam metas fiscais, podem congelar o aumento dos custos com pessoal,
significando menos concursos e menos reajustes salariais para os servidores, e
os gastos com emendas.
Os servidores do INSS e das universidades federais
deram um importante combate contra esta política ao longo desse ano, fazendo fortes greves contra a
proposta de reajuste zero, e conseguiram conquistar um reajuste parcelado para
os próximos anos.
Já as mudanças na regra de crescimento do salário
mínimo, que passaria a ter um crescimento real limitado pelo aumento de gastos
do governo, variando entre 0,6% e 2,5%, teria um impacto profundo no aumento da
desigualdade e na queda da renda da população mais pobre, incluindo
beneficiários do INSS. Estudos feitos pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia
da Desigualdade (MADE) da FEA-USP simularam os efeitos caso a regra aprovada
estivesse valendo desde os anos 2000.
Estudando apenas o impacto sobre a desigualdade gerado
pelo BPC e pelas aposentadorias do INSS, e supondo crescimento real de 2,5% do
salário mínimo em todos os anos, o índice de Gini brasileiro passaria dos
atuais 0,529 para 0,549. Já estimando qual teria sido a variação do salário
mínimo em si, seu crescimento teria sido menos da metade do que foi durante os
governos petistas e teria sido menor até do que o crescimento do salário mínimo
no governo Temer.
Seguem sendo aventadas outras medidas como a
desvinculação do piso da previdência em relação ao salário mínimo e o fim dos
pisos constitucionais da saúde e educação, e não podem ser descartados novos
cortes e bloqueios de gastos nos próximos anos para o cumprimento da meta
fiscal.
A proposta de isenção de imposto de renda para aqueles
que ganham até R$ 5 mil, já paralisada pelo próprio congresso, não muda o
caráter geral do pacote apresentado pelo governo: cortar dos serviços públicos,
atacar a renda dos setores mais pobres, em especial PcDs e aposentados que
ganham hoje um salário mínimo, para garantir o pagamento da dívida pública, que
drena mais de R$ 1 trilhão por ano do orçamento público, e enriquece os grandes
banqueiros nacionais e estrangeiros. Os lucros das principais empresas
estatais, como Banco do Brasil, Caixa e Petrobras, da ordem de dezenas de
bilhões a cada ano, e construindo sobre as costas de seus trabalhadores, também
são direcionados inteiramente ao pagamento da dívida pública, não sendo sequer
revertidos em qualquer investimento em serviços públicos.
O
que pode ser esperado para 2025, em termos de política monetária, é a
continuação desta mesma tônica. A troca de mando no Banco Central,
com a saída de Campos Neto e a posse de Gabriel Galípolo, indicado por Lula,
deve trazer poucas mudanças em termos da condução da política monetária.
Apesar de suas críticas aos aumentos da Taxa Selic e a
Campos Neto, a quem acusa de atrapalhar o crescimento do PIB, Lula afirmou em
live com Galípolo que ele será o presidente mais independente da história do BC
e que irá conduzir uma política de contenção da inflação, o que significa mais
aumentos de juros e de um BC subordinado ao mercado financeiro.
O mercado financeiro, por sua vez, segue exigindo mais
cortes, fazendo um ataque especulativo ao Real, gerando aumento da taxa de
câmbio, que deve impactar na inflação, exigindo altas maiores na Selic e
ampliando os juros de títulos públicos, que chegaram a ter sua comercialização
interrompida em diversos momentos ao longo da última semana.
A política de Lula e da Frente Ampla, ao privilegiar o
pagamento a banqueiros em vez de a aposentados e funcionários públicos, termina
por fortalecer a própria extrema-direita que eles dizem combater, ao não gerar
melhorias nas condições de vida, e manter as diferentes formas de trabalho
precário e informal. A luta contra a jornada 6x1, que se tornou um dos
principais temas políticos do país nos últimos meses, e a simpatia que angariou
entre os trabalhadores mostram que há espaço para contestar este projeto de
país da reforma trabalhista. Será necessário seguir levantando esta bandeira,
junto a luta contra o arcabouço e o ajuste fiscal, e pelo não pagamento da
dívida pública, única maneira de romper com este sistema onde os grandes
rentistas definem o orçamento público.
¨ Eleições polarizadas mundo afora, BRICS como sucesso
mundial e desdolarização: a geopolítica em 2024
No
ano em que o BRICS alcançou a consolidação como um dos principais grupos
geopolíticos e econômicos do globo, com uma expansão inédita e despertando
interesse em todos os cantos do planeta, especialistas analisam ao podcast
Mundioka os impactos de 2024 na transformação de um mundo cada vez mais
multipolar.
"Andamos
boas casas e existem motivos que podem nos levar a dizer isso". Assim
resume ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o mestre em relações
internacionais pela Universidade Estatal de São Petesburgo e pesquisador sobre
BRICS na Universidade de São Paulo (USP) Valdir Bezerra, sobre a consolidação
de um mundo cada
vez mais multipolar em 2024. Prova disso foram as conquistas do BRICS em seu
primeiro ano de expansão inédita, que além de Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul, passou a reunir Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia
e Arábia Saudita.
Para
além disso, durante a cúpula
do grupo em Kazan,
na Rússia, foi aprovada a entrada de outros 13 países em uma nova categoria, a
de parceiros do grupo. "É um grupo que se opõe à dominância do
sistema internacional por uma única superpotência, além de ser a favor de
reformas em organizações internacionais que tenham o domínio exagerado do G7,
como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. O fortalecimento do
grupo também fortalece a multipolaridade, que vimos em 2024 um cenário cada vez
mais próximo disso", declarou.
O
especialista também pontuou a consolidação, ao longo do ano, da desdolarização
da economia global,
com cada vez mais países avançando no comércio com moedas próprias.
"O
BRICS é a liderança nesse discurso que tem ganhado cada vez mais força no
cenário contemporâneo, até mesmo a ponto de provocar uma publicação de Donald
Trump [presidente eleito dos Estados Unidos] dizendo que vai atacar com
aumento de tarifas [para as transações] os países que participam desse
processo", destaca Bezerra, ao lembrar que o grupo também representa mais
de 30% do PIB global, cerca de metade da população mundial e os maiores
produtores de petróleo, gás natural e outras riquezas cruciais ao
desenvolvimento.
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Mundo polarizado
Da Europa
à América Latina, da Ásia à América do Norte, o processo eleitoral em diversos
países neste ano foi marcado pela forte polarização entre dois grupos
políticos, como explica o mestre em relações internacionais. Na Geórgia, que
tem uma posição
estratégica entre Europa e Ásia, o processo não foi diferente e reuniu
forças políticas mais favoráveis à aproximação com a União Europeia, de um
lado, e outra que defendia a manutenção de boas relações com a Rússia.
"Esse
não é um fenômeno novo, principalmente na Geórgia e outros países do chamado
espaço pós-soviético. Também ocorreu por diversos anos em locais como Armênia e
Ucrânia. O caso ucraniano é o mais emblemático dessa natureza, porque foi
justamente a oposição entre esses dois vetores políticos a principal
responsável pela crise que ocorreu no país nos anos de 2013 e 2014. Parece que
as sociedades no geral, no mundo, têm encontrado dificuldade em estabelecer uma
força política, uma terceira via que pudesse unir pelo menos alguns pontos
desses dois lados que se encontram em oposição", destaca.
Outro
caso emblemático
é o da Romênia,
que recentemente teve o primeiro turno anulado, após o candidato pró-Rússia ter
saído na frente.
"A
Romênia tem uma importância estratégica no leste da Europa, porque esteve sob a
influência da União Soviética por muitas décadas e atualmente está alinhada com
a OTAN. E é importante mencionar que na Romênia existem mísseis
antibalísticos instalados pela aliança que, quando foram colocados naquele
país, a desculpa era que esses mísseis foram direcionados contra o Irã",
destaca.
Crise
política na França
Segundo
país mais importante da União Europeia, a França também viu a crise política se
acentuar neste ano sob o comando do presidente
Emmanuel Macron.
A situação piorou após a convocação de eleições parlamentares antecipadas, em
que o partido do político ficou em segundo lugar na disputa e houve
uma ascensão do grupo político de Marine Le Pen, quando alcançou o maior
número de cadeiras na história.
"O
Macron parece ter superestimado o apoio tanto ao seu governo quanto à sua
própria pessoa e à sua administração, porque [a eleição] não deu os efeitos que
ele imaginava. Essa polarização atravessa várias regiões do mundo, a Europa não
é diferente e a França também. O Macron nem de longe é um líder unânime [...].
Recentemente o governo francês passou por um desmonte e o Macron se tornou um
líder considerado divisivo dentro da França e, claro, quando você tem uma crise
num país central da União Europeia provocada por uma falta de confiança, isso
tem influência em outros locais", diz.
No
país considerado a locomotiva da União Europeia, a situação política também não
é nada fácil: o chanceler
Olaf Scholz também
tem enfrentado dificuldades para governar na Alemanha.
"O
aumento da energia, a inflação e os problemas econômicos acumulados prejudicam
a competitividade da indústria alemã. Isso tem repercussão nos empregos, em
como as pessoas acabam avaliando o governo e é por conta disso que ocorreu um
desmonte recente no governo Scholz. Ele é considerado um burocrata típico,
não tem muito carisma e traquejo político, não é muito popular. Há uma
diferença gritante, por exemplo, entre a figura e a capilaridade do Olaf Scholz
em relação a Angela Merkel. Então, temos um enfraquecimento da figura política
dominante na Alemanha e isso explica também os problemas que acontecem por
lá".
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Eleição de Trump e América Latina
Já o
professor de relações internacionais da ESPM Gunther Rudzit comentou ao podcast
Mundioka as perspectivas para a América Latina após a eleição
de Donald Trump em
novembro nos Estados Unidos. Apesar de o especialista considerar que a
região não é uma prioridade dos norte-americanos desde o fim da Guerra
Fria, a escolha do senador republicano Marco Rubio para secretário de Estado
pode trazer impactos. Isso porque o senador é filho de imigrantes cubanos e tem
posições agressivas sobre a política externa do país.
"Ele
já vem fazendo alguns pronunciamentos que fazem entender que vai dar uma certa
atenção para a América Latina. Se isso vai ser bom ou não, depende do
referencial, porque sempre que os Estados Unidos se interessam por uma região
ou um tema, é a visão deles que se impõe sobre os interesses dos demais.
Efetivamente, Rubio deve tentar criar uma aliança de governos de
direita para se contrapor, teoricamente, a um bloco de esquerda [mais
ligado à China]. Acredito que pela primeira vez em décadas o interesse
norte-americano seja maior aqui, principalmente por conta da presença chinesa.
E, para Trump, o país [China] é efetivamente a maior ameaça dos EUA".
Fonte: Esquerda
Diário/Sputnik Brasil
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