quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Pelo segundo ano consecutivo, Natal na Terra Santa acontece em meio à guerra

Jesus nasceu em um estábulo humilde em Belém, segundo a história cristã do Natal. O motivo: as hospedarias da cidade não tinham espaço para acolher a família. Mais de 2 mil anos depois, a situação é bem diferente: quase todos os 5 mil quartos de hotel da cidade estão vazios. Faltam turistas. O cenário desolador prejudica não só o setor hoteleiro, mas também os pequenos comércios.

Dono de uma lojinha próxima à Igreja da Natividade, Ramzi Sabella diz ser capaz de se lembrar de praticamente cada turista que visitou seu estabelecimento neste ano. "Há algumas semanas, veio um visitante da Nigéria", relata.

Normalmente, peregrinos cristãos de todo o mundo compram carregadores de celular e paus de selfie em sua loja. O movimento deveria ser grande especialmente agora, no Natal. Mas em tempos de guerra, tudo muda.

"Agora, só alguns locais aparecem de vez em quando, e eles geralmente compram os produtos mais baratos. Eles também já não têm mais dinheiro", explica Ramzi.

<><> Moradores estão abandonando Belém

Desde o início da guerra na Faixa de Gaza, em outubro de 2023, a economia na Cisjordânia – território palestino sob ocupação israelense, onde fica Belém –, sofreu um forte baque puxado pelo turismo, que há décadas é a principal fonte de renda da cidade. A associação hoteleira local relata que a taxa de ocupação de leitos, que antes da guerra era de 80%, está hoje em 3%.

A atmosfera também é triste na Praça da Manjedoura, em frente à Igreja da Natividade. Dali, músicas natalinas deveriam normalmente ecoar por toda a parte antiga da cidade. Mas neste ano o silêncio e a sobriedade imperam: não há canções, árvore de Natal ou decorações. Apenas alguns jornalistas estão na praça para reportar o triste cenário. Pelo segundo ano consecutivo, as celebrações do Natal em Belém ocorrem à sombra da guerra.

Quase 500 famílias abandonaram Belém, segundo autoridades locais palestinas – um número significativo diante de seus cerca de 30 mil habitantes. Mas moradores que ficaram afirmam que muitas mais teriam deixado a região usando vistos temporários de turismo, em busca de trabalho no exterior.

<><> "Mensagem para todo o mundo"

Mas o aumento da pobreza em Belém é só um lado da história. Diante dos mais de 45 mil mortos em Gaza, a verdade é que não há ânimo para celebrações.

"Este ano, oramos em silêncio – e queremos enviar uma mensagem ao mundo inteiro", explica o padre Issa Musleh, da Igreja Ortodoxa Grega. "Condenamos profundamente o que está acontecendo em Gaza."

Mesmo em Belém e em outras partes da Cisjordânia, a situação tem se tornado cada vez mais tensa desde o início do conflito. Isso afeta tanto os 50 mil cristãos da região quanto a maioria muçulmana que vive no território ocupado por Israel.

Segundo as Nações Unidas, mais de 700 palestinos foram mortos na Cisjordânia desde o começo da guerra, enquanto 23 israelenses perderam a vida no mesmo período.

O padre Musleh frisa que, especialmente no Natal, é importante lembrar que Jesus nasceu em Belém para trazer uma mensagem de paz.

<><> Desejo por convivência pacífica

Dadas as circunstâncias, acreditar na mensagem de esperança do Natal nunca foi tão difícil para os cristãos da região quanto agora.

Apesar disso, o garçom Nadeem diz que as pessoas em Belém provam há muito tempo que a convivência pacífica entre diferentes etnias e religiões é possível. Ele trabalha num café, agora vazio, situado numa colina com vista para a Igreja da Natividade. Dali, tem acompanhado a movimentação fraca na Praça da Manjedoura.

Nadeem mesmo é muçulmano, mas estuda em uma universidade cristã. Diz que antes da guerra costumava visitar Israel, a poucos quilômetros dali, onde tinha muitos amigos judeus. "No fundo, todos queremos a mesma coisa", afirma. Uma vida simples e em paz.

 

¨      Em meio à guerra em Gaza, Belém não teve clima de Natal

A espera pelo Natal sempre foi a melhor coisa, diz Nuha Tarazi, enquanto dispõe uma tigela de biscoitos natalinos na mesa da cozinha. Mas este ano está muito diferente: não há decorações de Natal em sua casa.

"Sempre aguardávamos ansiosamente as festas de fim de ano, todos os anos", lembra a professora de inglês aposentada. "Quem quer pensar em comemorar o Natal agora, com o que acontece em Gaza?"

Há seis anos, Tarazi tem sido negada pelas autoridades de Israel a visitar seus familiares na Cidade de Gaza. No Natal, eram eles que geralmente recebiam permissão para visitá-la na Cisjordânia ocupada.

Tarazi nasceu na Cidade de Gaza, mas vive em Beit Sahour, uma cidade vizinha de Belém, há muitas décadas. Muitos moradores de Beit Sahour têm familiares e amigos na Faixa de Gaza, onde ainda existe uma pequena comunidade cristã.

Em festividades como o Natal ou a Páscoa, autoridades israelenses geralmente concedem as cobiçadas permissões de saída aos cristãos palestinos em Gaza, que é governada desde 2007 pelo grupo fundamentalista islâmico Hamas.

<><> Um Natal diferente

A permissão de saída, contudo, nem sempre é garantida. E muitas vezes nem todos os membros de uma mesma família obtêm permissão para deixar o enclave. Em determinados anos, o número de permissões foi severamente reduzido dependendo da situação política.

Mas sempre havia esperança de reencontrar os familiares durante o Natal. Agora, tudo está diferente novamente. A passagem de fronteira de Erez, em Israel, está fechada desde os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro e o subsequente conflito com as forças israelenses. Isso significa que a rota para a Cisjordânia ocupada e para Jerusalém também está fechada.

Além de tudo, Tarazi está de luto: sua irmã foi morta em um ataque israelense a um prédio no terreno da Igreja Ortodoxa Grega Porphyrius, na Cidade de Gaza, em outubro. Segundo uma declaração do Patriarcado Ortodoxo Grego, 18 pessoas morreram no ataque, muitas das quais haviam buscado abrigo no local.

"Estou sozinha aqui e não sei como lidar com isso. Meus pensamentos só giram em torno do que está acontecendo lá em Gaza", diz Tarazi, que não pôde comparecer ao funeral da irmã. A preocupação com outros irmãos e parentes é constante, pois a comunicação também é difícil. "A única coisa que me ajuda é ir ao meu jardim, ver minhas flores e cuidar delas", relata.

<><> Sem comemorações em Belém

Tarazi não é a única que deixará de comemorar o Natal neste ano. Em Belém, conhecida como o local de nascimento de Jesus, também não haverá festividades natalinas. A Praça da Manjedoura, em frente à Igreja da Natividade, normalmente lotada com milhares de visitantes locais e estrangeiros durante a época do Natal, está vazia. A cidade não montou a grande árvore de Natal nem o presépio, e não há enfeites nem luzes de Natal em lugar algum.

"Não há clima para festa, não há festividades, por causa do que está acontecendo na Palestina, em Gaza", diz Basel, que vende frango grelhado na Rua da Estrela, uma via histórica que leva à Praça da Manjedoura.

"Normalmente, haveria muitas pessoas de todo o mundo, de diferentes religiões, mas não há nenhuma atmosfera natalina", concorda Yara Alama, que mora em Belém. "A sensação é de que não se pode sentir nenhuma alegria por causa da guerra e do que está acontecendo com as pessoas em Gaza."

A Igreja da Natividade, construída sobre o local onde se acredita que Jesus tenha nascido, também está excepcionalmente vazia e silenciosa. Não há longas filas de pessoas esperando para visitar a estreita gruta abaixo, onde uma estrela de prata marca o local sagrado.

<><> Primeiro a pandemia, agora a guerra

Issa Taljieh, nascido em Belém, é o pároco da comunidade greco-ortodoxa da Igreja há 12 anos. Em todo esse tempo, ele diz que nunca viveu uma época de Natal tão triste.

"As pessoas estão sofrendo e tristes com o que está acontecendo em Gaza", conta o padre. "Esta é a primeira vez que a Igreja da Natividade, o lugar onde Jesus nasceu, está vazia assim. Mesmo durante a covid-19 ainda havia os locais que vinham e celebravam o Natal conosco."

Durante a pandemia, visitantes estrangeiros não puderam viajar a Belém, e o setor de turismo do qual a cidade depende foi muito afetado. Desde 7 de outubro, o acesso à cidade, que já está isolada de Jerusalém pela barreira de separação israelense, tornou-se ainda mais difícil. O exército de Israel instalou barreiras em muitas estradas de acesso, que as pessoas precisam atravessar a pé e os carros só podem circular em determinados horários.

Em Gaza, até sábado (23/12), a ofensiva de retaliação israelense já havia matado mais de 20 mil palestinos, de acordo com o Ministério da Saúde do enclave.

Já na Cisjordânia, pelo menos 491 palestinos foram mortos, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, na sigla em inglês). O número faz de 2023 o ano mais mortal para os palestinos na Cisjordânia desde que o Ocha começou a registrar as vítimas, em 2005.

Em Israel, os ataques do Hamas em 7 de outubro mataram 1.200 pessoas. Acredita-se que cerca de 129 reféns ainda sejam mantidos em cativeiro pelo grupo terrorista em Gaza.

<><> "Uma mensagem de paz"

O padre Issa, cujo nome significa "Jesus" em árabe, tenta ajudar sua congregação a superar esses tempos difíceis. "Não podemos celebrar em Belém enquanto pessoas são mortas lá em Gaza, enquanto suas casas são destruídas. Elas ficam desabrigadas, sem comida, sem um lugar seguro e no meio do inverno. Devemos incluí-las em nossas orações e rezar pela paz e segurança", diz.

Embora as festividades na cidade tenham sido canceladas, as liturgias de Natal na Igreja da Natividade foram mantidas. Em 24 de dezembro, o patriarca latino de Jerusalém fará sua entrada em Belém, mas neste ano sem a música de acompanhamento dos grupos de escoteiros palestinos. A tradicional missa da meia-noite também será realizada. Cerca de duas semanas depois, as comunidades ortodoxas celebrarão suas festividades de Natal, de acordo com seus calendários.

Com o sofrimento contínuo e a situação desesperadora em Gaza, é importante extrair força da fé, afirma o padre Rami Asakrieh, pároco da paróquia latina da Igreja de Santa Catarina, em Belém.

"Precisamos do Natal agora. Sim, será uma celebração sem música, sem os escoteiros, sem festividades", diz. "Mas é importante que mantenhamos os rituais religiosos, que haja uma mensagem de paz desta cidade para o mundo, uma mensagem de paz que emana do local de nascimento de Jesus."

 

¨      Papa pede que armas sejam "silenciadas" na Ucrânia e em Gaza

Em sua mensagem de Natal nesta quarta-feira (25/12), o papa Francisco pediu "uma paz justa e duradoura" na Ucrânia e que, na guerra em Gaza, haja "um cessar-fogo" e "libertem-se os reféns e ajude-se a população esgotada".

Como acontece todos os anos em sua tradicional mensagem urbi et orbi (à cidade e ao mundo), o pontífice argentino citou os principais conflitos e focos de tensão no planeta.

Na sacada central da Basílica de São Pedro, no Vaticano, Francisco, como de costume em sua mensagem natalina, refletiu sobre os conflitos que afetam o mundo diante de cerca de 30 mil pessoas.

"Calem-se as armas na martirizada Ucrânia! Tenha-se a audácia de abrir a porta às negociações e aos gestos de diálogo e de encontro, para alcançar uma paz justa e duradoura.", disse o pontífice na sacada central da basílica, diante de cerca de 30 mil pessoas. .

"Calem-se as armas no Oriente Médio! Com os olhos postos no berço de Belém, dirijo o meu pensamento para as comunidades cristãs da Palestina e de Israel e, em particular, à querida comunidade de Gaza, onde a situação humanitária é gravíssima. Haja um cessar-fogo, libertem-se os reféns e ajude-se a população esgotada por causa da fome e da guerra”, acrescentou.

Francisco disse que se sente "próximo também da comunidade cristã no Líbano, especialmente a do sul", e "da que se encontra na Síria, neste momento tão delicado", e que se "abram as portas do diálogo e da paz em toda a região, dilacerada pelo conflito".

"Quero ainda aqui recordar o povo líbio, encorajando-o a procurar soluções que permitam a reconciliação nacional", citou.

"Que o nascimento do Salvador traga um tempo de esperança às famílias de milhares de crianças que estão a morrer devido a uma epidemia de sarampo na República Democrática do Congo, bem como às populações do leste do país e às do Burkina Faso, Mali, Níger e Moçambique. A crise humanitária que os afeta é causada principalmente por conflitos armados e pelo flagelo do terrorismo, e é agravada pelos efeitos devastadores das alterações climáticas", acrescentou.

Jubileu

Francisco lembrou que a Porta Santa foi aberta na terça-feira para marcar o início do Jubileu, que é celebrado a cada 25 anos, e desejou que ela ajude a "reconciliar com Deus, e então reconciliar-nos-emos conosco mesmos e poderemos reconciliar-nos uns com os outros, até com os nossos inimigos".

"É este o significado da Porta Santa do Jubileu, que abri ontem à noite aqui em São Pedro: ela representa Jesus, a Porta da salvação aberta para todos. Jesus é a Porta; é a Porta que o Pai misericordioso abriu no meio do mundo, no meio da história, para que todos possamos voltar para Ele. Todos nós somos como ovelhas tresmalhadas e precisamos de um Pastor e de uma Porta para regressar à casa do Pai. Jesus é o Pastor, Jesus é a Porta", enfatizou.

O papa também pediu paz para os países do Chifre da África e "que o Filho do Altíssimo sustente os esforços da comunidade internacional para facilitar o acesso da população civil do Sudão à ajuda humanitária e para suscitar novas negociações em vista de um cessar-fogo".

"Que o Menino Jesus inspire as autoridades políticas e todas as pessoas de boa vontade do continente americano, para que, na verdade e na justiça, encontrem quanto antes soluções eficientes, para promover a harmonia social; penso especialmente no Haiti, na Venezuela, na Colômbia e na Nicarágua", pediu o pontífice na mensagem.

Francisco também falou sobre do povo de Mianmar, que, por causa dos contínuos confrontos armados, está sofrendo muito e é forçado a fugir de suas casas.

E espera que "o Jubileu seja uma oportunidade para derrubar todos os muros de separação: os ideológicos, que tantas vezes marcam a vida política, e também os físicos, como a divisão que há cinquenta anos atinge a ilha do Chipre e que dilacerou o seu tecido humano e social".

Francisco afirmou que "Jesus, o Verbo eterno de Deus feito homem, é a Porta escancarada; é a Porta escancarada que somos convidados a atravessar para redescobrir o sentido da existência e a sacralidade de todas as vidas – todas as vidas são sagradas –, e para recuperar os valores basilares da família humana".

"Ele espera-nos na soleira da porta. Espera por cada um de nós, sobretudo pelos mais frágeis: espera as crianças, todas as crianças que sofrem por causa da guerra e da fome; espera os idosos, os nossos antepassados, muitas vezes obrigados a viver em condições de solidão e abandono; espera aqueles que perderam a própria casa ou fogem da sua terra para tentar encontrar um refúgio seguro; espera os que perderam ou não encontram trabalho; espera os prisioneiros que, apesar de tudo, continuam a ser filhos de Deus, sempre a ser filhos de Deus; espera aqueles que são perseguidos por causa da sua fé e são tantos!", acrescentou.

O papa também aproveitou a mensagem para pedir "que o Jubileu seja uma ocasião para perdoar as dívidas, sobretudo as que oneram os países mais pobres".

"Cada um é chamado a perdoar as ofensas recebidas, porque o Filho de Deus, que nasceu no frio e na escuridão da noite, nos perdoa tudo", disse.

O pontífice concluiu desejando a todos "um Feliz e Santo Natal”.

 

 

Fonte: DW Brasil

 

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