Por que sentir medo
pode ser tão bom
Em 2023, mais de 1.300 pessoas se
inscreveram para ter a chance de pagar por uma noite em um quarto de hotel em Chattanooga, no estado do Tennessee, Estados
Unidos. Mais especificamente em um quarto que dizem ser mal-assombrado onde
Annalisa Netherly foi decapitada por seu amante em 1927.
A popularidade desse lugar é apenas
um exemplo da devoção generalizada que muitos de nós têm por sentir medo e passar sustos. Há boas razões, psicológicas e
físicas, para gostarmos de nos assustar.
Nossa resposta biológica ao medo é incrivelmente complexa, envolvendo
neurotransmissores e hormônios que afetam áreas do cérebro desde a amígdala até o
lobo frontal, explica o Dr. Elias Aboujaoude, professor clínico de psiquiatria
e ciências comportamentais da Stanford Medicine e chefe da Seção de Transtornos
de Ansiedade. Essa resposta complexa ativa outras emoções, um tanto
desagradáveis, como o estresse, quanto agradáveis, como o alívio.
Nossos corpos evoluíram para reagir
ao que nos assusta preparando-se para lutar ou fugir: dilatando as pupilas para
enxergar melhor, dilatando os brônquios para absorver mais oxigênio e desviando
sangue e glicose para órgãos vitais e músculos esqueléticos, diz
Aboujaoude.
Por conta disso, o efeito do medo em
todo o corpo pode ser estimulante e, psicologicamente, podemos sentir
satisfação ou até mesmo triunfo quando o objeto do medo desaparece. Os
especialistas explicam por que o medo pode ser tão viciante, a seguir.
><> A
biologia da emoção
A adrenalina, a dopamina e o cortisol são três substâncias químicas
importantes que os seres humanos evoluíram para liberar quando estão sob ameaça
ou medo.
Quando o perigo é detectado, nossos
instintos de luta ou fuga são acionados pela liberação de adrenalina.
Isso aumenta as funções corporais, como frequência cardíaca, pressão arterial e
frequência respiratória, afirma David Spiegel, professor de psiquiatria e
ciências comportamentais da Stanford Medicine e diretor do Stanford Center on
Stress and Health. “Você pode se sentir vigoroso e com energia", conta.
O hormônio do
estresse do nosso corpo, o cortisol, é
liberado o tempo todo para regular várias funções corporais. Mas o cortisol
pode aumentar quando nos esforçamos para superar uma situação ou experiência.
O hormônio pode ajudá-lo a permanecer
alerta após a explosão inicial dos hormônios de "luta ou fuga",
incluindo a adrenalina, e até mesmo acionar a liberação de glicose do fígado para obter energia durante uma emergência. Quando
alguém tem níveis cronicamente altos de cortisol, “isso não é bom para o seu corpo”,
diz Spiegel. “Seu corpo está em pé de guerra crônica quando não deveria estar.”
Tanto a adrenalina quanto o cortisol
estão associados ao estresse, que pode levar a sintomas físicos de dor no
peito, dores de cabeça ou tremores, exaustão, tensão muscular e
sintomas emocionais de irritabilidade, ataques de pânico e tristeza. Já a
dopamina é mais um neurotransmissor de bem-estar geral. Ela está associada ao
prazer e à expectativa ou experiência de uma recompensa, que pode incluir a
superação de uma ameaça "como vencer o medo, ganhar uma corrida, receber
respeito e aprovação dos outros", diz Spiegel.
Isso não significa que o objeto do
medo precisa ter desaparecido para que a dopamina atinja o alvo: é a
antecipação da recompensa, explica Spiegel. Para os viciados em drogas, a
dopamina lhes dá uma sensação de prazer durante a perseguição, mesmo antes de a
droga ser consumida.
<><> Quando
o medo é divertido
Seja em uma casa mal-assombrada ou em
uma montanha-russa, Aboujaude diz que o medo pode se tornar emocionante se
soubermos que, no final das contas, estaremos seguros. “Certos tipos de
experiências podem nos dar a ilusão de que podemos, de fato, dominar e sobreviver a situações ameaçadoras”, diz Aboujaude. “Enfrentar
a ameaça parece uma vitória, e pode ser realmente bom enfrentar o que você
teme.”
Enfrentar coisas assustadoras pode
tirar a sensibilidade de algumas pessoas em relação aos seus efeitos
desencadeantes, já que nada de ruim aconteceu, mas isso também pode ter um lado
negativo.
“Algumas pessoas sentem mais prazer
ou alívio com essas situações de medo e podem acabar flertando com o perigo
quando não deveriam”, revela Spiegel. Uma pessoa saudável pode ir esquiar,
sabendo dos riscos, e ser cautelosa, diz ele. Alguém em busca de emoção pode ir
mais rápido do que sabe que é seguro. “O perigo envolve avaliação de risco e,
se você sair do outro lado tendo sobrevivido ao risco, você se sentirá bem com
isso.”
Se você notou que a diversão
assustadora, como casas mal-assombradas e filmes de terror, geralmente tem como
alvo adolescentes e jovens adultos, há uma conexão com isso também.
“Essa é a idade demográfica que
realmente está tentando lidar com a mortalidade - o que eles temem e quão
corajosos podem ser", diz Tok Thompson, professor de antropologia da USC
Dornsife que ministra um curso sobre histórias de fantasmas. Enfrentar os medos
faz parte da vida adulta em todas as culturas, explica o professor.
“Muitas vezes é um empreendimento
social, muitas vezes são jovens que estão se testando para ver se uma casa
mal-assombrada é realmente mal-assombrada”, diz ele.
<><> O
que nos assusta?
Alguns medos humanos são
"pré-programados" pela evolução, afirma Alice Flaherty, professora
associada de neurologia e psiquiatria da Universidade de Harvard. Nossos ancestrais aprenderam a evitar estímulos assustadores, o que os
ajudou a sobreviver e a passar esses instintos para nós.
“As crianças não precisam aprender a
ter medo de barulhos altos, aranhas, cobras, sangue e objetos que se aproximam
rapidamente”, diz Flaherty, referindo-se aos chamados medos inatos, que ela diz
serem "programados".
Mas a maioria dos outros medos é
desenvolvida por meio da experiência, explica ela. Esses medos são tão variados
quanto o número de pessoas que os aprendem – desde o medo de cachorros por toda a vida, depois de uma mordida na infância,
até o medo de abelhas, depois de uma reação alérgica a uma picada.
Quando se trata desses estímulos
assustadores, as pesquisas mostram que não é necessário que sejam reais para
assustar, mas o realismo exacerbado os torna mais assustadores. “Espera-se que
uma cobra de verdade seja mais assustadora do que uma
simulação de realidade virtual e que, por sua vez, seja mais assustadora do que
uma fotografia granulada”, diz Aboujaoude.
Também sabemos que o medo pode variar
entre os gêneros, afirma Flaherty. “Todo mundo diz que os homens gostam mais de
filmes de terror do que as mulheres, mas há evidências muito boas de que eles
se identificam com o predador e as mulheres se identificam com as vítimas”, diz
ela.
Nosso panteão do medo é o motivo pelo
qual em um lugar como o Scream-a-Geddon, um grande parque temático de terror em
Dade City, na Flórida, você encontrará uma ampla variedade de táticas de susto,
diz o diretor de marketing, Jon Pianki. Nesse parque, que inclui
palhaços, bruxas, uma cena de prisão e um experimento biocientífico que
deu errado, a maioria das pessoas chega em casais ou em um grupo de amigos.
“Não acho que as pessoas se assustem
da mesma forma que se assustariam com um encontro em um beco escuro”, afirma
Pianki, acrescentando que a experiência no parque foi projetada para
"aumentar a ansiedade", mas também com momentos de alívio. “As
pessoas entram andando devagar, reunidas em grupos e, assim que o susto acaba,
elas saem gritando e rindo.”
¨ As cinco fobias meteorológicas mais comuns
O medo pode se
manifestar de diversas maneiras. Algumas delas são chamadas de fobias
específicas, as quais são definidas como um “medo intenso e
progressivo de um determinado objeto, animal, atividade ou
situação que oferece pouco ou nenhum perigo real”, define o Medline
Plus (um serviço de informações produzido pela Biblioteca Nacional de Medicina
dos EUA). Em certas ocasiões, até mesmo o clima pode ser a fonte do medo,
levando às chamadas fobias do clima.
“As fobias do ambiente natural incluem
condições relacionadas ao clima, como medo de tempestades,
nuvens, furacões, neve, frio, vento e chuva, entre outros”, diz
um artigo de pesquisa publicado na revista da Sociedade Meteorológica
Americana.
<><>
Essas são as 5 fobias climáticas mais comuns
>>>> Existem
diversas fobias relacionadas ao clima. De acordo com o Farmers'
Almanac – um compêndio de conhecimento sobre clima, jardinagem e
outros assuntos publicado nos Estados Unidos desde 1818 – as mais comuns
incluem:
1. Astrafobia
Esse termo é
definido como o medo de trovões e relâmpagos. Trata-se de uma temor
bastante comum e, de fato, estima-se que entre 2% e 3% dos
norte-americanos sofram com astrafobia, algo comparável ao número de
pessoas que sofrem de claustrofobia (que é o terror de espaços fechados),
como aponta o Farmers' Almanac. Além dos seres humanos, os animais de estimação também podem
sofrer dessa fobia.
2. Lilapsofobia
Essa fobia se
refere ao medo de tornados e furacões. De acordo com a
fonte estadunidense, muitas pessoas que sofrem de astrafobia também têm
um medo intenso desses fenômenos graves, o que pode causar pavor
paralisante em situações de tempestade.
3. Antrafobia
Diferentemente de
outros medos relacionados a tempestades, os antrafóbicos não têm tanto
medo da tempestade em si, mas das condições climáticas geradas por
ela.
O vento é o gatilho
de sua ansiedade, pois pode causar danos significativos, como derrubar
árvores ou danificar estruturas. Como menciona o “Farmers' Almanac”, em alguns
casos, as pessoas com essa fobia temem que o vento lhes tire o fôlego.
(Talvez você se
interesse por: Veja por que sentir medo pode ser tão
bom)
4. Chionofobia
Esse termo se
refere ao medo de neve. Embora pareça uma
fobia pouco comum, muitas pessoas temem o frio do inverno e como
podem sofrer com ele.
Esse temor pode
estar relacionado aos perigos associados à neve, como o risco de cair em
superfícies escorregadias ou ficar preso em condições adversas, de
acordo com o compêndio estadunidense.
5. Ombrofobia
Também chamada
de pluviofobia. É o pânico da chuva e se dá de
forma prevalente entre as crianças, que geralmente associam chuvas
fortes à possibilidade de tempestades. Essa associação pode intensificar sua
ansiedade, alerta a publicação. Como aponta a “Farmer’s Alamanac”, um medo
saudável de intempéries pode ajudar a manter uma pessoa segura.
Entretanto, as
fobias podem ser debilitantes. Por esse motivo, a fonte recomenda que quem
sofre de uma fobia climática que impede a pessoa de sair de
casa ou se tiver sintomas físicos graves resultantes deles, o
ideal é consultar um médico.
Fonte: National Geographic
Brasil
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