quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Cândido Grzybowski: As omissões em nossas análises de conjuntura em 2024

Fazem parte do ofício de analistas de conjuntura tentar olhar o ano calendário que está acabando com uma espécie de avaliação do que de mais importante aconteceu, apontando possíveis feitos, com seus avanços e recuos. Nunca é demais lembrar que as análises dos processos políticos em curso são indispensáveis para ativistas para potencializar a sua ação, não só para saber quando e como agir mas sobretudo o que priorizar. Diante de um desafio assim, me dei conta de omissões ou questões invisíveis a seu modo estratégicas na perspectiva em que me engajo, de contribuir para uma democracia transformadora em busca de direitos ecossociais iguais na diversidade.

Faço parte de um pequeno grupo que nos damos uma tarefa regular de reuniões quinzenais de duas horas, online, para compartir percepções e visões da conjuntura. Já são mais de dois anos que nos reunimos, o que em si mesmo é um feito. Organizamos o grupo no período do isolamento compulsório. Nesta semana, fizemos a nossa última conversa do ano. Levantei para o grupo a questão das omissões em nossa abordagem como algo que está me intrigando. Na verdade, a própria questão como tal ainda está mal formulada para mim mesmo, mas me intriga. Nada como enfrentar minimamente o desafio nesta minha última postagem do ano no blog “sentidos e rumos”.

Isolado num sítio, minhas fontes de informação, além do grupo de conjuntura, são os noticiários que acompanho, mensagens e artigos acessados por whatsapp e email, algumas redes nacionais e internacionais que acompanho – especialmente debates sobre novos paradigmas civilizatórios – em alguns sites que consulto regularmente. Tenho feito leituras seletivas de livros e artigos que vem se acumulando, sempre em busca de aperfeiçoar o enfoque e as questões a abordar.

Como um balanço preliminar, reconheço que temos muito boas análises críticas do que está acontecendo na esfera da grande política e da econômica dominantes,  que circulam entre nós. Aqui cabe destacar o que chamo de encurralamento da nossa democracia, mesmo neste Lula III. Fundamental tal diagnóstico, mas insuficiente. São poucas ou quase inexistentes as análises do que está acontecendo no chão da sociedade, nos territórios, especialmente alguns sinais de iniciativas cidadãs virtuosas, criando raízes. Fazer análise de conjuntura não é só avaliar as relações de forças dominantes, onde se move o governo eleito e o que consegue ver. É também olhar para as muitas identidades e vozes de cidadanias ativas, as tradicionais e as novas. Caso contrário, ficamos fazendo análises passivas de processos dominantes, nunca de algo alternativo a apostar e fortalecer. Simplificando, faz falta um ativismo de cidadanias para vislumbrar algum caminho. De onde não podem vir políticas e transformações virtuosas – das estruturas e processos políticos e econômicos dominantes como os que temos – nada virá. Não adiante esperar. As eleições municipais deste ano mostraram o resultado possível e impacto que isto pode ter adiante diante da destruição de sentido de comunidade e convivência por parte da extrema direita e dos interesses corporativos hoje dominantes na política, com um difuso mas poderoso sujeito “mercado” a impor suas condições.

É urgente que nós mesmos, com uma perspectiva e preocupações de democracia ativa, mudemos ou ampliemos nossos olhares como analistas do Brasil e de suas conjunturas. Precisamos disto para contribuir a um ativismo coletivo capaz de plantar processos democráticos virtuosos.

O fato é que temos alguns sinais de ativismo e pistas importantes. Por exemplo, merece um destaque especial a resistência ativa de povos indígenas e quilombolas. Mas eles não só interpelam as estruturas de poder político estatal e o agressivo agronegócio e mineradoras. São ações territoriais que apontam o caminho necessário para cuidar de gente e da natureza. O mesmo se pode dizer da multiplicação de iniciativas territoriais de produção agroecológica, especialmente nas periferias rurais, mas não só pois começam a se multiplicar iniciativas deste tipo nas cidades. Temos o exemplo mais consolidado nos assentamentos do MST, mas fora as suas próprias análises como movimento pela reforma agrária, parece que existem tabus entre outros analistas ativistas em abordar a questão. O certo é que entre as coalizões de cidadania mais ativa destacam-se as de agroecologia a nível nacional.

Aqui destaco a virtude existente nas redes urbanas de catadores de lixo. Estão no dia-a-dia das cidades, mas… pouco visíveis e valorizados, não passando de pessoas em luta por sobrevivência. Se formos mapear com mais rigor, veremos que muita coisa vem acontecendo sem ser valorizada como sinal virtuoso para um outro modo de nos organizar e viver.

Destaco ainda a vigorosa reação dos movimentos feministas à proposta de lei no Congresso em defesa dos estupradores. A coisa está latente, mas não extinta. Mas não tivemos reação rápida e vigorosa de outros setores, especialmente diante da desconstrução de políticas sociais em nome do ajuste fiscal. Aliás, o tal arcabouço fiscal é uma concessão inaceitável para o tal “mercado”, sugador de recursos públicos através de juros, benefícios e isenções, com fortunas acumuladas em poucas mãos, sem o justo imposto em nome do bem público.

Termino lembrando a surpreendente proposição do movimento VAT – Vida Além do Trabalho – com a ideia de redução da jornada de trabalho assalariado de 6×1 para 5×2. O novo é que se trata de uma iniciativa do enorme contingente de trabalho precário, até sem carteira assinada. Chama atenção o protagonismo de tal grupo visto como desorganizado, sem sindicato ou outra fora, mas demonstrando ativismo.

Tenho chamada a atenção em minhas postagens para o mal que a extrema direita plantou no sentido de combate ao sentido do viver em comunidade, com cuidado, convivência e compartilhamento. O tecido social mais básico foi esgarçado. Claro, solidariedade ainda existe, como a ocorrido na grande destruição das enchentes no RS, uma emergência que não pode esperar. Mas não podemos nos limitar a valorizar a solidariedade em emergências. Solidariedade coletiva deve estar no centro de qualquer democracia que importa.

Enfim, concluo dizendo que precisamos afinar nosso olhar de analistas e ativistas de cidadania por processos democráticos transformadores, valorizando mais o que brota no chão da sociedade.

 

¨      Folha de SP é uma fachada do partido do rentismo. Por Jeferson Miola

O editorial na capa da edição dominical [22/12] é um artefato bélico do jornalismo de guerra da Folha a serviço do terrorismo do mercado. O objetivo: combater e inviabilizar o governo Lula.

Desde a primeira até a última linha do texto, o editorial pinta um cenário catastrofista sobre a situação orçamentária e fiscal do Brasil. Com a retórica de um partido de oposição, conclui que isso se deve à “irresponsabilidade orçamentária de Luiz Inácio Lula da Silva”.

A Folha não economiza na hipocrisia alarmista. Assim, esconde a verdadeira verdade sobre a reconstrução das finanças públicas pelo atual governo e legitima o brutal ataque especulativo do rentismo, que fez o dólar alcançar a cotação de 6,30 reais.

Na estratégia modo pânico a Folha menciona a “inflação rumando para níveis preocupantes”, “a opção pela gastança”, a ameaça da “hiperinflação”, a necessidade de “freio de arrumação urgente na política fiscal”, o risco de “colapso” da máquina pública, o “descalabro da dívida”, e “riscos palpáveis de ruína”.

Esse diagnóstico de terra arrasada a respeito do governo Lula retrataria perfeitamente, porém, o governo fascista-militar de Bolsonaro, Paulo Guedes e Campos Neto.

Naquele período sombrio da nossa democracia e ruinoso para nossa economia, o Teto dos Gastos foi estourado em 795 bilhões de reais, a inflação furou a meta em dois anos consecutivos, o comprometimento do PIB com a dívida pública chegou a quase 80% e a SELIC atingiu 13,75% ao ano.

Mas, para a Folha, Lula é o problema. E o fascismo pode ser a solução, se for o caso. Em tom de ameaça, o jornal diz que “sem a redução de despesas”, Lula não conseguirá evitar “um fiasco parecido com o de Dilma Rousseff”.

A guerra contra o governo Lula é uma guerra contra as políticas distributivas mínimas, que sequer modificam a desigualdade estrutural e a exclusão social imposta pelas oligarquias dominantes.

No capitalismo de rapinagem defendido pela Folha, o povo pobre e miserável não conta, é jogado na linha de produção da necropolítica.

A escolha editorial da Folha tem raízes na sua ideologia conservadora, antidemocrática e antipopular que inclusive flerta com ditaduras, como mostra a colaboração do Grupo da família Frias com a ditadura sanguinária instalada em 1964 – considerada uma “ditabranda” pela Folha, segundo aquele editorial vergonhoso de 17 de fevereiro de 2009.

A respeito da cumplicidade com a repressão e o terror de Estado, é bastante esclarecedora a matéria da Agência Pública com documentos que indicam que a aliança da Folha com a ditadura foi mais forte do que o jornal admite.

Além de motivada pelo seu antipetismo, antilulismo e pela ideologia anti povo, a Folha também atua na “dinâmica informacional” do mercado tendo interesses materiais e financeiros diretos.

O Grupo Folha é um conglomerado com atuação nos campos financeiro e da comunicação. No entanto, o negócio principal do Grupo nem de longe é a comunicação, mas o mercado financeiro.

Os ganhos maiores do conglomerado não são com os lucros operacionais por serviços de imprensa e jornalismo, mas com os lucros financeiros, oriundos da parasitagem rentista.

O negócio mais rentável do Grupo Folha é a empresa PagSeguro, que só no 3º trimestre deste ano teve uma receita de R$ 4,8 bilhões e um lucro líquido recorde, de R$ 572 milhões.

A Folha, como de resto a mídia neoliberal hegemônica, não é um jornal ou um órgão de imprensa imparcial e confiável, porque são fachadas do Partido do rentismo.

O status de grupo de mídia serve de salvo-conduto para a prática de terrorismo econômico e financeiro contra o governo Lula e arma ideológica de difusão do pensamento único ultraliberal.

 

¨      Não mexam no instinto de Lula. Por Moisés Mendes

Lula é, pela capacidade de construir e gerir sua imagem pública, o mais intuitivo dos grandes políticos brasileiros, e talvez só perca ou empate nesse quesito com Getúlio. Porque essa é sempre a comparação inevitável. 

Lula é o que é pelo que agregou à sua figura por conta própria, pelo instinto que o mobiliza para dizer e fazer o que pensa. Não há coisas inventadas em Lula. O povo sabe, até Barack Obama já sabia. 

Na maior parte da vida como figura pública, e principalmente no início, na fase decisiva para a construção do que é, Lula não deve ter contado com ninguém que orientasse condutas e muito menos a configuração da sua imagem.

Nem a sempre citada Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, quando se apresenta como moderado, altera sua essência. Nem quando apareceu, naquela campanha vitoriosa, de camisa branca e gravata.

Lula continuava funcionando na intuição, mesmo que tenha contado com o suporte de orientadores pontuais de falas e ações de fora das estruturas de partido e governo.

E assim foram seus dois mandatos, já num tempo em que os marqueteiros e as suas pesquisas qualitativas ajudavam a calibrar o comportamento de políticos, não só em campanhas eleitorais. 

É como a roda gira hoje. Governos e governantes passaram a se orientar pelo que o marketing político considera adequado para as circunstâncias e para os futuros mais próximos. O marketing ouve as pessoas, mais do que a ciência política, para saber o que elas querem ouvir.

Mas a pergunta incômoda do terceiro mandato de Lula é essa: o que os brasileiros querem mesmo ouvir? Que proveito Lula pode tirar das orientações de quem tenta entender a percepção de mundo dos brasileiros pós-Bolsonaro?

Lula disse na TV que está preparando a colheita. Que há melhoria geral na economia, no emprego, na renda, na redução da pobreza, na qualidade de vida.

Mas as pesquisas dizem que as pessoas não percebem isso. Porque se queixam da inflação. Uma inflação de 4% ao ano, mas que não se manifesta com esse número no supermercado.

O comércio nunca vendeu tanto. Mas o brasileiro diz ao Datafolha que não está tão bom. O mercado financeiro e os jornalões dizem a mesma coisa. E o dólar sobe. E o especulador faz a cabeça do brasileiro, talvez como nunca tenha feito antes.

E agora, Lula? Como mudar os humores e as percepções dentro dessa realidade, ou como mexer na parte da realidade que não foi bem resolvida, se PIB, emprego, renda, perspectiva de estabilidade e outros indicadores já não contam mais como contavam antes?

Por que Milei, que está destruindo o que resta de suporte público para os pobres, os aposentados, os professores e os estudantes tem apoio de metade dos argentinos? Por que Lula tem apoio de um terço dos brasileiros? 

Seria porque é mais fácil ser fascista antissistema e destruir o que o ‘sistema’ fez em décadas de peronismo e kirchnerismo do que reconstruir aqui o que o fascismo destruiu?

Se Lula não souber responder, com fala e ações, não há marqueteiro que saiba. Só se espera que não tirem de Lula o que ele tem de melhor, que é a capacidade de usar sua intuição para dar sentido a uma vida pública. 

Não interfiram demais, não palpitem muito no jeito Lula de ser, inclusive quando diz o que acham que não deveria ter dito. Ofereçam informações que o ajudem a tomar decisões, mas não se metam a escolher a cor da gravata de Lula. 

 

Fonte: Sentido e Rumos/Brasil 247

 

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