Sergio Rodas:
“Castração química de pedófilos é inconstitucional, populista e ineficaz”
A castração química
de pedófilos é uma pena cruel e degradante. Viola a Constituição Federal e a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Além disso, é uma medida populista
e ineficaz, que não reduzirá a violência sexual contra crianças e adolescentes.
É o que afirmam especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor
Jurídico.
A Câmara dos
Deputados aprovou em 12 de dezembro a castração química de pedófilos. A
proposta foi inserida durante a votação de um que projeto que altera o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) para estabelecer o cadastro nacional de
pedófilos. O projeto segue agora para o Senado.
O texto aprovado é
o substitutivo da relatora, deputada Delegada Katarina (PSD-SE), para o Projeto
de Lei 3.976/2020, do deputado Aluisio Mendes (Republicanos-MA), e para a
versão elaborada em junho último pela Comissão de Previdência, Assistência
Social, Infância, Adolescência e Família.
Pelo projeto, a
castração química será aplicada cumulativamente às penas já previstas para os
crimes de violência e exploração sexual previstos tanto no ECA quanto no Código
Penal.
Segundo o destaque,
a medida será feita mediante o uso de medicamentos inibidores da libido, nos
termos regulamentados pelo Ministério da Saúde, observando-se as
contraindicações médicas.
·
Medida
inconstitucional
O artigo 5º, XLVII,
“e”, da Constituição Federal, estabelece que não haverá penas cruéis. Já o
inciso XLIX do mesmo dispositivo assegura aos presos o respeito à integridade
física e moral. Portanto, a castração química é inconstitucional, apontam
especialistas.
A aprovação dessa
penalidade seria um retrocesso, avalia a desembargadora do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro Adriana Ramos de Mello, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em
Gênero, Raça e Etnia, do Observatório de Pesquisas Bryan Garth da Escola da
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
“Trata-se de uma
pena cruel e degradante, que viola não apenas a Constituição Federal, mas
também tratados internacionais, sobretudo a Convenção Americana de Direitos
Humanos”, aponta a magistrada.
Além disso, avalia,
a castração química não acabará com a violência sexual contra crianças e
adolescentes no Brasil.
“Temos que avançar
em políticas públicas de proteção e segurança para crianças e adolescentes, e
estruturar o sistema de denúncias. Também é necessário melhorar a estrutura
policial, investindo em equipamentos e tecnologias para que os crimes sejam
devidamente investigados, e os culpados, punidos, de acordo com a legislação
penal que já existe”, analisa Adriana.
A advogada Maíra
Fernandes, professora da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, igualmente
considera a castração química inconstitucional.
“Mais uma vez, a
Câmara dos Deputados aprova uma medida populista, que não é embasada em nenhum
estudo sério sobre o tema, totalmente demagógica e que não resolve o problema
da pedofilia no país. Mais uma vez, foca-se na punição, e não na prevenção de
um crime grave. Uma punição cruel, em um país que comete erros judiciais
gravíssimos e que, não raro, prende e condena inocentes, como evidencia o
trabalho do Innocence Project e de diversas defensorias públicas”, diz a
criminalista.
Ela ainda ressalta
que a castração química, conforme a experiência de países que a impuseram, não
evita a prática de novos atos de violência sexual, até porque só é aplicada a
homens já condenados.
“Melhor seria se
nosso Legislativo estivesse empenhado em aprovar medidas de prevenção ao crime,
de fortalecimento de redes de apoio às vítimas e, sobretudo, se pensasse em
ações com o objetivo de esclarecer e reeducar a sociedade. A prática de crimes
sexuais está muito mais ligada a uma relação de poder do homem com a vítima, do
que a uma questão de libido. Em torno da prática do estupro, há uma questão
cultural, há o machismo estrutural da nossa sociedade. Combater esse machismo
deveria ser o foco central de atuação dos três poderes”, afirma Maíra.
·
Efeito
duvidoso
Em artigo publicado
na ConJur, o procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino e a advogada
Fabiana Mendes da Silva Christino afirmam que, no Brasil, a grande maioria dos
casos de abuso sexual contra menores está ligada a relações de parentesco, frequentemente
entre padrastos e enteados. Assim, a convivência íntima cria oportunidades para
a ação de predadores sexuais.
As penas para esses
crimes são severas, raramente inferiores a 10 anos de reclusão em regime
fechado. Os casos de reincidência, destacam, são a exceção da exceção e
costumam ocorrer pelo mesmo método, ou seja, a facilidade provocada pela
convivência íntima. Existe apenas um único grande caso de pedofilia nestes
termos registrado no Brasil: o do médico Eugênio Chipkevitch, condenado a 114
anos de prisão por mais de 40 crimes de abuso sexual.
A efetividade da
castração química é duvidosa, opinam os Christino. “De primeiro porque não
poderia ser aplicada enquanto no cumprimento da pena, até porque, estando
preso, não teria a possibilidade de praticar este tipo de crime. Cumpre lembrar
que, no sistema prisional, condenados por crimes sexuais são mantidos em
presídio à parte, dada a impossibilidade de convivência com a população
carcerária, que vê este tipo de crime como intolerável, matando quem cai em
suas mãos.”
“Como as penas são
longas, o efeito seria zero. Antes que qualquer jejuno, lembre que a castração
química possa ser aplicada após a obtenção da liberdade pelo criminoso, forçoso
reconhecer que a flexibilização da pena exige o prognóstico de que o condenado
não volte a delinquir, se este prognóstico for positivo para flexibilizar a
pena. Por lógica, a castração química seria inexigível. Caso contrário, havendo
prognose desfavorável, deveria o condenado ser mantido em cárcere”, avaliam.
E se o condenado
for portador de alguma doença mental, como obsessão sexual por crianças, deverá
ser internado em hospitais psiquiátricos, sendo inviável a castração química.
Dessa maneira, eles concluem que a penalidade é incompatível com sistema penal brasileiro.
“Ou o condenado não tem condições de sair e deve permanecer contido, ou está em
parte ao menos recuperado e a castração é inútil ou desaconselhável.”
¨ Lei que cria
cadastro de criminosos sexuais é inconstitucional e ineficaz, dizem
especialistas. Por Rafa Santos
Foi sancionada em 28/11
a Lei
15.035/24,
que determina a criação do Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais.
O objetivo é montar um banco de informações aberto à consulta pública com dados
de pessoas condenadas pelos crimes de estupro, estupro de vulnerável, registro
não autorizado de relação sexual, favorecimento da prostituição e
cafetinagem.
O sistema vai
permitir que o público tenha acesso ao nome completo e ao número de Cadastro de
Pessoa Física (CPF) do condenado em primeira instância. Caso o réu seja
absolvido em instâncias recursais, suas informações não ficarão mais
disponíveis para consulta pública.
O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) vetou o trecho da lei que determinava que as informações
no cadastro ficassem disponíveis para consulta pública pelo prazo de dez anos
após o cumprimento integral da pena. O mandatário alegou que a medida é
inconstitucional por violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do
condenado.
A maioria dos
especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor
Jurídico acredita que a lei é inconstitucional e que, além disso, não deve
ajudar no combate efetivo a crimes sexuais. O jurista Lenio Streck é
direto em sua avaliação sobre o novo regramento: “Matéria inconstitucional, a
presunção de inocência é sagrada, direito fundamental. Observo que o presidente
Lula foi uma das principais vítimas da aniquilação desse princípio. O Congresso
jogou uma bola triangular ou espinhosa para o presidente. Deveria vetar. Mas
pegaria mal politicamente. Como o projeto da saidinha. O Congresso faz ensaios
e coloca o presidente nas cordas. Isso vai ser de novo resolvido no STF.”
Streck também
acredita na pouca efetividade da lei: “Não existe qualquer elemento que diga que
a nova lei vai diminuir a prática desse tipo de crime. Por que não criar um
cadastro nacional de assaltantes? Ou um de golpistas do INSS?”.
O
advogado Welington Arruda é outro que questiona a eficácia da lei. “A
medida pode comprometer a ressocialização dos condenados, especialmente
considerando que os dados serão de acesso público. A exposição permanente ou
prolongada pode intensificar a marginalização desses indivíduos, dificultando
sua reintegração social e, paradoxalmente, aumentando os riscos de reincidência.”
O paralelo mais
óbvio com a Lei 15.035/24 é a Lei de Megan, aprovada nos Estados Unidos em
razão do estupro e assassinato de uma menina de sete anos, Megan Kanka, por um
homem chamado Jesse Timmendequas, que já havia sido preso por tentar estuprar
duas crianças.
A norma determina
que os estados americanos tenham um registro e um sistema de notificação sobre
os criminosos sexuais. Cada estado é responsável por adotar um modelo de
aplicação da lei e operação dos bancos de dados. A análise dos efeitos da
lei, feita pela Universidade de Rutgers e pelo Departamento de Penas do estado
de New Jersey, entretanto, aponta que ela falhou
na redução de
casos de crimes sexuais. Por isso, os críticos do regramento questionam também
o custo de aplicação da lei — manter um banco atualizado sobre criminosos
sexuais não se justifica, uma vez que não existem dados de que a medida seja
eficaz.
<><> Presunção
de inocência
O advogado e
professor Aury Lopes Jr. classifica a lei como “populista e
absolutamente inconstitucional”. Ele explica que o regramento viola a presunção
de inocência e impõe um estigma absurdo a alguém que não é definitivamente
condenado, já que o nome é incluído no cadastro já após condenação em primeira
instância.
“Mesmo que fosse
depois do trânsito em julgado, não seria menos inconstitucional, pois viola o
direito à imagem e a dignidade da pessoa humana. Por mais grave que seja o
crime, o Estado não tem — legitimamente — o poder de humilhar e enxovalhar o
condenado. Pode punir, para isso está a pena, mas não humilhar assim. Ademais,
mesmo que fosse depois do trânsito em julgado, seria absolutamente incompatível
com a promessa de ‘ressocialização’ que classicamente é usado como argumento de
justificação da pena.”
O
criminalista Rodrigo Faucz segue a mesma linha. “Eu acho muito
difícil (a lei) servir para a prevenção de crimes sexuais, a não ser
em situações bem restritas, como uso para escolas e algumas instituições que
lidam com crianças, talvez seja interessante. Mas a lei tem uma falha
extremamente grave que é a questão da constitucionalidade, da previsão de estar
na lista a partir da decisão de primeira instância. Isso é um absurdo e viola
diretamente o princípio da presunção de inocência.”
Luís Henrique
Machado, por sua vez, cita que a lei poderia funcionar se fosse usada, por
exemplo, por profissionais da rede hoteleira, para coibir esse tipo de crime nesses
estabelecimentos. “Com a consulta pelos recepcionistas, poderia evitar a
execução do crime no momento do check-in. Se fizer um trabalho integrado entre
as Secretarias de Segurança Pública e o setor privado, os resultados podem ser
benéficos para a sociedade”, sugere.
Um consenso entre
os especialistas, contudo, é o impacto que integrar uma lista como essa pode
ter na vida de alguém cuja condenação ainda não transitou em julgado.
“A pessoa pode ser
condenada em primeira instância e pode ser absolvida em segunda. E eu acho
muito ruim isso, porque tem consequências gravíssimas, como estigma e exclusão
social da pessoa. Então, acho que isso tem de ser bem pensado, e nunca apenas
após a condenação de primeira instância. Essa é a minha opinião e, sim, existe
chance dessa lei vir a ser questionada quanto à sua constitucionalidade”,
opina Alberto Toron.
¨ É possível afastar a presunção de crime de estupro de
vulnerável, reafirma STJ. Por Danilo Vital
Em atenção aos
interesses da vítima e à necessidade de proteção da criança fruto de
relacionamento, é possível afastar a presunção do crime de estupro de
vulnerável nos casos de relação sexual com pessoa menor de 14 anos.
Com esse
entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao
recurso especial do Ministério Público de Santa Catarina e manteve a absolvição
de um homem por, aos 20 anos, relacionar-se com uma menina de 13.
A votação foi por
maioria de votos, conforme a posição do relator, ministro Joel Ilan Paciornik.
Ele confirmou a absolvição, conforme decidiu o Tribunal de Justiça de Santa
Catarina na apelação. Ficou vencida a ministra Daniela Teixeira.
O tema é sensível
porque, de acordo o artigo 217-A do Código
Penal,
conjunção carnal com menor de 14 é presumivelmente crime. E, conforme
o próprio STJ,
o consentimento da vítima ou sua experiência sexual anterior não afasta a
tipificação da conduta.
Ainda assim,
de maneira
excepcionalíssima,
tem livrado acusados em hipóteses
específicas,
em que não existe proveito
social na
condenação do réu — distinção tão rara que, na 5ª Turma, representa
menos de 2% dos
casos de estupro de vulnerável julgados.
·
Protetiva
não bastou
No caso dos autos,
o relacionamento entre réu, à época com 20 anos, e vítima, de 13, foi
descoberto quando ela foi a uma farmácia comprar teste de gravidez. O Conselho
Tutelar foi notificado, fez boletim de ocorrência e obteve medida protetiva.
Essa medida não foi
respeitada pelo casal, que continuou se encontrando com a aprovação da família
da vítima. Já durante a instrução probatória, a mãe noticiou que a filha estava
grávida. E, no momento da sentença, os dois mantinham relacionamento, embora
sem morar juntos.
Esse contexto levou
à absolvição na sentença, o que foi confirmado pelo TJ-SC. A corte estadual
entendeu que não houve efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal.
A vítima não se
encontrava em situação de vulnerabilidade, tampouco teve sua dignidade sexual
violada, já que tinha discernimento acerca dos atos sexuais praticados e seu
consentimento.
Segundo Paciornik,
esse entendimento encontra amparo na jurisprudência do STJ, que, analisando
casos concretos, mantém a absolvição diante das peculiaridades que envolvem o
interesse da vítima e do filho.
“Apesar da ausência
de convívio entre agravado e vítima sob o mesmo teto ao tempo da instrução
criminal, é inegável que persistiu o relacionamento com registro da gravidez, a
possibilitar a distinção feita pelas instâncias ordinárias”, concluiu.
Fonte: Conjur
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