sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Polo Norte está em apuros com Ártico cada vez mais quente — e nós também

O Polo Norte, tradicionalmente associado, no imaginário popular, à figura do Papai Noel com suas renas em terras geladas, enfrenta uma realidade alarmante com o aquecimento global. Em 2024, a região experimentou o segundo ano mais quente já registrado, com temperaturas que superaram a média histórica em 1,20°C. Mas, desde a década de 1980, a região ártica tem experimentado um aumento de temperatura quase três vezes mais rápido do que a média global.

Esse aquecimento acelerado tem impactos devastadores, desde o derretimento recorde do gelo marinho, que atingiu a sexta menor extensão já registrada no verão, até a drástica diminuição das populações de renas, espécies simbólicas da região. À medida que o gelo derrete e a neve é substituída por superfícies mais escuras, como a água do mar ou a terra, a capacidade de reflexão do grande "manto branco" diminui, fazendo com que mais calor seja absorvido, o que, por sua vez, acelera o aquecimento. Esse ciclo de retroalimentação contribui para a aceleração do problema.

O cenário é agravado pela intensificação de incêndios florestais e o derretimento do permafrost, que liberam enormes quantidades de carbono e metano. Como o Ártico regula os padrões climáticos e atmosféricos do planeta, mudanças significativas na região podem afetar o clima de outras partes do mundo, exacerbando a mudança climática e fenômenos como tempestades, ondas de calor e alterações nos padrões de precipitação.

Conheça a seguir, as mudanças preocupantes que têm ocorrido no Ártico, segundo o Arctic Report Card 2024, relatório anual publicado pela National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), que fornece uma análise detalhada das condições climáticas e ambientais da região.

·        2024: o segundo ano mais quente da história do Ártico

O Ártico teve o segundo ano mais quente desde o início dos registros em 1900. No período de outubro de 2023 a setembro de 2024, as temperaturas na região ficaram 1,20°C acima da média de 1991–2020. Embora algumas áreas como a Escandinávia, Islândia e partes da Ásia Oriental tenham apresentado temperaturas mais frias do que a média, a maior parte do Ártico experimentou calor ‘anômalo’, com destaque para o leste da América do Norte e trechos da Sibéria, observa o relatório.

Desde a década de 1980, a região aquece quase três vezes mais rápido do que o restante do planeta, um fenômeno conhecido como “amplificação ártica”. Este fenômeno é impulsionado pela perda de neve e gelo, associada a alta dos termômetros, o que reduz a capacidade do Ártico de refletir a luz solar, contribuindo para o aquecimento adicional da superfície. O relatório também destaca que 2024 é o 11º ano consecutivo em que as temperaturas do Ártico superaram as médias globais, sendo a última década a mais quente da história da região.

·        Declínio no rebanho de renas

As populações de renas no Ártico caíram 65% nas últimas décadas. Embora os ciclos naturais de crescimento e declínio das populações possam ter influenciado inicialmente essa baixa, a 'falha' das manadas em se recuperar é atribuída principalmente aos impactos do aquecimento global, da mineração, da construção de estradas e outros fatores ligados à atividade humana.

O relatório apresenta o status de 13 manadas de renas: apenas 2, localizadas na costa norte do Alasca e do Canadá, estão aumentando e próximas aos números mais altos já registrados. As demais permanecem bem abaixo dos picos populacionais dos anos 1990, com 3 manadas apresentando um crescimento lento e outras 4 quatro em declínio contínuo.

A situação mais alarmante envolve a manada de Bathurst, no Canadá, que não se recuperou, apesar de esforços de conservação. O relatório sugere que a combinação de dados científicos modernos com o conhecimento tradicional das comunidades indígenas, como os Inuit, pode ser crucial para desenvolver estratégias de conservação eficazes. Compreender como o aquecimento global afeta o habitat desses animais — incluindo vegetação, pragas e fontes de água — pode ajudar a identificar as ações prioritárias para garantir a sobrevivência da espécie em um Ártico mais quente.

·        Cobertura de gelo alcança a sexta menor extensão

Segundo o Arctic Report Card de 2024, da NOAA, a quantidade de gelo marinho que cobria o Oceano Ártico no final da temporada de derretimento do verão, em setembro, foi a sexta menor já registrada. Este ano marca o 18º consecutivo com os menores níveis de gelo desde o início dos registros por satélite, há 46 anos. Para piorar, o relatório destaca que os níveis atuais de gelo no Ártico são os mais baixos em pelo menos 1.500 anos, com base em reconstruções a partir de dados paleoclimáticos.

A análise mostra que a área coberta por gelo em setembro de 2024 foi bem abaixo da linha média de extensão de gelo observada entre 1991 e 2020, e ainda mais distante da média de 1981-2010. O "Círculo Cinza", no centro do Ártico, é uma área onde os satélites não conseguem observar diretamente devido à sua órbita e é considerada com 15% de cobertura de gelo para os cálculos de extensão total.

O relatório também aponta que, pela primeira vez, partes da Passagem do Noroeste, uma rota marítima entre o Atlântico e o Pacífico através do Ártico, se tornaram navegáveis no verão de 2024 devido à redução recorde do gelo. Embora não seja uma ocorrência regular, a navegação por essa passagem já não é mais uma raridade.

Em termos de extensão total de gelo, o relatório mostra uma queda significativa desde 1979, quando a área coberta por gelo era de cerca de 8 milhões de quilômetros quadrados, para cerca de metade desse valor nos últimos anos. Embora não tenha ocorrido uma "recuperação" do gelo perdido, a extensão no último período de dez anos tem se mantido estável em níveis baixos.

·        Verão mais chuvoso da história do Ártico

O verão de 2024 (de julho a setembro) foi o mais chuvoso da história no Ártico, com dados que remontam a 1950. De acordo com o relatório, a precipitação anual (chuva e neve) tem aumentado ao longo das últimas décadas na região especialmente no inverno, entre janeiro e março. Eventos de precipitação intensa registrados no inverno de 2024 também foram alguns dos mais fortes desde 1950, afetando principalmente o sul das Ilhas Aleúteas, no Alasca, até o Mar de Siberia Oriental.

Esta é uma tendência crescente, com o inverno registrando alta de 2,17% por década em relação à média de 1991–2020. À medida que o Ártico aquece, a quantidade de vapor d'água na atmosfera aumentará, facilitando o transporte de umidade das latitudes mais baixas, o que deverá continuar a elevar as taxas de precipitação na região. Embora esse aumento seja visível, o relatório também destaca grandes variações anuais e regionais. Além disso, há uma tendência de transição de precipitação sólida (neve) para líquida nas partes mais quentes do Ártico, enquanto nas áreas mais frias espera-se um aumento de neve no futuro.

·        Derretimento começa mais cedo

Apesar de algumas áreas do Ártico terem registrado uma duração de cobertura de neve relativamente longa, os dados de longo prazo indicam que, em média, a neve está derretendo mais cedo tanto na América do Norte quanto na Eurásia. O relatório apresenta um mapa que classifica a duração da cobertura de neve durante a temporada 2023-2024 em relação ao histórico de 1998 até o presente.

Áreas em azul claro indicam os locais que registraram a temporada de neve mais longa nos últimos 26 anos, enquanto as regiões em azul escuro marcaram a duração mais curta. A maioria das áreas no Canadá experimentou os menores períodos de cobertura de neve já registrados, enquanto partes da Escandinávia, leste da Sibéria e algumas áreas do Alasca apresentaram períodos mais longos de neve.

Além disso, a extensão da cobertura de neve em junho, desde 1967, apresenta uma tendência de declínio a longo prazo. Embora historicamente grande parte do Ártico permanecesse coberta por neve até a primavera, os dados indicam que a cobertura de neve tem diminuído, especialmente na Eurásia e na América do Norte. Entre 2009 e 2023, a neve tem derretido até duas semanas mais cedo do que nas condições históricas.

A neve no Ártico desempenha um papel crucial no equilíbrio climático da região. Enquanto presente, ela reflete cerca de 90% da luz solar que atinge a superfície, ajudando a manter a região fria e retardando o derretimento do permafrost. Quando a neve derrete mais cedo, ela afeta o tempo e a quantidade de fluxo dos rios, além de influenciar a umidade do solo e o risco de incêndios. Outro impacto significativo é o desalinhamento dos ciclos naturais de animais adaptados às mudanças sazonais, cujos pelos e penas evoluíram para se ajustar ao clima gelado.

·        Tundra se torna fonte de emissões de carbono e metano

A região da tundra ártica passou a contribuir para o aumento das emissões de dióxido de carbono e metano na atmosfera. Esse fenômeno é impulsionado pela combinação da atividade microbiana no permafrost em descongelamento e pelo aumento da frequência de incêndios florestais, que se tornaram mais comuns na região. Em 2024, as temperaturas do permafrost alcançaram recordes históricos, com quase metade das estações de monitoramento no Alasca registrando os maiores valores já observados. Além disso, 2024 foi o segundo ano com maiores emissões de incêndios florestais ao norte do Círculo Ártico.

O relatório apresenta um mapa que mostra o equilíbrio de carbono no Ártico nas últimas duas décadas. Áreas de terra com fluxo positivo de dióxido de carbono, ou seja, que liberaram carbono para a atmosfera, estão coloridas de roxo. As áreas em roxo escuro indicam grandes liberações de carbono devido aos incêndios florestais. Já as regiões em verde, com fluxo negativo de dióxido de carbono, funcionaram como "sumidouros", ou seja, removeram carbono da atmosfera e o armazenaram no solo.

De 2001 a 2020, o Ártico como um todo foi considerado neutro em carbono, mas a tundra, que antes funcionava como um sumidouro de carbono por milênios, agora se transformou em uma fonte de dióxido de carbono e continua a ser uma fonte de metano.

O relatório também explica que as mudanças climáticas têm intensificado incêndios e as emissões de carbono. Embora a regeneração da vegetação possa reabsorver CO2 da atmosfera ao longo das décadas seguintes, incêndios mais frequentes e severos, a liberação de carbono subterrâneo e os impactos a longo prazo do derretimento do solo estão resultando em emissões líquidas de carbono para a atmosfera em grandes escalas espaciais, alerta o estudo, o que pode agravar as mudanças climáticas globais.

·        Futuro em aberto

Ao enquadrar o Ártico como parte de um "novo regime", os pesquisadores da NOOA destacam que a região hoje está dramaticamente diferente em comparação com uma ou duas décadas atrás, mas isso não deve implicar que o clima do Ártico tenha se estabilizado devido ao aquecimento causado pelo ser humano. "As projeções de mudanças climáticas para as próximas décadas são claras: a mudança continuará", alertam.

E o que fazer a respeito? Em um sistema terrestre interconectado, governos têm um papel a desempenhar para reduzir riscos, apoiar a adaptação e promover a colaboração. A forma mais importante de minimizar os danos futuros é por meio de ações fortes para mitigar as emissões de gases de efeito estufa ligadas principalmente à queima de combustíveis fósseis, como petróleo e gás. Os pesquisadores ressaltam ainda o papel das comunidades tradicionais locais, que estão respondendo ativamente às mudanças ambientais, utilizando suas habilidades de observação para ajudar suas comunidades a entender, se preparar e agir.

 

Fonte: Um só Planeta

 

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