Como os EUA
inundaram seu Natal (e o ano inteiro) de pistache
O pistache é citado
logo nas primeiras páginas do Velho Testamento como um
"dos melhores produtos da terra" de Jacó, o patriarca bíblico posteriormente
designado como Israel.
Mas quem olha as
vitrines cada vez mais verdes de docerias, sorveterias e
padarias pelas cidades brasileiras em 2024 pode até imaginar que se trata de
uma novidade.
O Brasil, que não
produz uma única semente, nunca consumiu tanto pistache.
Até novembro deste ano,
as importações do produto já eram 80% maiores em relação a 2023 — um ano que,
por sua vez, já havia visto um crescimento de 70% na comparação com 2022,
segundo as estatísticas de comércio exterior do governo
federal.
Das mais de mil
toneladas de pistache importado em 2024, 85% veio de um único país: os Estados Unidos, que têm batido
recorde na produção ano após ano.
Até 2021, os
americanos disputavam quilo a quilo com Irã a liderança
nas exportações ao Brasil.
Esses recordes de
consumo no Brasil e de produção nos EUA não estão desconectados, segundo
especialistas com quem a BBC News Brasil conversou.
Nativa do Oriente Médio, onde há milênios
faz parte da cultura alimentícia, a árvore do pistache caiu na graça do
agronegócio da Califórnia nos últimos anos por ser uma planta que sobrevive bem
a um clima cada vez mais quente e a um cenário de escassez hídrica, explica
David Maganã, analista da indústria de nozes e castanhas do Rabobank, um banco
multinacional que financia o setor de agronegócio.
"Tem havido
uma crescente disponibilidade de pistaches, e a indústria tem feito um esforço
extraordinário para diversificar os seus mercados de exportação", diz
Maganã, que produz relatórios sobre a produção da Califórnia.
A árvore de
pistache demora até 10 anos para atingir sua fase de produção completa — e a
partir daí, se cuidada, pode durar até 100 anos.
Isso quer dizer
que, com as plantações que tomaram conta especialmente do Vale de San Joaquín,
na Califórnia, o mercado americano começou a ser — e continuará sendo —inundado
por pistache.
"Já há muitas
árvores produzindo e mais árvores estarão produzindo nos próximos anos",
diz Maganã. Ou seja, essa febre tem tudo para não ser temporária.
No Brasil, o
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), por meio de seu
escritório de comércio agrícola em São Paulo, vem desenvolvendo desde 2020 uma
série de atividades promocionais para aumentar a visibilidade do pistache.
Em um relatório de
2024 em que aponta o mercado brasileiro "como um terreno fértil para os
exportadores", o USDA destaca a participação em feiras internacionais de
alimentos, projetos com chefs influentes no Brasil, parcerias com restaurantes
renomados em São Paulo e a promoção do pistache em aulas de culinária com mais
de 40 influencers do ramo de gastronomia.
É uma campanha de
marketing poderosa e que já tem sido notada há alguns anos por José Eduardo
Camargo, presidente da Associação Brasileira de Nozes, Castanhas e Frutas Secas
(ABNC).
"Não sei dizer
o quanto desse boom do pistache vem do marketing e o quanto é um
movimento natural por ser saboroso e de qualidade", diz Camargo.
"Mas diria que
teve sim um impulso do capital americano para quebrar uma 'inércia' e ganhar o
mercado. Depois, se você tem um produto bom, ele vai ganhando força naturalmente",
completa o presidente da ABNC.
Mas como os EUA se
tornaram esse "paraíso" para a produção do pistache?
·
O
'ouro verde' do Oriente Médio
Evidências
arqueológicas sugerem que os pistaches foram cultivados pela primeira vez na
região que hoje é o Iraque, por volta de 7.000 a.C.
Mas foi no Irã que
a indústria floresceu — e o cultivo remonta a milhares de anos.
Nos EUA, ela
começou apenas na década de 1930, com sementes persas.
O
primeiro boom no cultivo comercial de pistache nos EUA ocorreu após o
rompimento das relações com o Irã, na sequência da crise dos
reféns de 1979,
quando os EUA e seus aliados impuseram sanções ao país.
Nas décadas
seguintes, mesmo em países onde os pistaches iranianos eram bem-vindos, as
restrições à capacidade das empresas iranianas de acessar financiamento
internacional dificultaram o florescimento da indústria.
Mas
o boom americano mesmo para a febre global que vemos agora se deu
especialmente a partir de 2012 — e os EUA assumiram de vez a liderança mundial
de produção em 2016, de acordo com estatísticas do USDA.
Hoje, os americanos
representam mais de 60% da produção global e estão bem à frente do antigo
líder, o Irã, e da Turquia.
Segundo o relatório
produzido pelo Rabobank, pistache é a nova "queridinha" no mercado de
nozes e castanhas dos EUA, sendo de longe o produto que mais cresce, por ser
muito mais rentável do que as tradicionais amêndoas e as nozes-pecã.
"A
rentabilidade e a resiliência dos pomares a secas e salinidade do solo
californiano são considerados os fatores relevantes para a recente
expansão", diz o documento.
"As árvores de
pistache gostam de verões muito longos, quentes e secos — o que combinou com o
clima 'mediterrâneo' na Califórnia", completa David Maganã, analista do
Rabobank.
As plantas também
dependem do vento, em vez de abelhas, para a polinização e podem produzir nozes
por décadas a mais.
Hoje, os pistaches
são a sexta maior commodity agrícola da Califórnia em valor,
superando culturas tradicionais como morangos e tomates.
O maior mercado
consumidor de pistache dos EUA é a China, onde há tradição de consumir e
presentear a noz no Ano Novo Lunar.
Mas, diante da
disponibilidade crescente, os produtores sabem que precisam diversificar mercados
dentro e fora nos EUA.
"A América
Latina é um desses mercados em expansão e agora eles têm exportado mais para o
México, mais para o Brasil e para outros países", diz David Maganã.
Com o aumento
substancial da oferta nos EUA, há esforços da indústria para criar demanda,
como inovações em marketing e pesquisas sobre os benefícios do pistache à
saúde.
Com base em
estudos, a indústria tem promovido o pistache como uma proteína completa e que
tem um maior teor de antioxidantes do que outros produtos.
"Costumamos
dizer que os pistaches atendem muitos requisitos nesta poderosa combinação de
saúde, conveniência, sabor e versatilidade", completa o analista.
·
Do
sorvete às padarias de bairro
Pelo menos diante
da curva ascendente do pistache, parece que, além de qualquer esforço de
marketing ou da indústria, o sabor tem mesmo conquistado paladares.
Na rede de
sorveterias Bacio di Latte, uma das maiores do Brasil, o sabor pistache tem
sido o mais vendido desde a abertura da primeira loja, em 2011, por sócios
italianos em São Paulo. Hoje, é o preferido em todas as 200 lojas.
"Só que nos
últimos três anos a gente sentiu aí o nosso volume de pistache praticamente
quadruplicar", diz Fábio Medeiros, diretor de marketing da empresa que
hoje tem cerca de 30 produtos baseados em pistache, de picolés a velas.
Com uma estratégia
de marketing voltada ao pistache, Medeiros percebeu que, em relação ao ano
passado, o Natal de 2024 passou a ser muito mais "verde".
Nas redes sociais,
se espalham vídeos de panetone de pistache, chocolates recheados, bolos.
"Praticamente
todas as marcas vieram este ano com uma opção de pistache. É um ingrediente bem
versátil, muito palatável e não é ultradoce. Então, as pessoas a geralmente
gostam muito dele", diz Medeiros.
José Eduardo
Camargo, presidente da ABNC, gosta de comparar o mundo das castanhas e nozes
aos vinhos. "Você começa por um mais simples, mas aí acaba querendo provar
outros tipos de uvas e vai gostando mais e mais".
Essa é a razão que
o líder de produtores dá para o avanço do pistache em um momento de avanço
também de frutos similares.
"O brasileiro
não lembra mais desses produtos apenas no Natal. Eles estão entrando na dieta
porque são saborosos, nutritivos e práticos", diz o representante dos
produtores brasileiros de castanha de caju, de baru, macadâmia, noz-pecã e
castanha-do-Pará.
Camargo não vê o
pistache substituindo os frutos produzidos no Brasil — mas sente que o país
poderia seguir os passos dos EUA e investir nas castanhas daqui.
"O Brasil tem
o privilégio de ter um tipo de castanha adaptada a cada bioma. Imagina se a
gente tivesse uma musculatura para uma grande campanha de propaganda",
reflete.
Há um projeto em
estudo para a implantação da primeira criação de pistache brasileira no Ceará.
Nos EUA, a previsão
do Rabobank é de que em 2028 a produção chegue ao ponto máximo de árvores
produzindo pistache, quando deve se estabilizar.
Há uma lei na
Califórnia sobre o uso de água subterrânea que deve limitar novos plantios.
Nos próximos anos,
os produtores de pistache, segundo análises do mercado, querem seguir um
destino diferente aos de amêndoas, que viram preços despencar com o aumento da
produtividade. Por isso, há um esforço para manter a demanda à frente da
oferta.
Ou seja, nos anos
pela frente, provavelmente haverá ainda muitos doces natalinos e o ano inteiro
à base de pistache.
Fonte: BBC News
Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário