Casas
destruídas e avanço do rio e do mar: os reflexos da erosão que atinge 68 km da
costa de Sergipe
A imagem de uma casa de primeiro andar destruída às margens do Rio Piauí, na Ponta
do Saco, Sul de Sergipe, acendeu um alerta para o agravamento da erosão na costa do estado.
Atualmente, 68 km dos 147 km do litoral
sergipano têm erosão intensa ou moderada, segundo estudo da
Universidade Federal de Sergipe (UFS).
🔎 Contexto: A erosão que atinge o estado de Sergipe é de dois tipos:
fluvial e costeira. A️ fluvial pode
ser um processo natural ou induzido por ação humana, e é caracterizada pela
perda contínua de sedimentos das margens, sendo levados para o leito do rio. Já
a erosão costeira ocorre
quando o balanço de sedimentos de uma praia é negativo, ou seja, quando ela
perde mais sedimentos do que recebe. O avanço do mar ou do rio é uma consequência deste processo.
A dona do imóvel destruído, Cristina
Rocha, comprou a casa em 2015, e, segundo ela, o imóvel não tinha nenhuma
rachadura nas paredes ou sinal de avaria e ficava a cerca de 200 metros da água
com a maré baixa. Na maré alta, essa distância dimuía para poucos metros. Mas,
em agosto deste ano, parte do imóvel ruiu. “De uma hora para a outra, o
problema apareceu”, disse.
Ainda de acordo com a empresária, o prejuízo chega a mais de R$ 1 milhão, considerando
o valor do imóvel e contratos de aluguel, uma vez que ele também era alugado
para eventos.
“Tive de devolver o dinheiro para alguns clientes”,
afirmou ela, que não poderá mais alugar o espaço na próxima temporada de verão.
Ela disse também que sabia que havia uma decisão judicial que impedia reformas
nos imóveis da região, mas acreditou a medida seria ‘derrubada’.
De acordo com o pesquisador da UFS, Júlio César
Vieira, nesse caso, essa erosão foi provocada pela
ocupação irregular em uma área que antes era estabilizada por restingas e
manguezais.
"É importante pontuar que uma situação de
desastre dessa natureza não se configura de forma repentina. São anos e até
décadas de falhas nos princípios básicos de boas condutas na ocupação desses
territórios ambientalmente sensíveis. De forma que na Ponta do Saco não é
possível colocar a causa desses desastres nas mudanças climáticas e alterações
do nível do mar", explicou o pesquisador.
Ainda segundo Júlio César Vieira, o problema também
está relacionado a construções indevidas de
quebra-mar, feitas a partir de iniciativas individuais e descriteriosas, o que
agrava os eventos erosivos.
"É preciso compreender que tudo que acontece
no continente, terá reflexo nas regiões litorâneas. Por exemplo, quando as
matas ciliares de um rio, como o Piauí, são devastadas, quando suas nascentes
são atrofiadas e o rio acaba por perder vazão, isso terá reflexo direto na
região da sua desembocadura, já que o perfil de equilíbrio entre rio e mar será
alterado", explicou o pesquisador.
A construção da Ponta do Saco não foi a única
afetada na área, divisa de Sergipe com a Bahia. Parte dos moradores já deixou o
local, e tradicionais bares em palhoças foram abandonados.
Em 2018, a água chegou a 'abocanhar' parte do terreno frontal da Igreja de Nossa Senhora da
Boa Viagem, que fica localizada a cerca de 300 metros da casa
que desabou.
"Todo aquele trecho [ da igreja] continua sob
risco. E a prova disso é a questão de que o muro de contenção e o quebra-mar do
trecho está ruindo pela ação das ondas e correntes. Então hoje os dois lotes
vizinhos à casa que desabou estão sob risco iminente. E isso vai
expandir", alertou o pesquisador.
Já na porção ao norte de Sergipe, afetada pela
erosão costeira, estão: Abaís (em Estância) e Caueira (em Itaporanga d’Ajuda), e Brejo Grande, onde, no fim dos anos
1990, o avanço do mar deixou o Povoado de Cabeço submerso, e famílias tiveram de ir para uma comunidade a cerca e 100 km da
capital Aracaju.
"A causa do desaparecimento [do povoado]
continua até hoje, é a perda da vazão do Rio São Francisco. Estes são visíveis
em todo o litoral de Brejo Grande, mas se estendem além do município. É uma
perda bruta de água chegando ao mar. O principal agente que mantém o equilíbrio do nosso litoral, através do aporte de sedimentos,
são os rios e não o mar", disse o pesquisador.
Vieira acrescenta ainda que em Brejo Grande toda a
linha de praias está passando por uma redução severa e, em alguns pontos, o mar
adentra livremente o manguezal, causando sua mortandade.
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Ilha corre o risco de desaparecer
Outro estudo, realizado pela UFS, em Aracaju, mostrou que uma pequena ilha na Praia do Viral, destino turístico no litoral Sul também corre o rico de desaparecer
por causa do avanço do mar e ação humana.
A ilha é uma faixa de areia de aproximadamente 100
metros, cercada pelo rio Vaza-Barris no encontro com o mar. O estudo indica que erosão na faixa de areia chega a dez metros
por ano.
"São áreas que estão sujeitas não só àquilo
que acontece em nível de oceano, mas também ao que ocorre no continente, como
intensidade e regularidade de chuvas, construção de barragens e preservação de
matas ciliares", disse o pesquisador Júlio César Vieira.
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Mas por que
a erosão na costa no Sergipe está ficando mais grave?
➡️Condições
particulares na Praia do Saco: a área
onde a casa foi construída tem peculiaridades que a tornam ainda mais
vulnerável ao problema. A área de construção está sob influência das águas do
oceano e dos rios que deságuam no mar, aquilo que chamamos de estuário .
Segundo pesquisadores da UFS, no encontro dos rios Piauí e Real com o mar, a
erosão tem se intensificado com as águas avançando mais de 100 metros nos
últimos 10 anos.
➡️Construções
imobiliárias: especialistas costumam
defender que as construções na orla funcionam como barreiras físicas que
atrapalham o movimento natural de retirada e reposição de sedimentos feito pela
maré. Se as ondas batem em muros, elas não têm onde se dissipar e voltam para o
mar arrastando areia da praia. Na Praia do Saco, há mais de uma década,
trava-se um embate judicial para reforma dos imóveis e construção de muros de
contenção, o que não é permitido. A Justiça Federal em Sergipe barrou, desde 2020,
novas construções ou reformas em imóveis na Praia do Saco.
➡️Avanço do mar: “No extremo norte do Estado, na divisa com Alagoas, a situação é
igualmente preocupante. Em Brejo Grande, observa-se uma acentuada linha
erosiva, cerca de 6 km abaixo da Foz do Rio São Francisco, neste ponto, o mar
avançou entre 50 m e 100 m nos últimos oito anos. Outro ponto crítico,
identificado pelos pesquisadores, é erosão do litoral norte de Itaporanga
D’Ajuda, com o mar avançando cerca de 8 m a 10 m por ano", afirmou Vieira.
➡️Influência dos
rios: São os rios os responsáveis por levar sedimentos e
nutrientes para o mar, em um processo contínuo. O equilíbrio nas zonas das
desembocaduras é determinado pela interação entre o conjunto de forças do rio e
do mar. Quando o rio perde competência, perde vazão, perde quantidade de água e
sedimento fluindo em direção ao oceano, esse equilíbrio é alterado em desfavor
do rio e as forças marinhas acabam por prevalecerem.
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Possíveis Soluções
Segundo o geocientista Júlio Vieira, é necessário
entender que cada processo regional é específico e tem suas causas próprias.
"Cada contexto deve ser analisado com
parcimônia. Então, nós temos as soluções genéricas e as soluções específicas,
divididas em ações de curto, médio e longo prazo. Entre as saídas genéricas que
sempre apontamos está a necessidade de proteção da vegetação de restinga, sem
desprezar a restinga herbácea, dos campos de dunas, dos manguezais, das matas
ciliares e nascentes", afirmou.
Ainda de acordo com o pesquisador, a preservação do
litoral envolve a supressão de conflitos entre a ação humana e os processos
naturais.
"Quando este conflito é bastante intenso, não
há alternativa que não seja a retirada da ação humana direta do local. Esse é
um debate que vem acontecendo em todo o mundo e é a linha mestra em que o
Ministério Público Federal e a Justiça Federal vem seguindo ao lidar com os
processo judiciais da Ponta do Saco", disse Vieira.
·
O que diz a Defesa Civil estadual e municipal
A Defesa Civil do município de Estância, onde a casa desabou, informou que também faz o monitoramento do local
e acompanha as variações de marés, orientando os moradores e proprietários de
casas de veraneio e estabelecimentos comerciais.
"Elaboramos relatórios sobre certas áreas
afetadas pelas erosões sobre as situações, os riscos e orientações. Lembrando
que existe uma ação civil pública (federal) que impede qualquer tipo de
construção, reparos e outros. Qualquer medida que deva ser realizada tem que
ser autorizada pelo juíz", disse o diretor do Departamento-Geral da Defesa
Civil de Estância, Ademael Oliveira.
Segundo o coordenador da Defesa Civil de Sergipe,
coronel Luciano Queiroz, o estado conta com o suporte dos estudos da UFS para
tomar melhores decisões sobre o assunto.
“Claro que a primeira parte, quem cabe, é o
município, mas o estado dá o suporte necessário. Esse é um estudo demorado.
Mexer na parte de erosão marinha no nosso país é complicado e o custo é
altíssimo. É uma situação complexa, que é difícil de soluções imediatas. As
soluções que tem imediatas é estudo, estudo de quais são a forma mais adequada
para resolver um problema, para não levar para outro lugar a situação, explicou
Queiroz.
Fonte: g1
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