segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Casas destruídas e avanço do rio e do mar: os reflexos da erosão que atinge 68 km da costa de Sergipe

A imagem de uma casa de primeiro andar destruída às margens do Rio Piauí, na Ponta do SacoSul de Sergipe, acendeu um alerta para o agravamento da erosão na costa do estado. Atualmente, 68 km dos 147 km do litoral sergipano têm erosão intensa ou moderada, segundo estudo da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

🔎 Contexto: A erosão que atinge o estado de Sergipe é de dois tipos: fluvial e costeira. A fluvial pode ser um processo natural ou induzido por ação humana, e é caracterizada pela perda contínua de sedimentos das margens, sendo levados para o leito do rio. Já a erosão costeira ocorre quando o balanço de sedimentos de uma praia é negativo, ou seja, quando ela perde mais sedimentos do que recebe. O avanço do mar ou do rio é uma consequência deste processo.

dona do imóvel destruído, Cristina Rocha, comprou a casa em 2015, e, segundo ela, o imóvel não tinha nenhuma rachadura nas paredes ou sinal de avaria e ficava a cerca de 200 metros da água com a maré baixa. Na maré alta, essa distância dimuía para poucos metros. Mas, em agosto deste ano, parte do imóvel ruiu. “De uma hora para a outra, o problema apareceu”, disse.

Ainda de acordo com a empresária, o prejuízo chega a mais de R$ 1 milhão, considerando o valor do imóvel e contratos de aluguel, uma vez que ele também era alugado para eventos.

“Tive de devolver o dinheiro para alguns clientes”, afirmou ela, que não poderá mais alugar o espaço na próxima temporada de verão. Ela disse também que sabia que havia uma decisão judicial que impedia reformas nos imóveis da região, mas acreditou a medida seria ‘derrubada’.

De acordo com o pesquisador da UFS, Júlio César Vieira, nesse caso, essa erosão foi provocada pela ocupação irregular em uma área que antes era estabilizada por restingas e manguezais.

"É importante pontuar que uma situação de desastre dessa natureza não se configura de forma repentina. São anos e até décadas de falhas nos princípios básicos de boas condutas na ocupação desses territórios ambientalmente sensíveis. De forma que na Ponta do Saco não é possível colocar a causa desses desastres nas mudanças climáticas e alterações do nível do mar", explicou o pesquisador.

Ainda segundo Júlio César Vieira, o problema também está relacionado a construções indevidas de quebra-mar, feitas a partir de iniciativas individuais e descriteriosas, o que agrava os eventos erosivos.

"É preciso compreender que tudo que acontece no continente, terá reflexo nas regiões litorâneas. Por exemplo, quando as matas ciliares de um rio, como o Piauí, são devastadas, quando suas nascentes são atrofiadas e o rio acaba por perder vazão, isso terá reflexo direto na região da sua desembocadura, já que o perfil de equilíbrio entre rio e mar será alterado", explicou o pesquisador.

A construção da Ponta do Saco não foi a única afetada na área, divisa de Sergipe com a Bahia. Parte dos moradores já deixou o local, e tradicionais bares em palhoças foram abandonados.

Em 2018, a água chegou a 'abocanhar' parte do terreno frontal da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, que fica localizada a cerca de 300 metros da casa que desabou.

"Todo aquele trecho [ da igreja] continua sob risco. E a prova disso é a questão de que o muro de contenção e o quebra-mar do trecho está ruindo pela ação das ondas e correntes. Então hoje os dois lotes vizinhos à casa que desabou estão sob risco iminente. E isso vai expandir", alertou o pesquisador.

Já na porção ao norte de Sergipe, afetada pela erosão costeira, estão: Abaís (em Estância) e Caueira (em Itaporanga d’Ajuda), e Brejo Grande, onde, no fim dos anos 1990, o avanço do mar deixou o Povoado de Cabeço submerso, e famílias tiveram de ir para uma comunidade a cerca e 100 km da capital Aracaju.

"A causa do desaparecimento [do povoado] continua até hoje, é a perda da vazão do Rio São Francisco. Estes são visíveis em todo o litoral de Brejo Grande, mas se estendem além do município. É uma perda bruta de água chegando ao mar. O principal agente que mantém o equilíbrio do nosso litoral, através do aporte de sedimentos, são os rios e não o mar", disse o pesquisador.

Vieira acrescenta ainda que em Brejo Grande toda a linha de praias está passando por uma redução severa e, em alguns pontos, o mar adentra livremente o manguezal, causando sua mortandade.

·        Ilha corre o risco de desaparecer

Outro estudo, realizado pela UFS, em Aracaju, mostrou que uma pequena ilha na Praia do Viral, destino turístico no litoral Sul também corre o rico de desaparecer por causa do avanço do mar e ação humana.

A ilha é uma faixa de areia de aproximadamente 100 metros, cercada pelo rio Vaza-Barris no encontro com o mar. O estudo indica que erosão na faixa de areia chega a dez metros por ano.

"São áreas que estão sujeitas não só àquilo que acontece em nível de oceano, mas também ao que ocorre no continente, como intensidade e regularidade de chuvas, construção de barragens e preservação de matas ciliares", disse o pesquisador Júlio César Vieira.

·        Mas por que a erosão na costa no Sergipe está ficando mais grave?

Condições particulares na Praia do Saco: a área onde a casa foi construída tem peculiaridades que a tornam ainda mais vulnerável ao problema. A área de construção está sob influência das águas do oceano e dos rios que deságuam no mar, aquilo que chamamos de estuário . Segundo pesquisadores da UFS, no encontro dos rios Piauí e Real com o mar, a erosão tem se intensificado com as águas avançando mais de 100 metros nos últimos 10 anos.

Construções imobiliárias: especialistas costumam defender que as construções na orla funcionam como barreiras físicas que atrapalham o movimento natural de retirada e reposição de sedimentos feito pela maré. Se as ondas batem em muros, elas não têm onde se dissipar e voltam para o mar arrastando areia da praia. Na Praia do Saco, há mais de uma década, trava-se um embate judicial para reforma dos imóveis e construção de muros de contenção, o que não é permitido. A Justiça Federal em Sergipe barrou, desde 2020, novas construções ou reformas em imóveis na Praia do Saco.

Avanço do mar: “No extremo norte do Estado, na divisa com Alagoas, a situação é igualmente preocupante. Em Brejo Grande, observa-se uma acentuada linha erosiva, cerca de 6 km abaixo da Foz do Rio São Francisco, neste ponto, o mar avançou entre 50 m e 100 m nos últimos oito anos. Outro ponto crítico, identificado pelos pesquisadores, é erosão do litoral norte de Itaporanga D’Ajuda, com o mar avançando cerca de 8 m a 10 m por ano", afirmou Vieira.

Influência dos rios: São os rios os responsáveis por levar sedimentos e nutrientes para o mar, em um processo contínuo. O equilíbrio nas zonas das desembocaduras é determinado pela interação entre o conjunto de forças do rio e do mar. Quando o rio perde competência, perde vazão, perde quantidade de água e sedimento fluindo em direção ao oceano, esse equilíbrio é alterado em desfavor do rio e as forças marinhas acabam por prevalecerem.

·        Possíveis Soluções

Segundo o geocientista Júlio Vieira, é necessário entender que cada processo regional é específico e tem suas causas próprias.

"Cada contexto deve ser analisado com parcimônia. Então, nós temos as soluções genéricas e as soluções específicas, divididas em ações de curto, médio e longo prazo. Entre as saídas genéricas que sempre apontamos está a necessidade de proteção da vegetação de restinga, sem desprezar a restinga herbácea, dos campos de dunas, dos manguezais, das matas ciliares e nascentes", afirmou.

Ainda de acordo com o pesquisador, a preservação do litoral envolve a supressão de conflitos entre a ação humana e os processos naturais.

"Quando este conflito é bastante intenso, não há alternativa que não seja a retirada da ação humana direta do local. Esse é um debate que vem acontecendo em todo o mundo e é a linha mestra em que o Ministério Público Federal e a Justiça Federal vem seguindo ao lidar com os processo judiciais da Ponta do Saco", disse Vieira.

·        O que diz a Defesa Civil estadual e municipal

A Defesa Civil do município de Estância, onde a casa desabou, informou que também faz o monitoramento do local e acompanha as variações de marés, orientando os moradores e proprietários de casas de veraneio e estabelecimentos comerciais.

"Elaboramos relatórios sobre certas áreas afetadas pelas erosões sobre as situações, os riscos e orientações. Lembrando que existe uma ação civil pública (federal) que impede qualquer tipo de construção, reparos e outros. Qualquer medida que deva ser realizada tem que ser autorizada pelo juíz", disse o diretor do Departamento-Geral da Defesa Civil de Estância, Ademael Oliveira.

Segundo o coordenador da Defesa Civil de Sergipe, coronel Luciano Queiroz, o estado conta com o suporte dos estudos da UFS para tomar melhores decisões sobre o assunto.

“Claro que a primeira parte, quem cabe, é o município, mas o estado dá o suporte necessário. Esse é um estudo demorado. Mexer na parte de erosão marinha no nosso país é complicado e o custo é altíssimo. É uma situação complexa, que é difícil de soluções imediatas. As soluções que tem imediatas é estudo, estudo de quais são a forma mais adequada para resolver um problema, para não levar para outro lugar a situação, explicou Queiroz.

 

Fonte: g1

 

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