quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Aldo Fornazieri: Um governo sem rumo, um congresso sem pudor

O ano de 2024 termina com um ambiente político e econômico bastante deteriorado. No plano político, após a vitória da centro-direita nas eleições municipais, o governo parece ter perdido a capacidade de condução política do país e de coordenação das expectativas dos agentes econômicos. Em 2023, embora o governo já apresentasse problemas de direção política e de comunicação, conseguia coordenar as expectativas na economia com a proposta do arcabouço fiscal e da reforma tributária. Pouco prestava atenção, contudo, para o problema do risco fiscal crescente. Este foi um erro fatal.

Com uma dívida pública mais elevada do que a maioria das economias emergentes, com um cenário externo desfavorável por conta da valorização do dólar, o governo deixou que a corda do risco fiscal se esticasse até o final do ano. O momento adequado para fazer um ajuste forte era o início. O ambiente político era mais favorável e haveria ganho de tempo para colher benefícios do ajuste ainda sob o atual mandado.

Ao propor um ajuste no apagar das luzes de 2024, além da tardança, o governo procedeu de forma equivocada, violando regras elementares da boa política. Todos sabem, desde há muito tempo, mas de forma mais clara desde Maquiavel, que quando se deve adotar medidas duras, que impõem sacrifícios aos governados, elas devem ser adotadas de uma só vez e de forma mais contundente possível para que não se necessite repeti-las.

Desde sempre são feitas analogias entre a medicina e a política. Quando um médico ministra um remédio amargo para um paciente, ele precisa explicar de forma clara a importância do remédio para impedir a deterioração da doença e os possíveis benefícios que ele pode proporcionar no futuro. Não foi isso que governo fez com o pacote fiscal. Não foi claro em explicar a necessidade do ajuste, quais sacrifícios que ele exigia, quais os males que ele combate e quais os benefícios futuros que ele poderia proporcionar. Quer dizer: uma comunicação desastrosa.

Além de ministrar o remédio fiscal tardiamente, ministrou um remédio fraco, insuficiente, incapaz de conter a crise do risco fiscal. Não coordenou as expectativas dos agentes econômicos, deixou que estas se deteriorassem e que fosse percebida a persistência do risco fiscal. O resultado disso foi a disparada do dólar, à qual se somou um batalhão de especuladores.

A disparada do dólar alimenta a inflação, esta alimenta a taxa de juros e os juros elevam o custo dos serviços da dívida pública. No final das contas, os poucos ganhos fiscais que o pacote pode proporcionar, são praticamente anulados pelos efeitos danosos de um ajuste fraco e mal anunciado.

A comunicação desastrosa não parou por aí. Da mesma forma que se sabe que as medidas impopulares devem ser adotadas de uma só vez e de forma cabal, se sabe também que as medidas que beneficiam o povo (o bem) devem ser adotadas pouco a pouco e de forma contínua para que possam ser sempre degustadas. Elas não podem ser adotadas junto com as medidas impopulares, pois seriam anuladas. Ao anunciar o aumento da isenção para o imposto de renda, o governo anulou os possíveis efeitos positivos (a compreensão) que o anúncio do pacote poderia suscitar e nulificou os benefícios que poderia obter com o anúncio do aumento da isenção do imposto de renda que, aliás, só será implantado em 2026, quando o anúncio poderia provocar melhor impacto. Em suma: tudo errado.

No processo de definição do pacote e do seu anúncio, o presidente Lula, junto com alguns ministros e com alguns líderes petistas se encarregaram de minar a confiança e a credibilidade do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Alguns ministros ameaçaram renunciar se os seus ministérios fossem atingidos por cortes. Teriam feito um bem para o Brasil.

Lula e esses representantes emitiram uma série de declarações que torpedearam a equipe econômica e o próprio compromisso do governo com a responsabilidade fiscal. Mais uma vez alimentaram o paradoxo da piedade e da crueldade: se apresentaram como defensores do bem, mas as suas declarações prejudicaram o país e, principalmente, aqueles que mais precisam de estabilidade econômica e da inflação baixa: as camadas mais pobres da sociedade.

O mesmo paradoxo se observa na questão central do gasto público. Todos sabem que o Brasil precisa de um ajuste fiscal forte que desvincule os benefícios sociais do salário mínimo, que melhore a eficiência no gasto em saúde e educação, criando novos mecanismos de seu financiamento, e que seja capaz de equacionar o problema do juros reduzindo os gastos com o custo da dívida pública. 

Setores do governo ficaram atirando para alvos errados. Transformaram o Banco Central e o mercado como inimigos centrais. A cada ataque, o dólar subiu e as variáveis econômicas se deterioravam. A retórica estimulava ataques especulativos. Qual é o sentido de escolher retóricas políticas que prejudicam o próprio governo? É irracional, é a exasperação de convicções equivocadas e detrimento da ética da responsabilidade. O governo caiu no vácuo quando ficou claro que Galípolo e outros diretores indicados por Lula defenderam posições iguais às de Campos Neto.

O governo se ressente de um comando político com capacidade de dar rumo e sentido às suas ações dirigentes do país e de coordenar as expectativas dos agentes econômicos. Os erros de comunicação, em parte, decorrem dessa ausência de direção política. Tudo isso vem evidenciando um governo sem face, sem marca, sem uma identidade.

Por outro lado, o governo é vítima e, ao mesmo tempo, sócio de um Congresso que se dedica à agiotagem política e orçamentária em larga escala. Trata-se de um Congresso sem pudor, que se nega a cortar benefícios próprios dos parlamentares, que mantém brechas para os indecorosos altos salários de setores do funcionalismo e que mantém os privilégios da aristocracia político-burocrático-militar que se alimenta da sanha patrimonialista de assalto ao dinheiro público. O mesmo Congresso que não tem compromisso com o controle de gastos, que pratica a corrupção via emendas secretas que mantém os privilégios dos subsídios, degradando a eficiência e as condições de igualdade de disputa de mercados.

O episódio das emendas camufladas é um exemplo chocante de como o Congresso se dispõe em agir contra a Constituição e contra os princípios constitucionais da administração pública. É desalentador que parlamentares de esquerda tenham, não só se omitido, mas contribuído para patrocinar esse escândalo que, além de violar a Constituição, viola a democracia e a república.  

A economia brasileira é prisioneira de uma aristocracia política, burocrática, militar e empresarial que se apossa de parte expressiva do orçamento público através de controle de esquemas institucionais e legais com o objetivo de impedir a regulação transparente e a adoção de mecanismos de eficiência. Aristocracia que bloqueia a modernização e a inovação econômica.

Este conluio do atraso, do qual fazem parte os principais partidos, ergueu um monumento ao desleixo, ao faz de conta, à ineficiência do gasto público, que vem semeando um vasto campo de desperdício, de degradação moral do país, de descrença na política e de erosão das instituições. Esse ambiente degradado estimula a antipolítica e esta é a erva que alimenta o autoritarismo, o fascismo e a política do ódio.

 

¨      Governo não tem apoio do Congresso e nem mobilização popular, avalia Frei Betto

"Um governo se mantém com duas pernas: o apoio do Congresso e a mobilização popular. Esse governo não tem uma coisa nem outra. Dos dois fatores, o mais importante é a mobilização popular". A afirmação é de Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei Betto, no BdF Entrevista desta semana.

Para Betto, que é frade dominicano e autor de 73 livros, "o governo cometeu um erro, um erro crônico que o PT comete em seus governos, que é não cuidar da educação política do povo".

O religioso aproveitou para criticar a forma como os brasileiros têm celebrado o Natal. "É um momento de renovar nossas esperanças e utopias. Seria muito importante, para os que são cristãos, que têm sensibilidade religiosa, celebrarem esse caráter original, evangélico, da festa. Não apenas transformar em uma mera troca de presentes e ceias pantagruélicas."

Frei Betto estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia. Em 1982, ganhou o prêmio Jabuti por seu livro de memórias Batismo de Sangue, obra que também foi retratada nos cinemas.

<><> Confira trechos da  entrevista:

·        A oposição, que parecia se desmantelar no começo do governo, conseguiu se reagrupar. Por mais que a extrema direita tenha perdido força com um enfraquecimento nas eleições e pelo cerco contra Bolsonaro, o Centrão segue muito forte e encurralando o governo. É possível enfrentar esse Congresso?

Um governo se mantém com duas pernas, o apoio do Congresso e a mobilização popular. Esse governo não tem uma coisa nem outra. Dos dois fatores, o mais importante é a mobilização popular. Quando há mobilização popular, se consegue reverter as posturas no Congresso, porque os deputados e senadores estão sempre pensando na próxima eleição. O governo cometeu um erro, um erro crônico que o PT comete em seus governos, que é não cuidar da educação política do povo. Então, portanto, nós da esquerda temos uma capacidade muito pequena de mobilização das forças populares.

·        Nós conversamos aqui no programa logo quando o governo Lula completava 100 dias. Pudemos fazer um balanço que, naquele momento, me pareceu positivo. Agora, o senhor acredita que a avaliação pode ser outra? O governo teve avanços importantes, mas se vê em uma encruzilhada perigosa na área econômica, principalmente pelas reações do dito "mercado".

Eu sempre enfatizei que o governo Lula tem duas tornozeleiras eletrônicas, uma em cada perna: o Banco Central de um lado e o Congresso do outro, um Congresso conservador, talvez o mais conservador desde a redemocratização. O Banco Central é presidido por um bolsonarista que veste a camisa do bolsonarismo e se assume como tal, que graças a Deus sairá agora, dia 31 de dezembro. Toda a atividade dele à frente do Banco Central é de sabotagem do governo Lula, ele é um agente do mercado e dos bancos. Os juros estão extremamente altos, o que favorece a especulação financeira, mas principalmente, prejudica os trabalhadores, que vive com medo do retorno da inflação…

O Lula tem que caminhar em ovos, não pode tomar determinadas medidas porque é refém desse Congresso conservador. Esse pacote que foi feito, de ajuste fiscal, é um pacote moderado, que me agradou muito, porque o Lula evitou se submeter às exigências do mercado do Congresso conservador. Ninguém quer perder a isenção tributária, o agronegócio, bancos e grandes indústrias, todos gozam de renúncia fiscal, mas querem que o governo corte na Saúde e na Educação. Não sabemos até onde o Lula vai resistir, porque terá que fazer muitos acordos e composições.

·        Neste fim de ano, algumas religiões cristãs celebram o nascimento de Jesus, o Natal. No Ocidente, a data se tornou uma tradição, hoje mais mercadológica do que puramente religiosa. Como o senhor enxerga esse período?

O Natal é um momento de renovar nossas esperanças e utopias. Seria muito importante, para os que são cristãos, que tem sensibilidade religiosa, celebrarem esse caráter original, evangélico, da festa. Não apenas transformar em uma mera troca de presentes e ceias pantagruélicas, enquanto inúmeras pessoas estão privadas do pão de cada dia… Se convida uma criança para uma oração, hoje, se você a convida para limpar o armário de roupas e brinquedos que não mais utiliza, para levar a um hospital pediátrico ou uma zona onde predomina a pobreza, isso fará melhor à cabeça e formação dessa criança, do que enchê-la de presente e comida.

 

¨      O golpe falhou, mas permanece a desordem no sistema de poderes e governo. Por Jânio de Freitas

A legalidade livrou-se parcialmente dos militares golpistas sem com isso recuperar os seus domínios. A desordem do sistema de poderes e governança permanece, modificada, a ponto de em realidade vigorar um regime indefinível, em lugar do presidencialismo determinado pela Constituição.

São civis, agora, a invadir a legalidade com meios de corrosão fortes. A ofensiva civil se dá em duas frentes. Na aparência, têm o governo como alvo. Ambas o atingem, minam, exploram, em tal medida que cabe perguntar quem, de fato, governa o país. Inclusive, quem governa o governo.

DEGRADAÇÃO 

As emendas secretas eliminaram toda dúvida restante sobre o nível a que a degradação já levou a política parlamentar e partidária. Senadores e deputados criaram, em benefício próprio, o sigilo absoluto sobre o valor, o destinatário e a finalidade dos milhões de dinheiro público que cada um deles dirigiria à vontade.

O nome do congressista foi dispensado de indicação, assim como o uso adequado para a finalidade indicada. Bilhões assim retirados do dinheiro público desapareceram, no todo ou em parte, em obras inacabadas ou nem começadas, em licitações forjadas, em desvios diretos.

Nesta semana, a Polícia Federal fez prisões que ilustram um pouco do que obraram, com suas emendas, senadores e deputados – sim, a Câmara e o Senado cujo livre funcionamento embasaria o regime democrático.

CENTROS DE CORRUPÇÃO 

A cúpula e numerosos parlamentares do União Brasil, um dos consagrados nas eleições recentes, estão envolvidos em desvios gigantescos no velho centro de corrupção Dnocs (Obras Contra as Secas).

Outro desses centros, a Codevasf, de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, não faltaria na investigação. Por ora, o desvio levantado é de R$ 1,4 bilhão, proveniente de emendas.

Por decisão do ministro Flávio Dino referendada pelo plenário, o Supremo Tribunal Federal proibiu a liberação de dinheiro de emendas até medidas dos congressistas para dar fim aos sigilos. De lá pra cá, Câmara e Senado fazem guerra ao STF, logo estendida ao governo.

TUDO ABERTAMENTE 

A chantagem da liberação de verbas para aprovação de projetos do governo tornou-se institucionalizada, com Arthur Lira na presidência da Câmara. E chegou ao auge agora, com a reforma tributária e os cortes de gastos do governo. Tudo bem às claras: bilhões para emendas apresentadas por deputados e senadores, feito apenas um arremedo da moralização exigida pelo STF, ou não haveria reforma nem cortes.

Um dos Três Poderes que a Constituição quer “harmônicos” nega-se à sua função. E a transforma em retribuição a benefício individual, direto ou indireto, aos deputados e senadores das emendas quitadas.

Se não está aí uma ilegalidade gritante, tudo deve ser liberado na degradação da política. Esse nem é o pior sentido da desordem institucional.

NEGOCIATAS 

As necessidades e conveniências do país, da população, deixam de ser reconhecidas como tais. Tornam-se objeto, mais que de negociação, de negócio. E ainda mais grave é a óbvia amputação do poder de governo dado ao presidente da República pela Constituição. Também o poder do Poder Judiciário é atingido.

Postos diante da necessidade nacional de reforma tributária e da cobrança de cortes orçamentários, o STF autorizou e o presidente da República determinou a liberação de uns quantos bilhões em emendas (o total ainda é impreciso).

Recheados, deputados e senadores fizeram com alegre presteza as primeiras votações dos dois projetos. Com um custo alto demais para o regime democrático.

LOBBIES E PRESSÕES 

A outra frente civil contra a legalidade está configurada na articulação das pressões e outros usos, em busca de privilégios e favorecimentos vários.

Ao se aproximarem as votações da reforma de impostos e dos cortes dos gastos governamentais, o poder econômico privado lançou-se em depreciações do presidente Lula e do ministro Fernando Haddad, para enfraquecer os projetos apresentados por ambos. E encaixar seus interesses e ganhos.

Pressões podem ser legítimas no regime democrático. Não quando se põem contra a discussão e decisão de pendências relevantes para o país. Nem quando se valem de métodos sujos.

TIMES DE FUTEBOL 

A maioria do Senado encaixou na reforma tributária, por exemplo, um farto alívio de imposto para os compradores de times de futebol, como o norte-americano John Textor, dono do Botafogo.

O privilégio caiu na Câmara, e com ele os que, conquistados os senadores, pensaram desnecessário gastar-se com deputados. Muito entrou e muito saiu assim da reforma tributária. O real poder da Presidência da República, como descrito na Constituição, está disforme e impreciso.

A autoridade institucional do STF está mais condicionada do que jamais esteve nos períodos democráticos. Esse regime germinado no bolsonarismo parlamentar espera definição ou o justo enfrentamento.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil de Fato/Poder 360

 

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