Luiz Roberto Serrano: O que
ocorrerá no mundo depois da posse de Donald Trump na presidência dos EUA?
20 de janeiro de 2025 promete ser uma data marcante. Donald Trump tomará
posse, pela segunda vez, como presidente dos Estados Unidos da América. Voltará
à Casa Branca depois de ter sido derrotado pelo democrata Joe Biden nas
eleições anteriores.
Normalmente, os presidentes dos EUA engatam um segundo mandato após o
primeiro. Não foi o caso dele, que, quando foi derrotado há quatro anos,
insinuando desvio de votos, incentivou uma turba a invadir o Capitólio, onde o
Senado proclamaria a vitória de seu sucessor, Biden, produzindo cenas de
violência até então inimagináveis na capital estadunidense.
Desta vez, ninguém tentou impugnar sua vitória, consagrada tanto na
votação popular quanto no Colégio Eleitoral. E espera-se que, na posse, por
tudo que já anda dizendo, Trump venha a repetir algo semelhante ao slogan que
destacou no seu discurso ao assumir o primeiro governo: “America first”.
Trump e seu lema darão partida em seu governo num momento em que vários
e importantes países do mundo estão às voltas com sérias questões políticas. A
Alemanha, principal economia da União Europeia, promoverá eleições depois que o
atual chanceler Olaf Scholz perdeu um voto de confiança do Parlamento. Na
França, o presidente Emmanuel Macron tenta sobreviver diante de um parlamento
em que três forças partidárias, de esquerda, centro e direita se equilibram
politicamente. Na Inglaterra, o governo trabalhista que voltou ao poder depois
de um longo período de domínio dos conservadores já está com baixa
popularidade.
·
Trump vai tentar parar a guerra na Ucrânia?
São governos que, em parceria com os EUA, estão ajudando a Ucrânia a se
defender da invasão russa, conflito que se arrasta, até agora, sem solução à
vista, mas que Trump promete resolver. Tudo indica que o futuro mandatário dos
EUA vai sugerir uma paralisação do conflito no estágio em que está, in the ground, ou seja, com os russos
mantendo as porções de território que tomaram dos ucranianos. Se essa
possibilidade se confirmar, será um desafio à Organização do Tratado do
Atlântico Norte (Otan), que reúne militarmente os países da Europa e o EUA
desde o fim da Segunda Guerra Mundial e que acolheu quase todas as nações do
Leste Europeu após o afundamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), então comandada pela Rússia.
Farpas voam contra os vizinhos dos EUA, como o México, caminho por onde
se deslocam os imigrantes da América Central e do Sul que tentam ultrapassar o
muro fronteiriço que Trump começou a construir no mandato anterior. E contra o
Canadá, que Trump teve a indelicadeza diplomática de dizer que deveria ser o
51º Estado norte-americano, desrespeitando séculos de história do país vizinho.
Quando escrevo, nosso Brasil já havia levado indiretamente uma
reprimenda como membro do Brics, entidade que reúne China, Rússia, África do
Sul, Brasil e mais alguns países, à qual Trump destinou o aviso de que as
nações do organismo não deveriam deixar de usar o dólar como moeda em suas
relações comerciais. Uma preocupação com uma possível perda de espaço do dólar
na economia mundial? O ultraliberal Javier Millei, presidente da Argentina,
cujo governo recusou-se a participar do Brics por motivos ideológicos, foi o
primeiro da América do Sul a demonstrar regozijo com a eleição de Trump,
fazendo questão de demonstrá-lo pessoalmente em viagem aos EUA, em que foi
muito bem recebido pelo futuro presidente.
Pelo que proclamou nos comícios da campanha, o slogan “America first” mostra que Trump quer
alterar as atuais relações de comércio do mundo com os EUA e vice-versa. Vai
enfrentar a questão do desemprego na indústria norte-americana, discurso que
atraiu milhares de votos que, tradicionalmente, iriam para o partido democrata.
Para garantir o mercado interno para as indústrias do EUA, acena com aumentos
significativos para as tarifas de importação para produtos europeus e,
principalmente, e bota principalmente nisso, da China. E mesmo que isso
implique em mais inflação no seu país.
¨
A COP 30, em Belém, no caminho
E qual será agora sua posição frente ao Acordo de Paris, criado para
estimular o combate à crescente poluição ambiental em todo o globo, da qual
retirou os EUA, que foram reintegrados após a eleição de seu sucessor Joe
Biden? Trump considera que o acordo é prejudicial à indústria do petróleo
norte-americana, entre outras razões domésticas. O que ele fará nesta nova
gestão, pois já anunciou que retomará a produção de petróleo nos EUA? “Drill, drill, cave, cave“, proclamou em
seus comícios de campanha nestas eleições, como lembrei em artigo anterior. O que leva a pensar em qual será a posição norte-americana na COP 30,
que se realizará em Belém, em 2025. Será hostil?
E há, ainda, a questão do Oriente Médio, na qual tudo indica que Trump
manterá o apoio dos EUA à Israel em sua guerra contra o terrorismo, mas que
implica em milhares de mortes de palestinos, enquanto não se vislumbra
claramente as consequências da queda do regime de Bashar Al Assad na Síria e
seus reflexos no Irã e demais países que contavam com apoio da Rússia, que hoje
se concentra mais no confronto com a Ucrânia.
Mais do que nunca, a China será o grande contendor dos Estados Unidos
trumpeanos. “Os Estados Unidos continuam sendo a principal economia do mundo e
devem fechar 2024 com PIB real de US$ 29,16 trilhões, segundo projeção do Fundo
Monetário Internacional (FMI). A China aparece logo em seguida, com PIB real de
US$ 18,27 trilhões”, informa o jornal Valor Econômico. Outra possível comparação usa a Paridade do Poder de Compra (PCC), que
busca equalizar o poder de compra das moedas em diferentes nações, levando em
conta as diferenças de preços. Números de 2022, usando-se esse critério, já
indicavam que a economia chinesa era 23% maior do que a norte-americana na
época.
O fato é que a China aumentou brutalmente sua capacidade econômica e
produtiva desde a primeira gestão de Donald Trump nos EUA. Em reportagem na
China para o New York Times, o jornalista
Thomas L. Friedman, um dos mais prestigiados da publicação, com longa
experiência internacional, transcreve uma análise de Jim McGregor, um consultor
norte-americano que vive há 30 anos no país: “A China teve seu momento
Sputnik*. Ele os acordou para o fato de que precisavam de um esforço geral para
elevar o nível de suas capacidades científica, inovativa e de manufatura
avançada”.
De acordo com ele, “a China que Trump vai encontrar vai ter um regime
exportador mais formidável, seus músculos manufatureiros explodiram em tamanho,
sofisticação e quantidade nos últimos oito anos”. Em outras palavras, será um
contendor econômico mais poderoso do que no mandato anterior de Trump e que,
ainda, lançou para várias partes do mundo a Iniciativa do Cinturão e Rota, por
intermédio da qual objetiva incrementar suas relações comerciais com o globo.
Trump, por seu turno, promete aumentar as tarifas alfandegárias para as
exportações do país do Sol Nascente para os EUA.
Tempos turbulentos vêm por aí, a partir de 20 de janeiro de 2025. Trump
tomará posse com mais experiência nacional e internacional do que no primeiro
mandato e, com um secretariado afinado com seu discurso e seus objetivos, ao
contrário do que ocorreu em seu primeiro mandato. Quase todos os discursos e
entrevistas até a data em que este texto foi escrito (19 de dezembro)
prenunciavam confrontos com o atual status quo mundial.
¨ Trump não quer paz, mas sim transferir os custos da
Ucrânia para a Europa, diz analista
Conversas de
bastidores sobre envio de missão de paz da Europa à Ucrânia após cessar-fogo
não são bem recebidas nem em capitais europeias, nem na Rússia. De acordo com
especialista ouvido pela Sputnik, o Velho Continente está em crise e não pode
arcar com os custos financeiros, militares e políticos de enviar contingentes
para a Ucrânia.
A eleição de Donald
Trump para chefiar a Casa Branca deu início a tratativas de bastidores sobre
possíveis negociações de paz para encerrar o conflito na Ucrânia. De
acordo com a mídia ocidental, uma das propostas aventadas é a mobilização de
operação de paz europeia em território ucraniano.
A proposta teria
sido exposta por Trump ao presidente da França, Emmanuel Macron, e seu homólogo
ucraniano, Vladimir Zelensky, durante recente encontro em Paris para a
reabertura da Catedral de Notre Dame, informou o The Wall Street Journal.
A proposta não recebeu o aceite esperado por parte dos europeus e poderá ser
vista com suspeita pela Rússia, que considera os países da OTAN forças
engajadas diretamente no conflito. Nesse contexto, a possibilidade de
mobilização de contingente europeu após um cessar-fogo ainda parece baixa.
O premiê
polonês, Donald Tusk, recentemente negou rumores de que militares de
seu país poderiam engrossar as fileiras de uma eventual força de paz europeia.
"Para encerrar
especulações sobre a potencial presença desse ou aquele país na Ucrânia após um
cessar-fogo, [...] decisões sobre a Polônia são tomadas em Varsóvia e somente
em Varsóvia", disse Donald Tusk. "No momento não estamos planejando
essas atividades."
Até o momento, as
propostas giram em torno da mobilização de força da paz para patrulhar a zona
de contato entre forças russas e ucranianas, após um possível cessar-fogo entre
as partes. De acordo com o doutor em Geografia pela Unicamp e analista
geopolítico Gustavo Gomes Blum, o caráter de uma eventual força de paz
dependerá do acordo firmado entre as partes.
"Forças de paz
podem ter diferentes funções a depender do mandato que recebem a partir das
autoridades competentes. Elas podem ir desde tropas que apenas se dedicam a
observar o cumprimento do acordo de cessar-fogo, sem nenhum tipo de
envolvimento, até tropas deliberadamente engajadas no conflito armado",
disse Gomes Blum à Sputnik Brasil. "Isso vai depender de como esta missão
é pensada [...] e se os dois lados envolvidos concordam com a sua
atuação."
Para
o professor de Geopolítica da UNEMAT e coordenador do Laboratório de
Desenvolvimento Territorial e Geopolítica (DTG-LAB), Vinicius Modolo Teixeira,
a própria Europa terá dificuldades para arcar com os custos financeiros,
militares e políticos de uma força de paz na Ucrânia.
"Não vejo as
reações europeias como positivas, tendo em vista os custos elevados dessa
proposta. Seria necessário um conjunto de países para contribuir com tropas e
dividir os custos, o que cria também um problema de interoperabilidade",
disse Teixeira à Sputnik Brasil. "Mesmo sendo países integrados pela OTAN,
há situações de convívio que não são facilitadas."
Os custos do
conflito ucraniano já levaram líderes como o chanceler alemão, Olaf Scholz, a
pedir a sua resolução, reportou o The New York Times. Segundo ele, o
conflito já dura "muito, muito tempo" e "precisamos chegar
em uma situação na qual a paz seja possível", eliminando o risco de
escalada entre Rússia e OTAN.
"A Alemanha se
mostrou estar em uma crise política e econômica, sem condições de arcar com uma
operação como essa, ou mesmo como justificar à sua população o envio de tropas
de paz", disse Teixeira. "Sem o apoio dos EUA, a Europa dificilmente
teria como adentrar um processo de paz na Ucrânia sozinha."
Governos europeus
dificilmente enviariam tropas de paz para a Ucrânia, sem garantias de segurança dos EUA. De acordo com a
reportagem do The Wall Street Journal, autoridades francesas teriam deixado
clara a necessidade de "algum tipo de apoio dos EUA, algo que não está
claro se o governo Trump aceitaria".
"Donald Trump
promete uma mudança de postura dos EUA, mas não a vejo como uma vontade de
negociar a paz, mas sim de retirar os EUA desse confronto. Para os EUA, a
Ucrânia virou um sangradouro dos seus recursos", explicou Teixeira.
"A intenção de Trump me parece ser transferir para a Europa as
responsabilidades pelas demandas da Ucrânia."
A instabilidade
política interna europeia, no entanto, dificilmente permitirá um engajamento
contundente do continente nos assuntos ucranianos, sem o apoio de Washington,
acredita o professor.
"Retirar dos EUA e relegar todo o serviço à Europa seria algo
bastante complicado para
justificar frente à população local, que não só já está pagando mais caro por
alimento e gás, mas ainda teria que arcar com custos de uma força de paz no
território ucraniano", disse Teixeira. "Isso seria um problema que
alguns países não querem assumir no momento."
De fato,
a opinião pública europeia tampouco demonstra entusiasmo quanto ao
envio de forças que atuem diretamente no território ucraniano. No início deste
ano, quando o presidente francês sugeriu pela primeira vez o envio de tropas
francesas à Ucrânia, a opinião pública rejeitou a proposta, conforme revelaram pesquisas de opinião.
"Nesse
contexto, países do BRICS seriam mais adequados [para enviar forças de
paz] do que a mobilização de tropas de países da OTAN", considerou
Teixeira. "Forças da OTAN in loco poderiam, inclusive, amplificar o
alcance desse conflito ao invés de paralisá-lo e pacificá-lo."
Segundo o professor
de geopolítica, os países do BRICS não tiveram envolvimento direto no
conflito e mantêm relações amistosas com a Rússia, o que aumentaria a
possibilidade de aceite de proposta de força de paz por parte de Moscou.
Com ou sem
participação da Europa em uma eventual força de paz, Rússia e Ucrânia
ainda deverão lidar com algumas semanas de transição de governo nos EUA e
com as incertezas de um campo de batalha ativo, apesar do inverno no Hemisfério
Norte.
"Acredito que
o mais importante agora será o comportamento das autoridades ucranianas
diante de um governo americano diferente do anterior e de parceiros
europeus que se encontram em divisão interna e externa", disse Gomes
Blum. "A maior dificuldade poderá ser o uso de armas de longo alcance de
forma indiscriminada e contra alvos não militares, como tem se observado
recentemente."
Segundo ele,
"estas medidas 'kamikaze' podem tanto prejudicar o alcance de um
termo médio para as negociações quanto o controle político do uso da violência
nesse conflito, elemento relevante desde o seu início para determinar as
possibilidades de negociação."
Nesta quinta-feira
(26), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, lamentou algumas
propostas vazias sendo feitas pelos seus interlocutores ocidentais em relação
ao conflito ucraniano. Segundo Lavrov, "precisamos de acordos legais
finais que fixarão todas as condições de garantir a segurança da Rússia e os
legítimos interesses de segurança dos nossos vizinhos".
<><>
EUA transformaram Ucrânia em seu bastião e causaram conflito desde 2014, diz
especialista
O principal motivo
do conflito ucraniano foi a decisão do Ocidente de transformar a Ucrânia em seu
bastião nas fronteiras com a Rússia, disse o professor norte-americano John
Mearsheimer.
"A OTAN se
expandiu para o leste até atingir um ponto crítico para a Rússia: a Ucrânia. A
principal causa dessa guerra foi a decisão dos EUA e de seus aliados europeus de
transformar a Ucrânia em um bastião do Ocidente nas fronteiras da Rússia",
disse Mearsheimer.
O professor
acrescentou que o presidente russo Vladimir Putin estava tentando evitar
conflito com a Ucrânia e o Ocidente.
"O que é
surpreendente é o pouco que fizemos para conversar com os
russos", enfatizou.
Perguntaram a Mearsheimer por que o Ocidente não quis negociar
com a Rússia e ele respondeu que os países ocidentais achavam
que "ganhariam essa guerra". O professor respondeu que o
Ocidente estava armando a Ucrânia desde 2014.
"A
Rússia sempre quis um acordo. As negociações que giravam em torno da ideia
de que a Ucrânia entraria para a OTAN estavam progredindo até
que os EUA e o Reino Unido disseram aos ucranianos para optarem por
não participar", finalizou ele.
A Rússia lançou
uma operação militar especial na Ucrânia em 24 de
fevereiro de 2022 em resposta aos apelos das Repúblicas Populares de Donetsk e
Lugansk (RPD e RPL) por proteção contra os bombardeios e ataques das
tropas ucranianas.
O Ministério da
Defesa da Rússia disse que a operação, que tem como alvo a infraestrutura
militar ucraniana, visa "desmilitarizar e desnazificar" a Ucrânia
e libertar completamente Donbass, região na qual as repúblicas estão
situadas.
Fonte: Jornal da
USP/Sputnik Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário