Abraham Maslow, o
homem que revolucionou a psicologia
Abraham
Maslow teve uma visão enquanto dirigia seu carro.
Viu
pessoas sentadas ao redor de uma mesa, falando sobre "a natureza humana, o
ódio, a guerra e a paz, e a fraternidade".
O
mundo vivia o rescaldo do ataque a Pearl Harbor, em 1941, quando o Japão
bombardeou a base naval americana no Havaí durante a Segunda Guerra Mundial.
"Eu
era velho demais para entrar no exército. Foi nesse momento que percebi que o
resto da minha vida deveria ser dedicado a descobrir uma psicologia para a mesa
de paz. Esse momento mudou toda a minha vida".
De
repente, o psicólogo americano sentiu que "deveria tentar salvar o mundo e
evitar as guerras horríveis".
"Queria
demonstrar que os humanos são capazes de algo maior do que a guerra, os
preconceitos e o ódio."
Essa
visão foi contada, em 1968, a Mary Harrington Hall, da revista Psychology
Today.
Dois
anos depois, aos 62 anos, Maslow morreria após sofrer um ataque cardíaco.
Seu
legado, afirmam os estudiosos de sua obra, não só perdurou, mas, em tempos de
turbulência, é uma fonte de esperança.
·
O
inovador
Maslow
nasceu em 1908, em Nova York.
Seus
pais, judeus, tiveram que fugir da Rússia e imigraram para os Estados Unidos.
"Com
a infância que tive, é um milagre que não seja psicótico. Era um pequeno menino
judeu em uma vizinhança não judia", disse em entrevista à Psychology
Today.
Ele
dizia que havia crescido sem amigos, em bibliotecas, entre livros, e encontrou
na psicologia sua paixão.
Desenvolveu
sua carreira nesse campo, sendo fascinado em entender como alguém capaz de ser
um anjo poderia ser um assassino.
Para
Edward Hoffman, autor de The Right To Be Human: A Biography of Abraham
Maslow ("O Direito de Ser Humano, uma Biografia de Abraham
Maslow", em tradução livre), o psicólogo estava à frente de seu
tempo.
"E,
em muitos sentidos, ele ainda está à frente do nosso tempo", disse à BBC
Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o professor de psicologia da Universidade
Yeshiva, em Nova York.
Embora
seja mais conhecido por sua teoria sobre a hierarquia das necessidades, da qual surgiu a
famosa pirâmide de Maslow, há aspectos de seu trabalho que "realmente
foram revolucionários", afirmou à BBC Mundo Margie Lachman, professora da
Universidade Brandeis, em Massachusetts (EUA).
Foi
lá, precisamente, que Maslow fundou o Departamento de Psicologia.
·
Outro
caminho
Maslow
seguiu uma direção diferente das correntes existentes na psicologia,
principalmente a psicanalítica (de Sigmund Freud) e a
comportamental.
Freud
tinha "uma visão muito pessimista da natureza humana", diz Hoffman.
A
abordagem freudiana fala sobre o peso
dos impulsos inconscientes, incontroláveis, em nossas vidas, enquanto a
tradição comportamental (behavioristas) reforça a ideia de que respondemos a
fatores externos.
Lembremos
que muitos dos estudos dos behavioristas foram realizados
com animais em laboratórios.
"A
psicologia no tempo de Maslow era muito determinista", explica David
Baker, diretor emérito do Centro Cummings para a História da psicologia e
professor emérito de Psicologia da Universidade de Akron, nos Estados Unidos, à
BBC Mundo.
"Você
se comporta como resultado de todas as forças que te afetam e não há muito que
possa fazer a respeito."
Mas
"a originalidade" de Maslow foi enxergar "coisas que não estavam
ali".
"E
isso foi algo bastante incrível na psicologia americana do século 20."
"Maslow
viveu duas guerras mundiais, tempos de migração em massa, opressão terrível,
pobreza esmagadora, mas conseguiu transcender tudo isso e ver algo mais."
E
o que ele viu foi o potencial humano.
"Diante
do conflito, do ódio, da violência, ele fez uma avaliação realista e disse: 'Há
algo mais. Existem coisas que todos estão ignorando, tanto na psicologia quanto
na sociedade, e é que podemos ser pessoas melhores.'"
"Foi
uma perspectiva otimista, uma nova direção."
Maslow
apostou em uma abordagem humanista que, segundo Lachman, enfatizou a capacidade
das pessoas de "fazer coisas boas no mundo".
"Ele
acreditava que os seres humanos são, por natureza, bons e
bem-intencionados."
·
Por
toda a vida
Diferentemente
de outras correntes, Maslow afirmou que as pessoas agem com base em suas
necessidades e motivações e que têm o potencial de crescer e se desenvolver ao
longo de toda a vida.
"Isso
porque teóricos anteriores, especialmente Freud e alguns de seus
contemporâneos, acreditavam que o desenvolvimento (da personalidade)
basicamente terminava quando se chegava à adolescência", explica Lachman.
A
acadêmica esclarece que, embora alguns psicanalistas como Carl Jung ou Erik
Erikson também acreditassem no desenvolvimento ao longo da vida, Maslow
realmente enfatizou "a importância de pensar no potencial de crescimento
durante toda a vida".
Além
disso, destaca a especialista, enquanto alguns dos primeiros teóricos focavam
mais em indivíduos com, por exemplo, neuroses ou problemas psicológicos — o que
foi muito relevante —, Maslow se interessava por "as pessoas que estavam
se saindo bem".
E
que, ao prosperarem, ao perceberem sua criatividade e seu potencial, promoviam
não apenas seu próprio crescimento, mas também contribuíam para "fazer o
bem no mundo".
Concentrar-se
em pessoas saudáveis como uma forma de compreender o comportamento e otimizar o
bem-estar foi uma mudança muito significativa na disciplina.
"Maslow
defendeu o valor de focar no que está certo na pessoa, em vez de se concentrar
no que está errado", escreveu a professora em um artigo da Universidade
Brandeis, dos EUA.
·
Motivação
Em
1954, Maslow publicou o livro Motivação e Personalidade, no qual
apresentou sua teoria da hierarquia das necessidades, já explorada em 1943 no
ensaio Uma Teoria para a Motivação Humana.
O
psicólogo explicou que, quando nossas necessidades mais básicas — fisiológicas
e de segurança — estão satisfeitas, desenvolvemos outras necessidades e desejos
que buscamos atender, como o apreço e o reconhecimento.
Em
seu trabalho original sobre a hierarquia das necessidades, Maslow não utilizou
pirâmides ou triângulos.
No
entanto, outros pesquisadores acabaram ilustrando sua teoria no formato de uma
pirâmide.
No
topo dessa pirâmide, está a autorrealização, algo que ele sabia ser muito
difícil de alcançar.
"Todos
temos a capacidade de consegui-la, mas precisamos conseguir transcender nossa
situação e nos esforçar para atingir nosso potencial", explica David
Baker.
Para
Maslow, tratava-se de um processo contínuo, que dura toda a vida, no qual é
importante criar situações que sejam meaningful, ou seja,
significativas para nós.
"Em
sua visão otimista, se alcançarmos a autorrealização, seremos mais felizes e,
consequentemente, faremos mais coisas boas no mundo."
Mas
Maslow não estava realmente preocupado com a felicidade; seu interesse estava
focado no crescimento pessoal e em sua conexão com nossa capacidade de fazer
coisas boas.
Hoffman
menciona a eupsiquia, um termo que Maslow cunhou para descrever "a melhor
sociedade possível", uma sociedade voltada para o crescimento de seus
membros.
"Maslow
era realista, sabia que nenhum ser humano pode ser perfeito, que todos temos
defeitos", mas ele viu a possibilidade dessa sociedade ideal, a eupsiquia.
"É
um conceito muito importante, porque acredito que os jovens, em parte devido à
obsessão com as redes sociais e a internet, estão presos ao momento presente.
Mas Maslow era um pensador de longo prazo, focado no que os seres humanos são
capazes de alcançar a longo prazo."
·
Legado
Maslow
sempre esteve aberto à pesquisa científica, embora haja quem questione o fato
de ele não ter apresentado evidências empíricas para sustentar sua teoria.
De
fato, alguns cientistas criticaram que, em seus últimos anos, ele se tornou
mais um filósofo do que um cientista.
Mas
o fato é que ele deixou um legado importante em sua disciplina.
"Muitos
dos esforços mais recentes em psicologia foram baseados no trabalho de Maslow:
ele lançou as bases do que chamamos de psicologia positiva", destaca
Lachman.
Esse
movimento foca em como as pessoas podem viver uma vida positiva e encontrar um
propósito.
"E,
ao usar sua própria criatividade e sabedoria, podem ajudar outras pessoas e
fazer a diferença no mundo."
·
Mensagem
Nesse
processo contínuo de crescimento que Maslow propôs, há um ponto de partida:
"Olhar
para dentro de nós mesmos e descobrir o que nos traz uma sensação de alegria,
mesmo em pequenos momentos. Que comidas gostamos? Sobre quais temas gostamos de
conversar? Que músicas nos fazem sentir mais enérgicos ou felizes? O ponto de
partida deve ser compreender e conhecer a nós mesmos", explica Hoffman.
Para
Baker, grande parte do legado de Maslow é "ver o que está lá e também o
que não está".
"Ainda
existe bondade, decência, pessoas que se esforçam para fazer o que é certo, e
isso é fácil de esquecer, assim como é fácil se sentir sobrecarregado pelas
notícias negativas de ódio e violência."
"Mas
era o mesmo no tempo de Maslow: as pessoas sentiam o mesmo nível de medo,
desesperança, ansiedade e depressão. E aí está o legado dele: olhar além disso
e dizer que há algo melhor."
"Sempre
senti que é uma mensagem de esperança."
Fonte: BBC News
Mundo
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