Eduardo Vasco: Acordo
Mercosul-UE, uma nova ALCA?
A oposição ao Acordo de
Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia voltou a crescer. Mas, como tem
ocorrido, não do lado dos prejudicados, e sim dos beneficiados. Os europeus
querem um acordo ainda mais favorável a eles.
“Na ausência de um
reequilíbrio, a Itália não estará a bordo” foi a última declaração contrária,
feita na terça-feira (18) pela primeira-ministra Giorgia Meloni. Ela quer uma
revisão nos termos do acordo, acompanhando o que já haviam expressado o
primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, e também o governo da Irlanda. Como já
se sabia desde a crise com o Carrefour, a França descartou assinar o acordo.
Holanda e Áustria também já
haviam manifestado certo descontentamento com os termos atuais do acordo, que
afetariam principalmente o setor agrícola desses países. Afinal, como um acordo
semicolonial, a Europa receberia as commodities dos sul-americanos, que
comprariam os seus bens manufaturados.
Essas declarações preocupam
os defensores do acordo. A aprovação no Mercosul é apenas uma parte do trajeto
até a sua finalização e aprovação completa. O Conselho Europeu ainda irá se
reunir para votar o acordo. E, como visto acima, há real possibilidade de que
ao menos quatro países, que representem no mínimo 35% da população da União
Europeia, vetem o acordo.
Haveria, ainda, uma
possibilidade de se chegar a um meio termo, pelo qual os países que vetaram não
entrariam no acordo, que seria aplicado apenas em partes e por aqueles que
aprovaram. Assim, os países contrários ao acordo poderiam revisar e negociar
até finalmente aderirem, permitindo que todos gozem das possibilidades
integrais do acordo.
Mas as pressões populares
também não podem ser negligenciadas. Na verdade, elas são a principal
responsável pela reticência dos países europeus. Enormes e frequentes
manifestações de rua de agricultores têm ocorrido nas capitais europeias. Eles
são um dos setores mais prejudicados com a desregulamentação neoliberal das
últimas décadas.
A extrema-direita em
ascensão por toda a Europa tem como uma de suas principais bases sociais
justamente os agricultores. E a extrema-direita ocupa um lugar cada vez mais
destacado nos parlamentos e governos europeus, podendo transformar as
exigências dos agricultores em política de Estado.
Podemos estar vendo uma
repetição das negociações dos países sul-americanos com a NAFTA, de 30 anos
atrás. Só que com o sinal trocado: naquela vez, a oposição ao Acordo de Livre
Comércio das Américas (ALCA) vinha da América do Sul e de seus movimentos
sociais e populares. A oposição do acordo Mercosul-UE, por outro lado, vem da
Europa e de seus agricultores.
A ALCA (1994) e o acordo
Mercosul-UE (1999) começaram na mesma época, no auge do neoliberalismo.
Portanto, refletiam aquela política. A proposta original da ALCA, feita pelo
governo dos Estados Unidos, previa a abertura do mercado brasileiro e
sul-americano para as empresas norte-americanas. Mas era muito desigual: ao
mesmo tempo, os EUA não abriam mão do protecionismo para os produtos que
exportavam ao Brasil.
Washington queria forçar a
abertura de setores estratégicos, como as compras governamentais e serviços
financeiros e bancários, o que levaria não apenas à manutenção, mas também ao
aumento do superávit comercial nas transações com os países do Mercosul. De
acordo com o historiador Luiz Alberto Luiz Bandeira (As relações perigosas
Brasil - Estados Unidos), o objetivo dos EUA era compensar, “pelo menos em
parte, os déficits com a China, Japão e União Europeia”.
Os produtos agrícolas
brasileiros não teriam acesso privilegiado ao mercado norte-americano porque os
EUA não aceitavam eliminar os subsídios indiretos às suas exportações agrícolas
e abrir seu mercado aos setores em que o Brasil era competitivo. Apesar disso,
os países do Mercosul cederam bastante. O problema era que os Estados Unidos
eram intransigentes: queriam retroceder as relações comerciais da América
Latina praticamente ao mesmo nível da época colonial.
Quando Lula chegou ao
governo, o Brasil começou a impor dificuldades para a aprovação do acordo
original, absolutamente favorável aos EUA e desfavorável ao Brasil e aos países
do sul. Conseguiu, assim, o apoio das nações do Mercosul, enquanto os EUA
arregimentaram Canadá, México, Chile e os países da América Latina e do Caribe
em torno da sua posição.
Após dez anos, as
discrepâncias de posições eram tão grandes, devido ao crescimento do movimento
popular (contando com rebeliões de massas contra as políticas neoliberais) no
Brasil, Argentina, Bolívia e Venezuela, que o acordo teve de ser abandonado.
O acordo com a União
Europeia também foi paralisado durante longo tempo, mas Bolsonaro e Paulo
Guedes o ressuscitaram. Agora, Lula ainda conseguiu reduzir os danos das
propostas apresentadas no governo anterior. Excluiu completamente as compras
realizadas pelo SUS e inseriu as possibilidades de preferência por produtos e
serviços nacionais, de proteção da indústria automobilística por um certo
período de tempo e de revisão do acordo por pressão da sociedade civil (como
sindicatos trabalhistas e empresariais).
A natureza semicolonial do
acordo, no entanto, foi mantida. Continua sendo um acordo que privilegia a
exportação de matéria-prima barata pelo Mercosul para que a UE produza bens
industrializados e os exporte de volta com um alto valor agregado.
Esperemos que as
contradições internas da União Europeia (entre a indústria alemã e a
agricultura francesa) se desenvolvam e gerem mais mal-estar dos agricultores de
vários países, obrigando os governos a voltarem atrás, paralisando novamente ou
até mesmo inviabilizando o acordo. Essa parece ser a tendência neste momento.
¨ Acordo Mercosul e UE é oportunidade histórica de
desenvolvimento. Por Ricardo Steinbruch e Fernando Valente Pimentel
A conclusão do
acordo entre o Mercosul e a União Europeia, oficialmente anunciada em 6 de
dezembro, será de fundamental importância para a indústria têxtil e de
confecção e a economia brasileira. Serão eliminadas tarifas para 97% dos bens
manufaturados no comércio entre os dois blocos. Consideradas as oportunidades
de aumento dos investimentos e exportações, criação de empregos, fomento da
produção e aporte tecnológico, o tratado será importante para impulsionar o crescimento
sustentável e elevar o Brasil ao patamar de renda alta.
No âmbito da
iniciativa privada, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção
(Abit) foi uma das pioneiras nas negociações voltadas ao estabelecimento de
parâmetros mercadológicos equilibrados e justos, cujos resultados tiveram
êxito. Foi um trabalho consistente de diplomacia econômica realizado em
conjunto com a European Apparel and Textile Confederation (Euratex).
A Abit,
representativa de mais de 25 mil empresas com cinco ou mais funcionários,
empregadoras de 1,3 milhão de pessoas em todo o Brasil, tem plena convicção de
que a implementação do acordo será de extrema relevância para a promoção e
facilitação do comércio, serviços e investimentos do setor, bem como o aumento
da cooperação entre as empresas dos dois blocos. É uma oportunidade histórica!
Para a indústria
têxtil e de confecção brasileira, o acordo proporciona uma série de
oportunidades, a começar pelo acesso ao mercado consumidor da União Europeia, o
segundo maior do mundo, com 500 milhões de pessoas, no universo de um PIB total
de US$ 22 trilhões. Isso significa expressivo potencial de crescimento da
produção e vendas.
É concreta,
portanto, a perspectiva de aumento e diversificação das exportações do setor
para a União Europeia, até hoje restritas pela ausência do acordo. A Abit
estima um impacto positivo na criação de 300 mil postos de trabalho formais em
até 10 anos, em função da ampliação do comércio. Também haverá melhores
condições para o intercambio tecnológico, já que o Brasil e a União Europeia
têm importantes centros de inovação e pesquisa.
Os benefícios aqui
enumerados estendem-se à grande maioria dos setores de atividade. Para todos, o
acordo também oferece oportunidade de promover a convergência de normas e padrões
comerciais, facilitando o comércio e aumentando a segurança jurídica dos
investidores. Outro impacto positivo é o posicionamento do Mercosul como ator
relevante no cenário internacional.
Há, ainda, um
diferencial competitivo fundamental a ser explorado: o grande potencial
referente à bioeconomia, geração de energia limpa e de fontes renováveis e
contribuição da indústria para reduzir a emissão de gases de efeito estufa e
mitigar as mudanças climáticas. Somado aos empregos dignos e aderentes ao compliance,
inclusive respaldados pela rígida legislação trabalhista brasileira, o caráter
sustentável da produção contempla de maneira ímpar os preceitos da governança
ambiental, social e corporativa (ESG). É tudo o que os europeus defendem e
exigem cada vez mais de seus parceiros comerciais e fornecedores.
Cabe salientar,
também, que o aumento da nossa competitividade global nos proporciona melhores
condições de enfrentar a concorrência de importados em nosso mercado interno.
Além disso, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia é congruente com
nossas metas de fomento e modernização industrial. Com sua vigência, os países
dos dois blocos têm muito a ganhar.
¨ Aliança
global contra a fome e a pobreza: o papel do MERCOSUL. Por Elvino Bohn Gass
A fome e a pobreza são
desafios globais que, apesar dos avanços obtidos em diferentes partes do mundo,
persistem em afetar a dignidade e a qualidade de vida de milhões de pessoas.
Dados alarmantes do relatório "The State of Food Security and Nutrition in
the World 2024", elaborado por agências da ONU, apontam que mais de 713
milhões de pessoas enfrentaram fome no último ano, enquanto mais de 28% da
população mundial vivem sob insegurança alimentar moderada ou grave.
Diante dessa realidade, o
Parlamento do MERCOSUL (PARLASUL) aprovou recentemente uma declaração
histórica, proposta de minha autoria, durante sua sessão plenária em Córdoba,
Argentina, reafirmando seu compromisso em combater a fome e a pobreza por meio
da Aliança Global proposta pela Presidência brasileira do G20. Esta declaração
não é apenas um posicionamento político, mas um chamado à ação para os Estados
Partes do MERCOSUL e a comunidade internacional.
O documento enfatiza que a
segurança alimentar e a erradicação da pobreza exigem a adoção de políticas
públicas eficazes, integradas em uma ampla estratégia social, apoiadas por
iniciativas de cooperação internacional. Além disso, reconhece o papel crucial
da agricultura familiar no fortalecimento da segurança alimentar e na promoção
de economias locais sustentáveis. Nesse sentido, destaca a Reunião
Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do MERCOSUL como uma plataforma
vital para o desenvolvimento de políticas inclusivas e alinhadas com as
prioridades globais do G20.
Outro ponto central da
declaração é a necessidade de uma maior responsabilidade por parte dos países
mais ricos em enfrentar as desigualdades globais, promovendo o financiamento e
a assistência técnica para regiões mais vulneráveis. Esse posicionamento
reforça a urgência de abordagens multissetoriais e coordenadas no âmbito dos
foros multilaterais.
O tema também foi motivo de
debate na recente 10ª. Cúpula de Presidentes dos Parlamentos do G20 (P20), onde
foi reiterado a necessidade de financiamento sustentável, barato, adequado e
acessível, de sistemas agrícolas sustentáveis e resilientes e da redução das
perdas pós-colheita, perda e desperdício de alimentos, em conjunto com vínculos
mais estreitos entre as áreas urbanas e rurais e entre produtores e
distribuidores.
É fundamental que a
comunidade parlamentar dos países do G20 se junte à mobilização global para
acabar com a fome e erradicar a pobreza. Isso deve incluir esforços para
ampliar a ajuda humanitária para países afetados por crises alimentares, em
especial, por efeito das mudanças climáticas.
Sob a liderança do Brasil na
Presidência do G20, a proposta de lançar a Aliança Global Contra a Fome e a
Pobreza é um marco de relevância internacional. Já contamos com a adesão de 81
países, 26 organizações internacionais, 9 instituições financeiras e 31
fundações filantrópicas e organizações não-governamentais. O Brasil, como um
dos maiores produtores de alimentos do mundo e um exemplo de iniciativas de
combate à fome por meio de programas como o Fome Zero, tem a oportunidade de
contribuir significativamente para o desenvolvimento de sistemas alimentares
sustentáveis e inclusivos.
A integração das
experiências do MERCOSUL em uma "Cesta de Políticas Públicas", é
exemplo de um passo concreto para consolidar soluções regionais e que podem ser
replicadas no âmbito global, beneficiando milhões de pessoas e promovendo a
redução da desigualdade social.
Embora os compromissos
assumidos sejam um avanço significativo, a implementação de tais medidas exige
vontade política, engajamento da sociedade civil e apoio financeiro robusto.
Alianças como a Frente Parlamentar contra a Fome da América Latina e a
recém-criada Aliança Ibero-americana e Caribenha para a Segurança Alimentar,
promovidas pelo Programa Espanha-FAO para América Latina e Caribe são exemplos
de como a colaboração entre governos, parlamentos e organizações internacionais
pode gerar resultados concretos.
O combate à fome e à pobreza
é uma responsabilidade coletiva que transcende fronteiras. Durante o nosso
mandato continuaremos promovendo ações de apoio a políticas públicas vinculadas
à agricultura familiar e segurança alimentar, levando as boas práticas e
experiências do nosso Rio Grande do Sul aos nossos países vizinhos do MERCOSUL.
A declaração aprovada pelo
PARLASUL e a iniciativa do G20 são passos fundamentais para um futuro em que
nenhum ser humano seja privado do direito mais básico: o acesso a alimentos
suficientes e de qualidade.
Que as declarações sejam
transformadas em ações concretas, construindo um mundo mais solidário e
igualitário. Este é o desafio, mas também a oportunidade de tornar visível os
milhões de invisíveis que hoje no mundo padecem a fome e a insegurança
alimentar.
¨ Brasil e
China fortalecem cooperação estratégica para impulsionar desenvolvimento
sustentável
Em reunião virtual realizada
neste sábado (21), o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o ministro da
Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China, Zheng Shanjie, deram
mais um passo para consolidar a cooperação estratégica entre Brasil e China. De
acordo com informações da Agência Gov, a iniciativa busca
viabilizar uma ampla carteira de projetos bilaterais, baseados em acordos
assinados durante a recente visita do presidente chinês, Xi Jinping, ao Brasil.
A intenção, conforme
divulgado pela Casa Civil, é aproveitar os atos firmados pelos presidentes Lula
e Xi Jinping para fomentar investimentos, sobretudo em infraestrutura, cadeias
produtivas, energia limpa, transformação ecológica e tecnologias estratégicas.
Para auxiliar na viabilização financeira desses projetos, a presidente do Novo
Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como “banco dos Brics”, Dilma
Rousseff, participou do encontro, reforçando o papel da instituição no aporte
de recursos para as novas parcerias. O diretor de Política Monetária do Banco
Central, Gabriel Galípolo, também compôs a mesa de negociação.
As autoridades destacaram
duas forças-tarefas prioritárias, formalizadas no Plano de Cooperação
Brasil-China, que foi assinado em novembro. Uma delas irá definir iniciativas
para concretizar o eixo de cooperação financeira, e a outra será responsável
por projetos nos setores de infraestrutura, cadeias produtivas,
sustentabilidade ambiental, transição energética e inovação. “É essencial
unirmos esforços em atividades já estruturadas, como o Novo PAC, o Plano Nova
Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica e o Programa Rotas da
Integração Sul-Americana”, explicou Rui Costa.
O ministro brasileiro
ressaltou que as diversas pastas do governo federal serão envolvidas nessas
forças-tarefas, sob a coordenação da Casa Civil, para garantir a consistência e
a eficiência dos projetos. A expectativa é que, até fevereiro de 2025, uma
lista inicial de iniciativas prioritárias seja apresentada ao governo chinês,
de modo a avançar nos trâmites de financiamento e execução.
Além de Rui Costa, Zheng
Shanjie e Dilma Rousseff, a reunião contou com a presença do embaixador Zhu
Qingqiao, de outras dez autoridades chinesas, entre vice-ministros e chefes de
departamentos, além da secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, e
do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello.
A reunião virtual reforça a
importância da parceria Brasil-China, que tem na cooperação financeira, na
inovação tecnológica e no compromisso com o desenvolvimento sustentável seus
principais pilares. Esses entendimentos, segundo os participantes, deverão
resultar em maior competitividade econômica e social para ambos os países a
partir de 2025.
Fonte: Brasil 247/JB
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