Estimulação do
nervo vago é opção para tratar depressão resistente a remédios
O jovem Nick
Fournie tinha 24 anos quando uma depressão severa mudou a sua
vida. Na época, ele estava casado com sua namorada de longa data há dois
anos e não tinha motivos para suspeitar que tinha problemas de saúde
mental.
“Eu apenas pensei comigo mesmo: ‘Se é isso, se
isso é tudo que a vida tem para oferecer — se acabasse agora, eu estaria bem
com isso””, disse Nick, hoje com 62 anos e residente em Illinois, sobre aquele
dia fatídico ao ar livre há quase 40 anos.
Mas um dia,
enquanto cortava a grama, sua perspectiva sobre a vida mudou abruptamente do
claro para o escuro. A mudança os levaria, ele e sua esposa Mary, a uma jornada
tumultuada de anos lutando por seu bem-estar e outra chance de uma vida feliz
juntos — até descobrirem um tratamento alternativo e pouco conhecido que
mudaria tudo.
Durante a década
seguinte, Nick trabalhou com um psiquiatra para encontrar um medicamento que
aliviasse sua depressão. Os cerca de 10
medicamentos que ele experimentou não só falharam em melhorar sua condição —
como também causaram “reações terríveis”, disse Mary, especialmente quando ele
tomava mais de um medicamento ao mesmo tempo.
Nick sempre foi
sensível a medicamentos, mas comparou os efeitos colaterais que experimentou a
“episódios psicóticos”. Embora acreditasse que o psiquiatra estava fazendo o
melhor possível, “alguns (dos medicamentos) realmente me deixaram fora de mim”,
disse ele.
Em alguns dias ele
não conseguia funcionar, e até experimentou paranoia que o impedia de sair de
casa, disse Mary.
Nick geralmente
conseguia continuar trabalhando, mas não conseguia sentir felicidade com nada,
disse ele. “Cada dia parecia durar dois dias”. Há quase 20 anos, sabendo que
todas as outras opções haviam falhado, a irmã de Nick, uma enfermeira,
recomendou que ele conhecesse um novo tratamento chamado estimulação do
nervo vago, ou VNS.
O Food and Drug
Administration (FDA), ou seja, órgão regulador americano de alimentos e
medicamentos, havia acabado de aprovar o VNS em 2005 para o tratamento
adjuvante de longo prazo da depressão crônica ou recorrente em adultos que
tiveram respostas inadequadas a pelo menos quatro tratamentos
antidepressivos.
“O nervo vago tem
mais de 100.000 nervos individuais em um feixe”, disse o neurocientista Dr.
Bashar Badran, professor associado de psiquiatria e diretor do Laboratório
Neuro-X da Universidade Médica da Carolina do Sul em Charleston. “Este feixe se
projeta do seu cérebro para cada órgão do seu corpo, como seu coração, pulmões,
baço, rins, intestinos”, acrescentou ele.
“O nervo vago é
esta super-rodovia bidirecional que transmite informações do seu cérebro para
seu corpo”, afirmou.
Nick logo se
inscreveu como participante em um estudo de VNS liderado pelo Dr. Charles
Conway e teve um dispositivo VNS implantado.
“É um gerador de
pulso muito pequeno, semelhante a um marca-passo cardíaco”, contou Conway,
professor de psiquiatria e diretor do Centro para o Avanço da Pesquisa em
Transtornos do Humor e Afetivos Resistentes da Universidade Washington em St.
Louis.
O dispositivo é
implantado abaixo da clavícula, e um cabo do dispositivo é tunelizado até a
região do pescoço, onde se conecta e estimula o nervo vago que, por sua vez,
envia pulsos regulares para áreas do cérebro associadas à regulação do humor. A
taxa de disparo padrão é de 30 segundos a cada cinco minutos.
Nick continua em
tratamento com VNS até hoje, além de usar dois antidepressivos que
alternados seguindo as instruções de seu médico, dependendo de qual está
funcionando para ele. “Isso mudou completamente minha vida. Encontro alegria
todos os dias”, disse ele.
“Se fosse apenas
medicação, não sei se ele estaria vivo hoje”, disse Mary. “Eu digo ao Dr.
Conway o tempo todo, isso foi um milagre para nós. Não que você também não
tenha que fazer algumas modificações comportamentais, e tenha que aprender
técnicas de enfrentamento e tudo mais. Não é uma bala mágica” “É trabalho, mas
salvou nossas vidas juntos, e a vida dele.”
Apesar da aprovação
da FDA para o tratamento com ENV (Estimulação do Nervo Vago) para depressão
resistente ao tratamento em 2007, os Centros de Medicare e Medicaid dos EUA se
recusaram a cobrir a terapia, citando que as evidências eram insuficientes e
que a ENV “não era razoável nem necessária” para a condição.
A decisão do CMS
também impactou as companhias de seguro privadas, muitas das quais se alinharam
com a posição da agência, disse Conway.
Estudos
subsequentes forneceram suporte adicional para ENV, levando o CMS a decidir em
2019 emitir “cobertura com desenvolvimento de evidências”. Esta mudança tornou
a ENV acessível para pessoas participando de um estudo projetado pela
fabricante do dispositivo aprovado pelo FDA, LivaNova, e aprovado pelo CMS.
Os resultados desse
ensaio clínico randomizado, conduzido em 84 locais nos Estados Unidos de
setembro de 2019 a maio de 2024, são agora apresentados em dois estudos
publicados na quarta-feira (18), na revista Brain
Stimulation.
A LivaNova patrocinou e financiou os estudos em parceria com o CMS.
O estudo de um ano
com 493 adultos com idade média de 53 anos reflete a experiência de Nick —
descobriu-se que a terapia ENV levou a melhorias nos sintomas depressivos dos
participantes, na capacidade de completar tarefas diárias e na qualidade de
vida.
A população
estudada “foi provavelmente o grupo mais doente de pacientes com depressão
resistente ao tratamento já estudado”, disse Conway, que também foi
investigador principal do último ensaio. “Eles tinham uma média de 13
tratamentos fracassados, e o número médio de anos que passaram em depressão era
de 29 anos.”
Cerca de 75% desses
participantes estavam tão doentes que não conseguiam trabalhar, e 40% haviam
tentado suicídio pelo menos uma vez.
“O que é realmente
importante aqui é que os próprios pacientes estavam relatando que suas vidas
estavam melhorando”, afirmou Conway em um comunicado à imprensa. “E o bom da
estimulação do nervo vago, como sabemos de outros estudos, é que quando o
paciente responde, os efeitos geralmente permanecem.”
·
Aliviando
a depressão severa
No início do
estudo, todos os participantes receberam implantes de estimuladores do nervo
vago. Após duas semanas de recuperação da cirurgia, metade dos participantes
teve seus dispositivos ligados, enquanto os estimuladores na outra metade,
essencialmente um grupo controle, permaneceram desligados. Independentemente do
grupo em que estavam, todos os participantes continuaram com qualquer
tratamento que já estavam fazendo, incluindo medicamentos, terapia ou ambos.
“Então demos a eles
dois meses para, o que chamamos de, titular sua corrente”, disse Conway. “Uma
certa quantidade de corrente é ideal para obter uma resposta antidepressiva.”
Durante os 10 meses
seguintes, os adultos participaram de avaliações mensais de seus sintomas de
depressão, qualidade de vida e outros resultados funcionais. O ensaio não
atingiu seu objetivo principal, que era a Escala de Avaliação de Depressão de
Montgomery-Asberg, ou MADRAS, mostrar mais melhoria no grupo ENV ativo do que
no grupo ENV inativo. Mas ao julgar os resultados em ambos os grupos de acordo
com esta escala, não houve diferenças entre os dois.
A escala MADRAS é
uma das escalas padrão-ouro para avaliar sintomas individuais que se combinam
em depressão, disse Badran, que não estava envolvido no estudo. Ela inclui
fatores como humor, sono, apetite e nível de energia.
“Eles permitem uma
avaliação mais nuançada da gravidade da depressão porque é administrada por um
clínico”, contou Badran. “É meio decepcionante ver que o endpoint primário não
atingiu essa significância.”
O estudo, no
entanto, atingiu seus objetivos secundários — que incluíam melhorias nos
sintomas depressivos, função diária e qualidade de vida, de acordo com três
outras escalas de avaliação relatadas por clínicos locais, pacientes e
avaliadores externos que não sabiam quais dispositivos dos participantes haviam
sido ativados.
No geral, 18% dos
pacientes com ENV ativa experimentaram melhora dos sintomas em pelo menos 50%,
disse Conway, o que é considerado uma resposta completa ao tratamento. Em
relação à qualidade de vida, 53% do grupo de tratamento ativo experimentou
progresso.
A tendência de
ensaios clínicos atingirem apenas resultados secundários não é incomum, segundo
Badran. “Nem todos os estudos precisam atingir seu objetivo primário para
demonstrar algum tipo de eficácia”, acrescentou.
A maioria dos
benefícios foi observada nos três meses finais do período de tratamento de 10
meses, o que não foi surpreendente ou preocupante, já que o tratamento com ENV
funciona de forma cumulativa, segundo especialistas.
O que surpreendeu
foi que 16% dos participantes do grupo de ENV inativo também relataram efeitos
antidepressivos nos últimos meses, enquanto os pesquisadores esperavam que
apenas cerca de 10% desses participantes o fizessem.
“Os participantes
podem ter antecipado positivamente a ativação do dispositivo no período de 1
ano, ou os efeitos “placebo” foram acentuados pelo conhecimento prévio da
duração do ensaio e pela consciência de que os benefícios normalmente se
acumulam com ENV apenas após vários meses de tratamento”, segundo o estudo. Os
dispositivos do grupo inativo foram ligados ao final do ensaio para que eles
também pudessem se beneficiar.
Com a depressão
resistente ao tratamento afetando cerca de 30% dos estimados 21 milhões de
adultos com transtorno depressivo maior, os resultados são “realmente
promissores”, disse Badran.
A nova pesquisa
também carrega substancialmente mais significância do que estudos anteriores
devido ao seu recrutamento em larga escala e acompanhamento de longo prazo,
conforme conta o Dr. Takuya Sasaki, professor de ciências da vida e
farmacêuticas da Universidade de Tohoku no Japão, por e-mail. Sasaki não
participou do estudo.
A pesquisa “fornece
uma comparação controlada por simulação, cega, de quão bem a ENV funciona para
(depressão resistente ao tratamento) em um desenho de estudo rigoroso”, disse a
Dra. Sarah Lisanby, diretora da Unidade de Neuromodulação Não Invasiva da
Divisão do Programa de Pesquisa Intramural do Instituto Nacional de Saúde
Mental dos EUA, via e-mail. Lisanby também não fazia parte da equipe de
pesquisa.
·
As
deficiências e o funcionamento interno do VNS
O fato de desfecho
primário do estudo não ter sido atingido e apenas até 53% dos participantes com
ENV ativa terem experimentado melhorias pode ser devido a alguns fatores.
A gravidade da
depressão neste ensaio “provavelmente limitou a possibilidade de resposta e
remissão em ambos os grupos”, disseram os autores. “Até onde sabemos, o grau de
resistência neste ensaio excede qualquer ensaio terapêutico antidepressivo
anterior grande e prospectivo.”
Além disso, ter
centenas de pacientes em um ensaio clínico também pode significar que eles não
são os mais uniformes em termos de seu caso de doença, afirma Badran. Algumas
pessoas podem não responder de forma alguma, enquanto outras se saem muito bem.
Em uma nota
positiva, a extensão da resistência também pode implicar que pacientes com
menos resistência poderiam se beneficiar mais da ENV, acrescentaram os autores.
Os implantes de
estimulação do nervo vago às vezes podem causar efeitos colaterais, como falta
de ar, irritação no local ou rouquidão vocal quando o dispositivo está ligado,
disseram os especialistas.
O conhecimento de
todas as formas pelas quais a ENV melhora a depressão ainda está evoluindo, mas
a terapia provavelmente funciona através de múltiplas vias, segundo os
especialistas.
“Se olharmos para a
ENV como um modulador do sistema nervoso central no cérebro, há evidências que
sugerem que quando você liga a ENV, você está influenciando a rede de modo
padrão”, disse Badran. “Esta rede está envolvida na emoção, humor e
autoprocessamento.”
Nossa resposta de
luta ou fuga é mediada pelo nervo vago, que libera o neurotransmissor
acetilcolina em órgãos agitados para desacelerá-los, disse Badran.
A estimulação do
nervo vago também pode aumentar a liberação de importantes químicos cerebrais
como serotonina e norepinefrina, que ajudam a regular o humor e geralmente são
baixos em pessoas com depressão, disse Sasaki.
“O nervo vago
também ajuda a controlar a inflamação no corpo”, níveis mais altos dos quais
foram ligados à depressão, acrescentou Sasaki. O tratamento pode ajudar o
cérebro a se tornar mais adaptável e resiliente ao promover a formação de novas
conexões cerebrais.
·
O
futuro do tratamento da depressão resistente
Os participantes do
ensaio continuam sendo monitorados, e dados sobre seus resultados contínuos
podem se tornar disponíveis nos próximos anos.
Conway planeja
continuar as discussões com os Centros de Serviços Medicare e Medicaid com base
nos resultados do ensaio, na esperança de que as descobertas eventualmente
ajudem pessoas com depressão resistente ao tratamento e seguro de saúde federal
a poderem receber terapia ENV, disse ele.
A acessibilidade ao
tratamento ENV ainda é limitada devido ao preço de aproximadamente $25.000,
cerca de R$151.935,00 e à falta de cobertura pelo seguro federal e por muitas
seguradoras privadas, segundo os especialistas.
Fonte: CNN Brasil
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