Nas
últimas semanas, o rechaço à escala 6X1, isto é, à jornada de trabalho segundo
a qual resta somente um dia de descanso ao trabalhador, ganhou a cena. Tomou as
ruas e as redes, em um potente fenômeno social e político que pode alterar a
correlação de forças no Brasil da Frente Ampla e dos cortes, em que a direita e
a extrema direita vieram mostrando seu fortalecimento. A potencialidade dessa
pauta reside em, por um lado, trazer à tona o pilar da exploração capitalista:
a disputa pelo tempo de trabalho. Por outro, podemos (e devemos) fazer dessa
pauta, viralizada pela voz da massa trabalhadora em nosso país, um ponto de
apoio para desmascarar o Brasil do trabalho precário, da Reforma Trabalhista,
da terceirização irrestrita, da uberização, onde nos shoppings, no
telemarketing, nos supermercados, nas fábricas, a classe trabalhadora deixa seu
tempo de vida. Só assim será possível, de fato, reduzir a jornada de trabalho e
arrancar a vida “além do trabalho”, superando também o próprio trabalho
alienado.
·
Velhas
“utopias”
“Se o tempo de trabalho sofresse uma redução de 1 hora
por dia, o lucro líquido desapareceria e, se a redução fosse de 1 1/2 hora por
dia, desapareceria também o lucro bruto”. - Senior
O excerto acima foi extraído de uma
passagem d’O Capital, Livro I, de Karl Marx. Em 1836, analisando
as fábricas de Manchester na Inglaterra, Nassau W. Senior chega à conclusão
acima transcrita: a redução da jornada de trabalho de 12 para 10 horas diárias
acabaria com o lucro dos capitalistas. Nas palavras de Marx, os donos de
fábrica fizeram desse economista burguês seu espadachim,
opondo-se à redução da jornada, em tempos de trabalho infantil e condições
dignas do romance Germinal. Qualquer semelhança com
as "brilhantes" linhas argumentativas que se reproduziram em páginas
de jornal e no debate político da última semana contra o fim da escala 6X1, por
parte da direita e dos grandes empresários, não são mera coincidência. Diz
o economista Celso Ming ao Estado de S. Paulo: “Para alguns setores, a substituição do regime 6X1 seria
proibitiva. Comércio varejista, construção civil, o ramo dos hotéis, bares e
restaurantes, mais a grande maioria das pequenas e médias empresas passariam a
enfrentar enorme sobrecarga nos seus custos. (...) Provavelmente, no futuro,
cuja distância ninguém hoje está em condições de avaliar, a realização dessa
utopia venha a ser possível. Mas hoje é coisa pra ir pro fundo de uma gaveta”.
Dessa forma, setores apologistas do
capitalismo insistem na velha tese de que a redução da jornada de
trabalho, em si mesma, poderia ser sinônimo
do colapso da economia capitalista - algo que, de outro ponto de vista, nós,
comunistas, evidentemente almejamos. A semelhança apenas demonstra o que se
debate em memes da internet. Diante da luta de classes, velhas ideias ganham
nova roupagem. Se Marx soube demonstrar já ali a ignorância dessas premissas em
termos concretos, também em base a ele podemos explicar a razão de tamanho
alvoroço quando se coloca em pauta a jornada de trabalho no capitalismo.
São muitas as artimanhas das classes
dominantes para esconder alguns preceitos básicos, que cedo ou tarde insistem
em provar mais uma vez a atualidade do marxismo. Uma vez mais, podemos decretar
a falência de todas as teses que ganharam prestígio no auge do neoliberalismo
sobre o “fim do trabalho”. Não é possível esconder que é a classe trabalhadora
que move o mundo - como a pandemia da Covid-19 já tinha reafirmado.“Precisamos da escala 6x1 para manter a operação ininterrupta em
diversos setores”, argumentam empresários. Isto é, nos shoppings, na
construção civil, nos supermercados, nas farmácias, no comércio, nos setores de
hotelaria e alimentação, no telemarketing, os capitalistas dizem com todas as
letras que precisam de pessoas de carne e osso que façam tudo funcionar. Claro,
durante a semana, aos finais de semana, aos feriados, dispondo de seu tempo de
vida para tal. Sem elas, nada funcionaria, insistem. Está no trabalho humano a fonte de toda riqueza produzida.
Por sua vez, também Marx já teorizou e
comprovou que o que os capitalistas, que não trabalham e existem como classe
parasitária, fazem é, nada mais, nada menos, do que se apropriar de parte do
trabalho realizado pela classe trabalhadora, do seu tempo de trabalho não pago.
Aí está o cerne da questão de por que o debate atual incomoda tanto, vocalizado
não pelos políticos da direita e mesmo da esquerda institucional nas eleições,
mas pela classe trabalhadora que fez expressar seu descontentamento. Do ponto
de vista estrito da economia capitalista, maximizar a jornada de trabalho e
minimizar o salário é, evidentemente, o objetivo dos detentores da propriedade
privada dos meios de produção (da classe dos capitalistas). Isso porque é na
diferença entre a duração da jornada e o tempo que o trabalhador dedica a
reproduzir os bens equivalentes a seu salário em que se encontra o substrato do
lucro. É o trabalho excedente que corresponde ao mais-valor, à mais-valia.
Não à toa, se analisarmos o Produto Interno
Bruto (PIB) do Brasil (considerado a soma de todas as riquezas produzidas no
país), a participação dos salários dos trabalhadores vem caindo, chegando ao
pior resultado em 16 anos, enquanto, de 2016 a 2021, o excedente operacional
bruto das empresas (de onde se extrai o lucro, advindo do trabalho excedente)
representou um crescimento de 16%. Os salários caem, o excedente aumenta. A
classe capitalista se sustenta no não pagamento de uma parte do trabalho
realizado pela classe trabalhadora e é dessa forma que incrementa sua riqueza.
Desses dados, é possível calcular a taxa de exploração do trabalho no Brasil.
No modo de produção capitalista, assim, a
extensão das jornadas de trabalho é determinada pela classe social que compra a
força de trabalho no mercado. O empregador paga pelo valor diário dessa força -
valor que está em disputa, já que, de acordo com o Dieese, por exemplo, o
salário mínimo mensal, para equivaler ao básico necessário para viver e
sustentar uma família de três pessoas, em Outubro de 2024 deveria ser de R$
6.769,87, muito distante do atual. Ainda assim, durante a jornada, ao
capitalista pertence o uso dessa força de trabalho. No entanto, pela própria
natureza da mercadoria específica força de trabalho, a única mercadoria capaz de criar valor, há limites
físicos, biológicos, e sociais para o consumo dessa mercadoria a uma duração
determinada. A maximização da jornada e a redução dos salários não se dá
unicamente de acordo com o bel prazer do capitalista, para quem, não temos
dúvida, as vidas da classe trabalhadora de nada importam.
Mas há um limite imposto pela própria
preservação biológica, em termos relativos, da força de trabalho - é necessário
não esgotá-la a ponto de que não seja capaz de retornar no dia seguinte para
trabalhar. É preciso que retorne, mesmo lesionada, adoecida, cansada,
deprimida. Claro, a rotatividade neoliberal incrementou isso. Em segundo lugar,
e mais importante, diz Marx: “quem decide é a força. E assim
a regulamentação da jornada de trabalho se apresenta, na história da produção
capitalista, como uma luta em torno dos limites da jornada de trabalho - uma
luta entre o conjunto dos capitalistas, a classe capitalista, e o conjunto dos
trabalhadores, a classe trabalhadora”. Por tudo isso, o atual debate
sobre a escala 6X1 no Brasil incomoda diversos setores. Nessa disputa de força,
serve enormemente postular o debate sobre o fim da escala 6x1 em termos
de utopia. É a luta de classes, estúpido.
·
O
país da Reforma Trabalhista e da uberização
Ainda assim, chama a atenção a “amplitude”
de assinantes da PEC proposta pelo PSOL. Érika Hilton ensaia reunião com até
mesmo Arthur Lira, dizendo contar com, no mínimo, 220 assinaturas em sua
proposta na Câmara dos Deputados. Estamos falando de partidos como o União
Brasil, o Republicanos, o PP e diversos tons de direita e extrema direita (há
uma assinatura até mesmo do PL de Bolsonaro). Para bom entendedor, são partidos
insuspeitos de estarem interessados no bem-estar da classe trabalhadora
brasileira, uma vez que frequentemente articulam e votam ataques, como
privatizações e reformas. Mais especificamente, vários deles foram
articuladores das reformas Trabalhista e da Previdência, responsáveis por,
sobretudo, estender as jornadas de trabalho e o tempo de vida no trabalho em
nosso país. Esses partidos da direita estarão fazendo demagogia com sua base,
ao assinar a PEC? Certamente. Mas também é preciso ir além para captar as
artimanhas de seu programa. Mesmo o reacionário Nikolas Ferreira, após muito
apanhar em suas redes sociais, ensaia algum
recuo em
sua linha anterior.
Com isso, ressaltamos que o que é
necessário analisar são as vias com que os grandes capitalistas e os governos,
sob o neoliberalismo e especialmente desde o golpe de 2016 e o governo
Bolsonaro, encontraram para estender a carga semanal de trabalho. A burguesia e
seus representantes vêm buscando formas de manter e aprofundar seus lucros, nos
marcos da crise capitalista internacional. É nisso que a direita que agora
assina a PEC, demonstrando sobretudo a força da pauta dos que lutamos pelo fim
da escala 6x1, segue apostando e ao que devemos nos contrapor.
Celso Ming tem o mérito de expressar o que
calculam os capitalistas, novamente. Nas palavras dele, com o fim da escala
6X1, “é possível que grandes empresas tivessem certa facilidade para
(...) aumentar a automatização e terceirizar boa parte de sua produção. Outro
desdobramento provável é que o segmento dos trabalhadores por aplicativos passe
a ter novas e rentáveis oportunidades que substituiriam a mão de obra demitida”.
Evidentemente, em nada está dado que o fim da escala 6x1 necessariamente
significasse desemprego, informalidade, mais uberização ou terceirização. Pelo
contrário, essa luta pode gerar novos postos de emprego, sem redução salarial e
com plenos direitos. Mas isso é parte da disputa de
força contra os capitalistas. Vendo a força da pauta, grandes
empresários e setores da direita indagam: poderia o fim da escala 6X1 se
combinar a empurrar uma massa à mais informalidade e às condições de trabalho
terceirizado e uberizado? Estamos no país da Reforma Trabalhista, da
Terceirização Irrestrita e da uberização do trabalho, dos inimigos da redução
da jornada de trabalho, portanto.
Veja: Entenda
as leis trabalhistas em discussão na PEC pelo fim da escala 6x1
Segundo Rodrigo Carelli, citado pela
jurista Giovanna Magalhães em artigo , “a reforma trabalhista de 2017
simplesmente passou ao largo do tratamento constitucional e das funções da
limitação da duração do trabalho, sendo um festival de legitimação de poder do
patronato, sem qualquer contrapartida. A intenção – pelo que transparece
nitidamente – é de simplesmente transformar todo tempo de vida do trabalhador –
mesmo que não remunerado – em tempo à disposição do empregador, invertendo-se à
lógica legal”. Estamos falando das jornadas intermitentes, que
reduzem o cálculo do tempo da jornada, como se o trabalhador estivesse
permanentemente disponível ao patrão e recebesse somente de acordo com o tempo
“propriamente trabalhado”. Essas jornadas afetam particularmente os setores que
hoje mais sofrem com a escala 6X1, como o comércio varejista. Estudos indicam
que o comércio consiste no segundo setor que mais abrange sobrejornadas no
país. Não à toa, essa
é a fonte dos R$ 62 bilhões acumulados por somente os 10 maiores donos de
varejo no país.
Claro, na lista figuram nomes como o bolsonarista Luciano Hang e Flávio Rocha
da Riachuelo, acusado de trabalho análogo à escravidão. É a serviço de suas
fortunas que está a escala 6x1 em seus estabelecimentos, onde a
maioria que trabalha é negra.
Com a Reforma Trabalhista, também passam a
ser possíveis a negociação de horas extras em acordo individual e a jornada
12hX36h, que permite trabalhar 12 horas diárias. Essa era anteriormente uma
realidade presente fortemente na saúde, mas passou a ser utilizada como
artifício pela patronal a partir do fato de que muitos supermercados funcionam
24 horas por dia, todos os dias da semana. A Reforma permite a adoção desse
tipo de jornada sem a obrigatoriedade de se pagar horas extras aos domingos e
feriados, além de se adequar aos períodos de pico no comércio (mais contratação
temporária em épocas de pico). São todos exemplos que expressam que o ataque à
jornada de trabalho se tratou de um pilar da Reforma Trabalhista, favorecendo
as negociações “individuais”, como indicou cinicamente o Ministro do Trabalho
de Lula, Luís Marinho, em se tratando da escala 6X1.
De acordo com Véras , os contratos intermitentes estão mais
localizados nas faixas de 18 e 24 anos e de 50 a 64 anos. É uma forma cabal de
precarização do trabalho da juventude e de setores mais velhos da classe
trabalhadora, cuja aposentadoria foi enormemente dificultada pela Reforma da
Previdência. Também, no comércio, afetam majoritariamente as mulheres e setores
com menor escolaridade. Nos contratos parciais, esse perfil feminino se repete
em geral. Os contratos intermitentes são utilizados em menor medida também pela
indústria de transformação e pela construção civil. Trata-se de uma modalidade
ainda minoritária no país, utilizada principalmente por pequenos empregadores,
onde a maioria dos contratados ganha menos do que um salário mínimo, em
precariedade veemente.
Segundo Krein, a taxa de informalidade
corresponde aos trabalhadores assalariados sem registro no setor público e
privado, os trabalhadores por conta própria e os auxiliares familiares. O autor
demonstra como o percentual de informais evoluiu de 46,3% em 2014 para 50,5% em
2019. Ou seja, um aumento de mais de 4 pontos percentuais, tomando somente dados
anteriores à pandemia. Isso se deu fundamentalmente pelo crescimento do
trabalho sem carteira e por contra própria, algo que afeta manifestamente mais
negros do que brancos no Brasil. A Reforma Trabalhista permitiu que um
trabalhador seja considerado autônomo, mesmo que prestando serviços de forma
fixa a algum tipo de empregador, já que rejeita a constatação do vínculo formal
do emprego. Isso entra na conta do "trabalho por conta própria", algo
que cresceu em 2,5 milhões depois que a reforma entrou em vigor, além dos
"microempreendedores individuais". Também Krein relata o crescimento
dos vendedores ambulantes e condutores de automóveis, expressando também a
uberização no país.
Desse ponto de vista, é lógico que há uma
relação direta entre os impactos da Reforma Trabalhista e o avanço da
uberização do trabalho, que nega qualquer vínculo empregatício na forma, com o
aumento exponencial de motoristas e bikers em
condição de uberizados como expressão de um mercado de trabalho mais precário.
Segundo dados de pesquisa realizada
pela Unicamp,
a jornada de 44 horas semanais também já se constitui como uma realidade
extremamente distante, dado que 52,6%, ou seja, a maioria absoluta daqueles que
entregam por aplicativo, trabalham mais do que 60 horas
por semana. 37,6%, mais de um terço, se arriscam nas ruas por
mais de 70 horas semanais; e ⅕ desses trabalhadores fazem 80 horas, quase o dobro
permitido por lei. Se fosse uma situação hipotética de escala semanal 5X2 isso
daria absurdas 16 horas por dia de trabalho.
Assim, os profundos elogios de Alckmin à
automação expressam, de fato, as tendências capitalistas. Mas não porque iriam
no sentido de reduzir a jornada de trabalho. As tecnologias, em mãos dos
capitalistas, transformam-se em um elemento que, simultaneamente, cria
mais-valia relativa, o que permite produzir mais diminuindo a jornada de
trabalho, pela via da intensificação do trabalho, mas também mais desemprego e
mais trabalho precário, com as extenuantes jornadas da uberização. Não é,
portanto, um detalhe que agora vários dos que se coloquem como defensores do
fim da escala 6X1 no Congresso sejam os mesmos que defendem com unhas e dentes
a Reforma Trabalhista, a Lei de Terceirização Irrestrita, a Reforma da
Previdência e a farsa do empreendedorismo, que faz propaganda da uberização.
Trata-se dos partidos da direita, mas também da Frente Ampla de Lula-Alckmin,
que mantêm essas reformas intactas e agora debatem de onde cortar nas áreas
sociais. Tudo isso está a serviço de um verdadeiro pacto pelo trabalho
precário, que empurra a jornadas extenuantes, enquanto uma massa é
permanentemente ameaçada pelo desemprego, pela informalidade, pela subocupação.
Essa é a função do exército industrial de reserva, como Marx tratava os setores
desempregados, que existe necessariamente no capitalismo para pressionar pelo
rebaixamento dos salários e das condições de trabalho. Isso fica evidente
quando agora usam do “medo do desemprego” para tentar calar os que lutam pelo
fim da escala 6x1.
·
Um
programa que enfrente os capitalistas que sugam nossas vidas
O clamor das redes e das ruas contra a
escravidão assalariada de um trabalho que rouba o tempo de vida, de descanso,
deve ser ponto de apoio para atacar todos os pilares da extensão da jornada de
trabalho no Brasil, enfrentando os lucros capitalistas. O fim da escala 6X1 não
pode se transformar em mais informalidade, em mais uberização, em jornada
intermitente, como querem os grandes empresários, atacando direitos. É por isso
que se torna imperativa a bandeira da redução para 30 horas semanais, sem
redução salarial, com todos os direitos e sem aumento da produtividade e
intensidade do trabalho. Como já demonstramos, a redução da
jornada nas grandes empresas no Brasil poderia gerar cerca de 5 milhões de
novos postos de trabalho, atacando um pilar da economia capitalista que é o
exército industrial de reserva. Uma luta assim passa necessariamente por
levantar a revogação das reformas, a começar pela reforma trabalhista, e do
Arcabouço Fiscal que está impondo mais ataques, e pela garantia de todos os
direitos aos trabalhadores de aplicativos.
Como já está ocorrendo, os capitalistas,
especialmente os pequenos, vão querer argumentar que não têm dinheiro e até se
dispor a mostrar as contas da empresa. Mas, como argumenta Trótski, não se
trata do problema de um capitalista individualmente, em relação aos
trabalhadores da sua empresa. Trata-se da vida ou da morte da única classe
criadora, do futuro da humanidade. Os trabalhadores devem ocupar as empresas
que os empresários digam que não têm condições de garantir essas mínimas
condições e colocá-las para funcionar sob seu controle, assim como todas
empresas que fechem ou demitam em massa. Assim podem e devem avançar na luta
pela estatização sem indenização aos patrões, sob gestão dos trabalhadores. Nos
inspiramos no exemplo da fábrica de cerâmica Zanon na Argentina.
Mas nossa perspectiva deve ser resolver o
problema do desemprego em toda a sociedade, dividindo as horas de trabalho de todo país entre empregados e
desempregados. Isso só é possível sobre a base de um enorme
investimento estatal, não para salvar os capitalistas como é feito hoje e como
defendem os que querem “compensar” o fim da escala 6X1 com mais isenção de
impostos aos empresários, mas para um grande plano de obras públicas para
vários anos. Um plano controlado pelos trabalhadores, ligado a uma verdadeira
reforma urbana, garantindo moradias, saneamento básico, transporte público
rápido, hospitais, escolas, tudo o que é necessário para uma vida digna.
A luta pelo fim da escala 6X1 e pela
redução da jornada de trabalho, que deve ser encampada pelas centrais sindicais
com um plano de lutas para a construção de uma greve geral, na disputa de
forças descrita por Marx, pode ser parte de uma articulação transicional, que
parta das demandas e da consciência atual de amplas franjas da classe
trabalhadora brasileira para apontar a necessidade de uma saída
anticapitalista, que dê bases à construção de um socialismo pela base. Medidas
assim também estão a serviço de unir a classe trabalhadora,
enormemente fragmentada nas últimas décadas. Essa é a tarefa da esquerda
socialista, como faz o PTS na FIT-Frente de Esquerda e dos Trabalhadores na
Argentina, há anos levantando essa campanha pela redução da jornada para 30
horas semanais, em combate ao desemprego e ao trabalho precário.
De Alckmin a diversos setores da esquerda,
como Sâmia Bomfim do PSOL e Jones Manoel do PCBR, argumenta-se por dentro da
lógica produtivista de que a redução da jornada de trabalho aumentaria a
produtividade capitalista. Querem com isso convencer os capitalistas de que a
redução da jornada favorece a todos. De fato, experimentos do tipo em países
como a Islândia, desenvolvidos entre 2015 e 2019, com a participação de 1% da
força de trabalho do país no setor público e agências do governo, mostraram que
a redução no estresse, aumentando a saúde e o equilíbrio entre trabalho e vida
da classe trabalhadora, significaram uma melhora na produtividade. Não são um
caso totalmente isolado, há exemplos similares na Suécia, no Reino Unido e
mesmo em experimentos de empresas como a Toyota. Isso levando em conta somente
o esforço que o próprio trabalhador realiza a cada hora, ou seja, que não
depende de investimentos nos meios de produção. Mas, justamente, esses testes
estão longe de ser a tendência mundial, que vem demonstrando o sentido oposto.
A tendência mundial é a precarização das condições de trabalho, com reformas
trabalhistas que atacam ainda mais a classe trabalhadora e empurram
contingentes enormes a jornadas extenuantes.
Isso é assim porque o capitalismo não é
racional. A lógica desse sistema está justamente no fato de que, semelhante às
fábricas analisadas por Senior e com tecnologias bastante mais avançadas,
parcelas importantes da classe trabalhadora voltam a trabalhar mais de 12 horas
por dia. O avanço científico, assim como o incremento da produtividade, neste
sistema, não está a serviço dos interesses da classe trabalhadora e das
maiorias populares. A maior produção de valores de uso, transformados em bens
de consumo, está a serviço da devastação ambiental, e não da satisfação das
necessidades sociais. Por isso, não são possíveis saídas que confiem nas vias
institucionais desse Estado burguês e na negociação com a direita e patrões, em
uma “transição negociada com empresários” para o fim da escala 6X1. Somente é
possível apostar na luta de classes. Uma “vida além do trabalho”,
plena de sentido, precisa estabelecer também um trabalho não alienado, que
esteja a serviço da planificação da economia, dirigida democraticamente pela
classe trabalhadora desde seus organismos de poder, e do restabelecimento do
metabolismo socionatural, em uma relação de harmonia com a natureza. É preciso
com a luta de classes abrir caminho ao comunismo, uma sociedade imensamente
superior, em que seja trabalhado somente o necessário, de acordo com as
capacidades de cada um e a serviço do pleno desenvolvimento da humanidade, e
não de sua destruição.
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