segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Nas últimas semanas, o rechaço à escala 6X1, isto é, à jornada de trabalho segundo a qual resta somente um dia de descanso ao trabalhador, ganhou a cena. Tomou as ruas e as redes, em um potente fenômeno social e político que pode alterar a correlação de forças no Brasil da Frente Ampla e dos cortes, em que a direita e a extrema direita vieram mostrando seu fortalecimento. A potencialidade dessa pauta reside em, por um lado, trazer à tona o pilar da exploração capitalista: a disputa pelo tempo de trabalho. Por outro, podemos (e devemos) fazer dessa pauta, viralizada pela voz da massa trabalhadora em nosso país, um ponto de apoio para desmascarar o Brasil do trabalho precário, da Reforma Trabalhista, da terceirização irrestrita, da uberização, onde nos shoppings, no telemarketing, nos supermercados, nas fábricas, a classe trabalhadora deixa seu tempo de vida. Só assim será possível, de fato, reduzir a jornada de trabalho e arrancar a vida “além do trabalho”, superando também o próprio trabalho alienado.

·        Velhas “utopias”

“Se o tempo de trabalho sofresse uma redução de 1 hora por dia, o lucro líquido desapareceria e, se a redução fosse de 1 1/2 hora por dia, desapareceria também o lucro bruto”. - Senior

O excerto acima foi extraído de uma passagem d’O Capital, Livro I, de Karl Marx. Em 1836, analisando as fábricas de Manchester na Inglaterra, Nassau W. Senior chega à conclusão acima transcrita: a redução da jornada de trabalho de 12 para 10 horas diárias acabaria com o lucro dos capitalistas. Nas palavras de Marx, os donos de fábrica fizeram desse economista burguês seu espadachim, opondo-se à redução da jornada, em tempos de trabalho infantil e condições dignas do romance Germinal. Qualquer semelhança com as "brilhantes" linhas argumentativas que se reproduziram em páginas de jornal e no debate político da última semana contra o fim da escala 6X1, por parte da direita e dos grandes empresários, não são mera coincidência. Diz o economista Celso Ming ao Estado de S. Paulo“Para alguns setores, a substituição do regime 6X1 seria proibitiva. Comércio varejista, construção civil, o ramo dos hotéis, bares e restaurantes, mais a grande maioria das pequenas e médias empresas passariam a enfrentar enorme sobrecarga nos seus custos. (...) Provavelmente, no futuro, cuja distância ninguém hoje está em condições de avaliar, a realização dessa utopia venha a ser possível. Mas hoje é coisa pra ir pro fundo de uma gaveta”.

Dessa forma, setores apologistas do capitalismo insistem na velha tese de que a redução da jornada de trabalho, em si mesma, poderia ser sinônimo do colapso da economia capitalista - algo que, de outro ponto de vista, nós, comunistas, evidentemente almejamos. A semelhança apenas demonstra o que se debate em memes da internet. Diante da luta de classes, velhas ideias ganham nova roupagem. Se Marx soube demonstrar já ali a ignorância dessas premissas em termos concretos, também em base a ele podemos explicar a razão de tamanho alvoroço quando se coloca em pauta a jornada de trabalho no capitalismo.

São muitas as artimanhas das classes dominantes para esconder alguns preceitos básicos, que cedo ou tarde insistem em provar mais uma vez a atualidade do marxismo. Uma vez mais, podemos decretar a falência de todas as teses que ganharam prestígio no auge do neoliberalismo sobre o “fim do trabalho”. Não é possível esconder que é a classe trabalhadora que move o mundo - como a pandemia da Covid-19 já tinha reafirmado.“Precisamos da escala 6x1 para manter a operação ininterrupta em diversos setores”, argumentam empresários. Isto é, nos shoppings, na construção civil, nos supermercados, nas farmácias, no comércio, nos setores de hotelaria e alimentação, no telemarketing, os capitalistas dizem com todas as letras que precisam de pessoas de carne e osso que façam tudo funcionar. Claro, durante a semana, aos finais de semana, aos feriados, dispondo de seu tempo de vida para tal. Sem elas, nada funcionaria, insistem. Está no trabalho humano a fonte de toda riqueza produzida.

Por sua vez, também Marx já teorizou e comprovou que o que os capitalistas, que não trabalham e existem como classe parasitária, fazem é, nada mais, nada menos, do que se apropriar de parte do trabalho realizado pela classe trabalhadora, do seu tempo de trabalho não pago. Aí está o cerne da questão de por que o debate atual incomoda tanto, vocalizado não pelos políticos da direita e mesmo da esquerda institucional nas eleições, mas pela classe trabalhadora que fez expressar seu descontentamento. Do ponto de vista estrito da economia capitalista, maximizar a jornada de trabalho e minimizar o salário é, evidentemente, o objetivo dos detentores da propriedade privada dos meios de produção (da classe dos capitalistas). Isso porque é na diferença entre a duração da jornada e o tempo que o trabalhador dedica a reproduzir os bens equivalentes a seu salário em que se encontra o substrato do lucro. É o trabalho excedente que corresponde ao mais-valor, à mais-valia.

Não à toa, se analisarmos o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil (considerado a soma de todas as riquezas produzidas no país), a participação dos salários dos trabalhadores vem caindo, chegando ao pior resultado em 16 anos, enquanto, de 2016 a 2021, o excedente operacional bruto das empresas (de onde se extrai o lucro, advindo do trabalho excedente) representou um crescimento de 16%. Os salários caem, o excedente aumenta. A classe capitalista se sustenta no não pagamento de uma parte do trabalho realizado pela classe trabalhadora e é dessa forma que incrementa sua riqueza. Desses dados, é possível calcular a taxa de exploração do trabalho no Brasil.

No modo de produção capitalista, assim, a extensão das jornadas de trabalho é determinada pela classe social que compra a força de trabalho no mercado. O empregador paga pelo valor diário dessa força - valor que está em disputa, já que, de acordo com o Dieese, por exemplo, o salário mínimo mensal, para equivaler ao básico necessário para viver e sustentar uma família de três pessoas, em Outubro de 2024 deveria ser de R$ 6.769,87, muito distante do atual. Ainda assim, durante a jornada, ao capitalista pertence o uso dessa força de trabalho. No entanto, pela própria natureza da mercadoria específica força de trabalho, a única mercadoria capaz de criar valor, há limites físicos, biológicos, e sociais para o consumo dessa mercadoria a uma duração determinada. A maximização da jornada e a redução dos salários não se dá unicamente de acordo com o bel prazer do capitalista, para quem, não temos dúvida, as vidas da classe trabalhadora de nada importam.

Mas há um limite imposto pela própria preservação biológica, em termos relativos, da força de trabalho - é necessário não esgotá-la a ponto de que não seja capaz de retornar no dia seguinte para trabalhar. É preciso que retorne, mesmo lesionada, adoecida, cansada, deprimida. Claro, a rotatividade neoliberal incrementou isso. Em segundo lugar, e mais importante, diz Marx: “quem decide é a força. E assim a regulamentação da jornada de trabalho se apresenta, na história da produção capitalista, como uma luta em torno dos limites da jornada de trabalho - uma luta entre o conjunto dos capitalistas, a classe capitalista, e o conjunto dos trabalhadores, a classe trabalhadora”. Por tudo isso, o atual debate sobre a escala 6X1 no Brasil incomoda diversos setores. Nessa disputa de força, serve enormemente postular o debate sobre o fim da escala 6x1 em termos de utopia. É a luta de classes, estúpido.

·        O país da Reforma Trabalhista e da uberização

Ainda assim, chama a atenção a “amplitude” de assinantes da PEC proposta pelo PSOL. Érika Hilton ensaia reunião com até mesmo Arthur Lira, dizendo contar com, no mínimo, 220 assinaturas em sua proposta na Câmara dos Deputados. Estamos falando de partidos como o União Brasil, o Republicanos, o PP e diversos tons de direita e extrema direita (há uma assinatura até mesmo do PL de Bolsonaro). Para bom entendedor, são partidos insuspeitos de estarem interessados no bem-estar da classe trabalhadora brasileira, uma vez que frequentemente articulam e votam ataques, como privatizações e reformas. Mais especificamente, vários deles foram articuladores das reformas Trabalhista e da Previdência, responsáveis por, sobretudo, estender as jornadas de trabalho e o tempo de vida no trabalho em nosso país. Esses partidos da direita estarão fazendo demagogia com sua base, ao assinar a PEC? Certamente. Mas também é preciso ir além para captar as artimanhas de seu programa. Mesmo o reacionário Nikolas Ferreira, após muito apanhar em suas redes sociais, ensaia algum recuo em sua linha anterior.

Com isso, ressaltamos que o que é necessário analisar são as vias com que os grandes capitalistas e os governos, sob o neoliberalismo e especialmente desde o golpe de 2016 e o governo Bolsonaro, encontraram para estender a carga semanal de trabalho. A burguesia e seus representantes vêm buscando formas de manter e aprofundar seus lucros, nos marcos da crise capitalista internacional. É nisso que a direita que agora assina a PEC, demonstrando sobretudo a força da pauta dos que lutamos pelo fim da escala 6x1, segue apostando e ao que devemos nos contrapor.

Celso Ming tem o mérito de expressar o que calculam os capitalistas, novamente. Nas palavras dele, com o fim da escala 6X1, “é possível que grandes empresas tivessem certa facilidade para (...) aumentar a automatização e terceirizar boa parte de sua produção. Outro desdobramento provável é que o segmento dos trabalhadores por aplicativos passe a ter novas e rentáveis oportunidades que substituiriam a mão de obra demitida”. Evidentemente, em nada está dado que o fim da escala 6x1 necessariamente significasse desemprego, informalidade, mais uberização ou terceirização. Pelo contrário, essa luta pode gerar novos postos de emprego, sem redução salarial e com plenos direitos. Mas isso é parte da disputa de força contra os capitalistas. Vendo a força da pauta, grandes empresários e setores da direita indagam: poderia o fim da escala 6X1 se combinar a empurrar uma massa à mais informalidade e às condições de trabalho terceirizado e uberizado? Estamos no país da Reforma Trabalhista, da Terceirização Irrestrita e da uberização do trabalho, dos inimigos da redução da jornada de trabalho, portanto.

Veja: Entenda as leis trabalhistas em discussão na PEC pelo fim da escala 6x1

Segundo Rodrigo Carelli, citado pela jurista Giovanna Magalhães em artigo “a reforma trabalhista de 2017 simplesmente passou ao largo do tratamento constitucional e das funções da limitação da duração do trabalho, sendo um festival de legitimação de poder do patronato, sem qualquer contrapartida. A intenção – pelo que transparece nitidamente – é de simplesmente transformar todo tempo de vida do trabalhador – mesmo que não remunerado – em tempo à disposição do empregador, invertendo-se à lógica legal”. Estamos falando das jornadas intermitentes, que reduzem o cálculo do tempo da jornada, como se o trabalhador estivesse permanentemente disponível ao patrão e recebesse somente de acordo com o tempo “propriamente trabalhado”. Essas jornadas afetam particularmente os setores que hoje mais sofrem com a escala 6X1, como o comércio varejista. Estudos indicam que o comércio consiste no segundo setor que mais abrange sobrejornadas no país. Não à toa, essa é a fonte dos R$ 62 bilhões acumulados por somente os 10 maiores donos de varejo no país. Claro, na lista figuram nomes como o bolsonarista Luciano Hang e Flávio Rocha da Riachuelo, acusado de trabalho análogo à escravidão. É a serviço de suas fortunas que está a escala 6x1 em seus estabelecimentos, onde a maioria que trabalha é negra.

Com a Reforma Trabalhista, também passam a ser possíveis a negociação de horas extras em acordo individual e a jornada 12hX36h, que permite trabalhar 12 horas diárias. Essa era anteriormente uma realidade presente fortemente na saúde, mas passou a ser utilizada como artifício pela patronal a partir do fato de que muitos supermercados funcionam 24 horas por dia, todos os dias da semana. A Reforma permite a adoção desse tipo de jornada sem a obrigatoriedade de se pagar horas extras aos domingos e feriados, além de se adequar aos períodos de pico no comércio (mais contratação temporária em épocas de pico). São todos exemplos que expressam que o ataque à jornada de trabalho se tratou de um pilar da Reforma Trabalhista, favorecendo as negociações “individuais”, como indicou cinicamente o Ministro do Trabalho de Lula, Luís Marinho, em se tratando da escala 6X1.

De acordo com Véras , os contratos intermitentes estão mais localizados nas faixas de 18 e 24 anos e de 50 a 64 anos. É uma forma cabal de precarização do trabalho da juventude e de setores mais velhos da classe trabalhadora, cuja aposentadoria foi enormemente dificultada pela Reforma da Previdência. Também, no comércio, afetam majoritariamente as mulheres e setores com menor escolaridade. Nos contratos parciais, esse perfil feminino se repete em geral. Os contratos intermitentes são utilizados em menor medida também pela indústria de transformação e pela construção civil. Trata-se de uma modalidade ainda minoritária no país, utilizada principalmente por pequenos empregadores, onde a maioria dos contratados ganha menos do que um salário mínimo, em precariedade veemente.

Segundo Krein, a taxa de informalidade corresponde aos trabalhadores assalariados sem registro no setor público e privado, os trabalhadores por conta própria e os auxiliares familiares. O autor demonstra como o percentual de informais evoluiu de 46,3% em 2014 para 50,5% em 2019. Ou seja, um aumento de mais de 4 pontos percentuais, tomando somente dados anteriores à pandemia. Isso se deu fundamentalmente pelo crescimento do trabalho sem carteira e por contra própria, algo que afeta manifestamente mais negros do que brancos no Brasil. A Reforma Trabalhista permitiu que um trabalhador seja considerado autônomo, mesmo que prestando serviços de forma fixa a algum tipo de empregador, já que rejeita a constatação do vínculo formal do emprego. Isso entra na conta do "trabalho por conta própria", algo que cresceu em 2,5 milhões depois que a reforma entrou em vigor, além dos "microempreendedores individuais". Também Krein relata o crescimento dos vendedores ambulantes e condutores de automóveis, expressando também a uberização no país.

Desse ponto de vista, é lógico que há uma relação direta entre os impactos da Reforma Trabalhista e o avanço da uberização do trabalho, que nega qualquer vínculo empregatício na forma, com o aumento exponencial de motoristas e bikers em condição de uberizados como expressão de um mercado de trabalho mais precário. Segundo dados de pesquisa realizada pela Unicamp, a jornada de 44 horas semanais também já se constitui como uma realidade extremamente distante, dado que 52,6%, ou seja, a maioria absoluta daqueles que entregam por aplicativo, trabalham mais do que 60 horas por semana. 37,6%, mais de um terço, se arriscam nas ruas por mais de 70 horas semanais; e desses trabalhadores fazem 80 horas, quase o dobro permitido por lei. Se fosse uma situação hipotética de escala semanal 5X2 isso daria absurdas 16 horas por dia de trabalho.

Assim, os profundos elogios de Alckmin à automação expressam, de fato, as tendências capitalistas. Mas não porque iriam no sentido de reduzir a jornada de trabalho. As tecnologias, em mãos dos capitalistas, transformam-se em um elemento que, simultaneamente, cria mais-valia relativa, o que permite produzir mais diminuindo a jornada de trabalho, pela via da intensificação do trabalho, mas também mais desemprego e mais trabalho precário, com as extenuantes jornadas da uberização. Não é, portanto, um detalhe que agora vários dos que se coloquem como defensores do fim da escala 6X1 no Congresso sejam os mesmos que defendem com unhas e dentes a Reforma Trabalhista, a Lei de Terceirização Irrestrita, a Reforma da Previdência e a farsa do empreendedorismo, que faz propaganda da uberização. Trata-se dos partidos da direita, mas também da Frente Ampla de Lula-Alckmin, que mantêm essas reformas intactas e agora debatem de onde cortar nas áreas sociais. Tudo isso está a serviço de um verdadeiro pacto pelo trabalho precário, que empurra a jornadas extenuantes, enquanto uma massa é permanentemente ameaçada pelo desemprego, pela informalidade, pela subocupação. Essa é a função do exército industrial de reserva, como Marx tratava os setores desempregados, que existe necessariamente no capitalismo para pressionar pelo rebaixamento dos salários e das condições de trabalho. Isso fica evidente quando agora usam do “medo do desemprego” para tentar calar os que lutam pelo fim da escala 6x1.

·        Um programa que enfrente os capitalistas que sugam nossas vidas

O clamor das redes e das ruas contra a escravidão assalariada de um trabalho que rouba o tempo de vida, de descanso, deve ser ponto de apoio para atacar todos os pilares da extensão da jornada de trabalho no Brasil, enfrentando os lucros capitalistas. O fim da escala 6X1 não pode se transformar em mais informalidade, em mais uberização, em jornada intermitente, como querem os grandes empresários, atacando direitos. É por isso que se torna imperativa a bandeira da redução para 30 horas semanais, sem redução salarial, com todos os direitos e sem aumento da produtividade e intensidade do trabalho. Como já demonstramos, a redução da jornada nas grandes empresas no Brasil poderia gerar cerca de 5 milhões de novos postos de trabalho, atacando um pilar da economia capitalista que é o exército industrial de reserva. Uma luta assim passa necessariamente por levantar a revogação das reformas, a começar pela reforma trabalhista, e do Arcabouço Fiscal que está impondo mais ataques, e pela garantia de todos os direitos aos trabalhadores de aplicativos.

Como já está ocorrendo, os capitalistas, especialmente os pequenos, vão querer argumentar que não têm dinheiro e até se dispor a mostrar as contas da empresa. Mas, como argumenta Trótski, não se trata do problema de um capitalista individualmente, em relação aos trabalhadores da sua empresa. Trata-se da vida ou da morte da única classe criadora, do futuro da humanidade. Os trabalhadores devem ocupar as empresas que os empresários digam que não têm condições de garantir essas mínimas condições e colocá-las para funcionar sob seu controle, assim como todas empresas que fechem ou demitam em massa. Assim podem e devem avançar na luta pela estatização sem indenização aos patrões, sob gestão dos trabalhadores. Nos inspiramos no exemplo da fábrica de cerâmica Zanon na Argentina.

Mas nossa perspectiva deve ser resolver o problema do desemprego em toda a sociedade, dividindo as horas de trabalho de todo país entre empregados e desempregados. Isso só é possível sobre a base de um enorme investimento estatal, não para salvar os capitalistas como é feito hoje e como defendem os que querem “compensar” o fim da escala 6X1 com mais isenção de impostos aos empresários, mas para um grande plano de obras públicas para vários anos. Um plano controlado pelos trabalhadores, ligado a uma verdadeira reforma urbana, garantindo moradias, saneamento básico, transporte público rápido, hospitais, escolas, tudo o que é necessário para uma vida digna.

A luta pelo fim da escala 6X1 e pela redução da jornada de trabalho, que deve ser encampada pelas centrais sindicais com um plano de lutas para a construção de uma greve geral, na disputa de forças descrita por Marx, pode ser parte de uma articulação transicional, que parta das demandas e da consciência atual de amplas franjas da classe trabalhadora brasileira para apontar a necessidade de uma saída anticapitalista, que dê bases à construção de um socialismo pela base. Medidas assim também estão a serviço de unir a classe trabalhadora, enormemente fragmentada nas últimas décadas. Essa é a tarefa da esquerda socialista, como faz o PTS na FIT-Frente de Esquerda e dos Trabalhadores na Argentina, há anos levantando essa campanha pela redução da jornada para 30 horas semanais, em combate ao desemprego e ao trabalho precário.

De Alckmin a diversos setores da esquerda, como Sâmia Bomfim do PSOL e Jones Manoel do PCBR, argumenta-se por dentro da lógica produtivista de que a redução da jornada de trabalho aumentaria a produtividade capitalista. Querem com isso convencer os capitalistas de que a redução da jornada favorece a todos. De fato, experimentos do tipo em países como a Islândia, desenvolvidos entre 2015 e 2019, com a participação de 1% da força de trabalho do país no setor público e agências do governo, mostraram que a redução no estresse, aumentando a saúde e o equilíbrio entre trabalho e vida da classe trabalhadora, significaram uma melhora na produtividade. Não são um caso totalmente isolado, há exemplos similares na Suécia, no Reino Unido e mesmo em experimentos de empresas como a Toyota. Isso levando em conta somente o esforço que o próprio trabalhador realiza a cada hora, ou seja, que não depende de investimentos nos meios de produção. Mas, justamente, esses testes estão longe de ser a tendência mundial, que vem demonstrando o sentido oposto. A tendência mundial é a precarização das condições de trabalho, com reformas trabalhistas que atacam ainda mais a classe trabalhadora e empurram contingentes enormes a jornadas extenuantes.

Isso é assim porque o capitalismo não é racional. A lógica desse sistema está justamente no fato de que, semelhante às fábricas analisadas por Senior e com tecnologias bastante mais avançadas, parcelas importantes da classe trabalhadora voltam a trabalhar mais de 12 horas por dia. O avanço científico, assim como o incremento da produtividade, neste sistema, não está a serviço dos interesses da classe trabalhadora e das maiorias populares. A maior produção de valores de uso, transformados em bens de consumo, está a serviço da devastação ambiental, e não da satisfação das necessidades sociais. Por isso, não são possíveis saídas que confiem nas vias institucionais desse Estado burguês e na negociação com a direita e patrões, em uma “transição negociada com empresários” para o fim da escala 6X1. Somente é possível apostar na luta de classes. Uma “vida além do trabalho”, plena de sentido, precisa estabelecer também um trabalho não alienado, que esteja a serviço da planificação da economia, dirigida democraticamente pela classe trabalhadora desde seus organismos de poder, e do restabelecimento do metabolismo socionatural, em uma relação de harmonia com a natureza. É preciso com a luta de classes abrir caminho ao comunismo, uma sociedade imensamente superior, em que seja trabalhado somente o necessário, de acordo com as capacidades de cada um e a serviço do pleno desenvolvimento da humanidade, e não de sua destruição.

 

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