segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Eduardo Vasco: Acordo Mercosul-UE, uma nova ALCA?

A oposição ao Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia voltou a crescer. Mas, como tem ocorrido, não do lado dos prejudicados, e sim dos beneficiados. Os europeus querem um acordo ainda mais favorável a eles.

“Na ausência de um reequilíbrio, a Itália não estará a bordo” foi a última declaração contrária, feita na terça-feira (18) pela primeira-ministra Giorgia Meloni. Ela quer uma revisão nos termos do acordo, acompanhando o que já haviam expressado o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, e também o governo da Irlanda. Como já se sabia desde a crise com o Carrefour, a França descartou assinar o acordo.

Holanda e Áustria também já haviam manifestado certo descontentamento com os termos atuais do acordo, que afetariam principalmente o setor agrícola desses países. Afinal, como um acordo semicolonial, a Europa receberia as commodities dos sul-americanos, que comprariam os seus bens manufaturados.

Essas declarações preocupam os defensores do acordo. A aprovação no Mercosul é apenas uma parte do trajeto até a sua finalização e aprovação completa. O Conselho Europeu ainda irá se reunir para votar o acordo. E, como visto acima, há real possibilidade de que ao menos quatro países, que representem no mínimo 35% da população da União Europeia, vetem o acordo.

Haveria, ainda, uma possibilidade de se chegar a um meio termo, pelo qual os países que vetaram não entrariam no acordo, que seria aplicado apenas em partes e por aqueles que aprovaram. Assim, os países contrários ao acordo poderiam revisar e negociar até finalmente aderirem, permitindo que todos gozem das possibilidades integrais do acordo.

Mas as pressões populares também não podem ser negligenciadas. Na verdade, elas são a principal responsável pela reticência dos países europeus. Enormes e frequentes manifestações de rua de agricultores têm ocorrido nas capitais europeias. Eles são um dos setores mais prejudicados com a desregulamentação neoliberal das últimas décadas.

A extrema-direita em ascensão por toda a Europa tem como uma de suas principais bases sociais justamente os agricultores. E a extrema-direita ocupa um lugar cada vez mais destacado nos parlamentos e governos europeus, podendo transformar as exigências dos agricultores em política de Estado.

Podemos estar vendo uma repetição das negociações dos países sul-americanos com a NAFTA, de 30 anos atrás. Só que com o sinal trocado: naquela vez, a oposição ao Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA) vinha da América do Sul e de seus movimentos sociais e populares. A oposição do acordo Mercosul-UE, por outro lado, vem da Europa e de seus agricultores.

A ALCA (1994) e o acordo Mercosul-UE (1999) começaram na mesma época, no auge do neoliberalismo. Portanto, refletiam aquela política. A proposta original da ALCA, feita pelo governo dos Estados Unidos, previa a abertura do mercado brasileiro e sul-americano para as empresas norte-americanas. Mas era muito desigual: ao mesmo tempo, os EUA não abriam mão do protecionismo para os produtos que exportavam ao Brasil.

Washington queria forçar a abertura de setores estratégicos, como as compras governamentais e serviços financeiros e bancários, o que levaria não apenas à manutenção, mas também ao aumento do superávit comercial nas transações com os países do Mercosul. De acordo com o historiador Luiz Alberto Luiz Bandeira (As relações perigosas Brasil - Estados Unidos), o objetivo dos EUA era compensar, “pelo menos em parte, os déficits com a China, Japão e União Europeia”.

Os produtos agrícolas brasileiros não teriam acesso privilegiado ao mercado norte-americano porque os EUA não aceitavam eliminar os subsídios indiretos às suas exportações agrícolas e abrir seu mercado aos setores em que o Brasil era competitivo. Apesar disso, os países do Mercosul cederam bastante. O problema era que os Estados Unidos eram intransigentes: queriam retroceder as relações comerciais da América Latina praticamente ao mesmo nível da época colonial.

Quando Lula chegou ao governo, o Brasil começou a impor dificuldades para a aprovação do acordo original, absolutamente favorável aos EUA e desfavorável ao Brasil e aos países do sul. Conseguiu, assim, o apoio das nações do Mercosul, enquanto os EUA arregimentaram Canadá, México, Chile e os países da América Latina e do Caribe em torno da sua posição.

Após dez anos, as discrepâncias de posições eram tão grandes, devido ao crescimento do movimento popular (contando com rebeliões de massas contra as políticas neoliberais) no Brasil, Argentina, Bolívia e Venezuela, que o acordo teve de ser abandonado.

O acordo com a União Europeia também foi paralisado durante longo tempo, mas Bolsonaro e Paulo Guedes o ressuscitaram. Agora, Lula ainda conseguiu reduzir os danos das propostas apresentadas no governo anterior. Excluiu completamente as compras realizadas pelo SUS e inseriu as possibilidades de preferência por produtos e serviços nacionais, de proteção da indústria automobilística por um certo período de tempo e de revisão do acordo por pressão da sociedade civil (como sindicatos trabalhistas e empresariais).

A natureza semicolonial do acordo, no entanto, foi mantida. Continua sendo um acordo que privilegia a exportação de matéria-prima barata pelo Mercosul para que a UE produza bens industrializados e os exporte de volta com um alto valor agregado.

Esperemos que as contradições internas da União Europeia (entre a indústria alemã e a agricultura francesa) se desenvolvam e gerem mais mal-estar dos agricultores de vários países, obrigando os governos a voltarem atrás, paralisando novamente ou até mesmo inviabilizando o acordo. Essa parece ser a tendência neste momento.

 

¨      Acordo Mercosul e UE é oportunidade histórica de desenvolvimento. Por Ricardo Steinbruch e Fernando Valente Pimentel

A conclusão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, oficialmente anunciada em 6 de dezembro, será de fundamental importância para a indústria têxtil e de confecção e a economia brasileira. Serão eliminadas tarifas para 97% dos bens manufaturados no comércio entre os dois blocos. Consideradas as oportunidades de aumento dos investimentos e exportações, criação de empregos, fomento da produção e aporte tecnológico, o tratado será importante para impulsionar o crescimento sustentável e elevar o Brasil ao patamar de renda alta.

No âmbito da iniciativa privada, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) foi uma das pioneiras nas negociações voltadas ao estabelecimento de parâmetros mercadológicos equilibrados e justos, cujos resultados tiveram êxito. Foi um trabalho consistente de diplomacia econômica realizado em conjunto com a European Apparel and Textile Confederation (Euratex).

A Abit, representativa de mais de 25 mil empresas com cinco ou mais funcionários, empregadoras de 1,3 milhão de pessoas em todo o Brasil, tem plena convicção de que a implementação do acordo será de extrema relevância para a promoção e facilitação do comércio, serviços e investimentos do setor, bem como o aumento da cooperação entre as empresas dos dois blocos. É uma oportunidade histórica!

Para a indústria têxtil e de confecção brasileira, o acordo proporciona uma série de oportunidades, a começar pelo acesso ao mercado consumidor da União Europeia, o segundo maior do mundo, com 500 milhões de pessoas, no universo de um PIB total de US$ 22 trilhões. Isso significa expressivo potencial de crescimento da produção e vendas.

É concreta, portanto, a perspectiva de aumento e diversificação das exportações do setor para a União Europeia, até hoje restritas pela ausência do acordo. A Abit estima um impacto positivo na criação de 300 mil postos de trabalho formais em até 10 anos, em função da ampliação do comércio. Também haverá melhores condições para o intercambio tecnológico, já que o Brasil e a União Europeia têm importantes centros de inovação e pesquisa.

Os benefícios aqui enumerados estendem-se à grande maioria dos setores de atividade. Para todos, o acordo também oferece oportunidade de promover a convergência de normas e padrões comerciais, facilitando o comércio e aumentando a segurança jurídica dos investidores. Outro impacto positivo é o posicionamento do Mercosul como ator relevante no cenário internacional.

Há, ainda, um diferencial competitivo fundamental a ser explorado: o grande potencial referente à bioeconomia, geração de energia limpa e de fontes renováveis e contribuição da indústria para reduzir a emissão de gases de efeito estufa e mitigar as mudanças climáticas. Somado aos empregos dignos e aderentes ao compliance, inclusive respaldados pela rígida legislação trabalhista brasileira, o caráter sustentável da produção contempla de maneira ímpar os preceitos da governança ambiental, social e corporativa (ESG). É tudo o que os europeus defendem e exigem cada vez mais de seus parceiros comerciais e fornecedores.

Cabe salientar, também, que o aumento da nossa competitividade global nos proporciona melhores condições de enfrentar a concorrência de importados em nosso mercado interno. Além disso, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia é congruente com nossas metas de fomento e modernização industrial. Com sua vigência, os países dos dois blocos têm muito a ganhar.

 

¨      Aliança global contra a fome e a pobreza: o papel do MERCOSUL. Por Elvino Bohn Gass

A fome e a pobreza são desafios globais que, apesar dos avanços obtidos em diferentes partes do mundo, persistem em afetar a dignidade e a qualidade de vida de milhões de pessoas. Dados alarmantes do relatório "The State of Food Security and Nutrition in the World 2024", elaborado por agências da ONU, apontam que mais de 713 milhões de pessoas enfrentaram fome no último ano, enquanto mais de 28% da população mundial vivem sob insegurança alimentar moderada ou grave.

Diante dessa realidade, o Parlamento do MERCOSUL (PARLASUL) aprovou recentemente uma declaração histórica, proposta de minha autoria, durante sua sessão plenária em Córdoba, Argentina, reafirmando seu compromisso em combater a fome e a pobreza por meio da Aliança Global proposta pela Presidência brasileira do G20. Esta declaração não é apenas um posicionamento político, mas um chamado à ação para os Estados Partes do MERCOSUL e a comunidade internacional.

O documento enfatiza que a segurança alimentar e a erradicação da pobreza exigem a adoção de políticas públicas eficazes, integradas em uma ampla estratégia social, apoiadas por iniciativas de cooperação internacional. Além disso, reconhece o papel crucial da agricultura familiar no fortalecimento da segurança alimentar e na promoção de economias locais sustentáveis. Nesse sentido, destaca a Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do MERCOSUL como uma plataforma vital para o desenvolvimento de políticas inclusivas e alinhadas com as prioridades globais do G20.

Outro ponto central da declaração é a necessidade de uma maior responsabilidade por parte dos países mais ricos em enfrentar as desigualdades globais, promovendo o financiamento e a assistência técnica para regiões mais vulneráveis. Esse posicionamento reforça a urgência de abordagens multissetoriais e coordenadas no âmbito dos foros multilaterais.

O tema também foi motivo de debate na recente 10ª. Cúpula de Presidentes dos Parlamentos do G20 (P20), onde foi reiterado a necessidade de financiamento sustentável, barato, adequado e acessível, de sistemas agrícolas sustentáveis e resilientes e da redução das perdas pós-colheita, perda e desperdício de alimentos, em conjunto com vínculos mais estreitos entre as áreas urbanas e rurais e entre produtores e distribuidores.

É fundamental que a comunidade parlamentar dos países do G20 se junte à mobilização global para acabar com a fome e erradicar a pobreza. Isso deve incluir esforços para ampliar a ajuda humanitária para países afetados por crises alimentares, em especial, por efeito das mudanças climáticas.

Sob a liderança do Brasil na Presidência do G20, a proposta de lançar a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza é um marco de relevância internacional. Já contamos com a adesão de 81 países, 26 organizações internacionais, 9 instituições financeiras e 31 fundações filantrópicas e organizações não-governamentais. O Brasil, como um dos maiores produtores de alimentos do mundo e um exemplo de iniciativas de combate à fome por meio de programas como o Fome Zero, tem a oportunidade de contribuir significativamente para o desenvolvimento de sistemas alimentares sustentáveis e inclusivos.

A integração das experiências do MERCOSUL em uma "Cesta de Políticas Públicas", é exemplo de um passo concreto para consolidar soluções regionais e que podem ser replicadas no âmbito global, beneficiando milhões de pessoas e promovendo a redução da desigualdade social.

Embora os compromissos assumidos sejam um avanço significativo, a implementação de tais medidas exige vontade política, engajamento da sociedade civil e apoio financeiro robusto. Alianças como a Frente Parlamentar contra a Fome da América Latina e a recém-criada Aliança Ibero-americana e Caribenha para a Segurança Alimentar, promovidas pelo Programa Espanha-FAO para América Latina e Caribe são exemplos de como a colaboração entre governos, parlamentos e organizações internacionais pode gerar resultados concretos.

O combate à fome e à pobreza é uma responsabilidade coletiva que transcende fronteiras. Durante o nosso mandato continuaremos promovendo ações de apoio a políticas públicas vinculadas à agricultura familiar e segurança alimentar, levando as boas práticas e experiências do nosso Rio Grande do Sul aos nossos países vizinhos do MERCOSUL.

A declaração aprovada pelo PARLASUL e a iniciativa do G20 são passos fundamentais para um futuro em que nenhum ser humano seja privado do direito mais básico: o acesso a alimentos suficientes e de qualidade.

Que as declarações sejam transformadas em ações concretas, construindo um mundo mais solidário e igualitário. Este é o desafio, mas também a oportunidade de tornar visível os milhões de invisíveis que hoje no mundo padecem a fome e a insegurança alimentar.

¨      Brasil e China fortalecem cooperação estratégica para impulsionar desenvolvimento sustentável

Em reunião virtual realizada neste sábado (21), o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o ministro da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China, Zheng Shanjie, deram mais um passo para consolidar a cooperação estratégica entre Brasil e China. De acordo com informações da Agência Gov, a iniciativa busca viabilizar uma ampla carteira de projetos bilaterais, baseados em acordos assinados durante a recente visita do presidente chinês, Xi Jinping, ao Brasil.

A intenção, conforme divulgado pela Casa Civil, é aproveitar os atos firmados pelos presidentes Lula e Xi Jinping para fomentar investimentos, sobretudo em infraestrutura, cadeias produtivas, energia limpa, transformação ecológica e tecnologias estratégicas. Para auxiliar na viabilização financeira desses projetos, a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como “banco dos Brics”, Dilma Rousseff, participou do encontro, reforçando o papel da instituição no aporte de recursos para as novas parcerias. O diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, também compôs a mesa de negociação.

As autoridades destacaram duas forças-tarefas prioritárias, formalizadas no Plano de Cooperação Brasil-China, que foi assinado em novembro. Uma delas irá definir iniciativas para concretizar o eixo de cooperação financeira, e a outra será responsável por projetos nos setores de infraestrutura, cadeias produtivas, sustentabilidade ambiental, transição energética e inovação. “É essencial unirmos esforços em atividades já estruturadas, como o Novo PAC, o Plano Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica e o Programa Rotas da Integração Sul-Americana”, explicou Rui Costa.

O ministro brasileiro ressaltou que as diversas pastas do governo federal serão envolvidas nessas forças-tarefas, sob a coordenação da Casa Civil, para garantir a consistência e a eficiência dos projetos. A expectativa é que, até fevereiro de 2025, uma lista inicial de iniciativas prioritárias seja apresentada ao governo chinês, de modo a avançar nos trâmites de financiamento e execução.

Além de Rui Costa, Zheng Shanjie e Dilma Rousseff, a reunião contou com a presença do embaixador Zhu Qingqiao, de outras dez autoridades chinesas, entre vice-ministros e chefes de departamentos, além da secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, e do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello.

A reunião virtual reforça a importância da parceria Brasil-China, que tem na cooperação financeira, na inovação tecnológica e no compromisso com o desenvolvimento sustentável seus principais pilares. Esses entendimentos, segundo os participantes, deverão resultar em maior competitividade econômica e social para ambos os países a partir de 2025.

 

Fonte: Brasil 247/JB

 

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