terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Sergio Rodas: “Castração química de pedófilos é inconstitucional, populista e ineficaz”

A castração química de pedófilos é uma pena cruel e degradante. Viola a Constituição Federal e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Além disso, é uma medida populista e ineficaz, que não reduzirá a violência sexual contra crianças e adolescentes. É o que afirmam especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

A Câmara dos Deputados aprovou em 12 de dezembro a castração química de pedófilos. A proposta foi inserida durante a votação de um que projeto que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para estabelecer o cadastro nacional de pedófilos. O projeto segue agora para o Senado.

O texto aprovado é o substitutivo da relatora, deputada Delegada Katarina (PSD-SE), para o Projeto de Lei 3.976/2020, do deputado Aluisio Mendes (Republicanos-MA), e para a versão elaborada em junho último pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família.

Pelo projeto, a castração química será aplicada cumulativamente às penas já previstas para os crimes de violência e exploração sexual previstos tanto no ECA quanto no Código Penal.

Segundo o destaque, a medida será feita mediante o uso de medicamentos inibidores da libido, nos termos regulamentados pelo Ministério da Saúde, observando-se as contraindicações médicas.

·        Medida inconstitucional

O artigo 5º, XLVII, “e”, da Constituição Federal, estabelece que não haverá penas cruéis. Já o inciso XLIX do mesmo dispositivo assegura aos presos o respeito à integridade física e moral. Portanto, a castração química é inconstitucional, apontam especialistas.

A aprovação dessa penalidade seria um retrocesso, avalia a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Adriana Ramos de Mello, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia, do Observatório de Pesquisas Bryan Garth da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.

“Trata-se de uma pena cruel e degradante, que viola não apenas a Constituição Federal, mas também tratados internacionais, sobretudo a Convenção Americana de Direitos Humanos”, aponta a magistrada.

Além disso, avalia, a castração química não acabará com a violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil.

“Temos que avançar em políticas públicas de proteção e segurança para crianças e adolescentes, e estruturar o sistema de denúncias. Também é necessário melhorar a estrutura policial, investindo em equipamentos e tecnologias para que os crimes sejam devidamente investigados, e os culpados, punidos, de acordo com a legislação penal que já existe”, analisa Adriana.

A advogada Maíra Fernandes, professora da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, igualmente considera a castração química inconstitucional.

“Mais uma vez, a Câmara dos Deputados aprova uma medida populista, que não é embasada em nenhum estudo sério sobre o tema, totalmente demagógica e que não resolve o problema da pedofilia no país. Mais uma vez, foca-se na punição, e não na prevenção de um crime grave. Uma punição cruel, em um país que comete erros judiciais gravíssimos e que, não raro, prende e condena inocentes, como evidencia o trabalho do Innocence Project e de diversas defensorias públicas”, diz a criminalista.

Ela ainda ressalta que a castração química, conforme a experiência de países que a impuseram, não evita a prática de novos atos de violência sexual, até porque só é aplicada a homens já condenados.

“Melhor seria se nosso Legislativo estivesse empenhado em aprovar medidas de prevenção ao crime, de fortalecimento de redes de apoio às vítimas e, sobretudo, se pensasse em ações com o objetivo de esclarecer e reeducar a sociedade. A prática de crimes sexuais está muito mais ligada a uma relação de poder do homem com a vítima, do que a uma questão de libido. Em torno da prática do estupro, há uma questão cultural, há o machismo estrutural da nossa sociedade. Combater esse machismo deveria ser o foco central de atuação dos três poderes”, afirma Maíra.

·        Efeito duvidoso

Em artigo publicado na ConJur, o procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino e a advogada Fabiana Mendes da Silva Christino afirmam que, no Brasil, a grande maioria dos casos de abuso sexual contra menores está ligada a relações de parentesco, frequentemente entre padrastos e enteados. Assim, a convivência íntima cria oportunidades para a ação de predadores sexuais.

As penas para esses crimes são severas, raramente inferiores a 10 anos de reclusão em regime fechado. Os casos de reincidência, destacam, são a exceção da exceção e costumam ocorrer pelo mesmo método, ou seja, a facilidade provocada pela convivência íntima. Existe apenas um único grande caso de pedofilia nestes termos registrado no Brasil: o do médico Eugênio Chipkevitch, condenado a 114 anos de prisão por mais de 40 crimes de abuso sexual.

A efetividade da castração química é duvidosa, opinam os Christino. “De primeiro porque não poderia ser aplicada enquanto no cumprimento da pena, até porque, estando preso, não teria a possibilidade de praticar este tipo de crime. Cumpre lembrar que, no sistema prisional, condenados por crimes sexuais são mantidos em presídio à parte, dada a impossibilidade de convivência com a população carcerária, que vê este tipo de crime como intolerável, matando quem cai em suas mãos.”

“Como as penas são longas, o efeito seria zero. Antes que qualquer jejuno, lembre que a castração química possa ser aplicada após a obtenção da liberdade pelo criminoso, forçoso reconhecer que a flexibilização da pena exige o prognóstico de que o condenado não volte a delinquir, se este prognóstico for positivo para flexibilizar a pena. Por lógica, a castração química seria inexigível. Caso contrário, havendo prognose desfavorável, deveria o condenado ser mantido em cárcere”, avaliam.

E se o condenado for portador de alguma doença mental, como obsessão sexual por crianças, deverá ser internado em hospitais psiquiátricos, sendo inviável a castração química. Dessa maneira, eles concluem que a penalidade é incompatível com sistema penal brasileiro. “Ou o condenado não tem condições de sair e deve permanecer contido, ou está em parte ao menos recuperado e a castração é inútil ou desaconselhável.”

 

¨      Lei que cria cadastro de criminosos sexuais é inconstitucional e ineficaz, dizem especialistas. Por Rafa Santos

Foi sancionada em 28/11 a Lei 15.035/24, que determina a criação do Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais. O objetivo é montar um banco de informações aberto à consulta pública com dados de pessoas condenadas pelos crimes de estupro, estupro de vulnerável, registro não autorizado de relação sexual, favorecimento da prostituição e cafetinagem. 

O sistema vai permitir que o público tenha acesso ao nome completo e ao número de Cadastro de Pessoa Física (CPF) do condenado em primeira instância. Caso o réu seja absolvido em instâncias recursais, suas informações não ficarão mais disponíveis para consulta pública. 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o trecho da lei que determinava que as informações no cadastro ficassem disponíveis para consulta pública pelo prazo de dez anos após o cumprimento integral da pena. O mandatário alegou que a medida é inconstitucional por violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do condenado. 

A maioria dos especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico acredita que a lei é inconstitucional e que, além disso, não deve ajudar no combate efetivo a crimes sexuais. O jurista Lenio Streck é direto em sua avaliação sobre o novo regramento: “Matéria inconstitucional, a presunção de inocência é sagrada, direito fundamental. Observo que o presidente Lula foi uma das principais vítimas da aniquilação desse princípio. O Congresso jogou uma bola triangular ou espinhosa para o presidente. Deveria vetar. Mas pegaria mal politicamente. Como o projeto da saidinha. O Congresso faz ensaios e coloca o presidente nas cordas. Isso vai ser de novo resolvido no STF.”

Streck também acredita na pouca efetividade da lei: “Não existe qualquer elemento que diga que a nova lei vai diminuir a prática desse tipo de crime. Por que não criar um cadastro nacional de assaltantes? Ou um de golpistas do INSS?”. 

O advogado Welington Arruda é outro que questiona a eficácia da lei. “A medida pode comprometer a ressocialização dos condenados, especialmente considerando que os dados serão de acesso público. A exposição permanente ou prolongada pode intensificar a marginalização desses indivíduos, dificultando sua reintegração social e, paradoxalmente, aumentando os riscos de reincidência.”

O paralelo mais óbvio com a Lei 15.035/24 é a Lei de Megan, aprovada nos Estados Unidos em razão do estupro e assassinato de uma menina de sete anos, Megan Kanka, por um homem chamado Jesse Timmendequas, que já havia sido preso por tentar estuprar duas crianças.

A norma determina que os estados americanos tenham um registro e um sistema de notificação sobre os criminosos sexuais. Cada estado é responsável por adotar um modelo de aplicação da lei e operação dos bancos de dados. A análise dos efeitos da lei, feita pela Universidade de Rutgers e pelo Departamento de Penas do estado de New Jersey, entretanto, aponta que ela falhou na redução de casos de crimes sexuais. Por isso, os críticos do regramento questionam também o custo de aplicação da lei — manter um banco atualizado sobre criminosos sexuais não se justifica, uma vez que não existem dados de que a medida seja eficaz. 

<><> Presunção de inocência

O advogado e professor Aury Lopes Jr. classifica a lei como “populista e absolutamente inconstitucional”. Ele explica que o regramento viola a presunção de inocência e impõe um estigma absurdo a alguém que não é definitivamente condenado, já que o nome é incluído no cadastro já após condenação em primeira instância. 

“Mesmo que fosse depois do trânsito em julgado, não seria menos inconstitucional, pois viola o direito à imagem e a dignidade da pessoa humana. Por mais grave que seja o crime, o Estado não tem — legitimamente — o poder de humilhar e enxovalhar o condenado. Pode punir, para isso está a pena, mas não humilhar assim. Ademais, mesmo que fosse depois do trânsito em julgado, seria absolutamente incompatível com a promessa de ‘ressocialização’ que classicamente é usado como argumento de justificação da pena.” 

O criminalista Rodrigo Faucz segue a mesma linha. “Eu acho muito difícil (a lei) servir para a prevenção de crimes sexuais, a não ser em situações bem restritas, como uso para escolas e algumas instituições que lidam com crianças, talvez seja interessante. Mas a lei tem uma falha extremamente grave que é a questão da constitucionalidade, da previsão de estar na lista a partir da decisão de primeira instância. Isso é um absurdo e viola diretamente o princípio da presunção de inocência.”

Luís Henrique Machado, por sua vez, cita que a lei poderia funcionar se fosse usada, por exemplo, por profissionais da rede hoteleira, para coibir esse tipo de crime nesses estabelecimentos. “Com a consulta pelos recepcionistas, poderia evitar a execução do crime no momento do check-in. Se fizer um trabalho integrado entre as Secretarias de Segurança Pública e o setor privado, os resultados podem ser benéficos para a sociedade”, sugere. 

Um consenso entre os especialistas, contudo, é o impacto que integrar uma lista como essa pode ter na vida de alguém cuja condenação ainda não transitou em julgado. 

“A pessoa pode ser condenada em primeira instância e pode ser absolvida em segunda. E eu acho muito ruim isso, porque tem consequências gravíssimas, como estigma e exclusão social da pessoa. Então, acho que isso tem de ser bem pensado, e nunca apenas após a condenação de primeira instância. Essa é a minha opinião e, sim, existe chance dessa lei vir a ser questionada quanto à sua constitucionalidade”, opina Alberto Toron.

 

¨      É possível afastar a presunção de crime de estupro de vulnerável, reafirma STJ. Por Danilo Vital

Em atenção aos interesses da vítima e à necessidade de proteção da criança fruto de relacionamento, é possível afastar a presunção do crime de estupro de vulnerável nos casos de relação sexual com pessoa menor de 14 anos.

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial do Ministério Público de Santa Catarina e manteve a absolvição de um homem por, aos 20 anos, relacionar-se com uma menina de 13.

A votação foi por maioria de votos, conforme a posição do relator, ministro Joel Ilan Paciornik. Ele confirmou a absolvição, conforme decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina na apelação. Ficou vencida a ministra Daniela Teixeira.

O tema é sensível porque, de acordo o artigo 217-A do Código Penal, conjunção carnal com menor de 14 é presumivelmente crime. E, conforme o próprio STJ, o consentimento da vítima ou sua experiência sexual anterior não afasta a tipificação da conduta.

Ainda assim, de maneira excepcionalíssima, tem livrado acusados em hipóteses específicas, em que não existe proveito social na condenação do réu — distinção tão rara que, na 5ª Turma, representa menos de 2% dos casos de estupro de vulnerável julgados.

·        Protetiva não bastou

No caso dos autos, o relacionamento entre réu, à época com 20 anos, e vítima, de 13, foi descoberto quando ela foi a uma farmácia comprar teste de gravidez. O Conselho Tutelar foi notificado, fez boletim de ocorrência e obteve medida protetiva.

Essa medida não foi respeitada pelo casal, que continuou se encontrando com a aprovação da família da vítima. Já durante a instrução probatória, a mãe noticiou que a filha estava grávida. E, no momento da sentença, os dois mantinham relacionamento, embora sem morar juntos.

Esse contexto levou à absolvição na sentença, o que foi confirmado pelo TJ-SC. A corte estadual entendeu que não houve efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal.

A vítima não se encontrava em situação de vulnerabilidade, tampouco teve sua dignidade sexual violada, já que tinha discernimento acerca dos atos sexuais praticados e seu consentimento.

Segundo Paciornik, esse entendimento encontra amparo na jurisprudência do STJ, que, analisando casos concretos, mantém a absolvição diante das peculiaridades que envolvem o interesse da vítima e do filho.

“Apesar da ausência de convívio entre agravado e vítima sob o mesmo teto ao tempo da instrução criminal, é inegável que persistiu o relacionamento com registro da gravidez, a possibilitar a distinção feita pelas instâncias ordinárias”, concluiu.

 

Fonte: Conjur

 

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