Tomada
pela extrema direita, nova bancada de cibersegurança mal nasceu e já foi
entregue às big techs
Enquanto
todos os olhos estavam voltados para o Supremo Tribunal Federal, que
começou a decidir se torna Jair Bolsonaro e mais sete aliados réus por
tentativa de golpe, o Congresso Nacional instalou, na surdina, a Frente
Parlamentar de Apoio à Cibersegurança e à Defesa Cibernética, a FrenCyber.
O
objetivo da nova bancada, segundo o responsável, senador Esperidião Amin, do PP
de Santa Catarina, é agregar parlamentares, lideranças e sociedade civil para a
“maturidade” e “defesa” cibernética do país. “É consenso entre os especialistas
em cibersegurança e em defesa cibernética que vivemos uma guerra mundial, ainda
que de forma não declarada”, diz o requerimento de instalação da frente,
oficializado no evento de terça.
Dois
fatos, no entanto, chamam a atenção. O primeiro é que, mal foi instalada, a
bancada já foi dada de bandeja às big techs. Ela tem o apoio de organizações de
lobby de empresas de tecnologia, uma delas chefiada por executivos de big techs
e com parceiros como o FBI – o que levanta preocupações sobre a soberania
nacional, questão que o presidente Lula afirma considerar prioritária.
“Não há
uma pluralidade e uma diversidade no sentido de entender a complexidade da
cibersegurança e ter representatividade da academia e da sociedade civil, que
não estejam diretamente ligadas à questão comercial”, pontuou
ao Intercept Brasil Rodolfo Avelino, professor de cibersegurança do
Insper.
O
segundo é que a frente é composta, quase em sua totalidade, apenas por
parlamentares da extrema direita. A presidência da frente ficou com Esperidião
Amin, do Progressistas catarinense; Hamilton Mourão, Damares Alves, do
Republicanos, Izalci Lucas e Jorge Seif, do PL, e Sergio Moro, do União Brasil,
ocupam cargos da vice-presidência.
Dos 24
titulares, seis são PL – os senadores Flávio Bolsonaro, do RJ, astronauta
Marcos Pontes, de SP, também fazem parte do grupo. A única titular de
centro-esquerda é a deputada Tabata Amaral, do PSB. Não há nenhum representante
do PT ou PSOL.
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GSI, empresas do setor privado e a frente parlamentar coincidem em um mesmo
objetivo.
“Ou
seja, é uma Frente Parlamentar formada por parlamentares da direita, para não
falar da extrema direita, e por uma instituição protagonista no processo que é
formada pela Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo]”, disse
Avelino.
O
evento de lançamento da nova bancada teve a presença de entidades empresariais
e bancárias como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp, a Federação Brasileira de Bancos,
Febraban, e algumas figurinhas carimbadas do lobby pró-empresas de tecnologia,
como a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de
Tecnologias Digitais, Brasscom, e Associação Brasileira das Empresas de
Software, a Abes.
Segundo
Moro, a frente chega para resolver uma falta de coordenação entre setores. “Nós
temos pouco trabalho conjunto e às vezes você tem lá uma empresa que investe
muito em cibersegurança, às vezes você tem uma agência do governo que está
dedicando a sua atenção àquele tema na intensidade necessária, mas a integração
é muito pequena”, disse.
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Frente surgiu após tour de políticos para discutir o tema em Washington
A nova
bancada da Câmara tem um apoio internacional de peso: uma entidade
chamada DigiAmericas, que se
descreve como uma rede de organizações multissetoriais que atuam em questões
digitais e cibernéticas cujo objetivo é incidir em debates políticos
sobre o tema “nas Américas”.
A
DigiAmericas tem como membros gigantes do setor como Amazon Web Services,
Apple, Google, Cloudflare, Cisco e Mastercard. Os membros do Conselho
Consultivo da entidade são executivos dessas e de outras empresas.
Foi
essa organização, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento,
que coordenou a visita de uma comitiva de políticos brasileirs à
Washington, capital dos EUA, em agosto do ano passado. Na pauta: segurança
cibernética e parcerias com empresas privadas.
Segundo
o senador Esperidião Amin, foram três temas tratados: a criação de uma agência
brasileira para regular o tema, educação e formação de recursos humanos e
parcerias público-privadas. “Há um crescimento de ameaças cibernéticas em todas
as áreas da sociedade”, postou o senador, mencionando um
estudo da empresa de segurança de TI Fortinet, também dos EUA.
Na
viagem, Amin também participou de uma reunião com integrantes da National
CyberForensics and Training Alliance, a NCFTA, uma entidade
que reúne empresas do setor privado e agências de segurança pública, embora não
detalhe quais.
Além de
Amin, Moro, Seif e o senador Chico Rodrigues, do PSB de Roraima, também
participaram da viagem.
Quatro
meses depois, Amin apresentou, em co-autoria com
outros parlamentares do PP, PL, União Brasil e Podemos, o projeto para
instituir a Frente Parlamentar de Apoio à Cibersegurança e à Defesa
Cibernética. Os mesmos números da Fortinet foram usados para embasar o
requerimento.
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Pressão por agência reguladora
Uma das
organizações que apoia a instalação da FrenCyber é o Instituto Nacional de
Combate ao Cibercrime, o INCC, uma organização de
lobby que reúne entidades do setor público e privado para a “construção e
implementação de uma agenda nacional para enfrentamento”.
Em seu
site, o INCC, o grupo de lobby de cibersegurança que apoiou a criação da
FrenCyber, destaca as alianças estratégicas e de cooperação técnica que
mantém. Dentre elas, estão parcerias com o governo estadual de São Paulo, a
Polícia Civil de São Paulo e o Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República, o GSI.
Nas
cooperações internacionais, o INCC destaca o Federal Bureau of Investigation, o
FBI, a Ameripol e a Global Anti-Scam Alliance, Gasa, uma entidade de combate a
golpes online que tem como membros fundadores Amazon, Google, Meta, Microsoft,
entre outras empresas de tecnologia.
Em
agosto, mesmo mês em que parlamentares viajaram aos EUA para se reunir com
empresas do setor de cibersegurança, o GSI assinou um acordo de cooperação técnica e operacional
com o INCC para “o desenvolvimento e aumento da maturidade da segurança da
informação e cibernética e a promoção do incremento na resiliência cibernética
nacional, estratégias para o cumprimento de suas missões institucionais”.
Além
desses vínculos, GSI, empresas do setor privado e a frente parlamentar
coincidem em um objetivo: pressionar pela criação de uma agência reguladora
vinculada ao GSI.
Em
2023, o GSI propôs, como parte da Política Nacional de Cibersegurança, a
criação da Agência Nacional de Cibersegurança, a AnCiber, uma autarquia com
orçamento de R$ 600 milhões. A receita viria da cobrança de uma taxa pelo uso
da internet.
Mas a
proposta de taxar usuários foi mal recebida e desautorizada ainda em 2023 pelo
Palácio do Planalto. Em dezembro daquele ano, quando o presidente Lula assinou o decreto de criação da
Política Nacional de Cibersegurança, a AnCiber ficou de fora. Desde então, não
houve nenhum avanço na criação de uma agência reguladora. Até agora – essa é
justamente uma das bandeiras da nova bancada.
Para
Avelino, do Insper, o estopim para a criação da frente é justamente a
morosidade para a criação da agência nacional. Sua avaliação é de que a frente
surge como um “tensionador” para que isso possa ser viabilizado.
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Extrema direita usa julgamento de Bolsonaro para atacar o
STF. Por Paulo Motoryn e Thalys Alcântara
A
extrema direita transformou o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro
no Supremo Tribunal Federal, o STF, em um campo de batalha simbólico,
inflamando tensões e ameaçando levar sua guerra contra as instituições a um
novo patamar.
O
primeiro dia do julgamento para definir se o ex-presidente e sete aliados vão
virar réus por tentativa de golpe deixa claro que a estratégia do bolsonarismo
não se limita apenas a defender seu líder, mas sim a inverter o saldo político
da decisão, aumentando ainda mais o ódio contra os tribunais – e também contra
o jornalismo.
A
sessão da Primeira Turma do STF já começou sob forte pressão. O
ex-desembargador Sebastião Coelho – advogado de Filipe Martins, ex-assessor de
Bolsonaro – interrompeu a leitura do relator Alexandre de Moraes com gritos do
lado de fora do plenário.
Detido
por desacato, foi liberado em seguida, mas seu gesto se encaixa na lógica
bolsonarista para o julgamento que deve durar até o final do ano: tumultuar o
julgamento e transformar o STF em um palco de afrontas.
Não foi
um caso isolado. Deputados bolsonaristas também tentaram invadir o plenário do
tribunal, sendo barrados por seguranças. Coronel Meira, do PL de Pernambuco,
aos gritos, exigiu entrada afirmando: “Sou coronel, sou deputado, tem que me
respeitar nessa porra!”.
Outros
parlamentares, como Carlos Jordy, do PL do RJ, e Sargento Fahur, do PSD do
Paraná, também tentaram forçar a entrada em um gesto coordenado para demonstrar
força e antagonizar o STF. Todos eles sabiam que não seria possível entrar, já
que a Corte abriu credenciamento prévio. Mas fizeram questão de desgastar o
Supremo.
O
julgamento de Bolsonaro, por si só, é um momento histórico, mas a extrema
direita tenta converter esse evento em um novo estopim para radicalização
política. O padrão é claro: confrontos, gritos, xingamentos e ataques
orquestrados contra as instituições.
O
objetivo é criar um ambiente de caos e perseguição, alimentando o discurso de
vitimização que sustenta Bolsonaro e seus aliados.
No
centro dessa estratégia, figuras como Sebastião Coelho buscam ganhar projeção.
Investigado pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, por suspeita de incitação
a atos golpistas, Coelho tem usado sua posição para se tornar uma voz de
oposição radical ao STF, reforçando a narrativa de que a justiça persegue os
bolsonaristas.
Como
reportou a imprensa, o plano do PL, partido de Bolsonaro, é que o
ex-desembargador seja candidato ao Senado ou a deputado federal no Distrito
Federal.
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Jornalistas no alvo
Mas os
ataques não param no STF. O jornalismo brasileiro viveu, às vésperas do
julgamento, e por causa dele, a sua própria “semana dos cristais” — uma alusão
aos ataques em massa contra judeus em 1938, episódio que antecedeu o governo de
Adolf Hitler.
Em um
intervalo de poucas horas, vários jornalistas foram alvos de ameaças e
perseguição. Um editor do Intercept
Brasil tem recebido ameaças de morte em série após reportar sobre um
foragido do 8 de Janeiro em Buenos Aires, na Argentina.
As
jornalistas Gabriela Biló e Thaisa Oliveira, da Folha de S.Paulo, também
sofreram ameaças e tiveram informações pessoais expostas por um motivo
parecido: acusação inverídica de que levaram uma manifestante golpista à
cadeia. Não são episódios isolados – e estão totalmente conectados às cenas
lamentáveis no STF.
A
estratégia é clara: transformar o Supremo Tribunal Federal e a imprensa em
inimigos a serem combatidos, criando um ambiente de permanente instabilidade. O
preço da aposta nesse clima de tensão ainda é incerto, mas o bolsonarismo já
mostrou que está disposto a tudo por seu líder.
Fonte:
Por Lais Martins, em The Intercept
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