quinta-feira, 27 de março de 2025

Tomada pela extrema direita, nova bancada de cibersegurança mal nasceu e já foi entregue às big techs

Enquanto todos os olhos estavam voltados para o Supremo Tribunal Federal, que começou a decidir se torna Jair Bolsonaro e mais sete aliados réus por tentativa de golpe, o Congresso Nacional instalou, na surdina, a Frente Parlamentar de Apoio à Cibersegurança e à Defesa Cibernética, a FrenCyber.

O objetivo da nova bancada, segundo o responsável, senador Esperidião Amin, do PP de Santa Catarina, é agregar parlamentares, lideranças e sociedade civil para a “maturidade” e “defesa” cibernética do país. “É consenso entre os especialistas em cibersegurança e em defesa cibernética que vivemos uma guerra mundial, ainda que de forma não declarada”, diz o requerimento de instalação da frente, oficializado no evento de terça.

Dois fatos, no entanto, chamam a atenção. O primeiro é que, mal foi instalada, a bancada já foi dada de bandeja às big techs. Ela tem o apoio de organizações de lobby de empresas de tecnologia, uma delas chefiada por executivos de big techs e com parceiros como o FBI – o que levanta preocupações sobre a soberania nacional, questão que o presidente Lula afirma considerar prioritária. 

“Não há uma pluralidade e uma diversidade no sentido de entender a complexidade da cibersegurança e ter representatividade da academia e da sociedade civil, que não estejam diretamente ligadas à questão comercial”,  pontuou ao Intercept Brasil Rodolfo Avelino, professor de cibersegurança do Insper. 

O segundo é que a frente é composta, quase em sua totalidade, apenas por parlamentares da extrema direita. A presidência da frente ficou com Esperidião Amin, do Progressistas catarinense; Hamilton Mourão, Damares Alves, do Republicanos, Izalci Lucas e Jorge Seif, do PL, e Sergio Moro, do União Brasil, ocupam cargos da vice-presidência.

Dos 24 titulares, seis são PL – os senadores Flávio Bolsonaro, do RJ, astronauta Marcos Pontes, de SP, também fazem parte do grupo. A única titular de centro-esquerda é a deputada Tabata Amaral, do PSB. Não há nenhum representante do PT ou PSOL.

<><> GSI, empresas do setor privado e a frente parlamentar coincidem em um mesmo objetivo.

“Ou seja, é uma Frente Parlamentar formada por parlamentares da direita, para não falar da extrema direita, e por uma instituição protagonista no processo que é formada pela Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo]”, disse Avelino. 

O evento de lançamento da nova bancada teve a presença de entidades empresariais e bancárias como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp, a Federação Brasileira de Bancos, Febraban, e algumas figurinhas carimbadas do lobby pró-empresas de tecnologia, como a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais, Brasscom, e Associação Brasileira das Empresas de Software, a Abes. 

Segundo Moro, a frente chega para resolver uma falta de coordenação entre setores. “Nós temos pouco trabalho conjunto e às vezes você tem lá uma empresa que investe muito em cibersegurança, às vezes você tem uma agência do governo que está dedicando a sua atenção àquele tema na intensidade necessária, mas a integração é muito pequena”, disse. 

<><> Frente surgiu após tour de políticos para discutir o tema em Washington

A nova bancada da Câmara tem um apoio internacional de peso: uma entidade chamada DigiAmericas, que se descreve como uma rede de organizações multissetoriais que atuam em questões digitais e cibernéticas  cujo objetivo é incidir em debates políticos sobre o tema “nas Américas”. 

A DigiAmericas tem como membros gigantes do setor como Amazon Web Services, Apple, Google, Cloudflare, Cisco e Mastercard. Os membros do Conselho Consultivo da entidade são executivos dessas e de outras empresas. 

Foi essa organização, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que coordenou a visita de uma comitiva de políticos brasileirs  à Washington, capital dos EUA, em agosto do ano passado. Na pauta: segurança cibernética e parcerias com empresas privadas.

Segundo o senador Esperidião Amin, foram três temas tratados: a criação de uma agência brasileira para regular o tema, educação e formação de recursos humanos e parcerias público-privadas. “Há um crescimento de ameaças cibernéticas em todas as áreas da sociedade”, postou o senador, mencionando um estudo da empresa de segurança de TI Fortinet, também dos EUA.

Na viagem, Amin também participou de uma reunião com integrantes da National CyberForensics and Training Alliance, a NCFTA, uma entidade que reúne empresas do setor privado e agências de segurança pública, embora não detalhe quais.

Além de Amin, Moro, Seif e o senador Chico Rodrigues, do PSB de Roraima, também participaram da viagem. 

Quatro meses depois, Amin apresentou, em co-autoria com outros parlamentares do PP, PL, União Brasil e Podemos, o projeto para instituir a Frente Parlamentar de Apoio à Cibersegurança e à Defesa Cibernética. Os mesmos números da Fortinet foram usados para embasar o requerimento.

<><> Pressão por agência reguladora

Uma das organizações que apoia a instalação da FrenCyber é o Instituto Nacional de Combate ao Cibercrime, o INCC, uma organização de lobby que reúne entidades do setor público e privado para a “construção e implementação de uma agenda nacional para enfrentamento”. 

Em seu site, o INCC, o grupo de lobby de cibersegurança que apoiou a criação da FrenCyber, destaca as alianças estratégicas e de cooperação técnica que mantém. Dentre elas, estão parcerias com o governo estadual de São Paulo, a Polícia Civil de São Paulo e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, o GSI. 

Nas cooperações internacionais, o INCC destaca o Federal Bureau of Investigation, o FBI, a Ameripol e a Global Anti-Scam Alliance, Gasa, uma entidade de combate a golpes online que tem como membros fundadores Amazon, Google, Meta, Microsoft, entre outras empresas de tecnologia.

Em agosto, mesmo mês em que parlamentares viajaram aos EUA para se reunir com empresas do setor de cibersegurança, o GSI assinou um acordo de cooperação técnica e operacional com o INCC para “o desenvolvimento e aumento da maturidade da segurança da informação e cibernética e a promoção do incremento na resiliência cibernética nacional, estratégias para o cumprimento de suas missões institucionais”.

Além desses vínculos, GSI, empresas do setor privado e a frente parlamentar coincidem em um objetivo: pressionar pela criação de uma agência reguladora vinculada ao GSI.

Em 2023, o GSI propôs, como parte da Política Nacional de Cibersegurança, a criação da Agência Nacional de Cibersegurança, a AnCiber, uma autarquia com orçamento de R$ 600 milhões. A receita viria da cobrança de uma taxa pelo uso da internet. 

Mas a proposta de taxar usuários foi mal recebida e desautorizada ainda em 2023 pelo Palácio do Planalto. Em dezembro daquele ano, quando o presidente Lula assinou o decreto de criação da Política Nacional de Cibersegurança, a AnCiber ficou de fora. Desde então, não houve nenhum avanço na criação de uma agência reguladora. Até agora – essa é justamente uma das bandeiras da nova bancada. 

Para Avelino, do Insper, o estopim para a criação da frente é justamente a morosidade para a criação da agência nacional. Sua avaliação é de que a frente surge como um “tensionador” para que isso possa ser viabilizado.

 

¨      Extrema direita usa julgamento de Bolsonaro para atacar o STF. Por Paulo Motoryn e Thalys Alcântara

A extrema direita transformou o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, o STF, em um campo de batalha simbólico, inflamando tensões e ameaçando levar sua guerra contra as instituições a um novo patamar.

O primeiro dia do julgamento para definir se o ex-presidente e sete aliados vão virar réus por tentativa de golpe deixa claro que a estratégia do bolsonarismo não se limita apenas a defender seu líder, mas sim a inverter o saldo político da decisão, aumentando ainda mais o ódio contra os tribunais – e também contra o jornalismo.

A sessão da Primeira Turma do STF já começou sob forte pressão. O ex-desembargador Sebastião Coelho – advogado de Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro – interrompeu a leitura do relator Alexandre de Moraes com gritos do lado de fora do plenário.

Detido por desacato, foi liberado em seguida, mas seu gesto se encaixa na lógica bolsonarista para o julgamento que deve durar até o final do ano: tumultuar o julgamento e transformar o STF em um palco de afrontas.

Não foi um caso isolado. Deputados bolsonaristas também tentaram invadir o plenário do tribunal, sendo barrados por seguranças. Coronel Meira, do PL de Pernambuco, aos gritos, exigiu entrada afirmando: “Sou coronel, sou deputado, tem que me respeitar nessa porra!”.

Outros parlamentares, como Carlos Jordy, do PL do RJ, e Sargento Fahur, do PSD do Paraná, também tentaram forçar a entrada em um gesto coordenado para demonstrar força e antagonizar o STF. Todos eles sabiam que não seria possível entrar, já que a Corte abriu credenciamento prévio. Mas fizeram questão de desgastar o Supremo.

O julgamento de Bolsonaro, por si só, é um momento histórico, mas a extrema direita tenta converter esse evento em um novo estopim para radicalização política. O padrão é claro: confrontos, gritos, xingamentos e ataques orquestrados contra as instituições.

O objetivo é criar um ambiente de caos e perseguição, alimentando o discurso de vitimização que sustenta Bolsonaro e seus aliados.

No centro dessa estratégia, figuras como Sebastião Coelho buscam ganhar projeção. Investigado pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, por suspeita de incitação a atos golpistas, Coelho tem usado sua posição para se tornar uma voz de oposição radical ao STF, reforçando a narrativa de que a justiça persegue os bolsonaristas.

Como reportou a imprensa, o plano do PL, partido de Bolsonaro, é que o ex-desembargador seja candidato ao Senado ou a deputado federal no Distrito Federal.

<><> Jornalistas no alvo

Mas os ataques não param no STF. O jornalismo brasileiro viveu, às vésperas do julgamento, e por causa dele, a sua própria “semana dos cristais” — uma alusão aos ataques em massa contra judeus em 1938, episódio que antecedeu o governo de Adolf Hitler.

Em um intervalo de poucas horas, vários jornalistas foram alvos de ameaças e perseguição. Um editor do Intercept Brasil tem recebido ameaças de morte em série após reportar sobre um foragido do 8 de Janeiro em Buenos Aires, na Argentina.

As jornalistas Gabriela Biló e Thaisa Oliveira, da Folha de S.Paulo, também sofreram ameaças e tiveram informações pessoais expostas por um motivo parecido: acusação inverídica de que levaram uma manifestante golpista à cadeia. Não são episódios isolados – e estão totalmente conectados às cenas lamentáveis no STF.

A estratégia é clara: transformar o Supremo Tribunal Federal e a imprensa em inimigos a serem combatidos, criando um ambiente de permanente instabilidade. O preço da aposta nesse clima de tensão ainda é incerto, mas o bolsonarismo já mostrou que está disposto a tudo por seu líder.

 

Fonte: Por Lais Martins, em The Intercept

 

 

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