Depois
de 12 anos, Câmara deve votar nesta semana projeto que cria a Lei do Mar
Após 12
anos de tramitação no Congresso, deve ser finalmente votado nesta semana no
plenário da Câmara dos Deputados um projeto de
lei (PL 6.969/2013) que cria a Política
Nacional para a Gestão Integrada, a Conservação e o Uso Sustentável do Sistema
Costeiro-Marinho – mais conhecida como Lei do Mar. O relator do texto,
deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE), acredita que conseguiu chegar a um consenso
na Casa para obter a aprovação.
Em meio
a intensa disputa de interesses econômicos pelo uso da nossa costa – da
exploração de petróleo à mineração em alto-mar; da pesca industrial às
eólicas offshore –, ao mesmo tempo que os oceanos batem
recordes de temperatura e de elevação por causa do aquecimento global e sofrem com
poluição, o projeto cria um arcabouço de medidas para orientar a gestão e
a governança do mar de modo a aliá-las com sua conservação.
O PL
institui, por exemplo, a ferramenta do Planejamento Espacial Marinho (PEM), que
organiza os setores de forma integrada, levando em conta o que a lei chama de
“abordagem ecossistêmica”, de modo a gerir os recursos considerando-se as
múltiplas interações entre eles e o ambiente e assegurando a durabilidade dos
ecossistemas.
Proposto
inicialmente em 2013 pelos então deputados Sarney Filho e Alessandro Molon, o
projeto enfrentou resistências de setores econômicos, como o da pesca
industrial, e quase foi engavetado. Em 2021, Gadêlha assumiu a relatoria da
proposta e iniciou uma série de conversas e adaptações do texto a fim de
alcançar um acordo.
Em
entrevista à Agência Pública, Gadêlha explica a importância da lei e o que
pode mudar na gestão do mar se o projeto for aprovado.
- Diante das regras que a gente já tem
para o uso marinho, o que vai mudar com a Lei do Mar?
A
primeira coisa que é importante entender é que se trata de um arcabouço. Não é
uma lei apenas, mas um conjunto normativo amplo, que estabelece uma série de
princípios para gestão do sistema costeiro que nós temos e para que a gente
possa continuar utilizando ele de maneira sustentável. Então, essa lei constrói
instrumentos de gestão, trazendo como premissa principal o compartilhamento
dessa gestão. Não deixando na mão apenas do ente público, mas também trazendo a
sociedade civil, a iniciativa privada, outros atores para fazer a gestão desse
sistema costeiro marinho. É uma lei que harmoniza as diversas leis, municipais,
estaduais e federais, que temos sobre o mar e estimula a gestão compartilhada
desse bioma, integrando as pessoas, as comunidades locais, valorizando os
pequenos pescadores, as pessoas que sobrevivem desse ecossistema.
- De que modo a lei vai possibilitar essa
harmonia? Ela cria novas regras para esses usos?
Mais
importante do que regras, esse projeto estabelece princípios que ajudam a
nortear as regras, né? Os princípios têm mais força do que a lei em si. É o
caso, por exemplo, do princípio de poluidor-pagador. Se a pessoa polui, ela
precisa compensar esse dano causado. Outro princípio é o do protetor-recebedor.
Se ela protege esse ecossistema, se o que ela faz, de certa forma, resguarda
para que aquilo continue existindo e se fortalecendo, ela precisa receber por
isso. Além de outros princípios, como da prevenção, da precaução, da
integração, do desenvolvimento sustentável, todos que consideramos necessários,
principalmente, diante da crise climática. A gente precisa ter essas
regiões de costa protegidas para proteger as populações. Assim como quando
a gente protege o leito de um rio com sua mata ciliar, evitamos erosão,
desmoronamento, assoreamento do rio. Ao proteger um bioma marinho, como os
recifes de corais, estamos protegendo a vida no fundo do mar, mas também a vida
nas regiões costeiras. Então, essa lei vai nortear outras, como se fosse uma
espinha dorsal da legislação sobre o mar.
- O projeto, desde sua primeira versão, já
tramita há 12 anos. Por que tanto tempo?
Ele
enfrentou, nesses últimos anos, muitos entraves, muito pela falta de
compreensão da importância da lei. E também por medo de outros entes de
perderem suas competências ou ter prejuízos financeiros. Por exemplo, a Marinha
tinha muita preocupação com relação a perder a gestão que ela sempre teve sobre
os oceanos e o mar, sobre a costa brasileira. E a gente teve muito cuidado em
sentar com os almirantes e ajustar o texto para que ele estivesse alinhado às
legislações internacionais e também para que não retirasse competência de uma
instituição tão importante pro Brasil. Hoje a Marinha é uma aliada do projeto,
pois entendeu a importância de a gente levar a educação ambiental para as
comunidades, de a gente compreender melhor o fluxo da poluição e envolver a
comunidade para evitar que o lixo seja jogado nos oceanos.
- Houve outras resistências?
Também
tivemos resistência, em determinado momento, da pesca industrial, que imaginou
que nós fôssemos proibir alguma coisa, impedir que eles pudessem continuar
exercendo a função deles de gerar emprego, de gerar impostos, de produzir
alimentos. De maneira alguma a lei prejudica. Muito pelo contrário. Quando
a gente conseguiu provar para o setor que a lei vai dar mais segurança jurídica
para que eles continuem a atividade de exploração, mas de forma sustentável,
que com isso eles vão conseguir alcançar outros mercados que eles não
conseguiriam vender seus produtos, a pesca industrial, hoje até a Frente
Parlamentar da Agropecuária, a FPA, que abraça esse setor, está declarando
apoio à lei. Então, a demora que nós tivemos foi para explicar melhor o
intuito do projeto e fazer os ajustes em determinados setores e segmentos da
sociedade que têm muita influência no Parlamento. Hoje eu diria que há ainda
uma resistência, mas de 10% do que eu percebia no início quando comecei a
relatar o projeto.
- E qual é a posição de setores de energia
que hoje têm muito interesse em explorar o mar, como, por exemplo, a
Petrobras e o setor de eólicas offshore, além da mineração em
alto-mar?
A gente
recebeu com alguma preocupação alguns pedidos desses setores. Mas, na verdade,
era por falta de compreensão do que a gente trazia ali no texto. Para dar mais
segurança jurídica, a gente fez alguns ajustes para poder mostrar a eles que
nosso intuito era que nenhuma atividade econômica fosse prejudicada, mas que a
gente trouxesse uma série de seguranças para que eventuais acidentes não
ocorressem.
- E o que muda na prática? Se já houvesse
essa lei quando ocorreu aquele derramamento de petróleo na costa
brasileira em 2019, como a resposta teria sido diferente? O que mudaria na
atuação do país frente a um desastre como aquele se essa lei for aprovada?
A gente
saberia o que o município deveria fazer naquele momento, saberia o que seria a
competência do Estado fazer, saberia a forma correta de descartar aquele
material, saberia como a comunidade poderia se envolver. A lei traz que é
preciso construir um plano de emergência, um plano de área, é preciso discutir
o plano nacional de contingência e adaptar ele a cada realidade de cada
comunidade. A gente dá as diretrizes e cria obrigações para que cada um se
envolva. Então, a lei é um instrumento maior de direcionamento, de criação de
instrumentos, de princípios com objetivos claros. É uma espinha dorsal para a
gente construir uma série de outras legislações e regulamentações a partir
dela.
- O Brasil está hoje passando por um
processo em que tanto o governo quanto a Petrobras querem aumentar a
produção de petróleo, e boa parte disso vai se dar na forma de exploração
no mar, como mostram os planos para a Margem Equatorial, que inclui a Foz
do Amazonas, o que traz uma série de riscos de acidentes. A lei prevê
algum tipo de ordenamento para isso?
Em
primeiro lugar, é importante entender que ela não proíbe nem autoriza. Mas
traz a necessidade de envolvimento da comunidade na discussão sobre aquele
empreendimento. E traz uma série de estudos necessários para a realização de
qualquer tipo de intervenção à natureza, uma série de políticas de
contingenciamento em caso de algum acidente, por exemplo. Traz esses
instrumentos que vão servir para que a gente consiga proteger os nossos
oceanos.
A gente
compreende que a realidade que nós vivemos ainda impõe a utilização de certos
combustíveis. No que dependesse da vontade deste legislador, a gente não
avançaria mais avançado nesse aspecto de combustíveis fósseis no país. Mas
a gente vê algum avanço da produção de hidrogênio verde por parte do presidente
Lula. Ainda é um pouco tímido, na minha opinião, mas ele tem sinalizado nesse
sentido. O presidente e a Petrobras não vão abrir mão de explorar
determinados campos de petróleo a serem descobertos. E, se isso for feito, que
seja feito com cuidado devido, com precaução. O que a lei traz é isso. É o
envolvimento das comunidades, é o cuidado, é o investimento na ciência para que
a gente possa prevenir e mitigar danos.
- Mas, apesar de não proibir, se levados a
cabo todos esses processos, ela poderia restringir ou orientar um uso
diferente? Porque hoje, se forem instalados todos os muitos projetos que
existem para o mar, todas as plataformas de petróleo, as eólicas, toda a
pesca, é de se imaginar que não vai ser possível comportar tudo. A lei
prevê um reequilíbrio de todas essas forças?
Isso
ela poderia. Teria que rearranjar essas forças. Porque ela não proíbe, mas
envolve o setor público, o setor privado, a sociedade civil. Ela constrói
programas de educação ambiental. Ela educa. O que deixa o texto muito rico é
que ele é atemporal. Quando a gente fala de regras simples de distanciamento
mínimo da linha do mar para construção de uma plataforma de petróleo, por
exemplo, isso é algo que, com o passar de poucos anos, pode não fazer mais
sentido. A importância dessa lei é que ela não tem regras simples para proibir
ou incentivar alguma coisa. Mas princípios que vão nortear as futuras
atividades que podem surgir no mar e aquelas que, naturalmente, as comunidades
podem não mais querer. Um dos pontos importantes dessa lei para o Brasil é a
criação de uma consciência oceânica da população. Ter princípios para que a
gente possa se relacionar com esse ecossistema marinho de forma que não o
prejudique e que possamos usufruir dele no futuro é um outro caminho. A gente
só quer proteger esse ecossistema e proteger todos aqueles que vivem desse
ecossistema.
Fonte:
Por Giovana Girardi, da Agencia Pública
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