'Europeus
aproveitadores', 'Biden falhou': As mensagens que repórter recebeu por engano
Mensagens
trocadas por figuras do alto escalão do governo Trump e divulgadas pela revista
"The Atlantic" mostram desprezo por aliados europeus e foco em se
contrapor à gestão anterior, de Joe Biden, na Casa Branca.
O editor-chefe da revista americana
foi incluído sem querer em um grupo de conversas do governo Trump que
compartilhou mensagens ultrassecretas, que anteciparam planos de guerra contra os
rebeldes Houthis no Iêmen.
Jeffrey
Goldberg foi incluído em um grupo no aplicativo Signal que incluía o
vice-presidente, JD Vance, o secretário de Defesa, Pete Hegseth, e o secretário
de Estado, Marco Rubio. "Eu tinha várias dúvidas sobre se esse grupo era
real", afirmou, em reportagem publicada na segunda-feira (24).
Ele só
acreditou na veracidade das mensagens com o início dos ataques lançados de
porta-aviões americanos sobre alvos houthis. O porta-voz do Conselho de Segurança
Nacional, vinculado à Casa Branca, confirmou que "parece ser uma troca de
mensagens verdadeira" e que está revisando seus protocolos para saber como
o jornalista foi adicionado ao grupo.
O
jornal "The New York Times" classificou o episódio como "uma
falha extraordinária" de segurança.
O
aplicativo Signal não é um canal autorizado pelo governo americano para o
compartilhamento de informações sigilosas. Existem sistemas do próprio
Executivo exclusivos para esse propósito.
O
relato de Goldberg mostra momentos em que Vance e Hegseth criticam diretamente
as potências europeias aliadas dos EUA. Ao discutir ataques aos Houthis, que
têm bloqueado algumas rotas marítimas no Oriente Médio, o vice-presidente
lembra que apenas "3% do comércio americano passa pelo Canal de
Suez", enquanto "40% do comércio europeu passa por lá".
"Eu
apenas odeio salvar a Europa de novo", critica Vance, ao deixar implícito
que uma operação dos EUA contra os Houthis supostamente ajudaria mais os
europeus do que os americanos.
"Eu
compartilho totalmente do seu desprezo pelos aproveitadores europeus. É
PATÉTICO", concorda Hegseth, em resposta. "Mas o Mike está correto,
nós somos os únicos do planeta (do nosso lado do muro) que podem fazer
isso", completa o secretário de Defesa. Não está claro, pela reportagem,
quem é o Mike ao qual ele se refere.
Em
outro momento, Hegseth discute com Vance um possível adiamento da operação
militar no Iêmen. Em uma das mensagens, ele discute o impacto que a campanha
militar vai causar na opinião pública.
"Acho
que a mensagem vai ser difícil de qualquer maneira – ninguém sabe quem são os
Houthis – e é por isso que precisamos nos concentrar em: 1) Biden falhou e 2) o
Irã financiou", argumenta o secretário.
A
reportagem da "Atlantic" aponta que, logo após os ataques aos
Houthis, o assessor de Trump Michael Waltz deu entrevistas contrapondo as ações
no Iêmen de seu governo às da gestão Biden, que ele classificou de
"alfinetadas" pouco efetivas.
·
Solicitação por engano
Goldberg
conta que a história começou em 11 de março, quando ele recebeu uma solicitação
do aplicativo de mensagens Signal de um usuário identificado como Michael Waltz, assessor de Trump para
assuntos de segurança.
"Eu
não conseguia acreditar que a liderança da segurança nacional dos Estados Unidos iria comunicar no Signal sobre planos
de guerra iminentes. Eu também não conseguia acreditar que o conselheiro de
segurança nacional do presidente seria tão imprudente a ponto de incluir o
editor-chefe do 'The Atlantic' em tais discussões com altos funcionários dos
EUA, até e incluindo o vice-presidente", escreveu Goldberg.
A
partir do dia 14 de março, conta Goldberg, JD Vance e Pete Hegseth passam a
discutir assuntos sensíveis, em partivular sobre um bombardeio ao território do
Iêmen — de onde os Houthis têm lançado ataques para bloquear rotas marítimas no
Mar Vermelho, causando prejuízos ao porto israelense de Eilat.
Goldberg
afirma que, no dia 15 de março, o secretário de Defesa postou no grupo diversas
informações sobre alvos e detalhes operacionais sobre ataques aos Houthis. As
mensagens não foram reproduzidas em seu artigo porque "as informações
contidas neles, se tivessem sido lidas por um adversário dos Estados Unidos,
poderiam ter colocado em risco militares e pessoal de inteligência americanos,
particularmente no Oriente Médio".
O
jornalista só teve certeza de que as mensagens vinham, de fato, do primeiro
escalão do governo Trump, no início da tarde do dia 15 de março, quando ele
entrou na rede social X e checou o que estava sendo falado sobre o Iêmen, e viu
que bombardeios estavam sendo reportados na capital, Sanaa — no mesmo
horário em que as mensagens de Hegseth apontava como o início da operação.
Goldberg
afirma que conseguiu a confirmação de que o grupo era real dias depois, após
questionar o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional.
"A
troca de mensagens que foi relatada parece ser autêntica, e estamos revisando
como um número inadvertido foi adicionado ao grupo", disse o porta-voz,
Brian Hughes, em nota. "O tópico é uma demonstração da coordenação
política profunda e ponderada entre autoridades sêniores. O sucesso contínuo da
operação contra os Houthis demonstra que não houve ameaças aos nossos militares
ou à nossa segurança nacional."
Segundo
a "Atlantic", Michael Waltz e os integrantes do grupo podem ter
violado diversas leis, incluindo a Lei de Espionagem de 1917, que pune quem
coloca em risco as relações exteriores e informações sensíveis à segurança dos
Estados Unidos.
¨
O desprezo pela Europa vazado em conversas do gabinete de
Defesa de Trump que horroriza a União Europeia
"É
horrível de se ver com todas as letras. Mas não é surpreendente", foi
assim que um importante diplomata europeu reagiu ao que parece ser um profundo
e sincero desdém pelos aliados na Europa, depois que um bate-papo em grupo no
aplicativo Signal entre
as principais autoridades de segurança e defesa dos EUA se tornou público na
segunda-feira (24/3).
O
editor-chefe da revista americana The Atlantic, Jeffrey Goldberg, foi convidado
aparentemente por acidente para o bate-papo, que discutia os ataques planejados
contra os rebeldes houthi no
Iêmen com o objetivo de desbloquear as rotas comerciais no Canal de Suez.
Posteriormente, ele tornou pública a conversa.
No
bate-papo, o vice-presidente J.D. Vance observa que
apenas 3% do tráfego comercial dos EUA passa pelo canal, em comparação com 40%
do tráfego comercial europeu, após ele e o secretário de Defesa, Pete Hegseth,
reclamarem do "oportunismo" da Europa.
A falha
monumental de segurança está causando comoção nos EUA, com os democratas
pedindo a renúncia de Hegseth como resultado.
Do
outro lado do Atlântico, os líderes e formuladores de políticas europeus se sentiram
"enojados", como me disse uma autoridade da União Europeia (UE).
As
autoridades citadas nesta reportagem estão falando sob condição de anonimato
para comentar livremente sobre os tempos voláteis nas relações entre os EUA e a
Europa. Nenhuma declaração pública será feita para não complicar ainda mais a
situação transatlântica.
Vance
surpreendeu pela primeira vez as autoridades europeias com seu discurso na Conferência de Segurança
de Munique,
no mês passado, condenando o continente por ter valores equivocados, como a
proteção a clínicas de aborto e o que chamou de "censura à liberdade de
expressão" na mídia e online — o "inimigo de dentro", nas
palavras dele.
O
"vazamento" do bate-papo no Signal, na segunda-feira, acontece em
meio a uma série de tensões, mal-estares e temores na Europa, que já não pode
mais confiar no governo Trump como o maior aliado do continente, justamente em
um momento em que o continente europeu se vê diante de uma Rússia ressurgente.
Desde
a Segunda Guerra Mundial, a Europa Ocidental conta com o apoio
dos EUA em
termos de segurança e defesa.
Mas é
justamente esse fato que irrita o governo Trump, e que consolidou a Europa em
sua mente como "aproveitadora".
Enquanto
os EUA destinam 3,7% do seu monumental Produto Interno Bruto (PIB) para a
defesa, a maioria dos membros europeus da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (Otan) relutou até recentemente em contribuir com 2% do seu PIB. Alguns,
como as grandes economias da Espanha e Itália, ainda nem sequer chegaram a este
patamar, embora digam que planejam fazer isso em breve.
A
Europa depende fortemente dos EUA, entre outras coisas, em termos de
inteligência, de capacidades de defesa aérea e do seu guarda-chuva nuclear.
Com a
eliminação gradual do serviço militar obrigatório na maioria dos países
europeus, o continente também depende dos cerca de 100 mil soldados americanos
prontos para o combate, que estão a postos na Europa para ajudar a dissuadir
potenciais agressores.
Os
europeus têm se concentrado em investir mais em bem-estar e serviços sociais do
que em defesa — coletiva ou de outro tipo — desde o colapso da União Soviética e o fim
da Guerra Fria. Por que os EUA
deveriam assumir essa responsabilidade?, se pergunta o governo Trump.
No
bate-papo em grupo que vazou, o conselheiro de segurança nacional da Casa
Branca, Michael Waltz, lamenta o estado das forças navais da Europa. "Os
EUA vão ter que reabrir essas rotas marítimas [de Suez]".
Os
integrantes do bate-papo discutem então como garantir que a Europa remunere os
EUA por suas ações.
"Se
os EUA restaurarem com sucesso a liberdade de navegação a um custo elevado, é
necessário que haja algum ganho econômico adicional em troca", afirma uma
mensagem de alguém chamado SM — que se presume ser o vice-chefe de gabinete da
Casa Branca, Stephen Miller.
A Europa agora está discutindo
publicamente a
possibilidade de gastar muito mais em sua própria defesa — na esperança de
manter o presidente americano, Donald Trump, ao seu lado, e uma
Rússia agressiva acuada depois da guerra na Ucrânia.
Mas a
irritação de Trump com a Europa não é novidade.
Ele
demonstrou seu descontentamento durante seu primeiro mandato: furioso com os
baixos gastos da Europa com defesa; e indignado com o superávit comercial da
União Europeia com os EUA.
Os
Estados Unidos já estavam sendo enganados há muito tempo, e isso precisava
acabar, parecia ser sua sensação.
A
imposição de tarifas comerciais foi uma das primeiras respostas de Trump. Tanto
naquela época, quanto agora.
No
início deste mês, quando Trump ameaçou impor tarifas exorbitantes de 200% sobre
as bebidas alcoólicas europeias, em uma guerra comercial em curso, ele criticou
a União Europeia como "abusiva" e "hostil" por supostamente
tirar vantagem dos EUA em qualquer oportunidade.
Coincidindo
de forma desconfortável com o "vazamento" do bate-papo do Signal e
seus ataques aos europeus, o comissário de comércio da União Europeia, Maros
Sefcovic, e o chefe de gabinete da presidente da Comissão Europeia, Ursula von
der Leyen, chegaram a Washington na terça-feira (25/3), esperando lançar uma
ofensiva sedutora para tentar evitar um novo ataque tarifário.
Na área
de defesa, Donald Trump ameaçou repetidamente que os EUA não protegeriam os
países que "não pagassem".
Seu
candidato para ser o próximo embaixador dos EUA na Otan diz que isso significa
que os europeus devem gastar 5% do PIB.
Atualmente,
o Reino Unido gasta 2,3% do PIB em defesa, com o objetivo de chegar a 2,6% até
2027. A França destina anualmente 2,1% do PIB para despesas militares.
Durante
a Guerra Fria, o inimigo comum era a União Soviética, que incluía grande parte
da Europa Oriental.
Os EUA
queriam manter a Europa Ocidental por perto, e militarmente dependente.
Desde
então, tem havido uma apatia crescente em relação à Otan e à Europa.
Principalmente após os ataques de 11 de setembro às torres
gêmeas nos EUA.
As
atenções em Washington se voltaram para o Iraque e o Afeganistão — e para a
China.
O
presidente Barack Obama deixou claro que queria que a Ásia fosse sua principal
prioridade em política externa.
Trump
está longe de ser o primeiro presidente dos EUA a reclamar da relutância da
Europa em fazer mais e gastar mais em sua própria defesa.
Com
Trump, no entanto, também existe uma profunda divisão ideológica em relação aos
valores sociais, como J.D. Vance mencionou em Munique. Mas não é só isso.
Trump
demonstra — e isso é fundamental — não apenas uma antipatia pela Europa e uma
impaciência para acabar com a guerra na Ucrânia, mas também uma
afinidade com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em um momento em
que a Europa o considera uma ameaça imediata à segurança e ao bem-estar de todo
o continente.
Fonte: g1/BBC
News
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