quarta-feira, 26 de março de 2025

O “Centrão” e os Impasses da Democracia no Brasil

Que classes ou forças sociais compõem o Centrão? Por que ele é tão presente e, num certo sentido, fundamental para analisar governos e políticas governamentais no Brasil? A resposta é um desafio. No entanto, há um certo acordo tanto na esquerda como na direita do espectro político brasileiro que, sem o Centrão, a própria governabilidade é inviável. Considerar como uma amálgama de classes médias é se esquivar e evitar uma análise mais acurada. Sem dúvida existe uma forte presença de “classes médias” na sua múltipla composição, mas não são elas que definem a agenda do ator político Centrão que temos.

O Centrão surgiu no processo Constituinte dos anos 1980. Na época, agrupou grande parte de forças civis que compuseram a bancada da ARENA, na ditadura militar, como um suporte civil no parlamento para a ditadura e em oposição ao MDB, que agrupou a oposição tipo aceitável e palatável para o regime ditatorial, mas sempre sob permanente ameaça de exclusão/cassação e até repressão das vozes mais dissidentes e críticas. O fato fundamental é que a invenção do Centrão contaminou e encurralou a Constituinte e o processo de redemocratização. O Sarney, primeiro presidente na redemocratização, foi presidente da ARENA e vice do hábil Tancredo para viabilizar o processo de eleição presidencial no “Colégio Eleitoral” – o Congresso eleitor da ditadura. Acho que há uma quase unanimidade que a nova Constituição conseguiu dar um rumo democrático ao país, mas veio viciada por um vírus que não mata, mas limita o poder transformador de uma democracia minimamente voltada ao bem comum coletivo.

Mas o que dá vida e durabilidade ao Centrão nestes mais de 30 anos de democracia encurralada que temos? Claro que forças políticas tem base em classes na sociedade para poder existir. Mas aqui estamos diante de amálgama complexo, pois agrupa frações de classe dominante, como agronegócio, pequenos empresários e os tais empreendedores, interesses que se escondem atrás de igrejas que tem raízes em amplos setores populares deixados ao léu, com múltiplos grupos das sempre complexas classes médias, trabalhadores assalariados com cargos mais bem remunerados e profissionais liberais. Um conjunto fisiológico mais do que força política com programa, mas não necessariamente autoritário. É um montão de partidos, com nomes que vão mudando e novos surgindo. O Centrão tende a ser algo como o ditado “já que a farinha é pouca, meu pirão primeiro”. Por isto é volátil e, sobretudo oportunista e fisiológico. Pode apoiar a direita raivosa se sentir que é não devidamente atendido pelo governo mais à esquerda. Assim como pode apoiar a esquerda com agenda mínima de promoção de direitos iguais democráticos – o conjunto de sindicatos, movimentos sociais organizados, intelectuais ativistas, ONGs, redes e fóruns sociais, grupos discriminados ou considerados intoleráveis por conservadores. Mas nunca vai deixar de lado os seus interesses corporativos de Centrão. Definitivamente, a marca registrada do Centrão – como expressão política no Brasil – é mais oportunista e fisiológica do que outra característica, não um programa ou projeto de pais. Politicamente, as forças políticas do Centrão ficam satisfeitas se generosamente contempladas pelo orçamento – emendas parlamentares ou políticas públicas direcionadas a seus redutos eleitorais.

Importa esclarecer que expressões políticas de centro sempre podem e existem em qualquer democracia, sobretudo de forças entre os polos esquerda e direita. Num certo sentido é o nosso PSDB e o que o MDB se tornou. Há, sim outras forças de centro, mas menos robustas, na profusão de partidos que temos. Também são um pêndulo, para um lado ou outro, que pode ser decisivo em muitas conjunturas políticas, como por sinal foi na última eleição do Lula presidente. Mas, do que vejo como analista, não existe algo tão influente e decisivo na esfera política como o bolo do Centrão, nestes anoss do Brasil democrático contemporâneo. Aqui ninguém governa sem o Centrãoque precisa ser atendido em seus interesses paroquiais. Entre nós é um mosaico e não um acordo programático, por definição um tanto volátil, mas decisivo.

O fato político incontornável é a proeminência do Centrão no Congresso do Brasil. Hoje é o fator de equilíbrio. Ninguém consegue governar sem apoio majoritário do complexo Centrão, seja Bolsonaro da extrema direita ou o Lula do PT e aliança de esquerda em torno a ele. As agendas e reformas passam pelo voto do Centrão no Congresso, que sempre exige concessões ou compensações. Hoje as emendas parlamentares cobram 50 bilhões para atender seus nichos eleitorais, sem consideração nenhuma aos programas e políticas governamentais. Parece e é uma certa herança do “coronelismo” vigente na Primeira República, onde territórios/municípios pequenos tem “donos”, como verdadeiros redutos eleitorais.

Esta realidade nos obriga a pensar o chão da sociedade, os territórios em que vivemos. As heterogêneas expressões partidárias do Centrão tem demonstrado capacidade em obter apoio local, como mostraram as últimas eleições municipais de outubro de 2024, em todos os mais de cinco mil municípios brasileiros. Isto coloca um desafio tremendo para o que vai acontecer nas eleições em 2026, tanto presidencial como de governadores, de deputados e senadores do Congresso Nacional e membros das Assembleias Legislativas, em todos os Estados da Federação, independentemente de tamanho territorial ou número de eleitores. Nada indica uma possível mudança significativa. Provavelmente a disputa será entre os extremos,  direita extrema e coalizão de esquerda. Mas o Centrão tem tudo para continuar como o pêndulo político, o que ele é na prática, por que está bem enraizado nos territórios de todo país.

Não creio que forças democráticas de esquerda tentem radicalizar minimamente a agenda em busca de voto mais comprometido com direitos iguais e mudanças. Aliás, as eleições  apontam para o repeteco do que foi a eleição de 2022, onde os votos deram a vitória a Lula, mas  por pequena margem,  junto com um Centrão ampliado no Congresso. Objetivamente, como cidadanias, estamos paralisados diante de um quadro político assim. Aliás, durante este Governo Lula III a maior apatia e a espera paralisa vozes ativas da cidadania, com exceção de indígenas, MST e algo do MTST. Creio que acontecem muitas coisas no chão dos múltiplos territórios que nos compõem como país, mas pouco, muito pouco, chega até o debate público.

Enfim, parece simples tratar o Centrão, mas politicamente não é. Estamos diante de um osso duro de roer e enfrentar. Não se governa sem ele. Até quando? E temos no horizonte a expansão da extrema direita aqui e pelo mundo, como um vírus ainda sem vacina, destruindo as instituições e as políticas democráticas, o sentido do comum, do convívio social, do respeito da diversidade e do cuidado tanto de gente como da natureza. Uma ameaça e tanto! Felizmente, a esperança é a última que morre. Mas o que e como agir é uma busca e aprendizado coletivo. O certo é que tudo que foi feito pode também ser desfeito…

¨      Partidos que formam o Centrão relutam em pedir urgência para a anistia

Os partidos do centrão já descartam Jair Bolsonaro (PL) como possível candidato à presidência de República em 2026 e relutam em embarcar no pedido de urgência da votação da anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8/1.

Os presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP) estão cuidando de seus interesses nas eleições de 2026. O deputado precisa se reeleger e o senador, que ainda tem mais quatro anos de mandato, está pavimentando as reeleições dos parlamentares que o conduziram à presidência do Senado.

JOGO DUPLO

Nisso, está inserida uma negociação com o governo e um jogo duplo com Lula. O governo tem que cuidar dos quase dois anos que restam para Lula e precisa do centrão.

 É nesse contexto que se dá a discussão sobre a anistia. O centrão está obviamente acomodando isso em um banho-maria. Ainda que passasse na Câmara, seria brecado no Senado. Não há nenhuma disposição do Hugo Motta em pautar isso na Câmara nesse momento. Pode até ser lá na frente, mas não agora.

Há, sim, um jogo duplo e isso ficou claro na bancada evangélica. Sóstenes ainda não obteve as assinaturas de urgência. Ele repetiu que tem um requerimento pronto, mas as assinaturas ainda não estão lá.

¨      Sem anistia, sem perdão! Por Denise Assis

Nesta terça-feira, quando os olhos do país estiverem grudados no julgamento da denúncia sobre o núcleo 1 da PET 12.100, muitos outros julgamentos estarão desfilando historicamente naquela sala do Supremo Tribunal Federal.

Não há como olhar para o cenário em que nomes como o do capitão Jair Bolsonaro; do general Augusto Heleno; do general Walter Braga Netto; do general Paulo Sérgio Nogueira; do almirante Almir Garnier; do tenente-coronel Mauro Cid... farão inevitavelmente um link com a data vindoura, de 31 de março, com o 2016, que tanta dor e retrocesso nos trouxeram, e com toda a ameaça que sempre esteve sobre as nossas cabeças durante o hiato democrático que vivemos entre um golpe e outro.

Não há como não ver assim o desfilar de provas, de descrição de fatos e planos sórdidos. Sempre envolvendo mortes, terror e medo. Chega de medo, é o que precisamos dizer a nós mesmos. Ou passamos a nossa história a limpo agora, com honestidade e dignidade, ou seguiremos de joelhos até a próxima reviravolta. Basta.

Dada a importância do que acontecerá ali, o ministro do STF Luís Roberto Barroso, que não pertence à Primeira Turma – composta por: Cristiano Zanin; Luiz Fux; Flávio Dino; Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes –, mas que preside a casa, vai “dar uma passada” por lá, prometeu. Impossível ficar alheio ao momento histórico.

Os demais ministros que compõem o STF: Edson Fachin, Dias Toffoli, Nunes Marques, André Mendonça e o decano Gilmar Mendes acompanharão atentamente online. Aos réus é dada a prerrogativa de não estarem presentes. Se o fizessem, deveriam estar: fardados de verde-oliva, com gravata bege, traje correspondente ao social, para os civis. Os da reserva usariam ternos.

A sessão obedecerá ao rito previsto no regimento interno do Supremo Tribunal Federal:

  1. Abertura da sessão pelo presidente.
  2. Leitura do relatório pelo relator.
  3. Sustentação oral do PGR por 30 minutos.
  4. Sustentação oral das defesas (8 réus, 15 minutos para cada – ordem definida pelo presidente).
  5. Voto do relator nas preliminares.
  6. Votos dos demais ministros sobre preliminares (ordem: Dino, Fux, Cármen e Zanin; presidente).
  7. Voto do relator no mérito da denúncia.
  8. Votos dos demais ministros sobre o mérito (ordem: Dino, Fux, Cármen e Zanin; presidente).

São esperadas manobras, chicanas e outros artifícios, por parte das defesas, que, diante do manancial de provas, poucos recursos terão para tentar aliviar a situação dos clientes. O que corre pelos corredores de Brasília é que os ministros não deixarão barato. O placar deve ser de 5 × 0. Como tenho um pouco de São Tomé, prefiro pagar para ver, embora acredite que, diante da bem-fundamentada decisão do procurador Paulo Gonet, não restará alternativa, senão tornar réus, de fato, os oito acusados.

Dentre a montanha de provas, há uma verdadeira pérola, irrefutável: a reunião de 5 de junho de 2022.

Ali, cada personagem do plano golpista teve sua fala reveladora. Paulo Sérgio afirmou que era preciso avançar com a artilharia para a linha de frente antes da eleição (de outubro, que daria vitória a Lula); Augusto Heleno declarou, alto e bom som, que era necessário “virar a mesa” antes do pleito, porque depois pouco adiantaria (antecipando a vitória de Lula). E Bolsonaro, que todos vimos, assistimos, sabemos! Também demonstrou sua ansiedade de partir logo para o que “deveria” ser feito.

Tudo isso, dentro do Palácio do Planalto! O espaço público de onde os eleitos nos presidem democraticamente, à luz da Constituição. Vimos, assistimos, sabemos!

Os que ali estiveram ou os que contribuíram em acampamentos, projetos terroristas, manifestações radicais, tinham plena consciência do que estavam fazendo. Tiveram escolha: acatar o resultado das urnas ou atentar contra a democracia. Optaram pela via ilegal, ilegítima da violência contra todo um país e sua vontade expressa nas urnas.

Talvez, porque falte a essa geração a memória comparativa entre o antes – a ditadura –, e o depois, a democracia descompromissada, que não exigiu deles nenhuma luta, nenhuma coragem, nenhuma atitude, falte-lhes também o sentimento do perigo, a dimensão da perda de liberdade, o resvalar para a opressão.

Por isso, penas conforme o Código de Processo Penal, que somadas chegam a 14 anos, causem perplexidade. Não deviam. Porque se tivessem ideia absoluta das consequências e riscos, saberiam que a morte da democracia seria a morte de todos nós, aos poucos, no arbítrio. E para os muito jovens que não sabem o que é arbítrio, eu posso traduzir: tortura, morte, desaparecimento, ações do Estado à margem de qualquer lei.

Pois que se faça, nesta terça-feira, 25 de março, a prevalência da lei. A limpeza histórica do entulho autoritário. A restituição plena do Estado de Direito.

 

Fonte: Por Cândido Grzybowski, em Sentidos e Rumos/UOL/Brasil 247

 

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