Movimento
red pill expõe misoginia nas redes sociais
Nos
últimos anos, influenciadores que instigam atitudes misóginas têm experimentado
um aumento de popularidade nas redes sociais. Seguidores do chamado movimento
red pill, eles promovem ideias sexistas que, muitas vezes, justificam o abuso e
a violência contra as mulheres.
Muitos
deles acumularam seguidores e prestígio, o que gera preocupações sobre a
normalização da misoginia na sociedade, especialmente entre homens jovens que
são atraídos pela confiança e assertividade que esses influenciadores exibem.
O termo
red pill surgiu como uma referência à pílula vermelha do filme Matrix (dirigido
pelas irmãs transgêneras Lana e Lilly Wachowski), no qual o protagonista pode
escolher entre tomar a pílula azul e continuar num mundo de ilusões, ou engolir
a vermelha e ser confrontado com a realidade nua e crua.
É uma
ideologia que defende que os homens são naturalmente superiores às mulheres em
inteligência, liderança e sociabilidade. Nessa visão de mundo, o feminismo e a
luta por igualdade são formas de opressão dos homens.
Especialistas
veem no movimento red pill uma reação às conquistas sociais por movimentos de
igualdade de direitos para mulheres, negros e comunidade LGBTQIA+, que fazem
muitos homens se sentirem ameaçados por perderem espaço social.
Um dos
expoentes desse universo é o britânico-americano Andrew Tate. O influenciador é
ex-participante do Big Brother do Reino Unido e já declarou que "mulheres
são propriedades de homens". Ele e seu irmão Tristan enfrentam acusações
de tráfico humano e estupro.
Os Tate
– que têm dupla nacionalidade – haviam sido detidos no final de 2022 na Romênia
e formalmente acusados no ano passado de terem participado numa rede criminosa
que atraía mulheres para ao país europeu, onde elas eram exploradas
sexualmente. Andrew Tate também foi acusado de estupro. Segundo a acusação, os
dois foram responsáveis pela exploração sexual de pelo menos 35 mulheres,
incluindo uma adolescente de 15 anos. Desde 2022, os dois passaram vários
períodos na cadeia e em prisão domiciliar na Romênia antes de serem finalmente
soltos.
Os
irmãos Tate também são acusados de estupro no Reino Unido, que entrou com um
pedido de extradição na Romênia. No entanto, em dezembro, um tribunal romeno
decidiu que o caso não podia ir a julgamento devido a múltiplas irregularidades
legais e processuais por parte do Ministério Público. O caso continua em
aberto.
No
final de fevereiro, os irmãos Tate deixaram a Romênia, após as autoridades
romenas suspenderem a proibição para que os dois deixassem o país, e viajaram
para os Estados Unidos.
• Red pill no Brasil
Em
2023, um caso envolvendo o influenciador Thiago Schutz e a humorista Lívia La
Gatto chamou a atenção para o movimento red pill no Brasil. O influenciador
brasileiro, de 34 anos, se apresenta como "coach de masculinidade".
Ele
ficou conhecido por um vídeo no qual apresenta suas ideias de manipulação
feminina com o exemplo de uma mulher que oferece cerveja a um homem que bebe
Campari. Foi aí que ele ganhou os apelidos de Coach do Campari e Calvo do
Campari.
La
Gatto é uma atriz e roteirista, defensora da igualdade de gênero e dos direitos
das mulheres. Após publicar um vídeo em que parodia os "ensinamentos"
de Schutz, ela passou a receber ameaças dele, que chegou a afirmar "é
processo ou bala".
Schutz,
que na verdade se chama Schoba, foi denunciado à Justiça e está com sua conta
pessoal do Instagram suspensa. A página profissional do seu treinamento,
contudo, permanece ativa, com 342 mil seguidores.
O
perfil de Schutz, que se chama Manual Red Pill, é apenas uma das centenas de
perfis que pregam a superioridade masculina nas redes sociais. As ideias de
Andrew Tate já foram reproduzidas na página do brasileiro.
• "Misandria" na legislação
A
professora Jeane Félix, que pesquisa gênero, sexualidade e juventudes na
Universidade Federal de Alagoas, afirma que o red pill estimula a
desvalorização e objetificação das mulheres, "o que é um prato cheio para
a violência de gênero".
A
pesquisadora afirma que a cultura red pill também pode gerar um impacto
negativo na saúde mental do próprio público masculino, como problemas como
ansiedade, ao pressionar por atitudes consideradas masculinas, como reprimir
emoções.
O
movimento red pill sustenta que há misandria, ou seja, uma discriminação dos
homens, em legislações. De acordo com essa perspectiva, legislação em vigor em
vários países favorece as mulheres em detrimento dos homens, principalmente em
questões relacionadas à guarda dos filhos, pensão alimentícia e acusações de
violência. Para defensores do grupo, a Lei Maria da Penha seria um exemplo
disso.
"Como
mulher, fico extremamente preocupada com o retrocesso no que nós lutamos
arduamente para conquistar. Mas, como cientista, sei que essas ideias não se
sustentam", afirma Félix.
Pesquisas
mostram que bem menos da metade das mulheres vítimas de agressão faz uma
denúncia. Entre as muitas razões, isso se deve à dependência financeira, à
preocupação com a criação dos filhos, à vergonha pela agressão sofrida e ao
medo do agressor.
• Educação sexual nas escolas
O
episódio envolvendo Schutz e La Gatto evidenciou a força que ideologia red pill
tem ganhado no Brasil, especialmente em fóruns na internet e nas redes sociais,
onde qualquer pessoa pode compartilhar suas opiniões e crenças, por mais
ofensivas que sejam.
Mas,
para a professora Félix, a força do movimento red pill no Brasil é também fruto
da falta de debate sobre gênero nas escolas.
Ela
argumenta que a educação sexual foi sendo gradativamente deixada de lado nas
escolas. "Desde 2010 essa temática foi sendo polemizada, retrocedendo e
sendo proibida. Há quase uma interdição de se falar de gênero na escola, com
perseguições e demissões para quem tenta. Construíram um factoide da ideologia
de gênero , e pessoas que nem sabem o que é essa ideia já são contra",
afirma.
Quem
acaba tomando o lugar que a escola deveria ter na educação sexual são as redes
sociais, que já são a principal fonte de informação dos brasileiros. Um
levantamento da Reuters Institute Digital Report mostrou que, em 2022, elas
foram fonte de informação para 64% dos brasileiros, 9 pontos percentuais à
frente da televisão.
Essa
preferência é puxada sobretudo pelo comportamento do público jovem, conforme
estudo do site Meio e Mensagem. E é nesse cenário que influenciadores digitais
se destacam, como o próprio nome diz, influenciando seus seguidores.
Para
Félix, é por essa razão que conteúdos educacionais também devem estar mais
presentes nas redes sociais. "A desconstrução dessa mensagem opressora
passa inevitavelmente pelo uso das redes sociais como um espaço de comunicação
educativo", afirma.
Outro
caminho que a especialista aponta é a retomada do debate sobre gênero e
sexualidade nas escolas, mesmo que na abordagem de outros aspectos.
"Alguns colegas levam o tema para a sala de aula com as discussões de
empoderamento feminino e igualdade de direitos, levam dados de violências
contra as mulheres e a comunidade LGBTQIA+, por exemplo. Acho que é uma
possibilidade, para ir adentrando nessa conversa com mais rapidez e para
dialogar com as famílias, mostrando o impacto positivo de se ter uma educação
nessa temática", comenta.
Fonte:
DW Brasil
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